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Questões controvertidas a respeito da execução da pena de multa

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29/08/2023 às 08:00
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Artigo discute questões controversas sobre a execução criminal da pena de multa, incluindo o cabimento da exceção de pré-executividade e a competência do Ministério Público.

Na condição de titular da 1ª Vara de Execuções Criminais da Comarca de São Paulo, tenho contato com inúmeras questões que são levantadas, diariamente, a respeito da execução da pena de multa, o que me motivou a escrever este singelo artigo, no qual apontamos as principais questões controvertidas a respeito deste tema.


1. DO CABIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE

A exceção de pré-executividade é um instrumento incidental à execução, deduzida por meio de mera petição, não condicionada à garantia do juízo, contendo como objeto matérias conhecíveis de ofício - v.g. ausência de condições da ação e as atinentes à liquidez do título - que não demandem dilação probatória, e, a despeito de não possuir previsão expressa, é de assente admissão pelo Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CÉDULA RURAL HIPOTECÁRIA. MP Nº 2.196-3/01. CRÉDITOS ORIGINÁRIOS DE OPERAÇÕES FINANCEIRAS CEDIDOS À UNIÃO. MP 2.196-3/2001. DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO. (PRECEDENTE. RESP. 1.123.539/RS, RECURSO ESPECIAL JULGADO SOB O REGIME DO ART. 543-C, DO CPC). (...). 4. A exceção de pré-executividade é servil à suscitação de questões que devam ser conhecidas de ofício pelo juiz, como as atinentes à liquidez do título executivo, os pressupostos processuais e as condições da ação executiva. 5. O espectro das matérias suscitáveis através da exceção tem sido ampliado por força da exegese jurisprudencial mais recente, admitindo-se a argüição de prescrição e decadência, desde que não demande dilação probatória (exceção secundum eventus probationis). 6. A validade da execução fiscal, aferível pela presença dos requisitos de certeza e liquidez da Certidão de Dívida Ativa - CDA que a instrui, demanda indispensável reexame das circunstâncias fáticas da causa, o que é vedado em sede de Recurso Especial, ante o disposto na Súmula nº 07, do STJ. 7. Agravo regimental desprovido.”

(AGRESP 200900190890, Luiz Fux, STJ - Primeira Turma, DJE:22/03/2010). (g.n)

Súmula 393. A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.

Cabível, pois, a exceção de pré-executividade, até porque, tendo como objeto matérias conhecíveis de ofício, não há demais exigências formais para sua alegação.


2. DA COMPETÊNCIA PARA EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA E LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O artigo 51 do Código Penal determina que a pena de multa será considerada dívida de valor, executada pelo juízo da execução penal e promovida exclusivamente pelo Ministério Público, o qual deverá implementar sua concretização.

Nesse sentido, nos termos do artigo 5º, XLVI, c, da Constituição Federal, a multa preserva seu caráter de pena (e se não for paga, ela será considerada dívida de valor e deverá ser exigida por meio de execução - não se permite mais a conversão da pena de multa em detenção) sendo que a menção à dívida de valor destina-se exclusivamente a impedir sua conversão em detenção, conforme decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3150 do Egrégio Supremo Tribunal Federal:

Execução penal. Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Pena de multa. Legitimidade prioritária do Ministério Público. Necessidade de interpretação conforme. Procedência parcial do pedido. 1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do artigo 5º, XLVI, c, da Constituição Federal. 2. Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais. 3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias). 4. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente para, conferindo interpretação conforme à Constituição ao artigo 51 do Código Penal, explicitar que a expressão "aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição", não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal. Fixação das seguintes teses: (i) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e seguintes da Lei de Execução Penal; (ii) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980.”

ADI 3150, Relator (a): Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 13/12/2018, Processo Eletrônico DJe-170 Div. 05.08.2019 Pub. 06.08.2019). (g.n)

Na espécie, a referida ADI nº 3150 foi julgada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que afastou qualquer dúvida acerca da legitimidade para a execução da multa, bem como acerca da competência para sua execução.

