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Hierarquia dos tratados internacionais em face do ordenamento jurídico interno.

Um estudo sobre a jurisprudência do STF

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Resumo:


  • O STF adotou o sistema paritário ou monismo nacionalista moderado em relação aos tratados e convenções internacionais, considerando-os com status de lei ordinária.

  • A principal crítica à paridade normativa instaurada após o julgamento do RE 80.004-SE é a possibilidade de desrespeito aos acordos internacionais e a má-fé internacional que pode resultar do descumprimento de tratados.

  • Existe uma polêmica doutrinária sobre a interpretação do §3º do art. 5º da CF/88, que trata dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, especialmente em relação ao quórum de aprovação e hierarquia desses tratados.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6. REFLEXÕES SOBRE O §3º DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Como afirmado adrede, a Reforma do Poder Judiciário incluiu o §3º no art. 5º da Constituição Federal de 1988, ad litteram:

"Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais." (grifos nossos)

Observa-se logo na primeira leitura do dispositivo constitucional referido, que o processo legislativo nele previsto é idêntico ao processo legislativo das emendas constitucionais [21].

O dispositivo dispõe sobre os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos "que forem aprovados", referindo-se a um tempo futuro. E como fica a situação dos tratados antigos? Outra questão: é possível aprovar um tratado sobre direitos humanos por um quórum menor do que 3/5 (três quintos) e ter hierarquia de lei ordinária ou é imprescindível a aprovação pelo quórum de 3/5? Esses questionamentos estão gerando uma grande polêmica doutrinária, que em breve chegará ao STF. Vejamos.

Alexandre de Moraes [22] entende que a Emenda Constitucional nº 45 concede ao Congresso, somente na hipótese de tratados e convenções que versem sobre direitos humanos, a possibilidade de incorporação com status ordinário (com base no art. 49, inciso I, da CF) ou com status constitucional (com espeque no §3º do art. 5º da CF/88), caso se adote, respectivamente, o quórum normal ou o quórum de emenda constitucional.

Então, para o referido autor, a regra é que os tratados de direitos humanos sejam recebidos como atos normativos infraconstitucionais, salvo na hipótese de aprovação com o quórum qualificado do art. 5º, §3º, o que, faz-se mister dizer, será uma opção discricionária do Congresso Nacional. É o que se depreende de sua lição, a seguir transcrita [23]:

"As normas previstas nos atos, tratados, convenções ou pactos internacionais devidamente aprovadas pelo Poder Legislativo e promulgadas pelo Presidente da República, inclusive quando prevêem normas sobre direitos fundamentais, ingressam no ordenamento jurídico como atos normativos infraconstitucionais, salvo na hipótese do §3º, do artigo 5º, pelo qual a EC nº 45/04 estabeleceu que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

(...).

A opção de incorporação de tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, nos termos do art. 49, I, ou do §3º do art. 5º, será discricionária do Congresso Nacional".

Esse também é o entendimento de José Levi Mello do Amaral Júnior [24]. Inclusive, esse último autor acrescenta que, em função do caráter disjuntivo do novo dispositivo constitucional, não há que se cogitar em novação automática da força dos tratados preexistentes. Segundo ele, nada impede que um tratado já recepcionado antes da EC nº 45 seja novamente deliberado na forma do §3º do art. 5º, passando a ter status constitucional. Transcrevo o entendimento supra-referido [25]:

"O §3º do artigo 5º da Constituição de 1988 faculta a recepção dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos por intermédio de uma emenda constitucional e não exclui a recepção pelo mecanismo tradicional, por meio de um decreto legislativo. Claro: nada impede que um tratado, já recepcionado quando da Emenda nº 45 (a ela preexistente), seja novamente deliberado na forma do §3º do artigo 5º combinado com o artigo 60, ambos da Constituição de 1988, passando, então, a ter status constitucional. Em função do caráter alternativo do novo dispositivo constitucional, não há que cogitar em novação automática da força dos tratados preexistentes."


7. O PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

Faz-se mister frisar-se que, para o STF, após 1977 e antes da EC nº 45, a posição é de que todos os tratados (de direitos humanos ou não) são recebidos como lei ordinária.

Por esse motivo, o STF entendeu, nos HC''s 72131-RJ, 73.044-SP e 75306-RJ, dentre outros, que a prisão civil do depositário infiel em alienação fiduciária é constitucional. Nesses julgados, o Pleno do STF entendeu pela constitucionalidade da prisão referida, uma vez que o Pacto de San José de Costa Rica teria natureza geral em face das normas especiais previstas em lei ordinária sobre a prisão civil do depositário infiel.

Relevante observar-se que o Ministro aposentado Carlos Mário da Silva Velloso já sustentava que [26]:

"No caso de tratar-se de direito e garantia decorrente de Tratado firmado pelo Brasil, a incorporação desse direito e garantia, ao direito interno, dá-se com status constitucional, assim com primazia sobre o direito comum. É o que deflui, claramente, do disposto no mencionado §2º do art. 5º da Constituição da República. O Supremo Tribunal Federal, todavia, não acolheu essa tese."

