A locação de imóveis por meio de plataformas digitais, como o Airbnb, tem se tornado uma prática cada vez mais comum em diversos países, incluindo o Brasil. No entanto, essa modalidade de aluguel tem gerado debates jurídicos, especialmente quando se trata de condomínios residenciais. A recente decisão Resp 1.819.075/RS, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe importantes considerações sobre a legalidade da locação de imóveis pelo Airbnb em condomínios, levando em conta as disposições da convenção condominial, as leis vigentes e a jurisprudência pertinente.
Resp 1.819.075/RS proferida pela Quarta Turma do STJ
Airbnb em Condomínios Residenciais
Data julgamento: 20 de abril de 2021
Em recente decisão Resp 1.819.075/RS proferida pela Quarta Turma do STJ destaca que, caso a convenção do condomínio preveja expressamente a destinação residencial das unidades, os proprietários não poderão alugar seus imóveis por meio de plataformas digitais, como o Airbnb. No entanto, a convenção do condomínio pode autorizar a utilização das unidades nessa modalidade de aluguel.
Os conceitos de domicílio e residência (CC/2002, arts. 70 a 78), centrados na ideia de permanência e habitualidade, não se coadunam com as características de transitoriedade, eventualidade e temporariedade efêmera, presentes na hospedagem, particularmente naqueles moldes anunciados por meio de plataformas digitais de hospedagem.
Destacou ainda, que a hospedagem por meio do Airbnb apresenta características distintas, como a alta rotatividade no local e a oferta de serviços, o que pode entrar em conflito com a destinação residencial estabelecida na convenção do condomínio.
Para a 4º Turma do STJ (Resp 1.819.075/RS), o sistema de reserva de imóveis pela plataforma digital é caracterizado como uma espécie de contrato atípico de hospedagem – distinto da locação por temporada e da hospedagem oferecida por empreendimentos hoteleiros, que possuem regulamentações específicas.
Trata-se de modalidade singela e inovadora de hospedagem de pessoas, sem vínculo entre si, em ambientes físicos de estrutura típica residencial familiar, exercida sem inerente profissionalismo por aquele que atua na produção desse serviço para os interessados, sendo a atividade comumente anunciada por meio de plataformas digitais variadas.
Embora aparentemente lícita, essa peculiar recente forma de hospedagem não encontra, ainda, clara definição doutrinária, nem tem legislação reguladora no Brasil, e, registre-se, não se confunde com aquelas espécies tradicionais de locação, regidas pela Lei 8.245/91, nem mesmo com aquela menos antiga, genericamente denominada de aluguel por temporada (art. 48 da Lei de Locações1).
O direito de o proprietário condômino usar, gozar e dispor livremente do seu bem imóvel, nos termos dos arts. 1.228 e 1.335 do Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/64, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no Condomínio, de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício.
O Código Civil, em seus arts. 1.333 e 1.334, concede autonomia e força normativa à convenção de condomínio regularmente aprovada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente. Portanto, existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se indevido o uso de unidades particulares que, por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela finalidade (CC/2002, arts. 1.332, III, e 1.336, IV).
Resumo dos Entendimentos:
4º Turma do STJ (Resp 1.819.075/RS)
a) o contrato de hospedagem compreende a prestação de múltiplos serviços, a exemplo dos serviços de portaria, segurança, limpeza, arrumação dos cômodos, entre outros, excluída a utilização para fins residenciais, não sendo possível categorizar a atividade de locação por plataformas eletrônicas como comercial, igualando-a àquelas realizadas por estabelecimentos dotados da estrutura para o fornecimento dos serviços inerentes à hospedagem.
