O caráter transversal do ambiente na conformação do Direito Urbanístico Ambiental e do Direito Ambiental Urbanístico: A cidade, a pobreza e o ambiente

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01/10/2023 às 23:57
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O CARÁTER TRANSVERSAL DO AMBIENTE NA CONFORMAÇÃO DO DIREITO URBANÍSTICO AMBIENTAL E DO DIREITO AMBIENTAL URBANÍSTICO: A Cidade, a Pobreza e o Ambiente

Kepler Gomes Ribeiro

Juiz Federal

Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas – Universidade de Lisboa

Mestre em Ciências Jurídico-Ambientais – Universidade de Lisboa

Pós-Graduado em Direito Constitucional - Anhanguera/Uniderp/LFG

INTRODUÇÃO

Fortes são os laços que aproximam o direito do ambiente e o direito do urbanismo; sendo certo que o direito do urbanismo vem cada vez mais se tornando qualitativo em matéria de proteção ambiental. Paulatinamente, a defesa do meio ambiente tem sido realizada por normas que se valem do direito urbanístico para fins de proteção e valorização do ambiente natural1.

O laço que une estes campos do direito é notadamente o princípio da proteção ambiental, ante seu caráter nitidamente transversal e comunicável aos dois ramos do direito em alusão. Tal princípio a permear hodiernamente a atuação da ordenação urbanística, tornando evidente a progressiva integração entre urbanismo e meio ambiente2.

I – O CARÁTER TRANSVERSAL E INTERDISCIPLINAR DO AMBIENTE

Exatamente em virtude da transversalidade e da complexidade do ambiente, cujo estudo repercute em um sem número de Ciências – além de fazer parte dos saberes tradicionais – é que se fala em interdisciplinaridade do saber ambiental. Aprender e representar o conhecimento da dimensão ambiental requer uma metodologia impreterivelmente interdisciplinar, dado que a problemática ecológica requer visão holística de toda a realidade envolvida3.

Uma vez sendo certo que os problemas ambientais possuem enorme complexidade, necessário se faz que intervenham, no procedimento do saber ambiental, diversos processos de diferentes racionalidades científicas, reconhecendo-se que a questão ambiental encontra-se no campo de inter-relações sociedade-natureza, a demandar, por isso, abordagem holística, necessário para tanto que haja a interação contínua entre as ciências da natureza com as ciências da sociedade, em uma reflexão epistemológica e metodológica própria para a complexidade dos sistemas do ambiente4.

Interdisciplinaridade a traduzir-se no vínculo entre saberes, no “saber com o outro saber”, em relação de complementaridade e mútua cumplicidade; enfatizando-se que a ciência também produz ignorância face à especialização demasiada, de modo que o tal diálogo com demais ciências acaba por conferir a construção de “intraciências” com vínculos de “interciências”, caso contrário o isolamento das mesmas terminam por chegar em um nada em termos de compreensão5.

Se nos primórdios deste debate colocava-se a visão naturalista ou ecologista com predomínio quase que absoluto, passou-se a entender a necessidade de uma visão mais ampla de ambiente, conjugado com questões econômicas e sócio-culturais para as quais as questões biológicas e físicas se constituem como base natural6.

Portanto o chamado diálogo dos saberes passa a funcionar como verdadeira necessidade para a compreensão mais completa possível da complexidade do ambiente; um encontro de ciências e de saberes tradicionais que têm o ambiente como epicentro da interdisciplinaridade, dado ser o ambiente natural componente transversal, que perpassa todos estes saberes isolados7.

Cabendo falar-se em enfoques sobre os contatos entre disciplinas: o caráter multidisciplinar, a dizer respeito a aspecto mais quantitativo numérico, no sentido de profissionais de variadas áreas discutirem o assunto; como ainda se fala em no aspecto interdisciplinar, este objetivando um enfoque mais repleto de vínculos e nexos de modo a tornar o conhecimento bem mais abrangente; e ainda o caráter transdisciplinar, como algo dotado de uma superação científica, mais qualitativo e quantitativo conhecimento, do qual a questão ambiental é verdadeiro exemplo, pois dela se depreende a carência de uma cosmovisão, uma síntese holística do saber8.

