CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, o que se pode depreender sobre as regras de transição da aposentadoria por idade urbana e por tempo de contribuição após a Emenda Constitucional 103/2019?
A Previdência Social, gerida pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no âmbito do Regime Geral (RGPS), constitui um pilar da proteção social brasileira. As regras para aposentadorias, tanto no RGPS (que abrange a maioria dos trabalhadores) quanto nos Regimes Próprios (RPPS, para servidores efetivos), visam assegurar direitos fundamentais. Contudo, alegações sobre a sustentabilidade do sistema levaram a sucessivas reformas, sendo a EC 103/19 a mais recente e impactante.
A justificativa central para a "Nova Previdência" foi a necessidade de adaptar o sistema às mudanças demográficas (aumento da expectativa de vida e queda da fecundidade) para evitar um suposto déficit previdenciário futuro. No entanto, críticos apontam que dados sobre essas tendências demográficas já eram conhecidos há décadas e que outros fatores, como desvinculações de receitas da seguridade social (DRU), renúncias fiscais, sonegação e má gestão (incluindo a judicialização excessiva gerada por indeferimentos administrativos indevidos), contribuem significativamente para os desafios financeiros do sistema.
A extinção da aposentadoria por tempo de contribuição, embora criticada por muitos segurados, era defendida por parte dos estudiosos sob o argumento de que não cobria um risco social típico (como idade avançada ou incapacidade), permitindo aposentadorias precoces. A reforma preservou essa modalidade apenas através das regras de transição.
A EC 103/19, contudo, gerou preocupações quanto à observância de princípios constitucionais da seguridade social. O princípio da universalidade, que visa à inclusão, pode ser afetado pelas novas regras de carência e tempo mínimo de contribuição, dificultando o acesso de trabalhadores de baixa renda ou informais. O princípio da irredutibilidade do valor mínimo também foi questionado em relação ao cálculo da pensão por morte (Art. 23, EC 103/19), que pode resultar em valores inferiores ao salário mínimo em algumas situações (embora a legislação infraconstitucional e a própria Constituição garantam o piso mínimo).
A mudança no cálculo do benefício (média sobre 100% dos salários) representa um ponto negativo concreto, pois tende a reduzir o valor da RMI para a maioria dos segurados.
As regras de transição, embora garantam alguma segurança jurídica aos já filiados, representam um endurecimento significativo das condições de acesso à aposentadoria. A nova regra permanente para aposentadoria por idade (65/20 para homens, 62/15 para mulheres) eleva a exigência contributiva para os homens. As regras de pontos e idade mínima progressiva postergam o acesso ao benefício anualmente. As regras de pedágio (50% e 100%) impõem ônus adicional significativo, especialmente a de 100%, que combina pedágio com idade mínima elevada.
Conclui-se que as regras de transição e as novas regras permanentes, embora visem à sustentabilidade fiscal, representam, sob a ótica dos direitos sociais, um retrocesso para muitos segurados do RGPS. A reforma, focada no aspecto econômico, parece desconsiderar a realidade socioeconômica brasileira, marcada pela informalidade e pela dificuldade de manutenção de longas carreiras contributivas, afetando principalmente os trabalhadores de baixa renda. As mudanças geram incerteza e insegurança, sem necessariamente solucionar problemas estruturais de gestão e financiamento da Previdência. A perspectiva futura aponta para a predominância da aposentadoria por idade como única via de acesso ao benefício programado para as novas gerações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGÊNCIA CÂMARA NOTÍCIAS. Reforma da Previdência prevê idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Brasília: Agência Câmara Notícias, 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/552233-reforma-da-previdencia-preve-idade-minima-de-65-anos-para-homens-e-62-para-mulheres/. Acesso em: 02 jun. 2023.
ANFIP. Reforma da Previdência acaba com proteção social. Brasília: ANFIP, 2019. Disponível em: https://www4.anfip.org.br/noticia.php?id_noticia=24106. Acesso em: 04 jun. 2023.