Modulando os efeitos da decisão, a Corte Constitucional assim se manifestou, após o início da vigência do Pacote Anticrime, em decisão a Embargos de Declaração:

“Processo penal. Constitucional. Embargos de declaração em ação direta de inconstitucionalidade. Modulação temporal da decisão. 1. O Advogado-Geral da União, no processo de controle objetivo de constitucionalidade, não exerce atividade de representação judicial da União, mas múnus especial do qual foi incumbido pela Constituição. Nessa condição, tem legitimidade para a interposição de embargos de declaração. 2. Antes do julgamento da presente ação direta, foram propostas ações de execução de penas de multa criminal, promovidas por iniciativa da Fazenda Pública. 3. Tais ações foram iniciadas com fundamento não apenas em lei, mas em entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 521). 4. Ademais, os fundamentos que levaram à procedência da presente ação direta têm por objetivo conferir maior eficácia às funções da pena e não o seu enfraquecimento, pela invalidação de sanções anteriormente aplicadas. 5. Diante do exposto, por razões de segurança jurídica e de excepcional interesse social, devem ser modulados temporalmente os efeitos da decisão, de modo a estabelecer a competência concorrente da Procuradoria da Fazenda Pública quanto às execuções findas ou iniciadas até a data do trânsito em julgado da presente ação direta de inconstitucionalidade.

(ADI 3150 ED, Relator(a): Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 20.04.2020, Processo Eletrônico DJe-124, divulgado em 19.05.2020 publicado em 20.05.2020) (g.n)

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Promulgada a lei, o entendimento foi positivado por meio da nova redação atribuída ao artigo 51 do Código Penal em comento.

Logo, desde o início da vigência do pacote anticrime, vale dizer, 23/01/20, o precedente do STF perdeu sua aplicabilidade na parte em que reconhece a atribuição subsidiária da Fazenda Pública para cobrar o valor da multa perante o Juízo das Execuções Fiscais. Isso significa que, diante do caráter penal da multa e da obrigatoriedade de sua execução perante o Juízo da Execução Penal, o único legitimado para o ajuizamento da execução a partir de então é o Ministério Público.

No mais, trata-se de norma sobre competência, de caráter processual e, portanto, aplicabilidade imediata.


3. DA EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE DO EXECUTADO INDEPENDENTEMENTE DO PAGAMENTO DA MULTA - ADI 3150

Outra questão tormentosa é a relacionada com o tema 931 do Superior Tribunal de Justiça, o qual, em recente readequação de tese, entendeu que na hipótese de condenação concomitante à pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária pelo condenado, que comprovar impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade.

De fato, inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, em 2015, definiu que o réu que cumpre a pena privativa de liberdade tem direito a ver extinta a punibilidade, ainda que não paga a pena de multa.

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre o assunto em controle concentrado de constitucionalidade, por meio da ADI 3150, em sentido contrário para fixar que, em que pese a multa ser dívida de valor, não perde a natureza de sanção penal, devendo ser cobrada, inclusive, pelo Ministério Público.

Nesse sentido, em adequação ao entendimento da Corte Suprema, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão data de 02 de dezembro de 2020, promoveu uma primeira readequação de tese para decidir que o inadimplemento da pena de multa obsta a extinção da punibilidade do apenado.

