Resumo: A formação de conglomerados de sociedade gera inúmeros retornos benéficos e práticos, razão pela qual, desde o início do século, houve um aumento significativo de grupos societários (de fato e de direito). Contudo, a Lei nº 11.101/2005 não regulamentou a hipótese de recuperação judicial de grupos empresariais, fato que gerou inúmeros problemas práticos, ensejando árduo trabalho dos tribunais, especialmente no que se refere à aceitabilidade dos tipos de recuperação dos conglomerados, ou seja, da consolidação processual e substancial. Após intensos debates jurisprudenciais e doutrinários, se regulamentou, através da Lei nº 14.112/2020, a consolidação processual e substancial. Assim, o presente trabalho visa analisar a recuperação judicial dos grupos empresariais, especialmente a evolução dos institutos da consolidação processual e substancial, as modificações e os benefícios da nova lei.
Palavras-chave: Direito empresarial. Recuperação judicial. Grupos empresariais. Consolidação processual e substancial. Nova lei de recuperação judicial e falência.
Sumário: Introdução. 1. Recuperação judicial dos grupos empresariais: evolução e aplicabilidade da consolidação processual e substancial. 2. Consolidação processual e substancial. 3. Consolidação processual e substancial na nova lei de recuperação judicial e falência. Conclusão. Referências.
Introdução
Muitos dos pedidos de recuperação judicial são realizados por grupos de empresas, haja vista que a maioria das grandes sociedades são formadas por conglomerados empresariais (não somente por uma única pessoa jurídica), razão pela qual o estudo da consolidação processual e substancial mostra-se de suma relevância.
Inicialmente, não houve regulamentação do tema, motivo pela qual coube à doutrina e à jurisprudência interpretar, dar contornos e limites à recuperação judicial dos grupos empresariais.
O tema é complexo e gera diversas incompreensões, havendo uma incorreta confusão e aproximação dos institutos da consolidação processual e substancial, os quais, todavia, possuem consequências práticas completamente distintas, tanto para os credores como para os devedores.
Após grandes discussões doutrinárias e jurisprudenciais, houve a codificação dos institutos da consolidação processual e substancial no âmbito da Lei de Recuperação Judicial e Falência. Trata-se, assim, de novo marco legal para a recuperação judicial dos grupos empresariais, possuindo considerável relevância.
Assim, será realizada uma análise da recuperação judicial dos grupos empresariais, focando-se nos temas da consolidação processual e substancial, especialmente em relação (i) às diferenças de aplicabilidade dos respectivos instrumentos, bem como as suas consequências jurídicas; e (ii) às modificações trazidas pela nova lei.
1. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DOS GRUPOS EMPRESARIAIS: EVOLUÇÃO E APLICABILIDADE DA CONSOLIDAÇÃO PROCESSUAL E SUBSTANCIAL.
Conforme se passa a explicar, existe a possibilidade do pedido de recuperação judicial em conjunto por sociedades empresariais do mesmo grupo econômico.
Em primeiro momento, todavia, faz-se necessário esclarecer o conceito de grupo econômico. Para Nelson Eizirik (2011, p. 217-218), o grupo econômico trata-se de uma técnica de concentração empresarial, veja-se:
“O grupo de sociedades constitui uma técnica de concentração empresarial mediante a qual 2 (duas) ou mais sociedades, sendo um dominante e as demais dominadas, unem-se sob uma mesma direção para alcançar objetivos comuns.”
Os grupos, por sua vez, podem ser de fato ou de direito. Será de direito quando houver algum acordo estipulando a união das sociedades e de fato quando as sociedades possuírem participação no capital das outras, sujeitas ao poder de controle.
Quanto ao grupo de fato, Rubens Requião (2015, p. 362-363) assim ensina, [...] “junção de sociedades, sem a necessidade de exercerem entre si, um relacionamento mais profundo, permanecendo isoladas e sem organização jurídica”.
O Código Civil de 2002 somente tratou dos grupos de fato, definindo em seus artigos 1.097 a 1.099 (BRASIL, 2002) o conceito de sociedade controlada ou coligada, o qual tem como base a existência de participação societária:
“Art. 1.097. Consideram-se coligadas as sociedades que, em suas relações de capital, são controladas, filiadas, ou de simples participação, na forma dos artigos seguintes.
