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Estrutura jurídica do crime:

forma e conteúdo

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16/11/2007 às 00:00

Resumo:


  • A preservação do folclore é compreensível para juristas alemães, mas pode ser vista como um desperdício de tempo.

  • A tentativa de transplante de ideias estrangeiras para o Brasil pode resultar em conceitos e práticas incompatíveis com a realidade social e jurídica do país.

  • A mitologia sofisticada presente na teoria jurídica do crime pode afastar o foco da realidade social e histórica que influencia a definição e aplicação do direito penal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

9. Teoria correta.

Qual a teoria correta?

Ora, toda teoria jurídica vale por si mesma, na razão direta de seu egocentrismo, de sua autocontemplação, de sua estéril fecundidade, sempre igual a si própria, repetitiva e cansativa no eco monótono de seu enunciado unilateral. O que conta, no direito, não é a forma nem a idéia, e sim, a forma e a idéia que se fizeram acompanhar de atitudes efetivamente tomadas pelo homem e pela sociedade, na senda e ao longo da história.

A história do direito penal, de sua parte, em sua facticidade normativa, tem dispensado a teoria finalista da ação (e muitas outras) e pode, ainda, continuar sem ela. Os homens que constroem o direito – os homens e os grupos sociais, as sociedades e as nações – necessitam igualmente de espírito crítico para perceber a importância e a preponderância de valores mais elevados, inteiramente libertos, nessa autoconsciência, de um simples "fazer de conta" manipulador de vontades frágeis e inteligências imaturas. Não é com mentiras ou enganos, destruidores, justamente, desse espírito crítico, que se reconstruirá para melhor a correta visão do direito penal, camuflada em nossos dias pela busca de maior "tecnicidade" na conformação estrutural do crime e da pena.

Na lógica do direito o conteúdo prevalece, altaneiro, sobre a forma, ou deveria prevalecer, quando equacionado com retidão. Os apelos da sociedade estão aí, para quem quiser ouvi-los; o homem do povo continua por perto, mostrando pelo avesso os desacertos de legislações arbitrárias e auto-suficientes; fervilham ainda os fermentos da incompreensão, da indiferença e do comodismo.

Por outro lado, a pluralidade do fenômeno jurídico-penal requer um posicionamento realista que nos convide a refletir sobre nossas próprias potencialidades, no que tange à mudança. Também o penalista precisa conscientizar-se da necessidade de um enfoque crítico-sociológico do direito, capaz de redespertá-lo do marasmo do idealismo jusnaturalista e do positivismo legal, hauridos que são em fontes ilusórias. E a constatação empírica e realista de um direito penal essencialmente contraditório está a implicar uma correspondente revisão metodológica em termos de apreensão, estudo e retransmissão acadêmica, inclusive no que concerne à essência do delito e finalidade da pena.

Alguns exemplos? Pois bem, aqui se tratou do sentido e alcance das causas de justificação. Limitemo-nos então às hipóteses de embriaguez e legítima defesa, constantes de Código Penal e sua interpretação judicial, 7ª ed., sob a coordenação de Alberto Silva Franco e Rui Stoco. São Paulo: RT, 2001, p. 413/414:

"O estado de embriaguez, subtraindo do agente a plena integridade de suas faculdades psíquicas, é incompatível com a legítima defesa, que pressupõe a consciência do exercício de um direito" (TJSP – AC – Rel. Antônio Chaves – RT 375/79).

"Não há falar em legítima defesa da honra em relação a ébrio que, ante expressões desabonadoras, desfere pontapé contra ofensor. Na embriaguez não há condições para conscientização do ultraje e seu relacionamento com a honra, a justificar repulsa. O que prevalece é o instinto agressivo liberado pelo álcool" (TACRIM – SP – AC – Rel. Manoel P. Pimentel – JUTACRIM 18/170).

Em sentido contrário:

"O ébrio, como outrem, tem todo o direito de se defender. O fato de ser ébrio ou de encontrar-se alguém alcoolizado não obsta a esse direito, nem (torna) ilegítima sua ação, se exercitada dentro dos limites legais" (TJSP – Rec. – Rel. Silva Leme – RT 599/327 e RJTSP 89/359).