Ocorre que, em acórdão publicado em 30 de novembro de 2021, tal entendimento foi novamente revisto pela 3ª Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça para acolher pleito de revisão de teses da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e determinar a possibilidade de extinção da punibilidade, ainda que não paga a pena pecuniária, após o cumprimento da reprimenda corporal:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO PENAL. REVISÃO DE TESE. TEMA 931. CUMPRIMENTO DA SANÇÃO CORPORAL. PENDÊNCIA DA PENA DE MULTA. CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE OU DE RESTRITIVA DE DIREITOS SUBSTITUTIVA. INADIMPLEMENTO DA PENA DE MULTA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. COMPREENSÃO FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DA ADI N. 3.150/DF. MANUTENÇÃO DO CARÁTER DE SANÇÃO CRIMINAL DA PENA DE MULTA. PRIMAZIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA EXECUÇÃO DA SANÇÃO PECUNIÁRIA. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA DO ART. 51 DO CÓDIGO PENAL. DISTINGUISHING. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA PENA PECUNIÁRIA PELOS CONDENADOS HIPOSSUFICIENTES. PRINCÍPIO DA INTRASCENDÊNCIA DA PENA. VIOLAÇÃO DE PRECEITOS FUNDAMENTAIS. EXCESSO DE EXECUÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia n. 1.519.777/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 3ª S., DJe 10/9/2015), assentou a tese de que "[n]os casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade". 2. Entretanto, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.150 (Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe-170 divulg. 5/8/2019 public. 6/8/2019), o Pretório Excelso firmou o entendimento de que a alteração do art. 51 do Código Penal, promovida Lei n. 9.268/1996, não retirou o caráter de sanção criminal da pena de multa, de modo que a primazia para sua execução incumbe ao Ministério Público e o seu inadimplemento obsta a extinção da punibilidade do apenado. Tal compreensão foi posteriormente sintetizada em nova alteração do referido dispositivo legal, levada a cabo pela Lei n. 13.964/2019. 3. Em decorrência do entendimento firmado pelo STF, bem como em face da mais recente alteração legislativa sofrida pelo artigo 51 do Código Penal, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais Representativos da Controvérsia n. 1.785.383/SP e 1.785.861/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 3ª S., DJe 21/9/2021), reviu a tese anteriormente aventada no Tema n. 931, para assentar que, "na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade". 4. Ainda consoante o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal julgamento da ADI n. 3.150/DF, "em matéria de criminalidade econômica, a pena de multa desempenha um papel proeminente de prevenção específica, prevenção geral e retribuição"5. Na mesma direção, quando do julgamento do Agravo Regimental na Progressão de Regime na Execução Penal n. 12/DF, a Suprema Corte já havia ressaltado que, "especialmente em matéria de crimes contra a Administração Pública como também nos crimes de colarinho branco em geral , a parte verdadeiramente severa da pena, a ser executada com rigor, há de ser a de natureza pecuniária. Esta, sim, tem o poder de funcionar como real fator de prevenção, capaz de inibir a prática de crimes que envolvam apropriação de recursos públicos". 6. Mais ainda, segundo os próprios termos em que o Supremo Tribunal Federal decidiu pela indispensabilidade do pagamento da sanção pecuniária para o gozo da progressão a regime menos gravoso, "[a] exceção admissível ao dever de pagar a multa é a impossibilidade econômica absoluta de fazê-lo. [...] é possível a progressão se o sentenciado, veraz e comprovadamente, demonstrar sua absoluta insolvabilidade. Absoluta insolvabilidade que o impossibilite até mesmo de efetuar o pagamento parcelado da quantia devida, como autorizado pelo art. 50 do Código Penal" (Rel. Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe-111 divulg. 10/6/2015 public. 11/6/2015) 7. Nota-se o manifesto endereçamento das decisões retrocitadas àqueles condenados que possuam condições econômicas de adimplir a sanção pecuniária, de modo a impedir que o descumprimento da decisão judicial resulte em sensação de impunidade. 8. Oportunamente, mencione-se também o teor da Recomendação n. 425, de 8 de outubro de 2021, do Conselho Nacional de Justiça, a qual institui, no âmbito do Poder Judiciário, a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades, abordando de maneira central a relevância da extinção da punibilidade daqueles a quem remanesce tão-somente o resgate da pena pecuniária, ao estabelecer, em seu art. 29, parágrafo único, que, "[n]o curso da execução criminal, cumprida a pena privativa de liberdade e verificada a situação de rua da pessoa egressa, deve-se observar a possibilidade de extinção da punibilidade da pena de multa". 9. Releva, por seu turno, obtemperar que a realidade do País desafia um exame do tema sob outra perspectiva, de sorte a complementar a razão final que inspirou o julgamento da Suprema Corte na ADI 3.150/DF. Segundo dados do Infopen, até dezembro de 2020, 40,91% dos presos no país estavam cumprindo pena pela prática de crimes contra o patrimônio; 29,9%, por tráfico de drogas, seguidos de 15,13% por crimes contra a pessoa, crimes que cominam pena privativa de liberdade concomitantemente com pena de multa. 10. Não se há, outrossim, de desconsiderar que o cenário do sistema carcerário expõe as vísceras das disparidades sócio econômicas arraigadas na sociedade brasileira, as quais ultrapassam o inegável caráter seletivo do sistema punitivo e se projetam não apenas como mecanismo de aprisionamento físico, mas também de confinamento em sua comunidade, a reduzir, amiúde, o indivíduo desencarcerado ao status de um pária social. Outra não é a conclusão a que poderia conduzir - relativamente aos condenados em comprovada situação de hipossuficiência econômica - a subordinação da retomada dos seus direitos políticos e de sua consequente reinserção social ao prévio adimplemento da pena de multa. 11. Conforme salientou a instituição requerente, o quadro atual tem produzido "a sobrepunição da pobreza, visto que o egresso miserável e sem condições de trabalho durante o cumprimento da pena (menos de 20% da população prisional trabalha, conforme dados do INFOPEN), alijado dos direitos do art. 25 da LEP, não tem como conseguir os recursos para o pagamento da multa, e ingressa em círculo vicioso de desespero". 12. Ineludível é concluir, portanto, que o condicionamento da extinção da punibilidade, após o cumprimento da pena corporal, ao adimplemento da pena de multa transmuda-se em punição hábil tanto a acentuar a já agravada situação de penúria e de indigência dos apenados hipossuficientes, quanto a sobreonerar pessoas próximas do condenado, impondo a todo o seu grupo familiar privações decorrentes de sua impossibilitada reabilitação social, o que põe sob risco a implementação da política estatal proteção da família (art. 226 da Carta de 1988). 13. Demais disso, a barreira ao reconhecimento da extinção da punibilidade dos condenados pobres, para além do exame de benefícios executórios como a mencionada progressão de regime, frustra fundamentalmente os fins a que se prestam a imposição e a execução das reprimendas penais, e contradiz a inferência lógica do princípio isonômico (art. 5º, caput da Constituição Federal) segundo a qual desiguais devem ser tratados de forma desigual. Mais ainda, desafia objetivos fundamentais da República, entre os quais o de "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3º, III). 14. A extinção da punibilidade, quando pendente apenas o adimplemento da pena pecuniária, reclama para si singular relevo na trajetória do egresso de reconquista de sua posição como indivíduo aos olhos do Estado, ou seja, do percurso de reconstrução da existência sob as balizas de um patamar civilizatório mínimo, a permitir outra vez o gozo e o exercício de direitos e garantias fundamentais, cujo panorama atual de interdição os conduz a atingir estágio de desmedida invisibilidade, a qual encontra, em última análise, semelhança à própria inexistência de registro civil. 15. Recurso especial provido, para acolher a seguinte tese: Na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária, pelo condenado que comprovar impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade.

