De antemão, ressalto que a abordagem a ser feita aqui será sobre o condomínio edilício especificamente e para início da linha de raciocínio e análise do tema, é importante compreender a etimologia da palavra condomínio e do que se trata o instituto da confusão
A origem do termo condomínio está no latim CONDOMINIUM que significa “copropriedade”, formado por COM, “junto”, mais DOMINIUM, “poder sobre, comando”, que vem de DOMINUS, “senhor”, derivado de DOMUS, “casa”. Diante do exposto, temos que condomínio, no sentido da palavra, significa copropriedade, ou seja, dois ou mais proprietários de uma mesma coisa. Quanto à confusão, é um instituto previsto no Código Civil em seus arts. 381 a 384, referindo-se estes às obrigações. Contudo, a doutrina tem aplicado este instituto também ao direito real. Tratando-se de condomínio, seria o caso onde todas as unidades autônomas venham a pertencer a uma só pessoa
Expostos os conceitos acima, passamos ao estudo do tema. O código civil de 1916 tratou do condomínio normatizando a relação entre condôminos (coproprietários) no caso de constituição de condomínio sobre certa coisa. Ao observamos mais profundamente perceberemos que condomínio não é uma coisa em si, como uma casa, mas uma condição especial que se constitui sobre determinada coisa, a partir da vontade de quem tem a propriedade ou deseja ter.
Neste sentido, a movimentação do mercado imobiliário fez nascer e se desenvolver um tipo de negócio que se expandiu consideravelmente e exigiu do legislador a regulamentação. Como expõe Caio Mário ao falar do déficit habitacional no Brasil e no mundo e das dificuldades de moradia na primeira metade do Século XX:
Procurando, de seu lado, emergir à tona desta inundação de desconforto, desenvolveu-se ao máximo a técnica de construção, que permitisse o melhor aproveitamento dos espaços e a mais suportável distribuição de encargos econômico, mediante o edifício de apartamentos. Projetou para o alto as edificações, imaginou acumular as residências e aposentos uns sobre os outros criou o arranha-céu, fez as cidades em sentido vertical [...] (“Condomínio e Incorporações”, Ed. Forense, 14ª Ed., 2021, p. 37).,
Este negócio – os edifícios erguidos com unidades sobrepostas, separadas por lajes, que visavam abrigar uma pluralidade de famílias ou empresas, surgiu com características próprias e específicas, tendo sido recepcionado como “condomínio” pela lei 4591 de 1964, diploma legal este que nasceu para regulamentar a instituição e funcionamento desse novo produto do mercado imobiliário. O regime de propriedade horizontal tempos depois foi visto como um condomínio especial pelo Código Civil de 2002, que veio a chamá-lo de “Condomínio Edilício”.
A primeira lei a tratar da propriedade horizontal e vertical foi a lei 4591/64 tendo estabelecido em seus arts. 1º e 8º que condomínio são edificações ou conjunto de edificações de um ou mais pavimentos, como também, casas térreas e assobradadas, construídas sob forma de unidades autônomas. Mais adiante o Código Civil de 2002 dedicou um de seus capítulos para tratar do regime de propriedade horizontal e vertical, reconhecendo tratar-se de um condomínio especial, denominou-o “Condomínio Edilício”, ressaltando sua principal característica ao estabelecer que podem coexistir em edificações partes que são propriedade exclusiva e partes que são de propriedade comum. Por oportuno, ressalta-se que os dois diplomas legais trataram de estabelecer critérios taxativos para a instituição do condomínio edilício, preocupando-se sempre como se estabelecem em unidades autônomas, não tendo apontado a obrigatoriedade de pluralidade de proprietários.
Desta forma, julga-se aqui que o legislador ao positivar e regulamentar o regime de propriedade horizontal e vertical o intitulou como condomínio de forma inadequada. Ora, não há o que questionar quanto ao uso do instituto do condomínio para classificar a multiplicidade de proprietários de unidades autônomas em um edifício, todavia, o regime de propriedade horizontal e vertical é antes de tudo um empreendimento que merece um nome próprio, ligado à sua essência e natureza.
O regime de propriedade horizontal e vertical é um empreendimento que diante de suas especificidades precisa ter personalidade - “vida própria” - para que venha a funcionar e consiga atender aos fins a que se destina. É possível comparar este tipo de empreendimento a uma minicidade, com áreas privativas que abrigam famílias ou empresas e com áreas comuns de circulação e convivência com estrutura diversa para garantir atendimento às mais variadas necessidades de seus moradores ou usuários.
Desta forma, precisa de seu reconhecimento como um ente capaz de estabelecer as mais diversas relações com o mercado em nome próprio, pois precisará contratar serviços de segurança, limpeza e manutenções diversas, contratar seguro e abastecimento de água, energia e gás, junto às concessionárias. Precisa ter capacidade de requerer perante juízo, como também, de responder perante este e tudo mais que seja inerente à personalidade jurídica. E isto em nada se relaciona com a condição de haver um ou uma multiplicidade de proprietários.