O saber ambiental sendo fruto do diálogo de saberes como que um encontro ou mesmo entrecruzamento ou hibridização destes mesmos saberes, em método sistêmico e interdisciplinar9.

Ademais, existe a compreensão de que o paradigma ecológico possui objeto cuja natureza é dinâmica, daí serem os respectivos problemas essencialmente holísticos, a se depreender para a necessidade de se fazer sempre estudos evolutivos, já que a natureza e seus componentes não são estáticos, mas estão em permanente dinamismo, de um modo tal que se uma ciência não promove intercâmbios e interações com outras jamais poderá acompanhar devidamente o progresso e jamais conseguirá proteger corretamente o objeto de seus estudos, que é a natureza, com toda a complexidade que lhe é inerente10.

Se é certo que se fala em interdisciplinaridade como método de abordagem decorrente do caráter transversal do ambiente, por sua vez, no âmbito jurídico o fenômeno se repete. Tanto pela necessidade de intercâmbio com demais ciências que estudam o ambiente, como pela existência de a transversalidade, inerente ao Direito Ambiental, contactar com outros diversos ramos da própria Ciência Jurídica11.

O Direito do Ambiente também a servir como canal de diálogo para além do aspecto estritamente jurídico, mas a abrir fronteiras com demais saberes, diante da estrutura complexa objeto precípuo de seu estudo. Diante da crise ecológica, tão grave, cabe ao Direito Ambiental o papel de internalizar para a Ciência Jurídica as principais questões atinentes ao tema, para tanto havendo a necessidade de uma “religação dos saberes”, a fim de se pensar os fenômenos com contornos de inseparalidade e em “intro-retro-ação”12.

O jurista brasileiro Édis Milaré, após tocar no caráter transversal do ambiente, que faz do mesmo objeto de ciências várias como a Jurídica, a Ecologia, a Economia, a Antropologia, a Sociologia, também enumera – a partir do caráter multidisciplinar do ambiente no plano jurídico – os diversos ramos do Direito que de uma forma ou de outra diz respeito com as questões ambientais. Desde o Direito Constitucional, que enumera competências Administrativas; passando para o Direito Penal, com sanções para infrações ao ambiente; chegando ao Direito Tributário, que oferece subsídios (tributação extra-fiscal) para estímulo a condutas pró-ambiente; o Direito Civil que tutela o ambiente com regras voltadas ao direito de vizinhança; e sem dúvidas o Direito Internacional do Ambiente, que vem assumindo posição de destaque na tutela do ambiente em termos planetários13.

Em sentido similar se apresenta o laço do Direito do Ambiente com o Direito do Urbanismo, conforme bem leciona o Professor da Universidade de Coimbra Fernando Alves Correia. Reafirmando serem ditas disciplinas autônomas, são, contudo, intimamente conexas. Os estreitos laços entre o Direito do Urbanismo e o Direito do Ambiente fizeram com que o primeiro se tornasse cada vez mais qualitativo, já que a proteção ambiental é observada cada vez mais na cidade, por meio do conceito de “ambiente urbano ou ecologia urbana”, em três dimensões, quais sejam o combate à poluição urbana, a melhoria do ambiente construído e a criação ou preservação de espaços naturais; falando ainda da “promoção da qualidade ambiental das povoações e da vida urbana”, fruto do que denomina “direito do ambiente urbano” ou mesmo do “direito do urbanismo ecológico”14.

O relacionamento transversal do Direito do Ambiente com demais ramos do direito, dada a grande importância do bem protegido, não se observa como uma relação simplesmente paralela; a transversalidade querendo ter significância de um “direito de coordenação”, um ramo jurídico que impõe aos demais respeito às suas normas, sobretudo pelo fato de seu fundamento de validade advir das próprias normas constitucionais15.