(Recurso Especial nº 1.785.861-SP, STJ, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 24.11.2021, publicado no DJ em 30.11.2021)

No entanto, recente entendimento firmado refere-se à declaração da extinção da punibilidade em relação à pena privativa de liberdade, ou seja, que a falta do pagamento da pena de multa não impede a declaração da extinção da punibilidade da pena privativa de liberdade (grifo nosso).

Assim sendo, embora extinta a punibilidade da pena privativa de liberdade, a cobrança da multa prossegue, sendo que em São Paulo, com maior facilidade, já que existem juízos distintos para a execução das penas diversas, ou seja, a 1ª Vara de Execuções Criminais tem competência para execução, exclusivamente, das penas de multa, sendo que a execução das penas privativas de liberdade compete às demais varas, na conformidade do regime e dos benefícios concedidos.

Nesse passo, a fim de otimizar a entrega da prestação jurisdicional, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio da resolução 852/21, reorganizou as Varas de Execuções Criminais, fixando, no artigo 1º, a competência da 1ª VEC para processamento das execuções criminais de multas originárias e substitutivas, in verbis:

Art. 1º Compete à 1ª Vara das Execuções Criminais Central da Comarca de São Paulo o processamento das execuções criminais de pena de multa originárias (principais ou cumulativas) ou substitutivas; (g.n)

Assim sendo a cobrança da pena de multa continua, já que é sempre bom lembrar o princípio lógico da identidade, segundo o qual uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, vale dizer, a decretação de extinção da punibilidade da pena privativa de liberdade não implica necessariamente que o executado não precise pagar a multa, a qual mantém seu caráter penal e goza das características da imperatividade e obrigatoriedade.

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Sobre o autor
Marcelo Matias Pereira

Juiz de Direito 10ª Vara Criminal Central de São Paulo,Mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica,Professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Marcelo Matias. Questões controvertidas a respeito da execução da pena de multa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7363, 29 ago. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105007. Acesso em: 2 nov. 2024.

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