É partir daqui que nasce a dúvida que paira sobre a dupla pergunta tema dessa abordagem, como também, suas consequências, como veremos a seguir.
É possível existir condomínio de um único dono? A confusão extingue o condomínio?
De acordo com os conceitos de confusão e condomínio apresentados acima, levados à interpretação literal, a resposta à dupla pergunta acima seria: NÃO e SIM. Contudo, se faz necessário um aprofundamento da discussão para se obter a resposta mais adequada. Com alguns exercícios mentais de fácil compreensão, serão demonstrados os embaraços que podem gerar o fato do legislador ter intitulado o regime de propriedade horizontal e vertical como condomínio. Poderia ter usado qualquer outro nome, menos dar à coisa um nome que se usa para classificar um estado da coisa.
Imagine o seguinte: Um empreendedor constrói, com recursos próprios, um edifício com 05 pavimentos, composto por 10 apartamentos, constituindo-os em unidades autônomas de acordo com os parâmetros exigidos. O empreendedor é proprietário dos 10 apartamentos os quais serão destinados à locação. Com base na interpretação literária, o edifício não poderá ser um condomínio, pois o empreendedor é o único proprietário. Então surge o problema, o empreendedor será obrigado a alienar um dos 10 apartamentos, pelo menos, para caracterizar a multiplicidade de proprietários e possa constituir o condomínio, dando vida jurídica ao seu negócio.
Agora imaginemos que em certo tempo aquele que comprou o apartamento decide vende-lo por um preço abaixo de mercado, e o empreendedor realiza a recompra, voltando a ser o único dono da edificação. Desta forma, continuando com a interpretação literal, o condomínio se extinguiria automaticamente pela confusão. O problema dessa vez é que o empreendedor não poderá aproveitar a oportunidade de recompra com preço descontado, a fim de evitar que o condomínio que se encontra constituído e em funcionamento se extinga automaticamente.
Veja o embaraço que a interpretação literal do instituto pode gerar: Após a venda do apartamento lá no primeiro caso e a constituição do condomínio, o empreendedor alugou os outros nove apartamentos e contratou funcionários, realizou contrato com as concessionárias que abastecem água, energia e gás, contratou seguro da edificação e o condomínio se encontra cobrando judicialmente inquilinos inadimplentes de duas unidades. Considerando que a confusão extingue o condomínio automaticamente, no segundo caso, o empreendedor estaria impedido de recomprar o apartamento do outro proprietário, deixando de aproveitar o preço da unidade abaixo do de mercado, ou, comprando-o, extinguiria o condomínio, gerando um colapso instantâneo no seu funcionamento, comprometendo todos os contratos ativos, inclusive os trabalhistas.
O condomínio simplesmente deixaria de existir e deixaria de figurar como parte nos contratos e processos, seria como a morte da pessoa natural, ou seja, a compra da unidade voltando o empreendedor ser o único dono da edificação, configurando a confusão, seria para o condomínio como apontar o revolver para a cabeça e puxar o gatilho.
E ainda, se assim fosse, pretendendo o empreendedor construir e permanecer com os dez apartamentos, estaria impedido de constituir condomínio e de operacionalizar o funcionamento do seu empreendimento. Tudo isso se extrai, simplesmente, como resultado da inobservância do legislador quanto à natureza e essência do negócio que estava a positivar quando da edição da lei 4591/64.
Buscando resposta na legislação, temos no artigo 1357 do Código Civil que o condomínio poderá ser extinto em duas situações apenas: perecimento da edificação ou desapropriação. Todavia, o Des. Carlos Eduardo Passos, da Segunda Vara Cível do TJ-RJ ao julgar a apelação TJ-RJ – APL: 200900167205 RJ 2009.001.67205 reconheceu três hipóteses de extinção do condomínio, tendo enumerado: a confusão, a desapropriação ou o perecimento da coisa, baseando-se e citando Silvio de Salvo Venosa, que afirmou que as causas da extinção do condomínio são: “a desapropriação do edifício, o perecimento do objeto e a alienação de todos as unidades a um só titular”.