Art. 1.098. É controlada:
I - a sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores;
II - a sociedade cujo controle, referido no inciso antecedente, esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta já controladas.
Art. 1.099. Diz-se coligada ou filiada a sociedade de cujo capital outra sociedade participa com dez por cento ou mais, do capital da outra, sem controlá-la.”
O grupo de direito, como já destacado, se estabelece mediante convenção pela qual as sociedades se obrigam a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, conforme previsto no art. 265, da Lei nº. 6.404/76 (BRASIL, 1976):
“Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns.”
Nessa linha de raciocínio, levando em consideração o crescente número de grupos de sociedades, iniciou-se uma discussão jurisprudencial e doutrinária quanto à possibilidade de recuperação judicial dos conglomerados empresariais, especialmente porque a Lei nº. 11.101/05 nada dispunha quanto ao tema.
Inicialmente, houve permissão incondicionada quanto à formação de litisconsórcio ativo em Recuperações Judiciais, sobretudo pelo reconhecimento desta possibilidade na recuperação judicial do Grupo VARIG.
Todavia, em razão da generalização do tema, o STJ, na recuperação judicial do Grupo NAOUM, e diante da ausência de previsão expressa na Lei nº. 11.101/05, anulou o processo recuperacional (AgRg na MC 20733/GO).
Aliás, tendo como base o entendimento prosperado na Recuperação Judicial da VARIG, passou a se entender que a consolidação processual autorizaria, por si só, a união dos ativos e passivos de todas as empresas de determinado conglomerado empresarial.
Ou seja, se desconsideraria a autonomia patrimonial tal como numa desconsideração da personalidade jurídica, hipótese que se denominou como “consolidação substancial” (CEREZETTI, 2015).
Pela extensão de interpretação quanto ao tema, inclusive pela incompreensão interpretativa, no sentido de ser viável ou não a unificação dos ativos e passivos de empresas pela simples existência de litisconsórcio ativo, o Conselho da Justiça Federal editou o enunciado 98, no plenário da III Jornada de Direito Comercial, pelo qual: “A admissão pelo juízo competente do processamento da recuperação judicial em consolidação processual (litisconsórcio ativo) não acarreta automaticamente a aceitação da consolidação substancial” (BRASIL, 2019).
Assim, embora controverso o modo de aplicabilidade dos institutos, pode-se dizer que a doutrina e a jurisprudência, desde a Lei nº. 11.101/05, admitem a recuperação judicial dos grupos empresariais mediante a utilização do mecanismo da consolidação processual e/ou substancial.
Os temas, todavia, muito embora tenham sido tratados de forma igualitária por muitos juízes, são diferentes e possuem tratamentos jurídicos específicos. Inclusive, a confusão realizada pelos operadores do direito foi lembrada por Fontana (2016, p. 43), veja-se:
“Muito embora a consolidação processual não signifique consolidação substancial, alguns magistrados e recuperandas ignoram as particularidades de cada empresa, credores e ativos, tratando-os indistintamente, de forma automática, desde o início do processo requerido em conjunto.
A prática demonstra que normalmente cabe aos credores levantar essa questão no âmbito da recuperação judicial, para que a discussão sobre o caminho e as consequências da recuperação em conjunto seja instaurada e aprofundada.”
Em razão dessa problemática, com a advento da Lei nº. 14.112/20, os institutos foram expressamente codificados e delimitados, trazendo certa previsibilidade em relação (i) à possibilidade de recuperação judicial dos grupos empresariais; e (ii) ao modus operandi da consolidação processual e substancial, conforme se passa a demonstrar.
2. CONSOLIDAÇÃO PROCESSUAL E SUBSTANCIAL
A consolidação processual trata-se, nada mais, do que a admissão de formação de litisconsórcio ativo em relação às sociedades empresariais que ingressarem com pleito recuperacional, fato que não acarreta, necessariamente, a união dos ativos, conforme leciona Fontana (2016, p. 43):
“Ou seja, trata-se do deferimento do litisconsórcio ativo daquelas empresas que ingressaram com pedido de recuperação judicial. Tal processamento conjunto não acarreta necessariamente a união de ativos, unificação da lista de credores e do plano de recuperação judicial.”
