Dilemas do Estado Democrático de Direito.
Resumo: Há três dilemas vivenciados no Estado Democrático de Direito, a eleição entre o modelo procedimentalista ou substancialista, identificação de fontes da legitimidade da jurisdição constitucional e, por derradeiro, a defesa ou repúdio do ativismo judicial, principalmente, atinente aos direitos fundamentais.
Palavras-chave: Estado Democrático de Direito. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Jurisdição constitucional. Democracia. Constitucionalismo contemporâneo.
Existem três dilemas do Estado Democrático de Direito segundo o constitucionalismo contemporâneo, a saber: a opção entre os modelos procedimentalista e substancialista de Constituição Federal e de jurisdição constitucional, a questão da legitimidade democrática da jurisdição[1] e a escolha entre a postura ativista ou contida do Poder Judiciário na apreciação das questões submetidas ao seu julgamento, tendo por base para respostas o texto constitucional vigente. A utilização de métodos dedutivo e dialético para analisar os marcos teóricos principais e de inspiração constitucional.
O segundo dilema começa pelas fontes das quais a jurisdição constitucional extrai sua legitimidade democrática. E, o terceiro dilema é a defesa de ativismo judicial criteriosamente guiado e tendo como parâmetro a Constituição Federal brasileira de 1988.
A ótica do constitucionalismo contemporâneo se depara com a emblemática opção entre os paradigmas procedimentalista ou substancialista de Constituição Federal e jurisdição constitucional, a legitimidade democrática da jurisdição constitucional e a postura ativista ou restrita do Judiciário diante de questões políticas submetidas à sua apreciação. Tem-se a preocupação constante com a efetividade de direitos fundamentais sociais, o que têm requerido a atenção da doutrina nacional e internacional, sob diversas óticas teóricas e fomentando ardentes debates.
As finalidade do presente artigo é trazer à baila os mais destacados argumentos acerca dos dilemas em apreço, firmando as posições, e procurando respostas no texto constitucional vigente e, como parâmetro a realidade sociopolítica brasileira.
Com a evolução dos estudos acera das relações existentes entre o Direito e a Política e a democracia sob mais diversos enfoques teoréticos, o que culminou nas posições ou teses que podem ser agrupadas em dois básicos eixos: o procedimentalismo e o substancialismo. E, a questão mais controvertida se sintetiza no debate sobre os papéis da Constituição Federal bem como da jurisdição constitucional do Estado Democrático de Direito.
Pela corrente procedimentalista se atribui à Constituição Federal a tarefa de garantir o adequado funcionamento do sistema de participação democrática ficando a cargo da maioria, em cada momento histórico a definição de valores e de opções políticas da sociedade.
Enfim, a corrente procedimentalista atribui à Constituição Federal a missão de garantia o adequado funcionamento da participação democrático, a cargo da maioria, em cada momentum histórico, cunhando a definição de valores[2] e opções políticas da sociedade.
Já a corrente substancialista sustenta competi ao texto constitucional vigente impor ao contexto político um conjunto de decisões valorativas que se consideram essenciais e consensuais e, ipso facto da adoção de uma ou outra corrente ocorre a variação da extensão da admissibilidade de censura judicial das leis e dos atos normativos e governamentais.
Assim, os procedimentalistas reconhecem à jurisdição constitucional a legitimidade para exercer tal controle diante da correta verificação e observância dos procedimentos públicos de deliberação e a formação de vontade coletiva. Mas, os substancialista vão adiante, autorizando-se a averiguação conteudística de atos dos Poderes Legislativo e Executivo, tendo como bases as escolhas ético-políticas fundamentais e cristalizadas na Lei Magna.
Portanto, a versão substancialista tende a justificar maior controle de constitucionalidade de viés rigoroso feito dos atos e normas produzidos no âmbito do Estado, enquanto a percepção procedimentalista conduz à atitude mais diferenciada sobre o núcleo de decisões dos Poderes Públicos.
No Brasil, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira é reconhecido como célebre defensor do procedimentalismo e, afirma que, por um lado, não é mais possível compreender o Estado como a corporificação e a única instância de estabilização de uma ética identidade, de certa forma de vida e de determinados padrões de vida boa e digna.
Não existem mais, portanto, como limitar a esfera pública ao ente estatal, conforme atestam os conhecidos direitos fundamentais de terceiro geração.
E, o público deverá ser visto como dimensão mais complexa do mero locus estatal, isto é, como mera dimensão discursiva de mobilização e a expressão de diversos fluxos comunicativos.
Sob outro viés, se até num passado recente a homogeneidade artificialmente levada a efeito pelo processo formativo do chamado Estado-Nação que propiciou a construção de uma identidade política encarada como indispensável para a garantia e manutenção de uma república composta de cidadãos livres e iguais perante o direito, mas que requer, de plano, o reconhecimento do pluralismo social e cultural.
