Resumo: O presente artigo se debruça no estudo das mudanças sociais e o consequente impacto na desburocratização do Direito, sobretudo com as inovações legislativas recentes e a abertura de conceitos que outrora eram considerados imutáveis. Analisa-se o papel do Direito em refletir a realidade fática da sociedade e de cada indivíduo, afastando o estigma de se tornar “mera folha de papel”, sem qualquer efetividade. Destaca-se o crescente fenômeno da desjudicialização no direito brasileiro, especialmente com a edição de um Novo Código de Processo Civil, visando maior pacificação dos conflitos através do consenso das partes envolvidas, colocando-as na posição de protagonistas nos processos. A tutela extrajudicial passa a ser a primeira opção, sem, contudo, afastar o constitucional direito do acesso à justiça. No campo das relações familiares, as mudanças são mais significativas, visto que representam inovações nos conceitos de família, fruto de verdadeira evolução social e abandono do conservadorismo exacerbado, que acabava por obstaculizar o exercício pleno da dignidade da pessoa humana de cada indivíduo. Nesse sentido, analisa-se a necessidade da superação do formalismo à luz do acesso à justiça, voltando-se o presente estudo para a discussão dos temas com maior relevância prática para as relações privadas, em especial, o Direito de Família e as questões de estado das pessoas, como os procedimentos diretamente no cartório de reconhecimento da paternidade, mudança de domicílio, retificação de nomes e questões sucessórias.
Palavras-Chave: Acesso à justiça; Desjudicialização; Superação do formalismo; Direito Civil; Direito de Família; Estado das pessoas; Inovações legislativas; Tutela extrajudicial.
1. INTRODUÇÃO
As relações privadas, historicamente, vêm sofrendo intensas modificações, seja no campo das relações familiares, em que o tradicional termo “estrutura familiar” já não pode mais ser definido em um conceito único, sob pena de se negar a existência das diversas concepções de família existentes, optando-se por adotar um conceito aberto; bem como nos diversos institutos relacionados ao estado das pessoas, que merecem uma releitura procedimental a fim de se conferir maior efetividade.
Paralelamente às mudanças sociais, no campo legislativo, foi editado um novo Código de Processo Civil, atento aos reclames da sociedade que aspira por uma aplicação efetiva, célere e “justa” do Direito. Nesse ponto, destaca-se o crescente fenômeno da desjudicialização no direito brasileiro, visando maior pacificação dos conflitos através, primordialmente, do consenso das partes envolvidas.
A nova visão do acesso à justiça não pode se dissociar dos anseios individuais de cada cidadão em ver reconhecido juridicamente a sua entidade familiar, como no caso das famílias homoafetivas, das famílias baseadas na filiação afetiva e, até mesmo, das famílias multiparentais.
Analisa-se também o papel do Direito em refletir a realidade fática da sociedade e de cada indivíduo, afastando o estigma de se tornar “mera folha de papel” sem qualquer efetividade. Com efeito, destaca-se o reconhecimento da união estável como entidade familiar, a possibilidade de sua conversão em casamento, a mudança do local do nascimento na certidão de nascimento, entre outras diversas situações que, em um passado não muito distante, não possuíam qualquer proteção jurídica.
Destaca-se que a superação do formalismo excessivo à luz do acesso à justiça traz uma gama infinita de discussões, voltando-se o presente trabalho para o estudo das questões de maior relevância prática para o estado das pessoas.
2. DO ACESSO À JUSTIÇA
Nos termos do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, temos a seguinte redação: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Na ordem internacional, destaca-se a previsão convencional da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), artigos 8º1 e 25,2 que conferem expressamente o direito de toda pessoa ser ouvida por um juiz independente.
Em sentido semelhante, o Código de Processo Civil de 2015 traz em seu artigo 3º o comando de que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”.
Embora possam parecer, à primeira leitura, que se trata de redação com o mesmo sentido, porém em ordem invertida, na verdade, percebe-se que o Código de Processo Civil de 2015 conferiu maior amplitude, eis que trocou “Poder Judiciário” por “apreciação jurisdicional”.3
Neste tocante, é possível compreender que o legislador buscou retirar do Poder Judiciário o monopólio da jurisdição, eis que embora se trate de uma função do Estado, atualmente, pode ser exercida por outros atores e não exclusivamente pelo Poder Judiciário. Assim, a ideia de resolução de controvérsias pela substitutividade, ou seja, em que um juiz imparcial impõe a sua decisão, substituindo a vontade das partes, deixa de ser única.
O dispositivo traz a consolidação das novas formas de resolução de conflitos, como a conciliação, a mediação, a arbitragem ou serventias extrajudiciais.
Por essa nova releitura do acesso à justiça, o princípio da inafastabilidade da jurisdição deve ser entendido não só como a função exercida pelo Judiciário, mas também pelas diversas possibilidades de solucionar no âmbito privado.4
Certo é que o judiciário estará sempre como uma opção para a solução dos conflitos, porém, não necessariamente deve ser a primeira e a única. Como se pode extrair do próprio artigo 3º, parágrafo 2º do CPC/15, foi dada preferência expressa pela solução consensual, privilegiando a autonomia das partes em detrimento da substitutividade pela decisão judicial. Em continuidade, o parágrafo 3º do mesmo dispositivo ainda prevê que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual devem ser estimulados por juízes, advogados, Defensores Públicos e membros do Ministério Público.
2.1. Desjudicialização no Direito brasileiro
A desjudicialização como o próprio nome diz nada mais é do que uma “dispensa” de intervenção do Poder Judiciário em algumas relações ou procedimentos. Parte-se da ideia de que o Estado na figura do Poder Judiciário deve ser mínimo, só intervindo quando houver necessidade.
É notório para todos que o Poder Judiciário acaba por muitas vezes não sendo efetivo e célere para a satisfação de um direito. Sendo certo que o excesso de formalismo e burocracias podem gerar limitação a um exercício de direito, seja por ausência de interesse da parte em se submeter a um processo judicial, ou até mesmo por limitação de cunho técnico ou financeiro.
Assim, buscar outras saídas para satisfação dos direitos almejados pela sociedade foi medida necessária e imposta pelo decorrer do tempo.
O fenômeno da desjudicialização começa a surgir no direito brasileiro a partir da percepção de que muitos procedimentos não necessitam da atividade decisória judicial para existir, ainda que dependam de certa ingerência estatal para conferir segurança jurídica e oponibilidade erga omnes.
“A desjudicialização não perde a natureza de intervenção estatal - há, apenas, uma materialização estruturada de forma diversa do processo judicial. Os conceitos de informalização e desjudicialização, em sentido amplo, manifestam-se através de diferentes realidades que permitem prevenir ou resolver um litígio” 5
Como primeira manifestação, cita-se a Lei de Registro Públicos (Lei 6.015/1973), que desde 1973 já unificou diversos procedimentos que não precisavam de cunho decisório jurisdicional para produzir efeitos. Logo, há muito já se exerce a jurisdição voluntária extrajudicial.