Em tal espécie de consolidação, cada sociedade apresentará o seu plano de recuperação, sem qualquer união de ativos das sociedades pertencentes ao grupo, sendo que a medida visa, acima de tudo, a eficiência e a economia processual, veja-se o entendimento de Fontana (2016, p. 43): “A consolidação processual não passa de uma medida administrativa que visa à economia processual e à redução de custos, inclusive contribuindo para o sucesso da recuperação judicial.”
Por outro lado, a consolidação substancial é uma medida que visa unificar os ativos e passivos das sociedades empresariais que compõem determinado grupo econômico, acarretando a assunção de riscos pelos credores de outras sociedades e vice-versa, senão vejamos excerto doutrinária de Fontana (2016, p. 53): “[...] todas as sociedades em recuperação se responsabilizem pelos credores e, consequentemente, todos os credores assumam os riscos do grupo como um todo e não apenas da sua devedora direta”.
Através do instituto da consolidação substancial, é possível que as sociedades do grupo apresentem um mesmo pedido de recuperação judicial, oportunidade em que serão pagos os credores de todas as sociedades, independentemente se somente uma ou outra sociedade esteja efetivamente em crise econômico-financeira.
Trata-se, todavia, de uma medida excepcional, pois acaba por trazer algumas consequências eventualmente negativas aos credores, haja vista a desnaturação dos negócios jurídicos pretéritos à recuperação judicial e a diluição do voto do credor (de modo a facilitar a aprovação do plano), conforme ressaltado pelo Desembargador Fábio Tabosa, da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP:
“Ora, a elaboração de um único plano de recuperação judicial presta-se, em última análise, a abusos e tem o condão de gerar graves distorções no tocante à situação dos credores de alguma das sociedades recuperandas, por primeiro diluindo o peso de suas participações na composição dos quóruns de votação e prestando-se inclusive a comprometer a legitimidade das deliberações assembleares, conforme venham tomadas, e depois, no plano da renegociação objetiva das obrigações, interferindo nas condições originárias dos negócios jurídicos por eles celebrados com as devedoras independentemente da situação econômico-financeira efetivamente apresentada por cada uma delas.”
A professora Sheila C. Neder Cerezetti (2015, p. 749) diferencia os dois institutos, ressaltando, como já esclarecido, que a consolidação processual se trata de uma medida meramente formal, enquanto a consolidação substancial, por atingir direitos substanciais das partes, revela-se excepcional, veja- se:
“A extensão do alcance da medida conjunta de reestruturação empresarial pode dizer respeito apenas a uma solução meramente formal de unificação de procedimentos da recuperação judicial de cada sociedade que compõe o grupo, ou pode ser mais abrangente e representar verdadeira união de ativos e passivos na busca da manutenção da empresa. O primeiro caminho, mais simples e aceito, é aqui referido como consolidação processual e tem como propósito principal facilitar a estruturação do instrumento da recuperação. O segundo, excepcional e que demanda cuidado, na medida em que atinge direito substanciais de inúmeras partes, denomina-se consolidação substancial e visa a compor direito e interesses dos envolvidos.”
Por fim, Cerezetti (2015, p. 749) também indica que a opção acerca de uma ou outra forma de recuperação deve ter por base, também, a compreensão - já explicada - dos conceitos de grupo de direito e de fato:
“A opção por uma e/ou outra solução, vale dizer, a consolidação processual e/ou substancial, deve ser precedida da compreensão de quais sociedades podem consideradas como participantes do grupo societário.”
Estabelecida a diferenciação e os impactos da consolidação processual e substancial, passa-se a esclarecer a nova ordem jurídica quanto aos temas, haja vista que, enfim, os institutos foram legalmente regulados, no caso, pela Lei nº. 14.112/20 (“Nova Lei de Recuperação Judicial e Falência”).