b) as locações de imóveis por meio de plataformas eletrônicas estão inseridas na hoje denominada "economia de compartilhamento", plenamente admitida em um regime constitucional fundado na livre iniciativa, não possuindo o legislador ordinário ampla discricionariedade para suprimir espaços relevantes da iniciativa privada;
c) a atividade negocial em tela apresenta relevante impacto econômico e social, além de incrementar, direta e indiretamente, o Produto Interno Bruto (PIB) e permitir a geração de milhares de novos empregos no país;
d) no direito comparado, há diversidade de tratamento envolvendo o tema, ora definindo a atividade desenvolvida pela plataforma 'Airbnb' como atividade locatícia, ora definindo-a como tipicamente comercial, havendo, ainda, muitas legislações que acabam por conferir tratamento híbrido à atividade, considerando as diversas modalidades que comportam o sistema, como a destinação exclusiva do imóvel ao ocupante (ou ocupantes), o compartilhamento do imóvel com o proprietário, a destinação da área do local (se residencial ou comercial), entre outras;
e) no atual estágio, e considerando a indiscutível multiplicidade de relações advindas da utilização de plataformas virtuais para locação de imóveis, não há como enquadrá-la em uma das rígidas formas contratuais existentes no ordenamento jurídico vigente, nem no contrato de hospedagem regulado pela Lei nº 11.771/2008, tampouco na lei de locações, e
f) o uso regular da propriedade, em inseparável exame da função social a ser destinada ao caso, permite concluir pela possibilidade da exploração econômica dos imóveis, em estrita observância aos direitos dos demais condôminos, podendo o condomínio, nos limites da lei e se for o caso, adotar medidas adequadas para a manutenção da regularidade de seu funcionamento, a exemplo do cadastramento dos novos hóspedes na portaria."
De forma que é forçoso ressalvar-se a possibilidade de os próprios condôminos de um condomínio edilício de fim residencial deliberarem em assembleia, por maioria qualificada (de dois terços das frações ideais 2/3), permitir a utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem atípica, por intermédio de plataformas digitais ou outra modalidade de oferta, ampliando o uso para além do estritamente residencial e, posteriormente, querendo, incorporarem essa modificação à Convenção do Condomínio.
Do poder normativo das Convenções Condominiais
De acordo com os artigos 1.332, 1.333 e 1.344 do Código Civil de 2002, a convenção condominial é a norma interna que regula as relações entre os condôminos, incluindo a administração do condomínio, as assembleias, o uso das áreas comuns, o rateio de despesas e as sanções disciplinares. A convenção condominial pode conter outras regras estipuladas pelos interessados, visando atender às particularidades de cada condomínio.
O Código Civil permite à convenção ter outras regras que os "interessados houverem por bem estipular" (art. 1.334, caput). Desse modo, o rol das matérias previstas nos dispositivos acima indicados é meramente exemplificativo, revelando o conteúdo mínimo da regulamentação do condomínio.
Assim, a convenção representa o exercício da autonomia privada, cabendo aos interessados suprir as disposições legais em atenção às condições peculiares de cada condomínio (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações - 12. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, pág. 94).
A vida em condomínio implica em restrições ao direito de uso das unidades autônomas, visando garantir uma convivência harmoniosa entre os moradores. Essas limitações estão sujeitas à apreciação do Poder Judiciário em relação à sua legalidade e à necessidade de respeitar a função social da propriedade, conforme estabelecido nos artigos 5º, XXII e XXIII da Constituição Federal.
No entanto, a locação de imóveis por meio de plataformas eletrônicas, como o Airbnb, em um contexto que não leva em consideração as limitações próprias dos condomínios e os interesses dos condôminos, pode ser perfeitamente admissível em um regime constitucional baseado na livre iniciativa.
O STJ tem entendido que a locação de imóveis pelo Airbnb é aparentemente lícita, estimulando o turismo e a economia de compartilhamento. No entanto, quando estão em jogo os interesses dos demais condôminos, a função social da propriedade deve ser considerada, conforme estabelecido no artigo 19 da Lei nº 4.591/1964 e no artigo 1.336, IV, do CC/2002.
Os condôminos têm o direito de usar suas unidades autônomas de acordo com as normas de boa vizinhança, preservando o sossego, a salubridade, a segurança e os bons costumes.
No caso em análise, a controvérsia reside em definir, com base na razoabilidade e proporcionalidade, se é possível disponibilizar imóveis localizados em condomínios para fins diferentes daqueles previstos na convenção condominial, independentemente de ser por meio de plataformas eletrônicas ou outros meios.
Nesse contexto, o conceito de residência não se limita à relação entre quem disponibiliza o imóvel e quem o utiliza, mas sim à relação entre o proprietário e o condomínio.
O entendimento do STJ é de que a residência está relacionada com a permanência habitual e a definitividade anímica, não sendo caracterizada por eventualidade ou transitoriedade.