Como será trabalhado adiante, a desjudicialização passou a ocorrer em diversos ramos do direito. Pontua-se que não se pretende exaurir o fenômeno da desjudicialização no direito como um todo, visto que o tema é amplo e com repercussão em todas as áreas. A proposta é restringir a análise nas relações mais íntimas do indivíduo, especialmente aquelas relacionadas ao Direito da Família e as questões atinentes ao estado das pessoas, também ligadas aos Direitos da Personalidade.
3. BREVE HISTÓRICO DAS RELAÇÕES FAMILIARES
Ao buscar encontrar as primeiras manifestações de um núcleo familiar, deparamo-nos com diversas referências a estágios primitivos que, não obstante a valiosa contribuição, acabam por representar generalizações e deduções daqueles que se dedicaram a reconstituir o organismo familiar em sua origem, tendo-se em vista a falta de comprovação fática.
Como bem apontou Orlando Gomes, a organização da família nas antigas civilizações teve influência quase nula na elaboração do Direito Contemporâneo, passando a ter sua estruturação e configuração como unidade jurídica a partir do Direito Romano.6
Dando um salto histórico, o Código Civil brasileiro de 1916, sobrepassando o Estado laico, manteve a técnica canônica, visualizada no privatismo doméstico e no patriarcalismo conservador, embora criado para uma sociedade evoluída do século XX. Fundou-se nos valores de legitimidade da família e dos filhos fundada no casamento. Conferiu ao homem a função de chefe da família, dependendo a mulher da autorização do marido para exercer uma profissão, sendo considerada relativamente incapaz. A legilação cível se preocupava, sobretudo, com a conservação do casamento, impossibilitando a sua dissolução. Nesse sentido, cita-se o ensinamento de Anderson Schreiber:
“O conflito de valores entre o Código Civil e Constituição tornou-se flagrante em diversos setores do direito privado. No direito de família, por exemplo, a Constituição consagra a igualdade entre homens e mulheres (art. 226, §5º), enquanto nossa codificação civil continuava a apontar o marido como “chefe da sociedade conjugal” (art. 233). Em outros exemplos marcantes, a Constituição reconhece expressamente a união estável (art. 226, §3º) e afirma que “os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (art. 227, §6º). Bem ao contrário, o Código Civil de 1916 diferenciava expressamente os filhos “legítimos” dos “ilegítimos” e só reconhecia como família aquela decorrente do vínculo matrimonial, chancelado pelo Estado (arts. 180 e 355)”. 7
Mais tarde, em 1962, o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº. 4.121/1962) conferiu direitos às mulheres, de maneira que o marido continuava como chefe da sociedade conjugal, mas exercendo a função com a colaboração da mulher, visando o interesse comum do casal e dos filhos, como também a possibilidade de a esposa recorrer ao judiciário, caso o local escolhido para domicílio pelo marido fosse prejudicial. Esses são apenas alguns avanços que provam que a sociedade estava evoluindo e a sociedade patriarcal e engessada perdia seu espaço.
O mesmo é visualizado em relação à filiação. Os filhos eram classificados em legítimos e ilegítimos. Os filhos legítimos – concebidos na constância do casamento – estavam em posição de superioridade em relação aos demais filhos. A desigualdade era flagrante. Os filhos incestuosos e adulterinos não poderiam sequer ser reconhecidos.8 A distinção quanto à origem da filiação deveria vir assentada no registro de nascimento. Exemplo de tratamento diferenciado era observado no artigo 377, do Código Civil de 1916: “Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária”.
Por sorte, a doutrina brasileira não se ateve à exegese do Código Civil de 1916. Superou o estatuto da desigualdade da filiação, posicionando-se favorável à valorização da igualdade entre os filhos e ao reconhecimento do valor socioafetivo da relação paterno-filial.
O afeto transpôs as barreiras do modelo patriarcal e hierarquizado de família, conferindo maior autonomia, liberdade e igualdade para os envolvidos no seio familiar. Assim, a noção de filiação vai abandonando a relação necessária com o matrimônio e a verdade jurídica ganha a força da dimensão fática.
Nesse sentido, sob a égide da igualdade, caminhou a doutrina e o Direito de Família para o reconhecimento da filiação como realidade em que o aspecto biológico e o socioafetivo coexistem.
Em meados de 1949, entrou em vigor a Lei nº. 883, que atribuiu aos filhos ilegítimos não só o direito de ingressar com a ‘ação de reconhecimento de filiação’, como também de reivindicar os alimentos provisionais. Aos filhos foi concedida a igualdade de direitos, independentemente, da natureza da filiação, como o direito à herança e a proibição de qualquer menção à filiação ilegítima no registro civil, deixando de lado a postura preconceituosa do legislador de 1916.
Mais tarde, a Lei do Divórcio (Lei nº. 6.515/1977) representou um importante avanço para a dissolução da sociedade conjugal e do casamento e para o encerramento dos vínculos familiares. A lei foi de grande significado, vez que concedeu o direito à mulher poder optar ou não pelo uso do nome de família do seu marido. Outra mudança foi o regime da comunhão parcial de bens ter recebido status de regime legal, substituindo o regime da comunhão universal. No tocante aos filhos, a lei permitiu o reconhecimento dos filhos ilegítimos, mesmo na vigência do casamento, superando o previsto na Lei nº. 883/1949, que somente poderiam ser reconhecidos quando a sociedade conjugal fosse extinta.
Destaca-se que a adoção, expoente da filiação afetiva, já era reconhecida pela legislação pátria antes mesmo da Constituição de 1988. Contudo, em que pese a possibilidade de adoção, o instituto era marcado por restrições, preconceitos e discriminações frente ao filho natural. O Código Civil de 1916 foi o primeiro a tratar da adoção no Brasil. Depois da iniciativa, seguiram-se a aprovação de três leis – Leis nºs 3.133/1957, 4.655/1965 e 6.697/1979.
A Constituição da República de 1988 consagrou a priorização explícita na proteção da criança e do adolescente, passando a adoção ter novos contornos, máxime com a integralidade de direitos fundamentais ao filho adotivo. Posteriormente, sobreveio o Estatuto da Criança e do Adolescente, no ano de 1990, sendo complementado pelo Novo Código Civil de 2002 e em 2010 pela Lei Nacional da Adoção, Lei nº. 12.010.
A bem da verdade, a filiação afetiva passou por diversas transformações que visaram extinguir as odiosas discriminações entre filhos biológicos ou adotivos, inclusive para efeitos de sucessão. Buscou-se observar o princípio do melhor interesse da criança em relação ao adotante e a sua proteção na convivência familiar.