Enfim, é de se enfatizar que a política do ambiente, tratando-se de uma política transversal, acaba por perpassar demais políticas setoriais do Estado, devendo em cada uma destas ser tida em consideração, dado que o dever de integração das considerações ambientais – o qual, desde o Tratado de Roma, no âmbito europeu, torna obrigatório que todos os princípios fundamentais do Direito do Ambiente sejam aplicados às demais políticas16 – também repercute em políticas do urbanismo e do ordenamento do território.

II – DIREITO URBANÍSTICO AMBIENTAL E DIREITO AMBIENTAL URBANÍSTICO

Com o passar do tempo, as ideias de governo racional, governança territorial, desenvolvimento sustentável, coesão territorial, planificação estratégica, em um contexto institucional de participação cidadã, têm se incorporado na legislação da União Europeia e, por via de consequência, nos respectivos Estados-Membros17; denotando uma clara construção no sentido da necessidade de interação entre o direito do urbanismo e o direito do ambiente.

Em Portugal, já em âmbito constitucional, é verificado este elo de proximidade entre tais ramos-irmãos da Ciência Jurídica ao estabelecer a Constituição da República Portuguesa, na alínea “b” do n. 2, do artigo 66º, como sendo incumbência do Estado assegurar o direito ao ambiente, “ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem”; deixando manifesto o intercâmbio entre as matérias ambiental e urbanística18.

Neste sentido, Fernando Alves Correia chega a mencionar que, diante da constitucionalização dos dois campos do direito, haveria um autêntico “direito do ambiente urbano”, a combinar o uso de um “direito do urbanismo ecológico” e de um “direito do ambiente urbanístico”, cuja finalidade seria a promoção da qualidade ambiental no contexto de vida urbana19.

Tal integração como fruto, em grande parte, do nominado princípio da integração no âmbito da União Europeia, pelo qual a Política Comunitária do Ambiente é enxergada como uma política transversal, já que os grandes programas e projetos têm quase sempre impactos no ambiente. Diante do quê, necessário sempre se associar as diversas políticas públicas com a política ambiental. Pelo princípio da integração, faz-se imprescindível ministrar os princípios da política do ambiente – como o da prevenção/precaução, correção na fonte e poluidor-pagador – em qualquer grande política comunitária (inclusive a política do ordenamento do território e do urbanismo); tornando possível o controle e eventual declaração de nulidade em caso de desrespeito a tais princípios20.

No contexto brasileiro, esta constante interação dos dois ramos da Ciência Jurídica também é observada já a partir do contexto constitucional, donde se extrai, deste o artigo 182 (caput), que a política de desenvolvimento urbano deve ter por objetivo o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, com garantia de bem-estar aos seus habitantes; direito fundamental que dar substrato ao Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001), o qual enumera, dentre outros instrumentos da política ambiental, o zoneamento ambiental, a instituição de unidades de conservação da natureza, prevendo licenciamentos ambientais e urbanísticos e estudo de impacto ambiental dentre outros21.

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De se mencionar, ainda, o artigo n. 30º, inciso VIII, da Constituição Federal do Brasil, no que diz respeito à competência dos municípios, estatui que o adequado ordenamento territorial deve se dar mediante um planejado e controlado processo de uso, parcelamento e ocupação do solo, artigo o qual, conjugado com o já citado artigo 182 da Constituição brasileira, contempla preocupações ambientais no campo urbanístico22.

Nesta toada da legislação nacional brasileira, no que tange ao toque entre direito ambiental e direito urbanístico, é de enfatizar que o referido Estatuto das Cidades estipula normativamente que, entre as diretrizes da política urbanística, situa-se a garantia do direito a cidades sustentáveis, este entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, para presentes e futuras gerações. Prevê-se que a sustentabilidade das cidades requer harmonia e compatibilidades entre desenvolvimento e bem-estar dos cidadãos. A cidade sustentável a demandar a configuração simbiótica do meio ambiente urbano com o meio ambiente natural, ensejando a proclamação de princípios de sustentabilidade como o dos limites ambientais da gestão da procura, da eficácia ambiental e da equidade23.

