Paixão nacional não pode ser sinônimo de tragédias

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Paixão nacional, o futebol sempre foi um grande atrativo para nossa sociedade, mesmo para aqueles que só acompanham este esporte nas Copas do Mundo, ocasião, inclusive, que ganha destaque internacional enquanto elemento da cultura brasileira, atraindo uma quantidade expressiva de torcedores, além de movimentar enormes montantes em bilheteria e patrocínios para clubes e jogadores.

Nesse contexto, a preocupação com a segurança dos torcedores e o púbico que frequenta os estádios aumenta, como consequência natural das aglomerações que se formam dentro e fora dos estádios de futebol que, não raras as vezes, resultam em vítimas fatais.

Infelizmente, foi justamente em razão de um desses eventos futebolísticos que, recentemente, uma jovem torcedora, aparentemente de uma torcida organizada do Palmeiras, foi alvejada por uma garrafa lançada da direção de torcedores do Flamengo, vindo a falecer.

Evidentemente a morte de uma jovem por questões tão banais gera comoção nacional e, por via de consequencia, estimulado pelos veículos de comunicação a ter uma resposta imediata do autor da tragédia, ocasiona erros judiciais gravíssimos.

Com efeito, este caso é emblemático, uma vez que um jovem foi preso e a investigação que levou à prisão dele foi absolutamente desacreditada, tendo o Ministério Público, inclusive, requerido que o inquérito policial fosse direcionado para outra delegacia.

Nessa toada, um jovem foi preso, sua vida foi exposta em rede nacional, o colocaram, por alguns dias, como inimigo número um da sociedade e autor de um crime que chocou a todos, para, de início, se ver que aquilo que sustentava aquela acusação não resistiria a cinco minutos de questionamentos. Ou seja, uma pessoa teve sua reputação e vida destruídas, assim como de seus familiares.

Nada obstante, seguindo o roteiro de pressão e exigência para apresentação de um culpado para o fato, a polícia fez nova prisão, desta vez de um jovem professor, com uma vida absolutamente pacata e com histórico inatacável, expondo-o em rede nacional, desta vez com fundamento em apontamentos técnicos absolutamente frágeis que, se não forem confirmados, também causarão danos irreparáveis a este rapaz e sua família.

De outro lado, também é preocupante a definição jurídica que está se pretendendo atribuir aos investigados, uma vez que o delegado que preside o inquérito, assim como, o Ministério Público, entendem que o caso se subsume ao tipo penal de homicídio doloso, com dolo eventual, qualificado, cujas penas, em caso de condenação, são altíssimas.

Apenas para que se possa compreender, as autoridades responsáveis pelo caso entendem que o autor do fato embora não tivesse o dolo direto, ou seja, a vontade de matar alguém, teria assumido o risco de produzir o resultado morte, uma vez que teria lançado uma garrafa na direção da torcida contrária, sem se importar que isto acontecesse.

Entretanto, parece-nos que a situação apresentada se subsume, em realidade, no tipo penal preterdoloso previsto no parágrafo único do artigo 137 do Código Penal, qual seja, rixa com resultado morte, cuja pena não ultrapassa dois anos. Ou seja, o autor ou autores deste crime tinham a intenção de brigar, mas o resultado morte adveio de um ato culposo, qual seja, a imprudência de se lançar uma garrafa na direção de uma multidão.

Exatamente nesse sentido, pode-se mencionar um dos casos mais rumorosos no Estado do Rio de Janeiro, onde torcedores de uma torcida organizada do Vasco da Gama foram acusados de matar um torcedor do Flamengo nas imediações do Tribunal de Justiça, após anos de processamento e julgamento, onde este acabou prescrevendo, porque ao final se concluiu que o caso era exatamente de rixa qualificada e não de homicídio doloso.

Ou seja, na ânsia de se buscar algo que não era real, acabou-se por não se punir.

Evidentemente não se defende a impunidade, menos ainda que uma situação como esta, tão grave e que resultou na perda de uma vida, deva ser tratada sem o devido cuidado, mas também não se pode admitir que na ânsia de encontrar culpados, vidas de pessoas e famílias sejam destruídas, para, ao final e ao cabo, nada de positivo aconteça.

Não é possível que diante de tantos erros e tantas vidas destruídas se possa acreditar que a única solução seja o direito penal, e sua consequente repressão, para evitar casos como este. Na realidade, repete-se o mesmo remédio para a mesma doença há anos e ainda se tem esperança que a cura virá. Não virá.

Passou, e muito, do tempo de a Sociedade buscar uma reflexão séria, que os meios de comunicação busquem criar mecanismos de discussão relevantes e que, de fato, levem a ações efetivas dos poderes legislativo e, sobretudo, do executivo, para adoção de medidas preventivas e repressivas que mudem este cenário perverso. Não serão leis com penas altas, punições dissociadas dos fins que se pretende preservar que evitarão novas tragédias, prova disso é que fatos como este ocorrem ano após ano.

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Sobre os autores
LUCIANA GOUVÊA

Luciana Gouvêa - Advogada Especialista em Proteção Legal Patrimonial e Proteção Ética e Legal Empresarial, informação e entrega de direitos. Especialista na área de inovação e tecnologias. Pós graduou-se em Neurociências Aplicadas à Aprendizagem (UFRJ) e em Finanças com Ênfase em Gestão de Investimentos (FGV)

Leonardo Tajaribe

Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). Delegado de Prerrogativas da OAB/RJ e Membro da Comissão de Penal e Processo Penal da 32° Subseção OAB/RJ.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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