Segundo Dierle Nunes, no paradigma procedimental de Estado Democrático de Direito se impõe simultaneamente prevalência da soberania do povo e dos direitos fundamentais em todos os campos, especialmente, na esfera estatal, em que existe a constante emissão de provimentos que geram efeitos para pluralidade de cidadãos.
Exara, ainda, André Cordeiro Leal que para se tornar possível a legitimidade do ordenamento jurídico se dará mediante a institucionalização de condições para a ação comunicativa ou condições do discurso, isto é, pela garantia de constante participação dos destinatários das normas em sua produção afastando a contingência de decisões arbitrárias ou que determinem o retorno continuado à autopoiese.
O verbete apresenta conceito que enfoca, de um lado, sua aplicação na sociedade mundial e, de outro lado, suas deficiências em lidar com os problemas desta mesma sociedade. Tal conceito part da teoria dos sistemas desenvolvida pelo sociólogo Niklas Luhmann e, segue dialogando com as variáveis do pensamento sistêmico como, por exemplo, a desenvolvida por Gunther Teubner. Autopoiese deriva do grego (autopoiesis).
A origem etimológica do vocábulo é autós (por si próprio) e poiesis (criação, produção). Seu significado literal é autoprodução. Os subsistemas produzem, e reproduzem, a sua própria organização circular por meio de seus próprios componentes.
O modelo de direito autopoiético ainda deixa sem resposta os maiores problemas da sociologia jurídica, em especial os relativos à gênese, à eficácia e à mudança do direito. Tais problemas, na verdade, são conexos a outros tantos conceitos de direito (respectivamente direito como norma, como fato e como valor).
O problema da eficácia do direito teve no passado uma resposta articulada proveniente da teoria geral do direito, de inspiração normativista, distinguindo um dúplice nível normativo. A norma de previsão de comportamento de seus destinatários era fundamentada em uma norma posterior, dirigida aos operadores que tendiam a intervir em caso de violação de norma de comportamento.
Nessa perspectiva, o desvio dos comportamentos quanto ao efetivo respeito à norma era reconduzido a uma patologia social geralmente controlada pelo mesmo direito que, mediante a efetiva aplicação de uma sanção, possibilitava a revitalização da norma violada.
Lembremos que Habermas foi um dos maiores expoentes da corrente procedimentalista e, no contexto do Estado Democrático de Direito e da noção de auto-organização da comunidade jurídica, a Constituição Federal não tem que ser compreendida como ordem que regula primariamente a relação existente entre o Estado e os cidadãos deixando de fora os poderes social, econômico e administrativo, nem como ordem jurídica global e concreta, destinada a impor a priori certa forma de vida sobre a sociedade humana.
Ao revés, esta determina procedimentos políticos mediante os quais os cidadãos, assumindo seu direito de autodeterminação, podem perseguir cooperativamente o projeto de produzir condições justas de vida.
Apenas e somente as condições processuais de origem democrática das leis serão capazes de assegurar a legitimidade do direito. Nesse enfoque, caberá à jurisdição constitucional proteger o sistema de direitos que possibilita a autonomia privada e pública dos cidadãos, examinando as leis e os atos normativos controvertidos, especialmente, sob a ótica dos pressupostos comunicativos e das condições procedimentais do processo democrático de legislação.
Resumindo-se, compete-lhe tutelar a integridade dos ritos político-constitucionalmente exigidos para a adequada formação da vontade da maioria.
Lenio Streck que é adepto das teses substancialistas, que em oposição enfatizam justamente a regra contramajoritária, que representa os freios às vontades de maiorias eventuais, o que para estas, reforça a relação existente entre a Constituição e democracia.
De fato, a regra contramajoritária traduz a materialidade do núcleo político-essencial da Constituição Federal, significando o compromisso do resgate de promessas da modernidade e que
simultaneamente aponta para as vinculações concretas dos direitos prestacionais e as promessas negativas (proibição de retrocesso social), até porque cada norma constitucional possui diversos âmbitos eficaciais. As posturas substanciais, por isso, intensificam a força normativa da Constituição, ao evidenciarem o seu conteúdo compromissório a partir da concepção dos direitos fundamentais sociais a serem concretizados.
Ademais é de difícil compreensão e defesa as teses processuais-procedimentais em países como o nosso, onde há grande déficit de cumprimento de direitos fundamentais sociais, parecendo ser irrisório ainda se considerada a pretensão de se construir as bases essenciais de Estado Social, destinar o Judiciário o encargo de zelar apenas pelo respeito às normas procedimentais da política deliberativa.