Assim, a sintonia entre direito do ambiente e direito do urbanismo promove uma nova perspectiva de planeamento urbanístico. Tal convergência faz com que não se possa tolerar o urbanismo como suporte voltado exclusivamente para as atividades econômicas; havendo de prevalecer uma lógica de ética pública, mediante a defesa de interesses gerais associados ao direito à gestão sustentável de recursos escassos e não renováveis24.

Em razão disso, crescente mostra-se o incremento de uma postura jusambientalista do direito do urbanismo. Se é certo que cada uma destas vertentes tem seus fins próprios, o fato, contudo, é que os dois apresentam uma série de objetivos em comum. Trata-se, pois, de organizar, no território, diversos direitos constitucionalmente protegidos, harmonizando conteúdos da ordem econômica e da ordem ambiental no espaço físico-social, a fim de que haja uma determinação da utilização racional de recursos em harmonia com os sujeitos, através de uma saudável condição de vida, como uma autêntica responsabilidade do Estado25.

É dizer que o Estado Democrático Social tem por dever o melhoramento, para todos e em concretude, de condições território-ambientais, por meio da organização do solo e do espaço de modo adequado para a plenitude da vida individual e coletiva, efetivando tais valores constitucionais26.

Os programas e planos territoriais apresentam-se como sendo um dos instrumentos comuns ao direito do urbanismo integrado ao direito do ambiente. Destacam-se, em Portugal, dentre outros, os programas especiais de ordenamento do território e os programas setoriais do ambiente. Os primeiros (programas especiais) ao estabelecem regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais e ao assegurarem a preservação de sistemas indispensáveis à utilização sustentável do território; vocacionados, assim, a áreas ambientalmente sensíveis ou de grande relevo ambiental. Os segundos (programas setoriais) como instrumentos para a programação e concretização de política para a proteção ambiental incidente na política de organização do território27.

E, também no que interessa para este trabalho, os programas e planos apresentam-se com autênticos instrumentos de antecipação dos riscos territoriais. O plano como instrumento para a fixação de regras de usos do solo, também tendo a função de assegurar a sustentabilidade do espaço urbano28.

De longa data, é uma constante a preocupação no seio da Comunidade Europeia acerca da sustentabilidade do meio urbano. Sendo de se citar a Carta Urbana Europeia de 1992, decorrente da implementação da Agenda 21 adotada na Conferência Rio 1992, enaltecendo-se o direito à cidade; dela decorrendo a necessidade de atuação dos poderes públicos com vista a assegurar, dentre outros direitos, a salubridade, o combate à poluição, a criação de espaços verdes, e a proteção da estética urbana29.

Na sequência, em 1994, verifica-se a aprovação da Carta de Aalborg, chamada de Carta das Cidades Europeias para a Sustentabilidade, comprometendo-se os municípios aderentes a cumprirem objetivos de certos padrões de uso sustentável do território e de integração da questão ambiental nas políticas de ordenamento do território30.

Começando-se a se verificar o quão próxima é a relação entre o direito do ambiente e o direito do urbanismo; sendo certo que o direito do urbanismo vem cada vez mais se tornando qualitativo em matéria de proteção ambiental; paulatinamente, a defesa do meio ambiente tendo sido realizada por normas que se valem do direito urbanístico para fins de proteção e valorização do ambiente natural31.

Já no ano 2000, no âmbito do Conselho da Europa, foi subscrita a Carta Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem na Cidade, nela se destacando a necessidade de respeito à dignidade e de qualidade de vida a todos os cidadãos; o direito ao urbanismo harmonioso e sustentável; e a relação harmoniosa entre habitações, serviços públicos, espaços verdes e equipamentos públicos. Cabendo, ainda, assinalar a nominada Nova Carta de Atenas sobre a Cidade Coerente, de 1998 e revisada em 2003, com objetivo de construir cidades coerentes nas dimensões social, econômica e ambiental32.