3. CONSOLIDAÇÃO PROCESSUAL E SUBSTANCIAL NA NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA
A consolidação processual foi estabelecida no art. 69-G, da Lei nº. 14.112/2020 (BRASIL, 2020), senão vejamos: “devedores que atendam aos requisitos previstos nesta lei e que integrem grupo sob controle societário comum poderão requerer recuperação judicial sob consolidação processual.”
Como na consolidação processual se preserva a autonomia patrimonial das sociedades integrantes do grupo, conforme a nova lei (BRASIL, 2020) tem-se que: (i) cada sociedade apresentará individualmente o seu plano (art. 69-G, §1º); e (ii) há completa interdependência dos devedores, inclusive de seus ativos e passivos (art. 69-I), veja-se:
“Art. 69-G. Os devedores que atendam aos requisitos previstos nesta Lei e que integrem grupo sob controle societário comum poderão requerer recuperação judicial sob consolidação processual.
§ 1º Cada devedor apresentará individualmente a documentação exigida no art. 51 desta Lei.
Art. 69-I. A consolidação processual, prevista no art. 69-G desta Lei, acarreta a coordenação de atos processuais, garantida a independência dos devedores, dos seus ativos e dos seus passivos.”
Esse plano único é uma união formal facilitadora do processo, não significando, em hipótese alguma, a desconsideração da autonomia patrimonial das sociedades, de modo que o patrimônio de cada devedora responderá perante os respectivos credores, conforme bem explica a Cerezetti (2015, p. 762-763):
“Trata-se do que se pode chamar de “plano único”, ou seja, um só documento a descrever os meios de recuperação que cada uma das devedoras pretende utilizar, mas sem que isso represente qualquer afronta à autonomia patrimonial de cada uma delas. Pode-se dizer, nesse sentido, que se cuida de união formal entre as partes, na medida em que, muito embora os meios de recuperação estejam expostos em um mesmo documento, eles não compreendem a desconsideração à autonomia de cada uma das devedoras, cujos patrimônios respondem apenas perante os respectivos credores de cada recuperanda.”
Além disso, expressamente se estipulou que os quóruns serão apurados em referência aos credores de cada devedor (art. 69, I, §3º), veja-se as disposições da lei (BRASIL, 2020):
“Art. 69-I.
[...]
§ 3º Os quóruns de instalação e de deliberação das assembleias-gerais de que trata o § 2º deste artigo serão verificados, exclusivamente, em referência aos credores de cada devedor, e serão elaboradas atas para cada um dos devedores.”
Em paralelo, houve delimitação no sentido de ser possível que seja concedida recuperação judicial ou falência a cada um dos devedores (art. 69, I, §4º), ou seja, o desfecho do processo em relação a um devedor, não impactará o do outro (BRASIL, 2020):
“Art. 69-I. A consolidação processual, prevista no art. 69-G desta Lei, acarreta a coordenação de atos processuais, garantida a independência dos devedores, dos seus ativos e dos seus passivos.
[...]
§ 4º A consolidação processual não impede que alguns devedores obtenham a concessão da recuperação judicial e outros tenham a falência decretada.”
O tema da consolidação processual quase nada se alterou com a nova legislação, concluindo-se que, por segurança jurídica, meramente codificou-se o que já era de entendimento doutrinário e jurisprudencial.
Não obstante, em relação à consolidação substancial, optou-se por trazer um diferente panorama de aplicabilidade, a fim de se encerrar, pelo princípio da legalidade, as discussões quanto ao tema.
A consolidação processual nunca foi um problema, todavia a consolidação substancial era um tema que gerava extremas discussões, tais como: (i) se a consolidação processual teria como consequência automática, por si só, a consolidação substancial; e (ii) se a consolidação processual deve ser objeto de decisão judicial ou deve ser submetida ao crivo dos credores, os quais, como dito, podem ser prejudicados em caso de união de ativos e passivos.
A nova lei pacificou juridicamente os temas acima, conforme se verifica do art. 69-J (BRASIL, 2020):
“Art. 69-J. O juiz poderá, de forma excepcional, independentemente da realização de assembleia-geral, autorizar a consolidação substancial de ativos e passivos dos devedores integrantes do mesmo grupo econômico que estejam em recuperação judicial sob consolidação processual, apenas quando constatar a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos dos devedores, de modo que não seja possível identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos, cumulativamente com a ocorrência de, no mínimo, 2 (duas) das seguintes hipóteses: [...]”