De acordo com o Ministro Luís Roberto Barroso que também pode ser relacionado ao substancialismo, a Constituição federal de um Estado Democrático de Direito reúne duas funções principais. Em primeiro lugar, incumbe-lhe veicular consensos mínimos, basilares para a dignidade das pessoas e para o funcionamento do regime democrático, e que não devem estar sujeitos à disposição de maiorias políticas ocasionais.
Tais consensos, conquanto variem em razão das circunstâncias políticas, sociais e históricas de cada país, envolvem a garantia de direitos fundamentais, a separação e a organização dos Poderes constituídos e a fixação de determinados fins de natureza política ou valorativa.
Em segundo lugar, compete à Constituição Federal garantir o espaço próprio do pluralismo político, assegurando o funcionamento adequado dos mecanismos democráticos, posto que há um conjunto de decisões que não podem ser subtraídas dos órgãos eleitos pelo povo em cada momento histórico.
Destarte, inexiste antagonismo entre o constitucionalismo, que significa em essência limitação do poder e supremacia da lei, e a democracia, que se traduz como soberania popular e governo da maioria, sendo antes fenômenos que se complementam e se apoiam mutuamente no Estado contemporâneo[3].
Ambos se destinam, em derradeira análise, a prover justiça, segurança jurídica e bem-estar social. Por meio do equilíbrio entre os preceitos materiais contemplados na Constituição e a deliberação majoritária, as sociedades podem obter, ao mesmo tempo, estabilidade quanto às garantias e valores essenciais, que ficam preservados no texto constitucional, e agilidade para a solução das necessidades cotidianas, a cargo das autoridades políticas eleitas pelo povo.
Outro substancialista de escol é Robert Alexy que crê num modelo puramente procedimental de Constituição que seja incompatível com a vinculação jurídica do legislador aos direitos fundamentais, pois é definido pela negação de toda e qualquer obrigação legiferante seja positiva ou negativa em caráter material.
Oportuna é a advertência de Arthur Kaufmann[4], para quem os conteúdos do Direito e da Justiça são demasiado importantes para serem deixados unicamente aos sempre parciais políticos. Ana Paula de Barcellos, a seu turno, não enxerga como incontornável a contradição entre o procedimentalismo e o substancialismo, argumentando que mesmo o primeiro, em suas diferentes linhagens, admite o funcionamento de sistema de deliberação democrática e demanda a satisfação de certas exigências, que podem ser descritas como opções materiais e se reconduzem às escolhas valorativas ou políticas.
Não é viável, nem possível haver deliberação majoritária minimamente consciente e consistente sem o devido respeito aos direitos fundamentais dos participantes do processo deliberativo, o que inclui a garantia de liberdades individuais e de um mínimo de condições materiais indispensáveis ao exercício da cidadania.
O embate entre procedimentalismo e substancialismo não será útil tendo em vista a realidade brasileira, considerando nossa vigente Constituição da República brasileira e o contexto histórico-geográfico e socioeconômico em que esta está inserida.
E, José Joaquim Gomes Canotilho lecciona que a compreensão de uma lei constitucional só galga sentido útil, teorético e prático, quando referida a uma situação constitucional concreta, historicamente existente em um determinado país. Há de ser construída com base em específico diploma constitucional e, não derivada ou desenvolvida a partir da teoria da Constituição.
Eis o motivo pelo qual o conceito de Constituição deve ser constitucionalmente adequado.
É forçoso concordar com Daniel Sarmento que sustenta ser nossa atual Lei Magna nitidamente substancial, porque: “(…) pródiga na consagração de valores substantivos. Ela não se contenta em traçar as regras do jogo democrático, nem se limita a estabelecer as condições materiais necessárias para tornar a democracia possível – embora também o faça. Ela não é, definitivamente, uma Constituição do tipo procedimental, já que acolhe valores materiais como dignidade da pessoa humana e solidariedade social, tornando-os de observância compulsória no âmbito do Estado e da sociedade. Ao dar forma jurídica a estes valores, convertendo-os em princípios expressos em linguagem vaga e abstrata, não obstante dotados de plena normatividade, a Constituição Federal prepara o terreno para a filtragem constitucional de todo o ordenamento jurídico.”
Novamente, Lenio Streck destaca que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 aponta as linhas de atuação para a política, estabelecendo as condições para a mudança da sociedade pelo direito. É, em síntese, uma pauta para a alteração de estruturas sociais, uma vez que reconhece as desigualdades e coloca à disposição o instrumentos para alcançar aquele desiderato. Trata-se de cláusula transformadora permanente, quer-se afirmar, a Lei Magna veio a albergar os conflitos que antes eram ignorados pelos juristas.