Portanto a tornar evidente que a política europeia para o ambiente impacta diretamente na política urbanística. Sendo de se mencionar ainda programas europeus como o Urban II 2000-2006, que trata de orientações da Comissão Europeia para a promoção de regeneração econômica e social das cidades e de seus subúrbios com vistas ao desenvolvimento sustentável; e ainda é de se fazer menção ao Livro Verde sobre Coesão Territorial, no qual a sustentabilidade urbana se faz presente entre suas diretrizes.

Ainda de se registrar a Decisão n. 1386/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, que diz respeito ao Programa Geral da União para 2020 em matéria de ambiente, designado “Viver Bem Dentro dos Limites do Planeta”, e que tem como objetivo prioritário n. 7 o de melhorar a integração e a coerência das políticas no domínio do ambiente.

A tendência é seguida no âmbito internacional. Documentos normativos produzidos sob os auspícios das Nações Unidas têm seguido a tônica da abordagem transversal do ambiente. Sendo de se citar a Nova Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que trata dos objetivos do milênio para serem alcançados até o ano de 2030, de setembro de 2015; sendo o objetivo de número 11 justamente de o de “tornar as cidades e assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”, a evidenciar preocupações urbanísticas associadas às questões ambientais.

O mesmo se passa com o programa ONU-HABITAT III, a tratar da Nova Agenda Urbana 2030, celebrada na cidade de Quito, no Equador, de outubro de 2016, cujas preocupações são justamente a de produzir normas que venham a tornar efetivos, no âmbito urbano, os grandes objetivos de sustentabilidade.

Destarte, a se apontar a fina sintonia entre direito do ambiente e direito do urbanismo a fim de proporcionar uma nova perspectiva de planeamento urbanístico; havendo de prevalecer uma lógica de ética pública, mediante a defesa de interesses gerais associados ao direito à gestão sustentável de recursos escassos e não renováveis33.

Vendo-se, deste modo, que o ordenamento do território, enquanto instrumento de gestão racional do espaço físico, pode funcionar como meio propício para a proteção do ambiente34, crescente se mostrando o incremento de uma postura jusambientalista do direito do urbanismo.

De sorte que se apresentam os domínios do direito do ambiente, do ordenamento do território e do urbanismo como interligados, através de várias espécies de associações mediante as quais uns e outros destes domínios servem uns como meio para o alcance de fins buscados pelos demais, configurando-se em mútuas posições instrumentais35.

Sendo no exato de sentido de tratar os riscos ambientais no planeamento urbano, através de adoção de medidas atempadas preventivas, é que ganha enorme relevo a avaliação ambiental estratégica de planos e programas, através da qual se torna possível a efetivação da devida ponderação dos valores ambientais já ao tempo da elaboração de planos e programas de ordenamento do território.

Este processo de construção de decisões, em que confluem e interagem o Direito Urbanístico Ambiental e o Direito Ambiental Urbanístico, possui este instrumental em comum, a chamada Avaliação Ambiental Estratégica, disposta no plano europeu através Diretiva n. 2001/42/CE, do Parlamento e do Conselho, de 27 de junho – transposta para o ordenamento jurídico português por meio do Decreto-Lei 232/2007, de 15 de junho – a qual consiste em ferramenta que vem a tornar propícia à integração das considerações ambientais na elaboração de políticas, planos e programas que possam ter efeitos negativos sobre o meio ambiente, considerando tais efeitos na tomada de decisão antes mesmo da respectiva aprovação.

Para o quê se apresenta a via da avaliação ambiental estratégica dos instrumentos de gestão territorial, a proporcionar que decisões fundamentais, do ponto de vista da proteção ambiental, sejam tomadas precocemente, em momento bastante antecedente em relação a projetos prontos para serem executados36; para tanto havendo a necessidade de que esta espécie de estudo ambiental, desde o princípio, seja iluminada pelo caráter interdisciplinar, transparente e independente de qualquer pressão econômica ou política37.

Esta necessidade de interação de políticas, que encontra amparo instrumental da avaliação ambiental estratégica, permite que se faça integrar, nos planos territoriais, políticas como as sociais e culturais, políticas de combate à pobreza e às situações daqueles que se encontram em colocação de vulnerabilidade social, em planeamento integrado e de inclusão social38, conjuntamente com as políticas ambientais.

