Uma abreviada visitação às teorias do Direito: de Platão a Michael Sandel

27/06/2023 às 21:23
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O conceito de justiça evoluiu, mas sempre enfatizou a importância do bem comum e da igualdade.

O conceito de Justiça, no decorrer dos estudos das ciências humanas desde a antiguidade à atualidade, sofreu diversas modificações, conforme o momento histórico da própria sociedade. Em apertadíssima síntese, é oportuno pontuar alguns entendimentos sobre tal conceito.

Nesse trilhar, as teorias clássicas de justiça encontra assentamentos no entendimento dos filósofos antigos e medievais. Cite-se, a propósito de representar uma das concepções clássicas de justiça, Platão que, na obra A República, em um diálogo de Trasímaco, procura definir o justo como sendo tudo quanto os mais poderosos ordenam em seu próprio benefício.1 Em outro diálogo, atribuído ao personagem Polemarco, define o justo como fazer o bem a quem é amigo e o bem a quem é inimigo. Em contraposição, a justiça – explica Sócrates – reside muito mais na satisfação dos mais fracos ou dos menos peritos do que na dos mais fortes e sábios. Platão conclui, numa acepção comunitarista, que serão justas todas as ações que contribuam para a manutenção e o sucesso da pólis perfeita, ou seja, o bem do indivíduo é o bem da comunidade (Vasconcelos e Chaves, 2016).

A conceituação de Aristóteles sobre justiça também aponta no sentido do bem da coletividade, na medida que ao considerar o ser humano um animal político, que necessita viver em comunidade, parece ser justa a ação que beneficia a coletividade, sendo a justiça uma virtude social (Vasconcelos e Chaves, 2016). Há que se compreender a igualdade sob um prisma relativo, ou seja, como uma exigência de que os iguais sejam tratados da mesma forma, como pensada por Aristóteles, na sua obra clássica - Ética a Nicômaco.2

No medievo, Santo Tomás de Aquino, por sua vez, desenvolve a concepção aristotélica proporcionalista e equitativa da justiça, entendida como “a vontade constante e perpétua que dá a cada um o que é seu de direito”.

Com o liberalismo, na Idade Moderna, John Locke (1632 – 1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778), ao ter por mira que os homens nascem livres e iguais, aponta-se que o conceito de justiça deve resultar do exame da realidade, concluíram que leis ou instituições tendentes a suprimir a liberdade individual ou a privilegiar alguns em detrimento de outros eram inevitavelmente injustas, porquanto violavam a natureza e a essência do próprio homem.

Immanuel Kant (1724-1804) buscou fundamentar a justiça não em elementos exteriores ao sujeito cognoscente, mas na própria estrutura da razão humana, considerada em sua extrema pureza, despida de elementos empíricos ou provenientes direta ou indiretamente da experiência humana.

Herdeiro da filosofia ética de Kant, o norte-americano John Rawls (1921 – 2002) formulou uma teoria da justiça da contemporaneidade, que pode ser descrita como uma aplicação dos pressupostos da ética kantiana às condições sociais do mundo contemporâneo. Rawls pressupõe que todos os indivíduos humanos são, em essência, livres (i.e., detêm livre-arbítrio), iguais (são membros da mesma espécie), racionais (têm o dom da razão e do discurso articulado) e moralmente autônomos (são capazes de regularem sua conduta de acordo com as suas próprias normas). Assim como Kant, ademais, Rawls procura definir o conceito de justiça através de um procedimento imaginativo de universalização (no caso de Kant, o imperativo categórico; em Rawls, a posição originária). A própria noção de justiça, conclui Rawls, pressupõe a igualdade substancial entre os seres humanos (Vasconcelos e Chaves, 2016).

O professor estadunidense Michael J. Sandel também propõe uma teoria de justiça, assinalando que justiça envolve o cultivo da virtude e a preocupação com o bem comum, além de não se dissociar de variadas concepções de honra e virtude, orgulho e reconhecimento. Justiça é a forma certa de distribuir e também de avaliar as coisas. Se uma sociedade justa requer um raciocínio conjunto sobre a vida boa, resta perguntar que tipo de discurso político nos conduziria nessa direção.3

Como se depreende nesta sumária visitação a posições doutrinárias, o conceito de justiça não é estanque, sofrendo evolução de acordo com o momento histórico, contudo, de maneira geral a ideia de justiça remete a igualdade, a virtude moral, a harmonização de interesses conflitantes e na exigência de que uma decisão seja o resultado da aplicação correta de uma norma, como coisa oposta à arbitrariedade.


Referências Bibliográficas

1. Bordat, Cristiano. O Poder em Foucault: a noção de poder para o filósofo francês, 2021. Café com Sociológia. Disponível em <https://cafecomsociologia.com/o-poder-em-michael-foucault/>. Acesso em: 31 de maio de 2023.

2. Chomsky, Noam e Foucault, Michel. Debate Noam Chomsky & Michel Foucault On human nature, 1971. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=9_HaHtcKG9c.

3. Cunha, Maria Carolina S. P. da. O Conceito de Justiça para Michael Sandel na obra “Justiça: o que é fazer a coisa certa?”. REGRAD, UNIVEM/Marília-SP, v. 10, n. 1, p 129 - 146, outubro de 2017.

4. MD002 – Teoria do direito. In: Campus Virtua da Universidad Europea del Atlántico. Recuperado de https://campus2.funiber.org/mod/scorm/player.php?a=10659&currentorg=ORG-49820F63C04BE077A080F429A58E974D&scoid=912548&sesskey=ZCmv4YSuFT&display=popup&mode=normal. Acesso em: 31 de maio de 2023.

5. Piske, Oriana. A Noção de Justiça e a Concepção Nomativista-Legal do Direito, 2010. Disponível em <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2010/a-nocao-de-justica-e-a-concepcao-nomativista-legal-do-direito-juiza-oriana-piske.>. Acesso em: 1° de junho de 2023.

6. Silva, Adelmo José da. Poder político e poder de justiça em Michel Foucault, 2017. Astrolábio. Revista internacional de filosofia. Núm. 20. ISSN 1699-7549. pp. 25-34.

7. Vasconcelos, Fernanda Sousa; CHAVES, Raphael Ayres Moura. Teorias clássicas e contemporâneas da justiça: de Platão a John Rawls. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4638, 13 mar. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/46469/teorias-classicas-e-contemporaneas-da-justica>. Acesso em: 31 mai. 2023.


Notas

1 VASCONCELOS, Fernanda Sousa; CHAVES, Raphael Ayres Moura. Teorias clássicas e contemporâneas da justiça:: de Platão a John Rawls. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4638, 13 mar. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/46469/teorias-classicas-e-contemporaneas-da-justica>. Acesso em: 31 mai. 2023.

2 Piske, Oriana. A Noção de Justiça e a Concepção Nomativista-Legal do Direito, 2010. Disponível em <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2010/a-nocao-de-justica-e-a-concepcao-nomativista-legal-do-direito-juiza-oriana-piske>. Acesso em: 1° de junho de 2023.

3 Cunha, Maria Carolina S. P. da. O Conceito de Justiça para Michael Sandel na obra “Justiça: o que é fazer a coisa certa?”. REGRAD, UNIVEM/Marília-SP, v. 10, n. 1, p 129 - 146, outubro de 2017.

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Sobre o autor
Gláucio Tavares Costa

Assessor jurídico do TJRN, mestrando em Direito pela FUNIBER e graduado em Farmácia pela UFRN.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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