Hodiernamente, o Brasil é legalmente um dos países mais evoluídos quando o assunto é adoção e proteção da criança e do adolescente. Entretanto, na prática, muita coisa ainda precisa ser implementada. Apesar de a atual Lei Maior ser declaradamente garantista, em muitos campos o garantismo tem que sair do papel e ser efetivo na proteção dos direitos não só da criança, mas também da família, base da sociedade e, principalmente, do indivíduo, de quem a família é expressão, em respeito à dignidade da pessoa humana, princípio fundante do Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, visando maior proteção da família como um todo, a desjudicialização surge como uma saída que confere maior efetividade aos anseios sociais. Pode-se citar, inicialmente, diversos procedimentos administrativos que garantem a tutela familiar, através de mecanismos mais simples, mais céleres e, consequentemente, mais efetivos.
Em 1992, com a Lei 8.560, que regulamentou a investigação de paternidade dos filhos havido fora do casamento, foi aberta a possibilidade de reconhecimento da paternidade diretamente no registro de nascimento, via escritura pública ou escrito particular arquivado na serventia, via testamento, mesmo que incidental, e ainda pela via judicial. Ou seja, abriu-se a possibilidade para a escolha de qual procedimento adotar.
Em 2012, ampliou-se ainda mais tal reconhecimento, admitindo que o pai reconhecesse a paternidade em qualquer cartório do país e não mais necessariamente na serventia em que foi lavrado o assento de nascimento. Veja: essas inovações visavam, sobretudo, facilitar o reconhecimento da paternidade de crianças que não possuíam o nome da filiação paterna no registro de nascimento.
Esse foi apenas o início de um importante passo para a desjudicialização nas relações familiares que passam a ser listadas no capítulo seguinte.
4. TENDÊNCIA DE DESJUDICIALIZAÇÃO NAS RELAÇÕES PRIVADAS
4.1. Reconhecimento de paternidade extrajudicial
Como já supracitado, a possibilidade de reconhecimento da paternidade por vias extrajudiciais ocorre desde 1992, não sendo este um fato recente. Em 2010, a partir de um programa chamado “Pai Presente”, lançado pela Corregedoria Nacional de Justiça, com o intuito de reduzir o número de pessoas sem paternidade reconhecida no país, editou-se o Provimento nº 12/2010, em que foram definidas medidas a serem adotadas por juízes e tribunais brasileiros para o reconhecimento da paternidade no registro de nascimento.
Visando padronizar as regras e facilitar o procedimento para o reconhecimento da paternidade, a Corregedoria Nacional de Justiça editou o Provimento nº 16/2012. Assim, as mães cujos filhos não possuam o nome do pai na certidão de nascimento passaram a poder recorrer a qualquer cartório de registro civil do país para dar entrada no pedido de reconhecimento de paternidade. O mesmo procedimento também permite o reconhecimento espontâneo pelo pai.
Portanto, por meio do Provimento nº 16/2012, a Corregedoria Nacional da Justiça (CNJ) desburocratizou o reconhecimento tardio espontâneo de paternidade, permitindo que seja realizado em qualquer cartório de registro civil, nos casos em que há a concordância do genitor. Na hipótese de discordância do apontado pai, o cartório deverá encaminhar a solicitação para que o juízo da localidade em que o nascimento foi registrado prossiga com a ação investigatória conforme a Lei 8.560/1992 – a chamada investigação oficiosa.
Nesse procedimento, o juiz solicita ao suposto pai que reconheça a paternidade de forma espontânea em um prazo, em geral, de 45 dias, para realização de acordos. Caso o suposto pai se negue a assumir a paternidade, ele é chamado em juízo para contestar e fazer o exame de DNA. Caso ocorra a recusa de exame, haverá a presunção de paternidade.
A presunção de paternidade em razão da recusa de realização do exame de DNA decorre de uma presunção juris tantum, como já sedimentado pelos Tribunais Superiores, inclusive em verbete sumular fixado pelo Superior Tribunal de Justiça.9
Após a declaração de paternidade em juízo, seja diante da concordância do genitor ou de sua recusa, o cartório é oficiado para o registro do nome do pai e dos avós paternos na certidão da criança e o pai poderá ser responsabilizado judicialmente para que cumpra seus deveres.
Veja: o reconhecimento de paternidade extrajudicial de forma direta depende do consentimento de ambas as partes. Havendo o consentimento de ambas as partes, perde força a necessidade de se recorrer ao judiciário apenas para chancelar uma situação que todas as partes estão de acordo.
Por fim, ressalta-se, em todos os casos, a necessidade de se levar em consideração a vontade da criança ou adolescente envolvido em respeito à sua capacidade progressiva de desenvolvimento, respeitando o seu melhor interesse.
4.2. O fenômeno da multiparentalidade
Se há tempos a família era moldada pela instituição do casamento, hoje, não causa estranhamento para o direito, e nem para a sociedade, as novas concepções de entidades familiares. A estabilidade e formalidade do matrimônio cedeu lugar à efemeridade das relações e liberdade do indivíduo, permitindo-o optar por manter relações pautadas na afetividade. Em outras palavras, o ponto central que permeia as relações familiares é o afeto, consagrando o princípio da dignidade da pessoa humana, com vistas de que a família é o locus privilegiado para o desenvolvimento da personalidade e formação humanas.
Surge, então, o conceito de família eudemonista. Trata-se de um conceito moderno, em que a família passou a ser visualizada como um instrumento de desenvolvimento do ser e de auxílio mútuo para o alcance da felicidade. Busca-se a realização plena de seus membros, pela comunhão do afeto recíproco entre os membros que a compõe, independentemente do vínculo biológico.
A paternidade socioafetiva tem fundamento legal no preceito “ou outra origem” previsto no Art. 1.593 do Código Civil:
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.
Nessa esteira, ganha espaço o fenômeno da multiparentalidade, que consiste na coexistência harmônica entre duas ou mais paternidades ou maternidades distintas. Não se pode olvidar que por distintas entende-se pessoas distintas, e não critérios.
A hipótese é verificada nos casos em que é possível somar as parentalidades, sem que uma exclua a outra, independentemente do critério de filiação. A filiação afetiva não pode anular a filiação biológica por se tratarem de critérios diferentes e, em razão disso, podem coexistir a um só tempo.
Partindo-se da premissa de que a função parental pode se desvincular da ascendência biológica, sendo a paternidade e maternidade realizadas em prol do desenvolvimento dos filhos, a realidade brasileira tem mostrado cada vez mais que essas funções podem ser exercidas por “mais de um pai” ou “mais de uma mãe” simultaneamente.10
Nesse sentido, o Min. Luiz Edson Fachin afirma que a verdade biológica pode não expressar a verdadeira paternidade, em que se cogita a verdade socioafetiva, sem exclusão da dimensão biológica da filiação.11
Em um primeiro momento, a possibilidade de reconhecimento da duplicidade de ascendentes se deu nas uniões homoafetivas, hipótese em que um é pai biológico (ou mãe biológica) e outro é socioafetivo, ou ainda, quando os dois são pais socioafetivos (ou mães socioafetivas). No mesmo liame, a dupla ascendência comumente ocorre em casos de reprodução humana assistida heteróloga, em que casais homoafetivos utilizam tais técnicas para procriar, e desejam fazer constar o nome de ambos no registro de nascimento do filho.