Pela leitura do artigo se constata que a decisão, agora, compete ao Juiz do caso, bem como se aplica somente no caso em que houver interconexão e confusão entre ativos e passivos dos devedores.
Afastou-se, assim, qualquer discussão no sentido de que a consolidação processual gera a consolidação substancial, bem como no que se refere à forma de aplicabilidade do instituto, ou seja, por decisão judicial ou assemblear.
Importante mencionar que a nova lei trouxe, ainda, requisitos objetivos para fins de configuração da confusão patrimonial apta a consolidar, substancialmente, os passivos e ativos.
Deve haver cumulativamente a ocorrência de, no mínimo, duas das seguintes hipóteses, conforme incisos do art. 69-J (BRASIL, 2020), veja-se:
“Art. 69-J. O juiz poderá, de forma excepcional, independentemente da realização de assembleia-geral, autorizar a consolidação substancial de ativos e passivos dos devedores integrantes do mesmo grupo econômico que estejam em recuperação judicial sob consolidação processual, apenas quando constatar a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos dos devedores, de modo que não seja possível identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos, cumulativamente com a ocorrência de, no mínimo, 2 (duas) das seguintes hipóteses:
I - existência de garantias cruzadas;
II - relação de controle ou de dependência;
III - identidade total ou parcial do quadro societário;
IV - atuação conjunta no mercado entre os postulantes.”
Em relação à consolidação processual, não há que se falar em prejuízo aos credores (a não ser, por óbvio, os prejuízos que já decorrem do simples pleito recuperacional da devedora). Isso porque não haverá mudança do polo subjetivo do devedor submetido aos efeitos da recuperação judicial.
Como cada empresa do grupo apresentará o seu plano individualizando, possuindo dívidas e receitas próprias, haverá a preservação do polo passivo obrigacional, ou seja, o credor terá a garantia de que o devedor com quem tem relação realizará o pagamento, embora seja nos termos do plano aprovado, de modo a não se alterar, ainda, a força de voto em deliberação assemblear.
Por outro lado, se for o caso de consolidação substancial, ou seja, com a união de ativos e passivos das empresas, haverá a desnaturação da relação obrigacional existente anteriormente ao pedido de recuperação, acarretando, ademais, a diluição do peso de voto do credor.
Existirão credores de empresas eventualmente solventes e superavitárias - que, logo, não esperam um pedido de recuperação judicial do devedor -, sendo prejudicados pelo simples fato de ser aplicada a consolidação substancial em relação à empresa com quem se relaciona.
Nesse caso, como haverá a união dos ativos e dos passivos, indistintamente, o credor não mais terá a garantia de que a empresa com quem mantém vínculo obrigacional cumprirá com sua obrigação, haja vista que, agora, os seus ativos se misturarão com diversas outras sociedades, inclusive, eventualmente, empresas insolventes e sem liquidez.
Lado outro, a unificação das obrigações acarreta, em regra, a diluição do peso de voto de determinado credor. Se antes determinado credor possuía um crédito relevante em relação a uma empresa - fato que, como se sabe, lhe garante um prestigiado poder no processo recuperacional -, com a consolidação dos passivos esse voto não terá mais o mesmo peso, haja vista a elevação do valor do passivo.
Conclusão
Percebe-se, assim, uma grande evolução quanto ao tema da recuperação judicial dos grupos empresariais, bem como em relação à aplicabilidade dos institutos da consolidação processual e substancial. Atualmente, como a Lei nº. 14.112/20 codificou temas antes demasiadamente discutidos na doutrina e na jurisprudência, há uma tendência de maior segurança jurídica nos pleitos recuperacional dos grupos empresarias.
Por fim, como se destacou, dentre as principais inovações, chama-se atenção para o fato de que o Legislador optou em codificar a excepcionalidade da consolidação substancial, trazendo requisitos objetivos de aplicabilidade do instituto, inclusive pelo eventual impacto aos credores através da desnaturação da relação obrigacional existente anteriormente ao pedido recuperação judicial e pela diluição do peso de voto de determinado credor.
Referências
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