Na verdade, quanto ao Pacto de San José de Costa Rica, há duas correntes no momento atual: 1) a convenção possui natureza de lei ordinária, uma vez que não houve os requisitos de aprovação de emenda constitucional, previstos no art. 5º, §3º, da CF, e o pacto é anterior à vigência da EC nº 45; 2) a convenção possui natureza jurídica de emenda constitucional, pois trata de direitos humanos, e a questão do preenchimento do quórum qualificado não é relevante, uma vez que tal processo legislativo inexistia à época da aprovação do pacto. O raciocínio, para essa corrente, deve ser o mesmo que se aplicou ao CTN e à CLT, que foram alçados à condição de leis complementares, mesmo sem votação com quórum de lei complementar [27]. O autor que indica as duas correntes existentes é Hudson Luís Viana Bezerra, que, no entanto, não se vincula a nenhuma das duas [28].

O antigo entendimento do STF sobre o Pacto de San José da Costa Rica está sendo superado agora na votação do RE 466.343/SP (Rel. Min. Cezar Peluso). No recente informativo nº 449 do STF consta que sete Ministros já votaram pela inconstitucionalidade da prisão civil nos casos de alienação fiduciária. O Min. Gilmar Mendes acompanhou o voto do relator, acrescentando que "os tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal, o que torna inaplicável a legislação infraconstitucional com eles conflitantes, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação e que, desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há mais base legal para a prisão civil do depositário infiel" [29]. Votaram com o relator os Ministros Gilmar Mendes, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Marco Aurélio, sendo que o processo encontra-se atualmente com vista ao Min. Celso de Mello.

A propósito, acresça-se que, caso a corte brasileira determine pela inobservância do conteúdo de tratado internacional, há a possibilidade de a parte interessada corrigir o imbróglio e reaver seu direito via decisões arbitrais ou de cortes internacionais, as quais, segundo interpretação do art. 105, I, alínea "i", da CF, não demandam homologação por parte do STF ou STJ para a execução das ordens manifestadas.


8. CONCLUSÃO

Por fim, enumeremos as conclusões atingidas no presente trabalho:

1)o RE 80.004-SE (Rel. Min. Cunha Peixoto, julgado em 1º/06/1977), foi o leading case que veio modificar o ponto de vista anterior do STF. A partir de então, o Excelso Pretório tem adotado o sistema paritário ou monismo nacionalista moderado, segundo o qual tratados e convenções internacionais possuem status de lei ordinária, devendo os conflitos entre ambos serem resolvidos através do critério cronológico combinado com o da especialidade (lex posterior generalis non derogat legi priori speciali), ou seja, a norma de caráter especial, mesmo que mais antiga, prevalece sobre a norma de caráter geral;

2)a crítica principal à paridade normativa instaurada após o julgamento do RE 80.004-SE funda-se nas conseqüências danosas que o descumprimento do tratado, com a chancela do STF, traz para o Estado no plano internacional, revelando um desrespeito e desconsideração em relação aos acordos feitos voluntariamente com os demais Estados-contraentes. Ademais, se o Congresso Nacional confere sua aquiescência ao conteúdo do compromisso firmado, é porque implicitamente reconhece que, se ratificado o acordo, está impedido de editar normas posteriores que o contradigam. É a teoria do venire contra factum proprium non valet, plenamente aplicável nessa seara, segundo a qual não se pode ir contra um fato praticado por si próprio, sob pena de prática de má-fé internacional;

3)o §3º do art. 5º da CF/88 dispõe sobre os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos "que forem aprovados". Discute-se se é possível aprovar um tratado sobre direitos humanos por um quórum menor do que 3/5 (três quintos) e ter hierarquia de lei ordinária ou é imprescindível a aprovação pelo quórum de 3/5. Essa questão está gerando uma grande polêmica doutrinária e já há voto do Min. Gilmar Mendes no RE 466.343-SP (Relator o Min. Cezar Peluso), entendendo que os tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal, sejam eles posteriores ou anteriores à EC nº 45/04, como o Pacto de San José da Costa Rica, apreciado no indigitado julgado;

4)os tratados internacionais possuem forma própria de revogação, qual seja, a denúncia, não se podendo defender que a legislação interna, pelo critério cronológico ou da especialidade, tem poder para revogar ou derrogar tratado internacional.


9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre o autor
Frederico Augusto Leopoldino Koehler

Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em Recife-PE. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Professor Substituto do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Faculdade Boa Viagem - FBV. Professor do Curso Espaço Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Hierarquia dos tratados internacionais em face do ordenamento jurídico interno.: Um estudo sobre a jurisprudência do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1557, 6 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10491. Acesso em: 22 dez. 2024.

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