Portanto, diante do exposto, entende-se que a locação de imóveis pelo Airbnb em condomínios residenciais está sujeita às regras estabelecidas na convenção condominial, levando em consideração a função social da propriedade e o interesse dos demais condôminos.
Resp 1.884.483 - PR (2020/0174039-6) proferida pela Terceira Turma do STJ
A restrição à locação por curto prazo em condomínios:
Data julgamento: - DJe: 02 de fevereiro de 2022
"(...) a convenção de condomínio, como pacto que vincula os condôminos, pode estabelecer restrições à locação por curto prazo, desde que justificadas pela preservação do direito de propriedade dos demais condôminos, pela manutenção da destinação residencial do edifício e pelo respeito ao sossego, salubridade e segurança dos moradores."
Caso haja permissão da locação pela plataforma digital, constante na convenção do condomínio, ou mesmo aprovação de assembleia de moradores com quórum qualificado de 2/3, conforme decisão da 4º Turma do STJ (Resp 1.819.075/RS).
Os fundamentos em prol da possibilidade de se limitar o prazo mínimo de locação de unidades autônomas, a depender da destinação prevista na convenção condominial ou no respectivo regimento interno, estão bem resumidos na ementa do julgado a seguir reproduzida:
"DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO RESIDENCIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. LOCAÇÃO FRACIONADA DE IMÓVEL PARA PESSOAS SEM VÍNCULO ENTRE SI, POR CURTOS PERÍODOS. CONTRATAÇÕES CONCOMITANTES, INDEPENDENTES E INFORMAIS, POR PRAZOS VARIADOS. OFERTA POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS ESPECIALIZADAS DIVERSAS. HOSPEDAGEM ATÍPICA. USO NÃO RESIDENCIAL DA UNIDADE CONDOMINIAL. ALTA ROTATIVIDADE, COM POTENCIAL AMEAÇA À SEGURANÇA, AO SOSSEGO E À SAÚDE DOS CONDÔMINOS. CONTRARIEDADE À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO QUE PREVÊ DESTINAÇÃO RESIDENCIAL. RECURSO IMPROVIDO.
1. Os conceitos de domicílio e residência (CC/2002, arts. 70 a 78), centrados na ideia de permanência e habitualidade, não se coadunam com as características de transitoriedade, eventualidade e temporariedade efêmera, presentes na hospedagem, particularmente naqueles moldes anunciados por meio de plataformas digitais de hospedagem.
2. Na hipótese, tem-se um contrato atípico de hospedagem, que se equipara à nova modalidade surgida nos dias atuais, marcados pelos influxos da avançada tecnologia e pelas facilidades de comunicação e acesso proporcionadas pela rede mundial da internet, e que se vem tornando bastante popular, de um lado, como forma de incremento ou complementação de renda de senhorios, e, de outro, de obtenção, por viajantes e outros interessados, de acolhida e abrigo de reduzido custo.
3. Trata-se de modalidade singela e inovadora de hospedagem de pessoas, sem vínculo entre si, em ambientes físicos de estrutura típica residencial familiar, exercida sem inerente profissionalismo por aquele que atua na produção desse serviço para os interessados, sendo a atividade comumente anunciada por meio de plataformas digitais variadas. As ofertas são feitas por proprietários ou possuidores de imóveis de padrão residencial, dotados de espaços ociosos, aptos ou adaptados para acomodar, com certa privacidade e limitado conforto, o interessado, atendendo, geralmente, à demanda de pessoas menos exigentes, como jovens estudantes ou viajantes, estes por motivação turística ou laboral, atraídos pelos baixos preços cobrados.
4. Embora aparentemente lícita, essa peculiar recente forma de hospedagem não encontra, ainda, clara definição doutrinária, nem tem legislação reguladora no Brasil, e, registre-se, não se confunde com aquelas espécies tradicionais de locação, regidas pela Lei 8.245/91, nem mesmo com aquela menos antiga, genericamente denominada de aluguel por temporada (art. 48 da Lei de Locações).
5. Diferentemente do caso sob exame, a locação por temporada não prevê aluguel informal e fracionado de quartos existentes num imóvel para hospedagem de distintas pessoas estranhas entre si, mas sim a locação plena e formalizada de imóvel adequado a servir de residência temporária para determinado locatário e, por óbvio, seus familiares ou amigos, por prazo não superior a noventa dias.
