O Tribunal de Contas da União – TCU, analisando a ausência de prestação de contas envolvendo recursos do PNAE de município, rejeitou as justificativas de caso fortuito que, em tese, havia prejudicado a adequada prestação de contas. Segundo consta no relatório do ACÓRDÃO 3913/2022 – Segunda Câmara, Tomada de Contas Especial, fortes enchentes teriam destruído a documentação.
No caso, o Tribunal entendeu que as ocorrências de caso fortuito ou força maior, quando apresentadas de maneira a revestir/justificar invalidação de documentos, devem estar acompanhadas de prova específica da afetação. Desse modo, além de comprovar a ocorrência do evento, era necessário documentar/transcrever elementos específicos, que comprovassem ou criassem conexão dos fatos com o prejuízo da referida documentação.
Cita-se o precedente:
21. Porém, reitera que uma grande parte da documentação foi perdida na enchente de 2010, não tendo como a Prefeitura de Barreiros, ou a demandada, ou quem quer que seja, apresentá-la, uma vez que a estrutura física da prefeitura e seus arquivos ficaram completamente debaixo d'água. Ressalta, ainda, que em junho de 2010 e nos meses seguintes, foi o período em que mais a população da cidade de Barreiros precisou da prefeitura, que, segundo ela, foi eficiente dentro das suas possibilidades de realidade de ação, quanto às necessidades locais, tanto de abrigamento dos populares que ficaram desabrigados, quanto de atendimento médico-hospitalar e de segurança pública. Assim, a impossibilidade de apresentar os documentos à época se deve à enchente ocorrida, configurando-se como fato fortuito ou de força maior, não tendo a demandada responsabilidade por isso (peça 67, p. 6-8) .
VOTO:
[...]
21. Portanto, o argumento de destruição de documentos por enchentes, desacompanhado de prova específica e oficial, não é o bastante para comprovar o suposto fato alegado, tampouco para justificar o arquivamento do processo nos termos em que requerido pela representante do espólio.
22. No presente caso, há ausência de prova específica do comprometimento, em razão da enchente, da documentação faltante referente à distribuição dos gêneros alimentícios da merenda escolar às escolas (R$ 196.050,80) e às despesas realizadas e não comprovadas com os recursos do PNAE/2010 (R$ 111.852,25), conforme constatado pela CGU (peça 7, p. 33, subitem 2.1.1.6, alínea e, do Relatório de Demandas Externas da CGU) .
23. Nesse contexto, eis alguns precedentes colhidos da jurisprudência selecionada do TCU que destacam a imprescindibilidade de se apresentar prova específica sobre a destruição ou invalidação de documentos por enchentes ou qualquer outro evento caracterizado como fato fortuito ou força maior: (grifos acrescidos
(Acórdão 8783/2017-TCU-Primeira Câmara, rel. Ministro Bruno Dantas; 9570/2015 - 2ª Câmara, rel. Ministro Augusto Nardes; e 3681/2016 - 1ª Câmara, rel. Ministro-Substituto Weder de Oliveira)
"A ocorrência de enchente grave no município, desprovida de prova específica acerca da destruição ou invalidação da documentação arquivada na prefeitura, não comprova, de forma isolada, a impossibilidade ou a dificuldade na prestação de contas dos recursos do convênio, e, portanto, a existência de prejuízo à ampla defesa, fato por si só insuficiente para que as contas sejam consideradas iliquidáveis."
(Acórdão 7482/2014-TCU-Primeira Câmara, rel. Ministro Walton Alencar Rodrigues) .
"O fato fortuito que impossibilite materialmente a prestação de contas deve ser demonstrado por laudos oficiais ou documentos periciais emitidos por órgão oficial que evidencie o momento e o alcance do sinistro."
O precedente revela um cuidado, o de aliciar os fatos [fortuitos ou de força maior] ao dano que ocasiona impossibilidade de cumprimento obrigacional, não bastando justificativas superficiais, registros de ocorrências naturais, por exemplo, sem delinear essa conexão.
Para compor a compreensão do tema, ASSIS NETO define caso fortuito e força maior da seguinte forma:
CASO FORTUITO
Fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir, decorrente de eventos naturais e inevitáveis para as partes
FORÇA MAIOR
Fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir, decorrente da ação humana de terceiros que se sobrepõe às forças do devedor
Conclusão
Portanto, o Tribunal decidiu que as justificativas de invalidação/destruição de documentação em razão de caso fortuito ou força maior, que cause prejuízo à prestação de contas, devem estar acompanhadas de prova específica, capaz de criar conexão entre o evento e a invalidação dos documentos, não se valendo da generalidade entre os fatos e potenciais danos.