Porém, cada vez mais a sociedade se deparou com os casos das famílias reconstruídas. A família recomposta é cada vez mais comum em nossa sociedade, sobretudo pela liberdade de escolha em estar casado, pela dessacralização do matrimônio e, consequentemente, pelas facilidades para a sua dissolução. Sob o ponto de vista jurídico, esse novo grupamento familiar não poderia ser ignorado e merecia total proteção.
Imaginem que, recomposta a família, passam-se os anos e os laços entre a criança e o pai afetivo vão se estreitando. Contudo, a criança ainda possui o seu pai biológico, com quem manteve os vínculos afetivos, encontra-se regularmente e de quem recebe toda a assistência necessária. Ora, o pai biológico permanece exercendo a autoridade parental. Não é de se estranhar que a criança se sinta filha de ambos os pais, pois um e outro tratam-na como se filha fosse.
E assim surge a indagação: ambos os pais podem exercer o poder familiar?
Sob a exegese do artigo 1.636 do Código Civil, o pai ou mãe que contrair novas núpcias ou nova união estável não perderá o poder familiar quanto aos filhos do relacionamento anterior. Por enquanto, o artigo não gera dúvidas. Porém, ao prosseguir em sua leitura, a situação se torna mais complexa, pois estabelece que o exercício da autoridade parental será exercido sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro.
Abraçar a disposição literal da normativa legal seria virar as costas para a realidade prática. O artigo estabelece a não interferência de padrasto ou madrasta no exercício da autoridade parental. Sabemos que, para a convivência harmoniosa é necessário que o mínimo de regras seja estabelecido, o que já afasta a previsão do artigo. É inevitável que algumas funções parentais sejam exercidas pelo padrasto, sem excluir, contudo, o papel do pai biológico. Entende-se que o legislador se preocupou em tutelar o interesse dos genitores originários, e não o do filho inserido em um novo seio familiar. Porém, o que se pretende com o instituto da multiparentalidade é não deixar à margem do Direito as situações que visam atender ao melhor interesse da criança, que, nesse contexto, merece receber a tutela mais abrangente possível. Em suma, ambos os pais, ao serem igualmente presentes no desenvolvimento do filho, devem a ele se vincular também juridicamente.
Assim, pensando não só na situação específica tratada, mas nas infinitas possibilidades de arranjos familiares, obrigar-se-á sumariamente a criança a eleger uma única paternidade?
A multiparentalidade advém da imperativa demanda por solucionar tais casos.
De início, destaca-se que os casos mais recorrentes na jurisprudência são os que trazem a configuração de dupla maternidade ou dupla paternidade por casais homoafetivos. Tal possibilidade originou-se no momento em que os tribunais passaram a conceder a adoção conjunta para casais do mesmo sexo. Precedentes nesse sentido podem ser encontrados no Superior Tribunal de Justiça, como no Recurso Especial de nº. 889.852, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão.12
Em um segundo momento, houve o reconhecimento pelos tribunais estaduais em alguns casos pontuais, como se observa do seguinte julgado proferido em 2015 pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“Apelação cível. Declaratória de multiparentalidade. Registro civil. Dupla maternidade e paternidade. Impossibilidade jurídica do pedido. Inocorrência. Julgamento desde logo do mérito. Aplicação artigo 515, § 3º do CPC. A ausência de lei para regência de novos - e cada vez mais ocorrentes - fatos sociais decorrentes das instituições familiares, não é indicador necessário de impossibilidade jurídica do pedido. (...) Dito isso, a aplicação dos princípios da "legalidade", "tipicidade" e "especialidade", que norteiam os "Registros Públicos", com legislação originária pré-constitucional, deve ser relativizada, naquilo que não se compatibiliza com os princípios constitucionais vigentes, notadamente a promoção do bem de todos, sem preconceitos de sexo ou qualquer outra forma de discriminação (artigo 3, IV da CF/88), bem como a proibição de designações discriminatórias relativas à filiação (artigo 227, § 6º, CF), "objetivos e princípios fundamentais" decorrentes do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Da mesma forma, há que se julgar a pretensão da parte, a partir da interpretação sistemática conjunta com demais princípios infra-constitucionais, tal como a doutrina da proteção integral o do princípio do melhor interesse do menor, informadores do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), bem como, e especialmente, em atenção do fenômeno da afetividade, como formador de relações familiares e objeto de proteção Estatal, não sendo o caráter biológico o critério exclusivo na formação de vínculo familiar. Caso em que no plano fático, é flagrante o ânimo de paternidade e maternidade, em conjunto, entre o casal formado pelas mães e do pai, em relação à menor, sendo de rigor o reconhecimento judicial da "multiparentalidade", com a publicidade decorrente do registro público de nascimento. Deram provimento”.13
O fenômeno ganhou tamanha importância que chegou ao Supremo Tribunal Federal, que tratou de pacificar a questão na Repercussão Geral nº 622, reconhecendo a família multiparental:
Repercussão Geral 622: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. (STF, REx nº 898.060, Rel Min. Luiz Fux, Plenário, pub. 24/08/2017).
A doutrina se preocupou em regulamentar as questões sucessórias advindas do instituto recém reconhecido, proferindo os enunciados nº 632 e 642 da VIII Jornada de Direito Civil do CJF:
ENUNCIADO 632 – Art. 1.596: Nos casos de reconhecimento de multiparentalidade paterna ou materna, o filho terá direito à participação na herança de todos os ascendentes reconhecidos.
ENUNCIADO 642 – Art. 1.836: Nas hipóteses de multiparentalidade, havendo o falecimento do descendente com o chamamento de seus ascendentes à sucessão legítima, se houver igualdade em grau e diversidade em linha entre os ascendentes convocados a herdar, a herança deverá ser dividida em tantas linhas quantos sejam os genitores.
Por fim, chegando ao ponto nodal da questão, qual seja, a desjudicialização do reconhecimento da multiparentalidade, recentemente, o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento nº 63/2017, alterado pelo Provimento nº 83/2019 e pelo Provimento nº 149/2023, regulamentando a possibilidade do registro de nascimento de crianças que possuem multiparentalidade, seja em caso de paternidade socioafetiva, seja em caso de reprodução assistida.
Como se extrai dos “considerando’s” do Provimento,14 é feita menção ao reconhecimento da multiparentalidade pelo STF no aludido julgado supra narrado e do próprio voto do Ministro João Otávio de Noronha ao aprovar o Provimento:
“A interpretação do Direito de Família em conformidade com a constituição federal impede que a filiação socioafetiva se sobreponha à biológica e vice-versa, sob pena de afrontar o princípio da igualdade de filiação/não discriminação entre os filhos.