A Constituição, assim, não trata apenas dos meios, cuidando também dos fins, elencados no seu art. 3.º, que exatamente caracterizam o seu aspecto compromissório e dirigente, voltado à construção de um Estado Social.
A sua efetividade, por conseguinte, é agenda obrigatória de todos que se preocupam com a transformação de uma sociedade que, em cinco séculos de existência, produziu pouca democracia e muita miséria, fatores geradores de violências institucionais e sociais.
Ainda reconhecendo o caráter notadamente substancialista da Constituição brasileira e, tal qual já alertava Gustavo Zagrebelsky, esta não deve ser concebida como sistema fechado de princípios, mas como um contexto aberto de elementos, cuja determinação histórica-concreta dentro dos limites de elasticidade que tal contexto permite, é deixada ao legislador, porquanto somente assim se torna possível a coexistência de uma lei constitucional que contenha princípios substantivos com o pluralismo, a liberdade da dinâmica política e a competição entre as propostas alternativas.
Segundo constitucionalista italiano, pensar o contrário não só representa uma manifestação de soberba dos juristas, como também um risco “holístico” de asfixia política por saturação jurídica, situando a Constituição contra a democracia.
Em linha similar, o Ministro Luís Roberto Barroso leciona que a importância da Constituição, e do Judiciário como seu intérprete maior, não pode suprimir a política, o governo da maioria e o papel do Legislativo.
A Constituição Federal não pode ser ubíqua[5]. Respeitados os valores e fins constitucionais, cumpre à lei fazer as escolhas entre as diferentes visões alternativas que caracterizam as sociedades pluralistas.
A aludida filiação de nossa Lei Magna ao paradigma substancial, conclui-se que incumbe à jurisdição constitucional brasileira não somente o zelo pelas estruturas procedimentais democráticas político-deliberativas nela sedimentadas, como também a tutela das imposições constitucionais sejam positivas ou negativas de cunho material, especialmente, as referentes aos direitos fundamentais.
O controle da compatibilidade vertical dos atos dos Poderes Legislativo e Executivo, a cargo do Poder Judiciário, assume dessa maneira feição bastante ampla, o que desperta inevitavelmente a atenção para as questões de sua legitimidade democrática, da virtual tensão entre os âmbitos das funções estatais e dos riscos do chamado ativismo judicial.
Quanto ao segundo dilema se refere a legitimidade ou ilegitimidade democrática da jurisdição constitucional. da compatibilidade vertical dos atos dos Poderes Legislativo e Executivo, a cargo do Poder Judiciário, assume dessa forma a feição bastante ampla, o que desperta inevitavelmente a atenção para as questões de sua legitimidade democrática, da virtual tensão entre os âmbitos das funções estatais e dos riscos do chamado ativismo judicial.
O modelo albergado pela Constituição da República do Brasil, frise-se, de teor nitidamente substancialista, é possível identificar e sistematizar as três fontes primordiais que conferem à jurisdição constitucional sua legitimidade democrática.
A primeira delas diz respeito ao núcleo essencial da atividade típica que se reconhece à função jurisdicional no Estado Democrático de Direito, razão por que parece conveniente denominá-la funcional-material.
De acordo com Luigi Ferrajoli, as concepções da validade das normas no Estado constitucional[6] e da relação entre a democracia política (ou formal) e a democracia substancial se refletem em um reforço do papel da jurisdição e em uma nova e mais robusta legitimação democrática do Poder Judiciário e de sua independência. Isto é, os desníveis entre normas, que estão na base da existência de normas inválidas, e, por outro lado, a incorporação dos direitos fundamentais no estrato constitucional, transformaram a relação entre o juiz e a lei e vieram a assinalar à jurisdição uma função de garantia do cidadão frente às violações de suas prerrogativas essenciais por parte dos Poderes Públicos.
Nesta sujeição do juiz à Constituição e, em consequência, em seu papel de garante dos direitos constitucionalmente estabelecidos estão o principal fundamento atual da legitimação da jurisdição e da independência do Judiciário em face do Legislativo e do Executivo, ainda que sejam, ou precisamente porque são, Poderes de maiorias.
Os direitos fundamentais, sobre os quais se assenta a democracia substancial, exatamente porque estão assegurados a todos e inclusive contra as maiorias eventuais, servem para embasar, melhor que o velho dogma positivista da sujeição à lei, a independência do Poder Judiciário, que está especificamente concebido para a garantia dos mesmos.
Por conseguinte, o fundamento da legitimação da jurisdição constitucional não é outro senão o valor da igualdade como igualdade em direitos: a garantia dos direitos fundamentais exige um juiz imparcial e independente, subtraído de qualquer vínculo com os Poderes de maiorias e em condições de censurar, como inválidos ou ilícitos, os atos mediante os quais aqueles se exercem.