"Não há incompatibilidade entre a legítima defesa e a embriaguez. O fato de achar-se o réu embriagado não o impede de legitimamente defender-se" (TJSP – AC – Rel. Tomaz Carvalhal – RT 396/113).

Nota-se que nem sempre os nossos magistrados se alinham às revoluções conceituais ou programações de sistema de caráter universal. Todos e cada um, aliás, se supõe que julguem de acordo com sua própria consciência e maneira pessoal de apreensão do direito. Em outras palavras, constroem esse direito em estilo e conteúdo possivelmente contraditórios. É que a lógica jurídica, especialmente a judiciária, não se apresenta como uma lógica formal – ensina Chaïm Perelman – mas como "uma argumentação que depende do modo como os legisladores e os juízes concebem sua missão e da idéia que têm do direito e de seu funcionamento na sociedade" (Lógica jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 243).


10. Dogmática ético-social

Na lição de Norberto Bobbio, a ciência consiste na descrição avaliatória da realidade. Fora desse esquema, no âmbito jurídico, "não se fará ciência, mas filosofia ou ideologia do direito" (O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 238).

Que ninguém fuja da realidade. O penalista que se preocupa ainda, quase que exclusivamente, com os segredos e mistérios de uma duvidosa estrutura universal do crime, presta um desserviço a seu País na medida em que afasta os mais jovens de importantes questões convergentes de natureza ético-social. Assume ao contrário postura relevante ao advogar a preeminência destas últimas, em que se inclui, se possível, a dogmática do consenso, postulada no entrechoque das idéias e praticada efetivamente no interminável processo de busca e procura de uma verdade inatingível no seu todo.

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Sim, teorias despontam por aí, e até com alguma virtude, quando procuram aproximar o direito penal e processual às conquistas culturais de respeito à dignidade e liberdade do homem. Merecem por isso uma certa consideração. O problema é acreditar que se apresentem com eficiente clareza terminológica que iniba ou dispense o desdobramento do tema em novas distinções e questionamentos.

Na prática, o intérprete é que assume o comando; e o fará, como sempre, a partir de si mesmo, de seu modo pessoal e insubstituível de percepção dos fatos e do direito que repute aplicável.

Não há teoria suficientemente translúcida em seus cânones e proposições a ponto de superar a vagueza e ambigüidade inerente a qualquer sistema normativo. Não há teoria capaz de elidir a subjetividade interpretativa de cada operador jurídico. Não há teoria em condições de revogar a dinâmica social das estruturas políticas e econômicas. Não há teoria que possa desfazer as raízes ou categorias históricas de efetiva construção do direito: força, poder, vontade, liberdade.

O crime ultrapassa o penalista. Reconhecer essa evidência somente incomoda a quem se habituou às próprias ilusões e teme enfrentar a dispersão de uma platéia convencida, enfim, da reversão dos papéis, no verdadeiro e único espetáculo da vida.


Referências bibliográficas

:

BASTOS, João José Caldeira. Crimes de perigo individual: interpretação do código penal e anotações crítico-metodológicas. Inédito. Florianópolis: 2007.

Curso crítico de direito penal. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998.

Le raisonnement du juriste: contribution à l’étude critique de la dogmatique pénale. Bruxelas: ed. do autor, 1982.

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito (trad.). São Paulo: Ícone, 1995.

DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (coords.). Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, 7ª ed. São Paulo: RT, 2001.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1958.

LYRA FILHO, Roberto; CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Compêndio de direito penal. São Paulo: José Bushatsky, 1973.

MANN, William; GALWAY, James. A música no tempo (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 1987.

MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1965.

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, v. 1. São Paulo: Saraiva, 1978.

PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 1999.

VARGAS, José Cirilo de. Instituições de direito penal: parte geral, t. 1. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. In: Teoria do injusto penal (prefácio), de Juarez Tavares. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

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Sobre o autor
João José Caldeira Bastos

professor de Direito Penal da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, professor de Direito Penal (aposentado) da Universidade Federal de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS, João José Caldeira. Estrutura jurídica do crime:: forma e conteúdo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1598, 16 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10655. Acesso em: 22 dez. 2024.

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