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O papel do Judiciário na concretização dos direitos sociais prestacionais.

Problemática conducente à escassez de recursos

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18/10/2007 às 00:00
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5. DA JURISPRUDÊNCIA CONSTRUÍDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A análise do tema proposto remete quase que inevitavelmente para o esquadrinhamento do posicionamento firmado pela Corte Judicial mais alta do país.

Nesse diapasão, são preciosas as contribuições de Daniel Wei Liang Wang, que se dedicou à investigação da Jurisprudência do STF, notadamente relacionada ao tema da escassez de recursos, custo dos direitos e reserva do possível [34].

Em sua pesquisa, Wang conclui que de um modo geral o Supremo Tribunal Federal tem emitido ou confirmado ordens judiciais para fornecimento de medicamentos, tratamentos médicos [35] e acesso a educação (v. g. creche) [36], depositando, nestes casos, pouca relevância a questões vinculadas a "custos do direito" ou "reserva do possível" [37].

Confira-se, a propósito, excerto colhido da Pet 1246, no qual assim se manifestou o Min. Celso de Mello [38]:

Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem técnico-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida.

Note-se que neste paradigmático aresto o Pretório Excelso expressamente albergou a possibilidade de o Judiciário implementar políticas públicas em casos concretos, quando estiver em xeque preceptivos constitucionais de envergadura maior, tal como o direito à vida.

Vale realce a asserção do Min. Celso de Mello na qual este qualifica como "secundário" o interesse financeiro do Estado, transparecendo que empecilhos de cunho meramente financeiro, orçamentário ou burocrático não serviriam de barreira intransponível à atuação positiva do Judiciário [39].

Não há que se confundir, por óbvio, que a Corte Suprema está a fornecer cheques em branco para os magistrados brasileiros legislarem ou desenvolverem políticas públicas. Ao revés, o STF tem chancelado a viabilidade de atuações pontuais e prementes, sempre presas a direitos constitucionais específicos como à saúde e à educação.

Postura diversa tem o STF em relação a temas como intervenção federal motivada pelo inadimplemento de precatórios judiciais [40].

Wang traça um paralelo entre a política pretoriana dispensada aos pedidos de intervenção federal (art. 36, II, CF/88) e a mesma política dada a casos ligados à mora na prestação de serviços públicos respeitante à saúde ou à educação. Ao final, ele assinala a existência de um aparente paradoxo entre ambas as citadas políticas [41].

Com efeito, Wang aduz que, à exceção de algumas vozes destoantes (e. g. Min. Marco Aurélio, nos IF-AgR 3124; IF-AgR 4174), os Ministros do Supremo não têm deferido a intervenção federal, fulcrados principalmente nas idéias de escassez de recursos, cláusula da reserva do possível e custos dos direitos [42].

Ou seja, diversamente do que ocorre com pedidos formulados em matéria de saúde e educação, no caso de intervenções federais por não pagamento de precatórios a escassez de recursos, os custos do direito e a reserva do possível têm sido não só reconhecidas como determinantes.

Diante destas considerações, pode-se assentar que a Corte Maior brasileira admite, sim, a possibilidade de concretização in casu de direitos sociais prestacionais por parte do Estado-Juiz. Tal entendimento tem sido externado freqüentemente em situações correlacionadas a direitos educacionais e de saúde.

Ao mesmo tempo, o STF também reconhece a inexorável limitação das riquezas estatais, dando guarida à exceção da reserva do possível. O uso ou não desta escusa dependerá de ponderações a serem seguidas casuisticamente.


REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS

AMARAL, Gustavo (2001). Direito, Escassez & escolha: em busca de critérios Jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar.

ALEXY, Robert (1993). Teoría de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzon Valdés. Madrid: Centro de Estúdios Politicos y Constitucionales.

BARCELLOS, Ana Paula de (2202). A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar.

JEAMMAUD, Antoine (1983). "Em torno al problema de la efectividad del derecho". In: Contradogmáticas, vol. I, nº2/3, Santa Cruz do Sul: FISCS/ALMED.

LARENZ, Karl (1997). Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

MAXIMINIANO, Carlos (2001). Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Renovar.

NEVES, Marcelo (1994). A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Acadêmica.

SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado.

SILVA, José Afonso da (2006). Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros.

TORRES, Ricardo Lobo (1990). O Mínimo existencial e os Direitos Fundamentais. In: Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do RJ, n. 42.

WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: eScholarship Repository, University of Califórnia. http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/050207-16


Notas

01 JEAMMAUD, Antoine (1983). "Em torno al problema de la efectividad del derecho". In: Contradogmáticas, vol. I, nº2/3, Santa Cruz do Sul: FISCS/ALMED, p. 53

02 NEVES, Marcelo (1994). A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Acadêmica, p. 42

03 NEVES, Marcelo (1994). A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Acadêmica, pp. 46-7

04 SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado.

05 SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

p. 273

06 SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,p. 274

07 SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,p. 275

08Apud, Sarlet p. 275

09 SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, pp. 280-1

10 SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 282

11 SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 282

12 SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 268

13 SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 268

14 SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 306

15 SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 268

16 SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 270

17 MAXIMINIANO, Carlos (2001). Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, p. 39

18 BARCELLOS, Ana Paula de (2202). A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, p. 231

19 BARCELLOS, Ana Paula de (2202). A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, p. 258

20 SILVA, José Afonso da (2006). Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, p. 107

21 SILVA, José Afonso da (2006). Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, p. 109

22 AMARAL, Gustavo (2001). Direito, Escassez & escolha: em busca de critérios Jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, p. 218

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23 MAXIMINIANO, Carlos (2001). Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, p. 40

24 ALEXY, Robert (1993). Teoría de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzon Valdés. Madrid: Centro de Estúdios Politicos y Constitucionales, p. 495

25 Aqui a excepcionalidade refere-se à particularidade do caso examinado. Ou seja, a demanda in concreto deve se caracterizar por ser excepcional, pois se for algo experimentado por uma grande parcela da sociedade, estará o Estado legitimado ou justificado a não atendê-la (limitação de recursos). A ausência de excepcionalidade implicaria na "justiça" da escolha alocativa.

26 AMARAL, Gustavo (2001). Direito, Escassez & escolha: em busca de critérios Jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, pp. 208-9

27 Foi feita a transcrição literal, a fim de se evitar qualquer distorção do pensamento do autor, posto que não foi feito, in casu, um aprofundamento de sua teoria.

28 AMARAL, Gustavo (2001). Direito, Escassez & escolha: em busca de critérios Jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, p. 228

29 LARENZ, Karl (1997). Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 492

30 LARENZ, Karl (1997). Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 492

31 LARENZ, Karl (1997). Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 493

32 SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 390

33 SARLET, Ingo Wolfgang (2006). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 391

34 WANG, Daniel Wei Liang. "Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal". In: eScholarship Repository, University of Califórnia. http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/050207-16

35 Precedentes analisados (saúde): RE 271.286-AgR; RE 393.175; RE 242.859; RE 267.612; RE 195.192; RE 256.327; RE-AgR 268.479; RE-AgR 255.627; RE 226.835; RE-AgR 259.508.

36 Precedentes analisados (educação): RE 436.996-AgR; RE 463.210-AgR; RE-AgR 410.715; ADI 3324; RE-AgR 431.916; AI-AgR 410.646;RE-AgR 40102; ADI 1950.

37 WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: eScholarship Repository, University of Califórnia. http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/050207-16, p. 24

38 WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: eScholarship Repository, University of Califórnia. http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/050207-16, p. 10

39 Também nesse sentido: Min. Ellen Gracie no RE 342.413/PR e Min. Marco Aurélio no RE 195.192/RS.

40 IF- AgR 3977; IF 3773.

41 WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: eScholarship Repository, University of Califórnia. http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/050207-16, p. 19 e ss.

42 WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: eScholarship Repository, University of Califórnia. http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/050207-16, p. 20

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Sobre o autor
Rodrigo Albuquerque de Victor

mestrando em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário pelo IDP, professor-tutor da UnB e ESAF, advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VICTOR, Rodrigo Albuquerque. O papel do Judiciário na concretização dos direitos sociais prestacionais.: Problemática conducente à escassez de recursos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1569, 18 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10521. Acesso em: 28 abr. 2024.

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