Esta legitimação não tem nada a ver com a da democracia política, ligada à representação, e nem deriva da vontade da maioria, mas unicamente da intangibilidade dos direitos fundamentais, sendo, portanto, uma legitimação de natureza substancial.
Incumbe ao juiz constitucional fiscalizar tanto o legislador ordinário quanto o administrador público, quando violem a Constituição, independentemente do mérito dos atos legislativos, executivos ou administrativos.
Essa fonte funcional-material de legitimidade democrática, além de significar corolário lógico da estrutura escalonada do ordenamento jurídico e da posição de superioridade e prevalência da Lei Maior e dos direitos fundamentais nela insculpidos relativamente aos atos produzidos pelos Poderes Legislativo e Executivo, exsurge de forma positiva dos seguintes dispositivos da Constituição de 1988: art. 5.º, caput (isonomia e inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade) e inc. XXXV (inafastabilidade do controle jurisdicional); art. 36, III, combinado com o art. 34, VII (representação interventiva do Procurador-Geral da República perante o STF para assegurar a observância, pelos Estados, dos princípios constitucionais sensíveis); art. 97 (previsão da declaração da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público pelos tribunais, exigindo para tanto o quórum de maioria absoluta dos seus membros ou dos membros dos respectivos órgãos especiais); art. 102, caput e seus incs. I e III e § 1.º (missão do STF de guardião da Constituição e competências originárias e recursal relacionadas com o controle de constitucionalidade); art. 103 (mecanismos processuais para o controle concentrado de constitucionalidade); e art. 125, § 2.º (previsão do controle de constitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais em contraste com as Constituições Estaduais).
Ainda em prol de legitimidade democrática da jurisdição constitucional pode ser chamada de processual, visto que concerne ao modo pelo qual aquela se desenvolve, isto é, o processo. E, tal pensamento encontra em Elio Fazzalari seu precursor, tem refutado ao processo a natureza de relação jurídica e reabilitado no seu conceito a noção de procedimento, compreendido como sucessão de atos normativamente disciplinados, vinculados reciprocamente e ordenados à preparação de um provimento imperativo, somado ao contraditório, percebido como garantia de participação nessa preparação, em situação de simétrica paridade, dos interessados, isto, daqueles que serão atingidos em suas esferas jurídicas pelo aludido provimento.
Processo, portanto, é uma espécie de procedimento, justamente aquela realizada em contraditório.[7]
Por sua vez, para Flaviane de Magalhães Barros, pode-se pretender a apropriação da teoria do processo como procedimento em contraditório como adequada ao paradigma do Estado Democrático de Direito.
Cabe frisar que o contraditório, nessa tendência doutrinária, além de passar a integrar a própria concepção de processo, deixou de ser visto nas limitadas expressões de ciência bilateral dos termos e atos do processo e possibilidade de contrariá-los, como deixou legado Joaquim Canuto Mendes de Almeida, ou de informação necessária e reação possível, na síntese de Sergio La China, para ser contemplado como garantia de participação em simétrica paridade no procedimento.
O contraditório ganha um significado, sobretudo político, pois confere ao processo judicial uma face democrática, legitimando-o como instrumento para o exercício do poder estatal sub specie jurisdictionis.
E, o processo jurisdicional é assumido, a partir dessa ótica, como um microcosmo da democracia participativa.
Trata-se da construção participada da decisão, reflexo da chamada visão cooperativa do processo. Outrossim, a decisão judicial necessita ser a mais correta, a mais justa, à luz dos elementos do caso concreto, pois o julgador, mesmo nas hipóteses que comportem mais de uma solução plausível, não ostenta poder de livre escolha ou discricionariedade. O dever de motivação, mediante o emprego de argumentação racional e persuasiva, é um traço distintivo relevante da função jurisdicional e dá a ela uma específica legitimação, decorrente de sua efetiva correspondência à ordem jurídica.
A jurisdição constitucional, seja por via de ação (controle concentrado de constitucionalidade), seja por via de exceção (controle difuso de constitucionalidade), sempre se exerce por meio do processo e culmina com um pronunciamento judicial.
E, nessa seara, quanto maior o espectro de abrangência dos efeitos do provimento, maior o número de entes legitimados a integrar o contraditório, isto é, a participar democraticamente do procedimento que precede sua formação e com ele se conclui.
Observe-se, por exemplo, que no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, em que a questão constitucional é apreciada incidenter tantum, como verdadeira prejudicial, e o provimento jurisdicional emitido em princípio deverá operar efeitos apenas inter partes, a imprescindível participação será destas, com a eventual possibilidade de assistência ou intervenção de terceiros, nas formas dos arts. 50 e seguintes do Código de Processo Civil).