Não cabe excluir do assento funcional o registro de pai/mãe afetivo ou biológico quando inexistente qualquer vício de consentimento ou equívoco formal, na sua constituição.
Por sua vez, constata-se que a possibilidade de múltipla paternidade no assento de nascimento do filho resulta quase sempre da análise do caso concreto, em homenagem ao melhor interesse e à proteção integral do menor princípio consubstanciado no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 3º, da Lei n. 8069/1990), desde que convergente a vontade espontânea dos pais (...)”.15
O art. 505 do mais novo Provimento16 estabelece que o reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais. A nova redação repetiu a redação já prevista no Provimento nº 83/2019, que alterou a antiga redação, pois a regra anterior não limitava o reconhecimento extrajudicial quanto ao critério etário, atingindo agora apenas os adolescentes e adultos. Já o art. 14 traz expressamente a autorização para o registro de dois pais ou duas mães no campo filiação no assento de nascimento.17
Como se extrai dos textos normativos, o Conselho Nacional de Justiça visou facilitar o reconhecimento de filiação, tornando desnecessário o ingresso de ação judicial quando há desejo voluntário de reconhecimento de paternidade ou maternidade. Todavia, em recente inclusão dos parágrafos 1º e 2º no Art. 14, foi estabelecido que caso haja interesse na inclusão de mais de um ascendente socioafetivo (seja do lado paterno ou materno), deverá ser buscada a via judicial.18
Assim, basta que a parte interessada em reconhecer a paternidade/maternidade compareça ao oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento de nascimento, portando os documentos necessários, e manifeste o seu desejo. Ato contínuo, o oficial irá averiguar a veracidade das informações e irá lavrar o termo.
Para tanto, o Provimento 149/2022 buscou pormenorizar no Art. 506 como será feita tal avaliação, listando diversos meios de prova admitidos, sendo certo que não são absolutos, já que a ausência de tais provas não inviabiliza por si só o reconhecimento extrajudicial, desde que o registrador ateste como apurou o vínculo socioafetivo. Confira-se:
Art. 506. A paternidade ou a maternidade socioafetiva deve ser estável e deve estar exteriorizada socialmente.
§ 1.º O registrador deverá atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou da maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos.
§ 2.º O requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, tais como: apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade — casamento ou união estável — com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida.
3º A ausência destes documentos não impede o registro, desde que justificada a impossibilidade, no entanto, o registrador deverá atestar como apurou o vínculo socioafetivo.
4º Os documentos colhidos na apuração do vínculo socioafetivo deverão ser arquivados pelo registrador (originais ou cópias) juntamente ao requerimento.
Certo é que é necessário o consentimento do filho a ser reconhecido, caso seja maior de 12 (doze) anos, bem como de seus pais, conforme previsão expressa do §4º do art. 507 incluído pelo Provimento nº 149/2022.19
Mais uma inclusão de grande relevância realizada pelo Provimento nº 83/2019 diz respeito à necessidade de participação do Ministério Público no ato. A previsão é fruto de muitas queixas que a redação originária do Provimento 63 recebia dos representantes do Ministério Público, haja vista o seu papel de defesa dos interesses de crianças e adolescentes. Assim, acolhendo tais pleitos, foi incluído o §9º ao art. 11 (atual Art. 507, §9º do Provimento n 149/2022), o qual prevê a remessa do expediente ao Ministério Público.20
Destaca-se que somente após parecer favorável do órgão ministerial que o oficial irá poder concluir o registro. Todavia, caso o parecer seja contrário ao reconhecimento, não será possível prosseguir com o registro, sendo arquivado o feito e informado aos requerentes. Caso o interesse dos requerentes permaneça, deverão recorrer ao Poder Judiciário, onde poderão comprovar o direito à filiação postulado.
A fiscalização por parte dos promotores de justiça confere maior segurança jurídica e controle dos atos cartorários, sem, contudo, perder o caráter da desjudicialização implementado pelo Provimento.
Vale pontuar que, de todo modo, sempre que houver discussão judicial sobre o reconhecimento de paternidade ou procedimento de adoção, será obstado o procedimento via cartório.
Como se observa, principalmente diante das novas inclusões, é “que o intuito do CNJ é justamente deixar com as Serventias de Registros de Pessoas Naturais apenas os casos consensuais e incontroversos, sob os quais não pairem quaisquer dúvidas. Quanto aos casos litigiosos, complexos ou que possam ser objeto de alguma outra intenção dissimulada a ideia é que fiquem mesmo com o Poder Judiciário, que tem maiores condições de tratar destes casos".21
Diante das facilidades providenciadas pelos Provimentos, apesar de discussões que pairam sobre a sua constitucionalidade acerca da exigência de reserva legal, o que se destaca é o objetivo de dar máxima efetividade às diversas estruturas familiares existentes, sem criar maiores entraves jurídicos que acabam por esvaziar o núcleo essencial do direito à filiação.
4.3. Local de nascimento: naturalidade socioafetiva
Como visto acima, o arcabouço principiológico instaurado pela nova visão civil-constitucional alçou à afetividade a um lugar de destaque nas relações entre os indivíduos.
A fim de agilizar os serviços de interesse social e a colaborar para facilitação do exercício de cidadania, o Provimento n.º 63/2017 do CNJ e a Lei n.º 13.484/2017, a qual alterou a Lei de Registros Públicos, trazem a possibilidade de alteração do campo naturalidade, adotando um conceito de naturalidade não só territorial, mas afetivo e humanizado, relacionado aos vínculos, local de pertencimento e autonomia privada.
Ambos os diplomas supracitados pretendem a harmonização do sistema registral com a sociedade contemporânea (aberta e plural). Nesse sentido, os cartórios de RCPN são concebidos como “ofícios da cidadania”, vide artigo 29, §3º da Lei de Registros Públicos:
Art. 29, §3º Os ofícios do registro civil das pessoas naturais são considerados ofícios da cidadania e estão autorizados a prestar outros serviços remunerados, na forma prevista em convênio, em credenciamento ou em matrícula com órgãos públicos e entidades interessadas. (Incluído pela Lei nº 13.484, de 2017)
Os registros de nascimento e casamento obrigatoriamente passam a conter o campo “naturalidade” (Artigos 19, §4º e 70 da Lei 6.015/1973). Porém, a grande novidade é a naturalidade socioafetiva, isto é, a possibilidade de a naturalidade corresponder à do município do nascimento do registrando ou à do município de residência de sua mãe, cabendo a opção no ato do registro, conforme previsto no Artigo 54, §4º da Lei 6.015/1973, in verbis:
§ 4º A naturalidade poderá ser do Município em que ocorreu o nascimento ou do Município de residência da mãe do registrando na data do nascimento, desde que localizado em território nacional, e a opção caberá ao declarante no ato de registro do nascimento. (Incluído pela Lei nº 13.484, de 2017)
Certo é que a nova lei tem aplicabilidade imediata aos registros já realizados, uma vez que se refere ao estado das pessoas, sendo, portanto, possível pedir a retificação diretamente no Cartório.