É importante frisar que o meu entendimento é de que a extinção do condomínio possa acontecer pela confusão, mas de forma relativa. Acredito que é Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, também citados pelo Desembargador Carlos Eduardo Passos, que expõem o ponto chave da relação de extinção do condomínio com a confusão, vejamos:
“o condomínio especial de propriedade horizontal sucumbe em restritas situações, quais sejam: destruição considerável ou total do prédio, ou ameaça de ruína [...] pelo fenômeno da confusão, quando uma pessoa – condômino ou terceiro – adquire todas as unidades autônomas e não deseje manter a divisão para eventual alienação futura. Por último, a desapropriação do prédio par fins de utilidade pública ou interesse social.” (Direitos Reais, 3ª edição, Lumen Juris, p.540/541)
Nestes termos, é possível inferir que a confusão pode dá cabo na extinção do condomínio, mas a depender da vontade daquele que passou a ser o único dono. Este pode desejar extinguir o condomínio para dar uma outra destinação à edificação, ou alterar a sua estrutura, pois seria impossível mantendo o condomínio, contudo, o contrário não há de ser proibido. Querendo manter o condomínio para alienação futura ou até mesmo para uso das unidades autônomas como garantia para outros negócios, o único dono não pode ser forçado a desconstitui-lo, simplesmente pela configuração da confusão.
Neste mesmo diapasão é que julgo inadequado impedir o registro da propriedade horizontal e vertical, reconhecendo-a como empreendimento composto por unidades autônomas, por haver apenas um único proprietário, impedindo que o empreendimento possa atender aos fins a que se destina por não se inserir na configuração de condomínio na concepção literal do termo.
Ora, o legislador claramente quis reconhecer o regime de propriedade horizontal ou vertical com base na pluralidade de unidades e não de pessoas. A hermenêutica teleológica é suficiente para resolver a questão.
Para corroborar com o entendimento aqui exposto, cito o registrador Mário Pazutti Mezzari que assim expôs:
Há quem resista à ideia de acolher nos assentos imobiliários a instituição de condomínio outorgada por apenas uma pessoa, proprietário ou titular exclusivo dos direitos tendentes à aquisição. Injustificada recusa, eis que tal faculdade encontra amparo na melhor doutrina, é acolhida nas decisões pretorianas e prevista na legislação. O proprietário individual poderá validamente instituir um condomínio, para efeito de individualizar as unidades autônomas, submetendo o empreendimento ao regime da propriedade horizontal. (“Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis”, Ed. Norton, 3ª Ed., 2010, p. 68).
Vejo como grande ignorância exigir para formalização do regime de propriedade horizontal ou vertical a existência de mais de um proprietário a fim de obrigatoriamente formar o condomínio. Desta forma, aquele que possuindo o capital para construir não poderia constituir um edifício com unidades autônomas, e se viesse a construir não conseguiria a sua formalização para fins de funcionamento até que encontre alguém que lhe adquira ao menos uma unidade, ou não conseguindo ou não querendo, ficaria no limbo, desvalorizando consideravelmente seu empreendimento, sendo forçado a realizar as contratações necessárias para o funcionamento do empreendimento por meio de arranjos contratuais. A meu ver esta situação de fato não expressa a vontade do legislador.
Ainda sobre o tema expõe J. Nascimento Franco e Nisske Gondo, in verbis:
“proprietário único de um edifício pode submetê-lo ao sistema da propriedade horizontal, bem como outorgar a convenção e o regulamento, surgindo, em lugar de uma só propriedade (o edifício), diversas unidades que podem ser alienadas ou oneradas isoladamente. Em suma, é a pluralidade de unidades privativas (e não de proprietários) que dá origem à propriedade horizontal” (“Condomínio em Edifícios”, Ed. RT, 5ª Edição revista e ampliada, 1988, pp. 14-15).
Considerações Finais
Chega a ser incoerente dizer que é concebível a existência de condomínio de um único dono, isto porque a palavra condomínio possui uma origem própria baseada em uma ideia O condomínio possui um conceito estabelecido, com origem muito peculiar ao seu propósito, inclusive já utilizado pelo ordenamento jurídico para estabelecer uma condição, um estado, uma eventualidade da coisa, não devendo ser usado para dar nome à coisa, a fim de que o seu conceito não venha a se apropriar dela, engessando-a.
Diante do equívoco cometido, a meu ver, tendo o regime de propriedade horizontal sido chamado de condomínio pela lei, é preciso fazer uso da interpretação teleológica para entender que a vontade do legislador foi de dar vida ao empreendimento com base na pluralidade de unidades e não de pessoas, desta forma, não devendo impedir que o regime de propriedade horizontal ou vertical se constitua a partir de um único proprietário.
Como também, diante das exposições aqui feitas, não se pode entender e admitir que a confusão por si só extingue automaticamente o condomínio. Uma vez configurada a confusão, esta poderá sim extinguir o condomínio, mas dependerá da vontade do proprietário.
Por fim, entendo que o regime de propriedade horizontal ou vertical - chamado de condomínio pela lei 4591/64 e de Condomínio Edilício pelo Código Civil - a fim de atender a seu propósito, pode sim ser constituído a partir da vontade de um único proprietário. Quanto à confusão, este instituto não extingue automaticamente o condomínio, uma vez caracterizada, dar possibilidade de extinção que se consolidará mediante a vontade do proprietário.