ANFIP. Seguridade e Previdência Social: Contribuições para um Brasil mais justo. 1. ed. Brasília: ANFIP, 2014. p. 10-11. Disponível em: https://www.anfip.org.br/wp-content/uploads/2019/01/20140808091827_Seguridade-e-Previdencia-Social-Contribuicoes-para-um-Brasil-mais-Justo_08-08-2014_Seguridade-e-Previdencia_final-1.pdf. Acesso em: 04 jun. 2023.
ARAUJO, Bruno. O Princípio da Irredutibilidade do Valor dos benefícios previdenciários garante a preservação do valor real? Análise da Doutrina e Jurisprudência! EBEJI. Disponível em: https://blog.ebeji.com.br/o-principio-da-irredutibilidade-do-valor-dos-beneficios-previdenciarios-garante-a-preservacao-do-valor-real-analise-da-doutrina-e-jurisprudencia/. Acesso em: 04 jun. 2023.
BALERA, Wagner. Noções preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 87.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 02 jun. 2023.
BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm. Acesso em: 04 jun. 2023.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998. Modifica o sistema de previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc20.htm. Acesso em: 05 jun. 2023.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm. Acesso em: 04 jun. 2023.
BRASIL. Instrução Normativa INSS/PRES nº 77, de 21 de janeiro de 2015. Estabelece rotinas para agilizar e uniformizar o reconhecimento de direitos dos segurados e beneficiários da Previdência Social [...]. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/32120879/do1-2015-01-22-instrucao-normativa-n-77-de-21-de-janeiro-de-2015-32120750. Acesso em: 05 jun. 2023.
BRASIL. Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013. Regulamenta o § 1º do art. 201 da Constituição Federal, no tocante à aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social - RGPS. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp142.htm. Acesso em: 05 jun. 2023.
BRASIL. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8212cons.htm. Acesso em: 05 jun. 2023.
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em: 05 jun. 2023.
BRASIL. Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999. Dispõe sobre a contribuição previdenciária do contribuinte individual, o cálculo do benefício, altera dispositivos das Leis nºs 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9876.htm. Acesso em: 05 jun. 2023.
BRASIL. Lei nº 13.183, de 4 de novembro de 2015. Altera as Leis nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e 8.213, de 24 de julho de 1991 [...]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13183.htm. Acesso em: 05 jun. 2023.
BRASIL. Ministério da Economia. Novas alíquotas da Previdência entram em vigor em março. Brasília, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/previdencia/pt-br/assuntos/noticias/previdencia/regime-geral/novas-aliquotas-da-previdencia-entram-em-vigor-em-marco. Acesso em: 04 jun. 2023.
BRASIL. Ministério da Previdência Social. Previdência Social: Reflexões e Desafios. Brasília: MPS, 2009. p. 18.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência Social. Fórum de debates sobre políticas de emprego, trabalho e renda e de previdência social: Grupo Técnico de Previdência. Brasília: 2016. p. 17. Disponível em: https://bibliotecadigital.seplan.planejamento.gov.br/handle/iditem/718. Acesso em: 05 jun. 2023.
BRASIL. Portaria Interministerial MPS/MF nº 1, de 27 de janeiro de 2014. Dispõe sobre o reajuste dos benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e dos demais valores constantes do Regulamento da Previdência Social - RPS. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/30050742/do1-2014-01-30-portaria-interministerial-n-1-de-27-de-janeiro-de-2014-30050738. Acesso em: 05 jun. 2023.
BRASIL. Tribunal de Contas da União (TCU). Déficit da Previdência Social: Quanto o Governo Federal arrecadou para pagar todas as suas despesas? Brasília: TCU. Disponível em: https://sites.tcu.gov.br/fatos-fiscais/deficit_da_previdencia_social.htm. Acesso em: 05 jun. 2023.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Direito previdenciário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021. p. 3-67.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; KRAVCHYCHYN, Gisele; LAZZARI, João Batista; ROCHA, Daniel Machado da. Comentários à Reforma da Previdência Social. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 1-279.
MARTINS, Sergio Pinto. Fundamentos de Direito da seguridade social. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2013.