RESENHA: Com o advento de novas tecnologias como o “ChatGPT” surgem questionamentos sobre a possibilidade de sua aplicação e sua conciliação com as particularidades da atividade jurisdicional.
É evidentemente desnecessário alertar o leitor acerca do advento e desenvolvimento dos chamados “chatbots”, mormente o conhecido “ChatGPT”, uma vez que notícias acerca dessa aplicação “tomaram” imenso espaço midiático. Igualmente despiciendo, por evidente, afirmar que tais tecnologias implicam em verdadeiro “Giro Copérnico” nas relações econômicas, sociais, produtivas e de trabalho, a ponto de muitos propalarem a ocorrência de uma “quinta revolução industrial”.
Não se busca, nessas breves linhas, tecer profundas considerações sobre a influência dessa ferramenta na atividade jurisdicional, até mesmo porque tal extensão apenas poderá ser aferida (e isso, desde já, afirmo ser inevitável) empiricamente. O que se busca, objetivamente, é lançar um olhar no seguinte questionamento: pode um chatbot ser plenamente utilizado na atividade estatal de dizer o direito (jurisdição)?
Embora seja perceptível uma certa resistência, pode-se dizer que a resposta a essa pergunta não se encontra no “se” (“se é possível”), mas sim no “quando” e no “como” isso será operacionalizado. Encontra-se, outrossim, em descobrir o “lugar” e qual será a (nova) atividade do “componente humano” nessa "equação".
De forma bastante ponderável, alguns estudiosos tem apontado as dificuldades (ou até mesmo relativa impossibilidade) da utilização dessas ferramentas na atividade jurisdicional, aduzindo que as “inteligências artificiais” carecem, na aplicação do Direito, da capacidade (ínsita ao ser humano) de imprimir valores e de pensar de forma prospectiva1.
Há, entretanto, outros pontos que nos permitem chegar a conclusões relativamente opostas.
A primeira delas passa pela singela análise do desenvolvimento (em especial) do “ChatGPT”. Se olharmos com tais lentes podemos, de forma igualmente prospectiva, concluir que essas capacidades humanas (de imprimir valores, de aplicar conceitos metajurídicos, entre outros) poderão ser (sim) desenvolvidas e amplamente dominadas por tais tecnologias, em algum momento.
Isso porque, malgrado o impacto imediato dessa ferramenta (e isso é sentido desde já), nas atividades humanas, a ferramenta supracitada, oficialmente, possui apenas “alguns meses de vida". Pese isso, indubitável que seu desenvolvimento, desde a sua primeira versão, tem sido notável2.
Ademais, considerando a adoção das técnicas de machine learning e de apreensão, análise e reprodução de uma infinidade de informações, não se pode ter como absolutamente impossível que tais “chatbots”, em algum momento e em algum nível, absorvam algumas das características que nós, humanos, imprimimos nas nossas atividades em geral (como por exemplo a produção literária, acadêmica, textos, petições e -também- as decisões judiciais).
Ademais, e agora sem pensar de forma assaz prospectiva, certo é que nem todas as questões submetidas à atividade jurisdicional são imunes a raciocínios (meramente) lógicos e aplicação relativamente dissociada de questões éticas.
À guisa de exemplo, é de se imaginar que os chatbots poderiam, até mesmo no seu atual estado de desenvolvimento, auxiliar e efetivamente atuar na solução de questões que implicam uma aplicação mais “direta” e “literal” da norma, como, à guisa de exemplo, algumas questões fazendárias. Poderia, outrossim, servir como verdadeira “tábua de salvação” em um dos ramos que mais “reproduzem demandas” no ordenamento jurídico brasileiro: as execuções fiscais.
Não se descura do fato de que a inserção dessa matéria na atividade jurisdicional deve ser cautelosa e controlada, até mesmo porque, como dito, cuida-se de ferramenta ainda em desenvolvimento e que possui algumas lacunas e evidentes falhas, como, por exemplo, a falta de indicação de fontes utilizadas nos textos por ele produzidos (bem apontada por Lenio Streck3). Entretanto, paulatinamente, tais ferramentas serão agregadas à prática forense- o ápice da chamada ”Justiça 4.0“, tão propalada atualmente.
Mas retorna-se a uma questão palpitante: haverá ainda, nesse contexto, espaço para o “componente humano” em toda essa “equação”?
É evidente que essa resposta dependerá de verificação com base na experimentação. Todavia, recordando as revoluções (mormente industriais) anteriores, conclui-se que a resposta é positiva, salientando, contudo, que o trabalho humano será evidentemente transmutado, como já o fora nos últimos 30 anos.
Indubitavelmente, qualquer pessoa que atua no dia a dia forense há mais de vinte anos pode afirmar, sem qualquer sombra de dúvidas, que os trabalhos de magistrados, advogados, promotores de justiça e serventuários de justiça mudaram drasticamente no período.
E recorda-se: quando se fala de “vinte anos atrás” se fala deste século e milênio. Quem dirá períodos maiores!
Quanto a tal mudança, imagina-se, nesse primeiro momento, que haverá uma “inversão” dos papéis das “pessoas” e das “máquinas” (ao menos de forma parcial, onde essas ferramentas poderão ser aplicadas): À guisa de singelo exemplo, atualmente, as manifestações e decisões são produzidas por seres humanos e revisadas por máquinas (por exemplo um corretor de textos). Acredita-se (rectius: verifica-se) que, adiante, com o uso de tais ferramentas, a correção será efetivada pelo ser humano e a produção (ao menos primária) das decisões e manifestações será conferida à máquina.
É certo que ainda há “muito a ser discutido” e há até mesmo uma “curva de aprendizagem” a ser percorrida (por nós e pelas ferramentas) para uma aplicação mais ampla e efetiva. Todavia, como disse Vice-Presidente Corporativo, de Trabalho Moderno e Aplicações de Negócio da Microsoft, Jared Spataro, "não precisamos apenas descobrir um jeito melhor de fazer as mesmas coisas. Precisamos de uma nova forma de trabalhar4".
E é isso, justamente, que tais tecnologias nos trazem - até mesmo para ramos menos afetos à inovação.
Tudo isso, inexoravelmente, demanda que agreguemos tais ferramentas na nossa atividade, utilizando-as efetivamente, até mesmo para melhor compreendê-las. E, novamente, repisa-se: é de se discutir apenas “quando” isso ocorrerá e não se “deve” ocorrer e “se” ocorrerá.
Vide por exemplo ECHEVERRIA, João Paulo de C. Os perigos da Inteligência Artificial (IA) para o exercício da jurisdição. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/381923/os-perigos-da-inteligencia-artificial-para-o-exercicio-da-jurisdicao . Acesso em 22/04/2023.︎
A base do ”ChatGPT” - o GPT-3, foi lançado em junho de 2020 e a atual formatação data de novembro de 2022.︎
STRECK, Lenio. O ChatGPT, a classe dos inúteis e o cão que empurrava crianças no rio! https://www.prerro.com.br/o-chatgpt-a-classe-dos-inuteis-e-o-cao-que-empurrava-criancas-no-rio. Acesso em 22/04/2022.︎
https://news.microsoft.com/pt-br/apresentamos-o-microsoft-365-copilot-o-copiloto-para-o-trabalho/︎