Embora haja corrente doutrinária contrária à possiblidade de retificação via extrajudicial, pois parte da defesa da segurança jurídica em primeiro lugar, em apreço ao princípio da veracidade dos registros públicos, em um contexto de Direito Civil Constitucional, o registro deve ser entendido não só como garantia da segurança jurídica, mas também como um espelho da personalidade do indivíduo, especificamente no que toca à identidade e ao sinal exterior pelo qual é feito o reconhecimento das pessoas.
4.4. Retificação de erros materiais
Mais uma novidade trazida pela Lei 13.484/2017 foi a possibilidade de retificação de erros materiais pelo cartório de registro civil das pessoas naturais, através de um procedimento administrativo.
Antes, para a simples correção de um erro de gramática, por exemplo, era necessário ingressar com uma ação judicial, que, embora de jurisdição voluntária, custaria à parte a contratação de um advogado ou buscar assistência da Defensoria Pública, bem como a espera de demasiado tempo até ter a solução da lide.
Agora, com a atual redação do Art. 110 da Lei de Registros Públicos, a pedido do interessado ou até mesmo de ofício, poderá ser feita a retificação diretamente no cartório. Vejamos as hipóteses em que é cabível:
Art. 110. O oficial retificará o registro, a averbação ou a anotação, de ofício ou a requerimento do interessado, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de prévia autorização judicial ou manifestação do Ministério Público, nos casos de:
I - erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção;
II - erro na transposição dos elementos constantes em ordens e mandados judiciais, termos ou requerimentos, bem como outros títulos a serem registrados, averbados ou anotados, e o documento utilizado para a referida averbação e/ou retificação ficará arquivado no registro no cartório;
III - inexatidão da ordem cronológica e sucessiva referente à numeração do livro, da folha, da página, do termo, bem como da data do registro;
IV - ausência de indicação do Município relativo ao nascimento ou naturalidade do registrado, nas hipóteses em que existir descrição precisa do endereço do local do nascimento;
V - elevação de Distrito a Município ou alteração de suas nomenclaturas por força de lei.
§ 1º (Revogado).
§ 2º (Revogado).
§ 3º (Revogado).
§ 4º (Revogado).
§ 5º Nos casos em que a retificação decorra de erro imputável ao oficial, por si ou por seus prepostos, não será devido pelos interessados o pagamento de selos e taxas.
Como se observa, a lei clarifica as situações em que o erro é notório e visível pelo próprio oficial cartorário, sendo desnecessária a autorização judicial ou manifestação do Ministério Público.
Trata-se de mais uma inovação que tem como fim desburocratizar procedimentos que eram obrigatoriamente levados ao judiciário sem necessidade.
4.5. Transgêneros: mudança de nome e sexo
Partindo do reconhecimento de que todo indivíduo tem o direito de escolher a forma como deseja ser chamado, a legislação recebeu nova interpretação no sentido de ser possível ao transgênero alterar seu nome e sexo diretamente nos cartórios, independentemente de realização de cirurgia de mudança de sexo.
O primeiro passo nesse sentido se deu no Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1.626.739/RS, julgado em maio de 2017, de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão. A decisão reconheceu que a identidade psicossocial prevalece em relação à identidade biológica, não sendo a intervenção médica nos órgãos sexuais um requisito para a alteração de gênero em documentos públicos. Para o relator, à luz do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, o direito dos transexuais não pode ficar condicionado à exigência de realização da operação de transgenitalização, já que “para muitos inatingível do ponto de vista financeiro, ou mesmo inviável do ponto de vista médico”.22
Quanto à realização de cirurgia, o Conselho Federal de Medicina estabelece, em sua Resolução nº 1.955/2010,23 diversos requisitos para que uma pessoa possa se submeter à transgenitalização, sendo certo que a espera para a realização através do Sistema Único de Saúde pode levar muitos anos, o que representaria uma barreira para a efetivação do direito à autodeterminação.
Posteriormente, o tema foi levado até o Supremo Tribunal Federal através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pela Procuradoria-Geral da República tendo por impugnação a redação antiga do Art. 58 da Lei de Registros Públicos24, in verbis:
Art. 58. Qualquer alteração posterior de nome só por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do Juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa.
Segundo tal dispositivo, qualquer alteração de nome só poderia ser permitida por sentença do juízo a que estiver sujeito o registro. Com a impetração da ADI 4275/DF, buscava-se interpretação conforme à Constituição Federal do supracitado artigo, a fim de ser admitida a possibilidade de alteração do registro de nascimento, de modo a promover a igualdade, a não discriminação e a dignidade da pessoa humana.
Assim, acolhendo tais argumentos, ficou consignado no julgamento, em 01/03/2018, que a pessoa transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e gênero no assento do Registro Civil. Confira-se a ementa:
“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Direito constitucional e registral. Pessoa transgênero. Alteração do prenome e do sexo no registro civil. Possibilidade. Direito ao nome, ao reconhecimento da personalidade jurídica, à liberdade pessoal, à honra e à dignidade. Inexigibilidade de cirurgia de transgenitalização ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes. 1. O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero. 2. A identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. 3. A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade. 4. Ação direta julgada procedente”.25
O inteiro teor do acórdão deixou claro que a alteração de tais informações pode ser feita por via judicial ou administrativa, ou seja, através do próprio cartório de registro civil, sendo mister destacar que independe da realização de cirurgia de transgenitalização.
Ainda, o acórdão estabelece que a alteração deve ser averbada à margem do registro de nascimento, sendo vedada a inclusão do termo “transgênero” ou qualquer designação à alteração.
Sendo certo que estava em jogo o chamado “princípio da continuidade dos assentos de Registro Civil”, ou seja, o que foi inserido em um registro público (Registro Civil) deve assim permanecer, salvo em situações excepcionais disciplinadas em lei, o artigo 58 recebeu interpretação conforme à Constituição Federal para afastar qualquer interpretação que venha a proibir que um transgênero possa alterar seu prenome e gênero, adequando, assim, seu nome e gênero registrais ao gênero ao qual o sujeito se identifica.
Como bem avaliou o Ministro Celso de Mello, o impasse da prévia autorização judicial encontra solução na própria lei dos registros públicos, uma vez que, se surgir situação objetiva que possa eventualmente caracterizar prática fraudulenta ou abusiva, caberá ao oficial do registro civil das pessoas naturais a instauração do processo administrativo de dúvida. Portanto, a segurança jurídica que permeia os registros públicos não é posta em prejuízo.
Vale destacar que o STF deu um importante passo para a efetivação do princípio da igualdade, no sentido de não discriminação e do não preconceito, afastando a necessidade de ajuizamento de uma ação judicial para a tutela de tais direitos fundamentais.
