Assédio sexual: muitas vezes parece, mas não é!

25/07/2023 às 10:29
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Atualmente, a quantidade de investigações e ações penais a respeito de um crime vem nos chamando a atenção – o assédio sexual. Isso porque, ao tomar conhecimento das informações contidas nos autos de investigações, das provas da ação penal e até dos termos de sentenças condenatórias, percebe-se uma confusão na interpretação da lei

O crime de assédios sexual tem a sua previsão no art. 216 – A, do Código Penal, o qual descreve ser o ato de “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Incluído pela Lei nº 10.224 , de 15 de 2001). (...) Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224 , de 15 de 2001)”

Algumas considerações do que consta neste artigo de lei são necessárias para esclarecer a sua abrangência.

Primeiro, temos a convicção de que o legislador se utilizou de expressão inadequada para descrever a conduta típica: o “constranger”. Melhor atenderia a pretensão punitiva se fosse utilizado o verbo “chantagear”, numa conotação de chantagem sexual.

A doutrina não é clara a respeito do sentido do verbo “constranger.” CEZAR ROBERTO BITENCOURT define o sentido da expressão como sendo “embaraçar, acanhar, criar uma situação ou posição constrangedora para a vítima”. Por sua vez, ROGÉRIO SANCHES CUNHA interpreta a conduta como sendo uma “insistência importuna”. É certo que esta imprecisão do termo ocasiona interpretações equivocadas pela Justiça.

Segundo, é importante destacar que não se trata de um crime caracterizado pelo gênero (sexo do autor e da vítima). O legislador descreveu a conduta como ato de constranger “alguém”. Logo assim, é um delito que pode ser praticado de homem contra a mulher, de mulher contra o homem, e até entre pessoas do mesmo sexo.

Terceiro, esse tipo de crime requer a utilização da circunstância de sobreposição do autor (a) sobre a vítima, em decorrência de hierarquia ou ascendência, num contexto de emprego, cargo ou função (seara privada ou pública). Neste sentido, a proteção da liberdade sexual da vítima nesta tipificação requer que esteja circunstanciada ao ambiente de trabalho ou de exercício de alguma função.

Quarto, o constrangimento praticado pelo autor (a) deve ter uma finalidade específica: a prática sexual. Isso quer dizer que o autor (a) precisa se prevalecer da posição de hierarquia ou ascendência contra a vítima, num contexto de relação de emprego, cargo ou função, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual. Sendo assim, ainda que ocorra um constrangimento praticado pelo autor, se o móvel não for a finalidade sexual, não haverá o crime de assédio.

Quinto, o legislador requer a configuração das circunstâncias de hierarquia e ascendência como caracterizadores do crime. Na primeira hipótese – a hierarquia – ocorre por representação de ordens, punições, concessões de privilégios etc -, as quais podem se dar no âmbito privado (ex. relação de emprego), como naquele público (ex. militarismo). De outro modo, na “ascendência”, o critério definidor é tão somente uma circunstância de domínio, respeitabilidade ou temor referencial (ex. professor, líder religioso etc.).

Destacamos, por importância, que o crime de assédio sexual deve representar uma importunação séria, grave e chantagista por parte do autor (a), com a probabilidade de ameaça, ainda que implícita, de impor grave dano ou prejuízo de natureza funcional ou trabalhista à vítima.

Como exemplos de condutas de assédio sexual, tem-se: 1) o superior hierárquico que condiciona a permanência da vítima no emprego mediante a aceitação de relação sexual; 2) o professor (a) que condiciona aprovação de aluno (a) mediante encontro para relação sexual; 3) abordagens chantagistas, com apelo sexual, praticadas contra diaristas etc.

De maneira contrária, algumas condutas, ainda que costumeiramente aceitas pela Justiça, deveriam ser prontamente afastadas como de assédio sexual. Cito aqui, como exemplo: 1) a importunação praticada por colega de trabalho, sem qualquer relação de efetiva hierarquia; 2) Professor (a) apaixonado (a), com pretensão de relacionamento duradouro com a (o) aluna (o); 3) superior hierárquico, que tenta tocar, agarrar ou beijar à força a vítima, sem qualquer chantagem ou que venha se prevalecer da sobreposição trabalhista/funcional; 4) o e flert no ambiente laboral etc.

Por fim, também é importante esclarecer que o crime de assédio é tido como formal, ou seja, para a sua ocorrência basta o constrangimento praticado pelo autor, pouco importando se logrou êxito no favorecimento sexual pretendido contra vítima. Por outro lado, há importante discussão na doutrina no sentido de que para a ocorrência do crime basta a prática de uma única conduta ou se há a necessidade da reiteração da importunação. Tudo indica que a gravidade do caso será o parâmetro para se definir o momento da consumação.

Diante destas considerações, não se discute a grande e indesejada incidência desta conduta no ambiente laboral. Ainda que a pena atribuída pela prática do crime não seja grave (detenção), ele poderá ensejar a perda do emprego, cargo ou função, além da imposição de reparação econômica ao dano causado pelo autor, seja na esfera penal, quanto na cível e trabalhista.

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Sobre o autor
Henrique Gonçalves Sanches

Advogado responsável pela área penal do escritório Gilberto Rodrigues Gonçalves e Advogados Associados. Mestrando em Direito Político e Econômico e membro do Grupo de Pesquisa de Direito Penal Econômico e Internacional da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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