Ainda em prol de legitimidade democrática da jurisdição constitucional pode ser chamada de processual, visto que concerne ao modo pelo qual aquela se desenvolve, isto é, o processo.
E, tal pensamento encontra em Elio Fazzalari seu precursor, tem refutado ao processo a natureza de relação jurídica e reabilitado no seu conceito a noção de procedimento, compreendido como sucessão de atos normativamente disciplinados, vinculados reciprocamente e ordenados à preparação de um provimento imperativo, somado ao contraditório, percebido como garantia de participação nessa preparação, em situação de simétrica paridade, dos interessados, isto é, daqueles que serão atingidos em suas esferas jurídicas pelo aludido provimento.
Processo, portanto, é uma espécie de procedimento, justamente aquela realizada em contraditório.19 Por sua vez, para Flaviane de Magalhães Barros, pode-se pretender a apropriação da teoria do processo como procedimento em contraditório como adequada ao paradigma do Estado Democrático de Direito.
De fato, o contraditório galgou um significado, essencialmente político, pois confere ao processo judicial uma face democrática, legitimando-o como instrumento para o exercício do poder estatal sub specie jurisdictionis. Assim, o processo jurisdicional é assumido, a partir dessa ótica, é encarado como um microcosmo da democracia participativa.
Trata-se da construção participada da decisão,24 reflexo da chamada visão cooperativa do processo.
Outrossim, a decisão judicial necessita ser a mais correta, a mais justa, à luz dos elementos do caso concreto, pois o julgador, mesmo nas hipóteses que comportem mais de uma solução plausível, não ostenta poder de livre escolha ou discricionariedade.
O dever de motivação, mediante o emprego de argumentação racional e persuasiva, é um traço distintivo relevante da função jurisdicional e dá a ela uma específica legitimação, decorrente de sua efetiva correspondência à ordem jurídica.
Finalmente, merece registro uma terceira fonte, que se pode denominar técnico-profissional e que fornece à jurisdição constitucional uma legitimação por expressa delegação constitucional.
Conforme leciona Rodolfo de Camargo Mancuso, incumbe precipuamente ao Poder Judiciário a aplicação da norma de regência aos casos concretos que lhe são apresentados, tratando-se sempre de atuação a posteriori, dependente de provocação e balizada por esta, o que se explica pelo fato de que a legitimidade dos julgadores não apresenta origem popular, e sim de base técnica.
Ademais, como bem registra Luís Roberto Barroso, a maioria dos Estados democráticos reserva uma parcela de poder político para ser exercitada por agentes públicos que não são recrutados pela via eleitoral, e cuja atividade é de natureza predominantemente técnica e imparcial.
Com efeito, o juiz, nos sistemas de tradição romano-germânica (Civil Law), não detém grande margem de liberdade criativa na aplicação do direito, estando jungido ao critério de legalidade, em sentido lato, isto é, deve se ater aos dados objetivos extraídos da Constituição e dos atos normativos em geral (leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos, portarias etc.), exigindo-se dele, por conseguinte, adequado preparo intelectual e técnico-científico e invulgares conhecimento e compreensão do ordenamento jurídico, além de idoneidade moral.
Eis porque a Lei Maior mesma, atenta às peculiaridades do labor judicante e à necessidade de se escolherem aqueles que em tese se mostrem mais aptos a exercê-lo, instituiu dois modos essenciais para a seleção e investidura originária de magistrados, quais sejam, no que concerne aos juízes de carreira, o concurso público de provas e títulos, realizado pelo respectivo tribunal (da União, dos Estados ou do Distrito Federal) e com a participação da OAB em todas as suas fases (art. 93, I, combinado com o art. 96, I, c, da CF/1988 , e, no que se refere a membros dos tribunais, a nomeação pelos chefes dos Poderes Executivos da União, dos Estados e do Distrito Federal (arts. 84, XIV e XVI, 101, 104, 107, 111, 119, II, 120, III, 123 e 125, da CF/1988
Em ambas, outrossim, a Carta Magna promoveu expressa delegação para essas escolhas: aos tribunais, na primeira, e aos chefes dos Poderes Executivos da União, dos Estados e do Distrito Federal, na segunda.
Superada a averiguação da legitimidade democrática da jurisdição constitucional brasileira, cabe indagar quais os seus limites, ou seja, quais as fronteiras que, se transpostas, ensejarão clara invasão e usurpação das esferas de competências reservadas ao Legislativo e ao Executivo, bem como quais as cautelas necessárias para minimizar os riscos de um exagerado protagonismo do Poder Judiciário no trato de temas em princípio mais afeitos à esfera política.
Neste ponto, imperioso abordar os contemporâneos fenômenos da judicialização da política e do ativismo judicial.