A título informativo, considerando que o STF também fundamentou sua decisão com base no Pacto de São José da Costa Rica, merece citação a análise da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), valendo-se da sua competência consultiva, sobre os artigos de tal diploma que versam sobre a identidade de gênero, igualdade e a não discriminação de casais do mesmo sexo.
Assim, especificamente sobre a identidade de gênero, a Opinião Consultiva nº 24/2017 consignou que a “identidade de gênero é um direito constitutivo das pessoas, que possui valor instrumental para o exercício de outros direitos e está intrinsecamente relacionado com a dignidade da pessoa humana, com o direito à vida, com o princípio da autonomia da pessoa e com direito à liberdade de expressão, sendo o seu reconhecimento pelo Estado de vital importância para garantir o pleno gozo dos direitos humanos pelas pessoas trans.
Nessa toada, a Corte IDH entendeu que a mudança de nome, a adequação da imagem, assim como a retificação do sexo ou gênero, nos registros e nos documentos de identidade, para que estes estejam de acordo com a identidade de gênero auto percebida é um direito protegido pelos artigos 18 (Direito ao nome), 13 (Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 7.1 (Direito à liberdade), 11.2 (Direito à vida privada) da CADH. Portanto, os Estados estão obrigados a reconhecer, regular e estabelecer os procedimentos adequados para tais fins”.26
4.6. Alteração de prenome e sobrenome
O princípio da imutabilidade do nome cede especial espaço para a possibilidade de retificação do prenome e do sobrenome diretamente nos cartórios, a partir de requerimentos voluntários das partes. Em que pese o reconhecimento de tal direito personalíssimo paulatinamente vir sendo reconhecido tanto pela legislação pátria como pela jurisprudência, a título de exemplo a previsão no Código Civil do acréscimo de sobrenome em razão do casamento e o reconhecimento da mudança de nome das pessoas transgêneros, a Lei de Registros Públicos foi além e passou a prever o direito de alteração do prenome a qualquer tempo, após atingir a maioridade e de forma imotivada.
Tal inovação se deu com a edição da Lei nº 14.382 de 27/06/2022, que veio tratar sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp), de que trata o art. 37 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, bem como moderniza e simplifica os procedimentos relativos aos registros públicos de atos e negócios jurídicos, de que trata a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), e de incorporações imobiliárias, de que trata a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964.
Importante ressaltar que apesar das diversas mudanças operadas pela novel legislação, especialmente no que diz respeito ao direito ao nome, direito fundamental do indivíduo, houve relevante modificação a partir do art. 55 da Lei de Registros Públicos.
Na redação anterior, era previsto que o prenome, em regra, era definitivo, somente permitindo a modificação excepcionalmente em alguns casos, quais sejam: por apelidos públicos e notórios; no primeiro ano, de forma imotivada, após atingida a maioridade civil; em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público.
Veja que a lei condicionava a modificação do prenome quando atingida a maioridade ao prazo de 01 (um) ano, além de não trazer expresso que poderia ser realizado diretamente no cartório, sem a necessidade de ingressar em juízo. Após tal prazo, ainda possível que um indivíduo buscasse a modificação do prenome, porém, a contrario lege, deveria motivar a sua vontade.
A nova redação do art. 56 da Lei 6.015/1973 assim passa a estabelecer:
Art. 56. A pessoa registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil, requerer pessoalmente e imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de decisão judicial, e a alteração será averbada e publicada em meio eletrônico. (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 1º A alteração imotivada de prenome poderá ser feita na via extrajudicial apenas 1 (uma) vez, e sua desconstituição dependerá de sentença judicial. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 2º A averbação de alteração de prenome conterá, obrigatoriamente, o prenome anterior, os números de documento de identidade, de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de passaporte e de título de eleitor do registrado, dados esses que deverão constar expressamente de todas as certidões solicitadas. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 3º Finalizado o procedimento de alteração no assento, o ofício de registro civil de pessoas naturais no qual se processou a alteração, a expensas do requerente, comunicará o ato oficialmente aos órgãos expedidores do documento de identidade, do CPF e do passaporte, bem como ao Tribunal Superior Eleitoral, preferencialmente por meio eletrônico. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 4º Se suspeitar de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto à real intenção da pessoa requerente, o oficial de registro civil fundamentadamente recusará a retificação. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
De maneira inovadora, a Lei nº 14.382/2022 faculta a pessoa a alteração do prenome, independentemente de decisão judicial, de maneira imotivada, após atingida a maioridade civil. Não há qualquer condicionamento ao prazo de 01 (um) ano outrora previsto, bem como há expressa dispensa de decisão judicial, ou seja, sendo permitido realizar diretamente via extrajudicial.
Trata-se de mecanismo que visa desburocratizar o acesso a um direito personalíssimo e intrínseco ao exercício pleno da dignidade da pessoa humana do indivíduo que é o direito ao nome. Privilegia-se a autonomia da vontade, a concretização do autorreconhecimento da pessoa de acordo com a realidade fática, bem como a sua identificação social.
Há, todavia, limitações para a possibilidade de quantidade de alterações, visto que a lei permite que a alteração seja feita pela via extrajudicial apenas uma vez, de modo que, caso o indivíduo queira novamente modificar o nome, será necessário recorrer às vias judiciais. Da mesma forma, a desconstituição também dependerá de decisão judicial.
Por fim, a lei ressalva a hipótese de negativa por parte do oficial de justiça no caso de suspeitar de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto à real intenção da pessoa requerente. Nesses casos de recusa, será necessário ingressar com o pedido judicialmente.
4.7. União estável
Percorrendo brevemente a trajetória da união estável até os dias de hoje, temos que, de início, no Brasil, o único casamento apto a constituir uma família legítima era o casamento religioso. Com a separação do Estado e da Igreja, somente o casamento civil gozava de validade. Posteriormente, passou-se a coexistência tanto do casamento civil quanto do religioso, desde que este observasse às exigências da lei civil.
A atual união estável permanecia à margem de qualquer proteção jurídica, recebendo tratamento discriminatório por parte da sociedade. Família era sinônimo de casamento. As uniões livres, logo, não poderiam ser qualificadas como família.
A sociedade repelia o divórcio, visto a forte influência católica, o que deu ensejo à formação das uniões livres, ou seja, pessoas impedidas de contraírem novo matrimônio, tendo em vista que o desquite não rompia com o vínculo matrimonial.