Da premissa a respeito da necessidade de busca por soluções integrais no âmbito do planeamento – a partir da notória e delicada interação entre sistemas sociais e sistemas naturais; e da constatação de que não são duas as crises, a ambiental e a social, mas uma única e complexa crise –, mostra-se indispensável e urgente que se criem meios para que soluções sejam promovidas através de integrada e holística combinação39.

Aponta-se para este mister o complexo processo de decisão em avaliação ambiental estratégica; o qual necessita de uma abordagem construtiva, proporcionando uma correta integração entre proteção ambiental e desenvolvimento sustentável; para o que se requer o envolvimento de atores-chave, em fartos diálogos e em mútuo entendimento, através de procedimento aberto e flexível, a fim de que ao final se construa opções de desenvolvimento que venham ao socorro dos objetivos de sustentabilidade40.

O comando e a finalidade da Diretiva Europeia a carecer de efetiva interação e comunicação entre os atores, em contexto multi-institucional e democrático, onde estejam presentes componentes de senso de responsabilidade, de transparência e de abertura, a se constituir em veículo legítimo e técnico para que as opções de desenvolvimento se apoiem em bases de boa governança41.

Tendo-se, no âmbito da avaliação ambiental estratégica, o paradigma do desenvolvimento sustentável como o verdadeiro fio-condutor, nela se impondo a análise da conjuntura biofísica e socioeconômica, disposta em dado espaço territorial delimitado, para fins de direcionamento de programas e planos em construção; sendo sua meta precípua a de ensejar o correto manejo de recursos naturais conjugado com o bem estar social, orientados pela “bússola ética que inclui o respeito às gerações futuras”42.

Pode-se, assim, ponderar sobre as consequências ambientais futuras de planos e programas em análise; de maneira que as decisões de hoje já tragam embutidas o senso de justiça intergeracional, a qual, filosoficamente e em síntese singular, a dizer respeito ao dever de a geração presente transferir à geração seguinte ao menos o quanto recebido pela geração precedente43.

Afinal, se ao Estado Democrático Pós-Social é devido o melhoramento das condições ambientais e urbanísticas – por meio da organização do solo e do espaço de modo adequado para a plenitude da vida individual e coletiva –, é de se fazer tornar efetivos tais valores constitucionais44, para assim se chegar à denominada sustentabilidade ambiental urbana.

Ao fim, apesar da intrínseca intimidade entre os dois ramos do direito, diante do caráter transversal do ambiente, que perpassa não só diversas Ciências como percorre por uma multidisciplinaridade de ramos da seara jurídica, é ainda de se enfatizar a existência e a necessidade de autonomia pelo menos entre o Direito Urbanístico e o Direito do Ambiente. Ao nível das próprias finalidades é possível já detectar esta autonomia, quando simplesmente se observa não ter o Direito Urbanístico o fim direto e imediato a proteção do ambiente, embora o faça tangencialmente através de normas jurídicas que prescrevem o ditamento a respeito do uso, ocupação e transformação do território. Embora esteja presente, o fim propriamente ambiental não seria o principal da norma jurídico-urbanística, já que são as normas de Direito do Ambiente que servem a tal finalidade, estas sim, que têm como núcleo central a proteção do ambiente notadamente o natural, e assim devem permanecer em sua científica especialidade45.

A se defender que devem as inúmeras ciências e os respectivos ramos de cada uma delas – embora embebidos do saber ambiental oriundos de outros ramos, ciências ou de saberes tradicionais – devem continuar a ter seu próprio campo de ação, com seus princípios e metodologias, de modo que a forma e a força de atuação de cada qual, em plena comunicação com as demais, sirvam ao fim maior e a todos comum que é proteção do ambiente.

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Sobre o autor
Kepler Gomes Ribeiro

Juiz Federal, Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas - Universidade de Lisboa; Mestre em Ciências Jurídico-Ambientais - Universidade de Lisboa; Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp/LFG; Formação em Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente - Universidade de Coimbra.

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