A judicialização da política que paira entre os ativismos e passivismos. Novamente, o Ministro Barroso explana que a judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais, isto é, o Congresso Nacional e o Poder Executivo, o que, como intuitivo, envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações marcantes na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade.
Para Rodolfo de Camargo Mancuso, a fim de que a expressão judicialização da política preserve a devida clareza e a densidade conceitual e não se disperse em indesejável vacuidade ou latitude excessiva, ela há que ter por significado o acesso à Justiça de controvérsias relativas às diversas políticas públicas programadas ou implantadas pelo Estado.
Eduardo Cambi, ao seu turno, afirma que o direito constitucional judicializou a política, posto que esta, representada pelos conflitos sociais e pelos direitos fundamentais, historicamente sonegados, passou a ser um de seus temas, abrindo margem a uma relação de complementaridade entre ambos.
Três fatores podem ser arrolados como determinantes da judicialização da política no Brasil: (a) a redemocratização do país, cujo ponto culminante foi a promulgação da Constituição de 1988, que fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário e aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira; (b) a constitucionalização abrangente, que incorporou na Lei Maior inúmeras matérias antes deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária; e (c) o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais amplos do mundo, combinando aspectos dos sistemas americano (controle incidental e difuso, por qualquer juiz ou tribunal) e europeu (controle concentrado por meio de ação direta) e concedendo a diversos órgãos e entes a legitimação para a iniciativa dos processos objetivos
Em acréscimo, o fenômeno não é gerado espontaneamente, nem é autopoiético, mas radica, remotamente, na recusa, na leniência ou na oferta insatisfatória de prestações primárias que deveriam ser disponibilizadas pelo Poder Público à população.
Essa postura ineficiente abre um vácuo que passa a atrair as demandas reprimidas e as insatisfações gerais, as quais, restando sem atendimento e sem canal de expressão adequado, acabam se voltando para a instância que se apresenta quando as demais falham: o Judiciário.
Luís Roberto Barroso também esclarece habilmente o que se deve entender por ativismo judicial e quais as suas causas, características e relações com a judicialização: “A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política”.
Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance.
Normalmente, este se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.”
A postura ativista, por conseguinte, está associada a uma atuação mais incisiva do Poder Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência nos âmbitos de atribuições do Legislativo e do Executivo, manifestando-se por meio de diferentes condutas, tais a aplicação direta da Lei Maior a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário, a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição, bem assim a imposição de ações ou abstenções aos Poderes Públicos, notadamente no que tange a políticas públicas.
Pode-se observar que a judicialização da política é atualmente inevitável em nosso país, dados o caráter analítico da Carta Magna de 1988 e o amplo acesso ao Poder Judiciário que ela garantiu. Ao introjetar a disciplina de determinadas matérias (ainda que prima facie de índole política) e lhes conferir assim feição normativa da mais alta estatura, a Constituição institui critérios jurídicos para a avaliação de condutas a elas relacionadas, cria situações subjetivas ativas e passivas e fomenta pretensões suscetíveis de serem deduzidas em juízo.
Ademais, devido à expansão do controle jurisdicional e do universo dos legitimados a invocá-lo, que não mais engloba apenas os titulares dos interesses substanciais contrariados ou insatisfeitos, tendo sido acrescido de outros órgãos e entidades aos quais se abrem as vias das ações coletivas e dos instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade, é certo que qualquer ato comissivo ou omissivo dos Poderes Legislativo e Executivo pode ser questionado e submetido à apreciação do Judiciário, que verificará sua conformidade com a ordem jurídica como um todo, em especial
com o estrato constitucional, e concluíra, em caso positivo, por sua validade ou licitude, ou, em caso negativo, por sua invalidade ou ilicitude, julgando a causa de acordo com tal conclusão.
Trata-se de regular exercício da atividade típica do Poder Judiciário, que a este não é possível declinar quando presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo e as condições da ação. Não há aí nenhuma invasão ou usurpação de competências alheias.
Destarte, o cerne da controvérsia não se situa na judicialização dos megaconflitos em si mesma, já que é uma virtualidade em um sistema que resguarda a universalidade da jurisdição, porém se desloca para outro foco, o dos excessos que, a partir daquela judicialização, podem vir a ser cometidos, mormente quando a conduta judicial revelar incapacidade de recepcionar e mensurar os elementos no entorno da questão central, que com ela compõem um só contexto, ou quando faltar ao magistrado percepção mais acurada e sensível no tocante ao balanço entre custo e benefício ou em face dos contingenciamentos financeiro--orçamentários a que estão sujeitos os órgãos e entes demandados.