6. Tampouco a nova modalidade de hospedagem se enquadra dentre os usuais tipos de hospedagem ofertados, de modo formal e profissionalizado, por hotéis, pousadas, hospedarias, motéis e outros estabelecimentos da rede tradicional provisora de alojamento, conforto e variados serviços à clientela, regida pela Lei 11.771/2008.
7. O direito de o proprietário condômino usar, gozar e dispor livremente do seu bem imóvel, nos termos dos arts. 1.228 e 1.335 do Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/64, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no Condomínio, de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício.
8. O Código Civil, em seus arts. 1.333 e 1.334, concede autonomia e força normativa à convenção de condomínio regularmente aprovada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente. Portanto, existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se indevido o uso de unidades particulares que, por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela finalidade (CC/2002, arts. 1.332, III, e 1.336, IV).
9. Não obstante, ressalva-se a possibilidade de os próprios condôminos de um condomínio edilício de fim residencial deliberarem em assembleia, por maioria qualificada (de dois terços das frações ideais), permitir a utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem atípica, por intermédio de plataformas digitais ou outra modalidade de oferta, ampliando o uso para além do estritamente residencial e, posteriormente, querendo, incorporarem essa modificação à Convenção do Condomínio. 10. Recurso especial desprovido."
(REsp 1.819.075/RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 20/4/2021, DJe 27/5/2021 - grifou-se)
O art. 48 da Lei nº 8.245/1991 (locação por temporada), que assim dispõe:
"Art. 48. Considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel."
Enfatiza-se, portanto, a possibilidade de disponibilização do imóvel para locação em plataformas, desde que observado o tempo mínimo previsto na convenção condominial ou o máximo previsto na locação por temporada, de acordo com a Lei nº 8.245/[91].
Restrições à locação por curto prazo podem evitar transtornos decorrentes de um alto fluxo de pessoas e manter a segurança e a tranquilidade do ambiente condominial. Necessário ponderar os interesses dos proprietários que desejam alugar suas unidades por curtos períodos, seja para complementar a renda, seja para atender à demanda crescente por locações temporárias. Além disso, é fundamental que as restrições impostas pelos condomínios estejam devidamente previstas na convenção condominial e respaldadas por leis vigentes.
A decisão do Resp 1.884.483 - PR (2020/0174039-6) proferida pela Terceira Turma do STJ, trouxe esclarecimentos sobre a restrição à locação por curto prazo em condomínios, consolidando o entendimento de que a convenção condominial pode estabelecer tais restrições, desde que devidamente justificadas e observadas as disposições legais aplicáveis. No entanto, é importante analisar cada caso individualmente, considerando os direitos dos proprietários e os interesses coletivos dos moradores. A busca por um equilíbrio entre esses interesses é fundamental para garantir a harmonia e a convivência pacífica nos condomínios residenciais.
CONCLUSÃO
Diante das recentes decisões sobre o tema em analise, Resp 1.819.075/RS proferida pela Quarta Turma do STJ e Resp 1.884.483 - PR (2020/0174039-6) proferida pela Terceira Turma do STJ, bem como das análises dos artigos 1.332, 1.333 e 1.344 do Código Civil de 2002, Lei 11.771/2008, Lei 8.245/91 (art. 48 da Lei de Locações). (CC/2002, arts. 70 a 78), Lei 4.591/64 e demais, pode-se concluir que a locação de imóveis pelo Airbnb em condomínios residenciais não é proibida de forma geral. No entanto, a permissão ou proibição dessa modalidade de aluguel dependerá das disposições da convenção condominial.
Caso a convenção estabeleça expressamente a destinação residencial das unidades, os proprietários não poderão utilizar o Airbnb para alugar seus imóveis. Por outro lado, se a convenção permitir essa modalidade de locação, os proprietários poderão exercê-la.
Podendo por decisão de Assembleia de moradores, através de quórum qualificado de 2/3 (Resp 1.819.075/RS), estabelecer a possibilidade de permissão de locação, e/ou restrição e seus respectivos prazos.
Nota
Art. 48 da lei 8.245/91 - Art. 48. Considera - se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.