Por isso, avulta a importância de serem tomados em conta pelo Judiciário, sempre que instado a se pronunciar sobre questão de natureza política, os critérios de sua capacidade institucional para melhor resolvê-la, em detrimento do locus deliberativo primariamente encarregado, e dos efeitos sistêmicos de sua decisão, isto é, dos perigos de repercussões externas imprevisíveis e indesejadas.
Tais cautelas, entretanto, não devem servir para intimidá-lo ou constrangê-lo no desempenho de seu nobre mister de guardião máximo da ordem constitucional.
Têm razão Ronald Dworkin e Eduardo Cambi, ao asseverarem que a transferência de poder político ao Judiciário certamente fará com que a maioria dos cidadãos, notadamente aquela imensa parcela destituída de privilégios, ganhe mais do que perca.
De fato, conquanto o aparato judicial se mostre imperfeito, em muitos casos será o último refúgio para a exigência de satisfação dos direitos fundamentais dos excluídos, não raras vezes completamente ignorada pelo Legislativo e pelo Executivo. Essa pretensão, deduzida perante os órgãos jurisdicionais, ao menos será analisada e receberá decisão fundamentada, ainda que contrária à sua tutela.
Portanto, a singela possibilidade da minoria de acessar o Poder Judiciário em busca de proteção aos seus interesses jurídicos já consubstancia um eficaz instrumento para impedir a ditadura da maioria. A jurisdição constitucional, assim, é capaz de estabelecer um compromisso constante entre a maioria e a minoria, em favor da paz social.
Outrossim, a sua intervenção não é irrestrita, dependendo, além da provocação dos legitimados, da constatação da infringência de preceitos da Lei Maior, mormente daqueles que consagram direitos fundamentais, hipótese em que não poderá se eximir de tutelá-los.
Em suma, trata-se da defesa de um ativismo judicial responsável, comprometido com a implementação das disposições constitucionais e com a efetivação dos direitos fundamentais de todos, todavia, ciente das limitações institucionais e técnicas inerentes ao Poder Judiciário e da necessidade de respeitar o jogo democrático e de motivar consistentemente as decisões que impliquem censura aos atos comissivos ou omissivos dos outros Poderes Públicos.
Dentro desse modelo ideal que se preconiza, algumas diretrizes merecem nortear o comportamento do juiz constitucional: (a) ele só deve agir em nome da Constituição e das leis, e não por vontade política própria; (b) deve guardar deferência relativamente às decisões razoáveis tomadas pelo legislador, respeitando a presunção de validade das leis; (c) não deve perder de vista que, embora não eleito, o poder que exerce é representativo (emana do povo e em seu nome deve ser exercido), razão pela qual sua atuação haverá, na medida do possível, que estar em sintonia com o sentimento social, porém sem resvalar para o populismo, posto que a conservação e a promoção dos direitos fundamentais, mesmo contra a vontade das maiorias políticas, são condição para o funcionamento do constitucionalismo democrático.
Parece restar claro que os três dilemas do Estado Democrático de direito no constitucionalismo contemporâneo trazidos no presente texto somente têm soluções satisfatórias perante a realidade sociopolítica brasileira se não perdida de vista a Constituição da República de 1988, porquanto é apenas ela que pode fornecer o conceito de Constituição constitucionalmente adequado, de que dependem inexoravelmente as respostas aos questionamentos.
Do contrário, continuar-se-á no terreno das abstrações e elucubrações, sem muitos resultados úteis sob as perspectivas teórica e prática.
Fixada tal premissa, e realizada a leitura da Lei Maior guiada por aquelas indagações, não é difícil perceber que ela se filia ao paradigma substancialista, contemplando numerosos preceitos de conteúdo material e atribuindo à jurisdição constitucional, por conseguinte, a tarefa de torná-los efetivos, a par da também relevantíssima incumbência de resguardar a integridade das estruturas político-deliberativas da formação da vontade coletiva.
Noutro ângulo, a Carta Magna legitima democraticamente a jurisdição constitucional por meio de três fontes primordiais, que denominamos de funcional-material (legitimação de natureza substancial), processual (legitimação de natureza participativa) e técnico-profissional (legitimação por expressa delegação constitucional).
Por derradeiro, a concretização das disposições constitucionais demanda certo grau de ativismo judicial, o qual não deve ser leviano, tendo antes que respeitar critérios norteadores capazes de compatibilizá-lo com as exigências democráticas.
Conclui-se que a preocupação e o compromisso fundamentais dos cientistas e aplicadores do direito, mais do que com opiniões herméticas e formulações sistemáticas, hão que ser com o resgate das incumpridas promessas emancipatórias trazidas no art. 3.º da CF/1988, de construir uma sociedade livre, justa e solidária (inc. I); garantir o desenvolvimento nacional (inc. II); erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (inc. III); e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inc. IV).
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