Refletindo a época, o Código Civil de 1916 não previa o divórcio, que só veio a ser positivado em 1977 com a Lei nº 6.515, sendo impulsionada pela jurisprudência pátria que já estava reconhecendo direitos aos “concubinos”. Registre-se que o Supremo Tribunal Federal, no princípio do século XX, reconheceu direito à concubina de ser indenizada pela morte do amásio em caso de acidente de trabalho ou de transporte, sumulando no verbete nº 35.27
Ao se instaurar a nova ordem constitucional, a união estável é reconhecida expressamente como entidade familiar, sendo mandamental que a lei facilite a sua conversão em casamento. Assim dispõe o §3º do Art. 226 da Constituição Federal de 1988:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Posteriormente, surgiram a Lei nº 8.971/1994, que regulou o direito dos companheiros a alimentos e sucessão e a Lei da União Estável (Lei 9.278/1996). O Código Civil de 2002 veio para regulamentar a previsão constitucional, tratando do instituto em título próprio, referente aos artigos 1.723 a 1.727. Todavia, a aparente evolução foi abruptamente interrompida por tal diploma que trouxe dois regimes sucessórios diversos, um para a família constituída pelo casamento e outro para as famílias formadas pela união estável.
Assim, temos a união estável como a situação de fato, contínua, pública e duradoura, na qual os companheiros se apresentam à sociedade com ânimo de constituir família. Nesse ponto, é de se destacar que o propósito de constituir família é condição para o reconhecimento da união estável. Como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, o fato de namorados morarem juntos e projetarem família apenas para o futuro não caracterizaria união estável.28
Outro ponto de grande relevância é a diferenciação expressa feita pelo Artigo 1.727 do Código Civil entre a união estável e o concubinato, encerrando as confusões que outrora ocorriam entre as nomenclaturas.
Certo é que a união estável não exige a realização de um contrato formal entre os companheiros para que goze de validade e desfrute de todos os direitos garantidos legalmente. Na verdade, como o próprio conceito descreve, trata-se de uma “situação de fato”, que pode ser declarada pelo judiciário, caso haja necessidade, a despeito de qualquer pacto formal.
Na hipótese de ausência de contrato de união estável, certo é que os conviventes seguirão as normas que regem o regime da comunhão parcial de bens.
Vale destacar que, dispensando maiores formalidades, casos os conviventes desejem estipular regime diverso da comunhão parcial de bens, o Superior Tribunal de Justiça já considerou que o contrato de convivência não exige escritura pública, basta que seja por escrito para ser válido.29
Apesar de todo o reconhecimento legal, ainda resta um espaço sem amparo que enseja a intervenção do judiciário, como os já supracitados, de modo a garantir mais direitos ao instituto, almejando maior isonomia entre a união estável e o casamento. O ponto de maior celeuma é o que diz respeito à sucessão, visto que o Código Civil de 2002 alçou o cônjuge à categoria de herdeiro necessário (Art. 1.845),30 mas não fez o mesmo com o companheiro.
Nessa toada, deve-se citar a decisão paradigma do Supremo Tribunal Federal em que equiparou os efeitos sucessórios da união estável ao do casamento, declarando a inconstitucionalidade do Art. 1.790 do Código Civil. O julgamento ocorreu em maio de 2017, com relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, que foi seguido pela maioria dos demais membros do Plenário (RE 878.694/MG). Em tal julgamento, pode-se extrair o seguinte importante trecho do voto do relator:
“Considerando-se, então, que não há espaço legítimo para que o legislador infraconstitucional estabeleça regimes sucessórios distintos entre cônjuges e companheiros, chega-se à conclusão de que a lacuna criada com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 deve ser preenchida com a aplicação do regramento previsto no art. 1.829 do CC/2002, e não daquele estabelecido nas leis revogadas. Logo, tanto a sucessão de cônjuges como a sucessão de companheiros devem seguir, a partir da decisão desta Corte, o regime atualmente traçado no art. 1.829 do CC/2002”.31
Hoje, nós temos a equiparação da união estável com o casamento para fins de sucessão, sendo certo que a companheiro (a) também deve ser considerado (a) igualmente como herdeiro (a) necessário (a), não sendo mais admitida qualquer discriminação.
Pontua-se que a Corte também equiparou, na mesma sessão, uniões estáveis entre homossexuais e heterossexuais, a partir do Recurso Extraordinário 646.721.
Trazendo a análise para a instrumentalização da união estável, de forma a conferir maior efetividade às relações fáticas e buscando a superação do formalismo, há uma tendência inovadora da doutrina em conferir efeitos retroativos ao contrato de união estável.
Veja, trata-se de uma nova posição doutrinária que ainda não encontra forte respaldo na jurisprudência, sendo certo que hoje prevalece a tese da irretroatividade dos efeitos de contrato de união estável. Este é o entendimento, inclusive, registrado pelo Superior Tribunal de Justiça no Informativo nº 563, confira-se:
“DIREITO CIVIL. IRRETROATIVIDADE DOS EFEITOS DE CONTRATO DE UNIÃO ESTÁVEL.
Não é lícito aos conviventes atribuírem efeitos retroativos ao contrato de união estável, a fim de eleger o regime de bens aplicável ao período de convivência anterior à sua assinatura. Inicialmente, registre-se, acerca dos efeitos do contrato de união estável, que doutrinadores renomados sustentam que, na união estável, é possível a alteração, a qualquer tempo, das disposições de caráter patrimonial, inclusive com efeitos retroativos, mediante singelo acordo despido de caráter patrimonial, sob o argumento de que deve prevalecer o princípio da autonomia da vontade. Não obstante essa vertente doutrinária, o art. 1.725 do CC não comporta o referido alcance. Com efeito, o mencionado dispositivo legal autoriza que os conviventes formalizem suas relações patrimoniais e pessoais por meio de contrato e que somente na ausência dele aplicar-se-á, no que couber, o regime de comunhão parcial. Em síntese: enquanto não houver a formalização da união estável, vigora o regime da comunhão parcial, no que couber. O contrato de convivência, no entanto, não pode conceder mais benefícios à união estável do que ao casamento, pois o legislador constitucional, apesar de reconhecer os dois institutos como entidade familiar e lhes conferir proteção, não os colocou no mesmo patamar, pois expressamente dispôs que a lei facilitará a conversão daquele neste (§ 3º do art. 226 da CF). Portanto, como o regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento (§ 1º do art. 1.639 do CC) e a modificação dele somente é permitida mediante autorização judicial requerida por ambos os consortes, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvado o direito de terceiros (§ 3º do art. 1.639 do CC), não se vislumbra como o contrato de convivência poderia reconhecer uma situação que o legislador, para o casamento, enuncia a necessidade da intervenção do Judiciário. Até porque, admitir o contrário seria conferir, sem dúvida, mais benefícios à união estável do que ao matrimônio civil, bem como teria o potencial de causar prejuízo a direito de terceiros que porventura tivessem contratado com os conviventes”.32
Todavia, no recente XII Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), foi apresentado à comunidade jurídica o seguinte Enunciado nº 31:
Enunciado 31 - A conversão da união estável em casamento é um procedimento consensual, administrativo ou judicial, cujos efeitos serão ex tunc, salvo nas hipóteses em que o casal optar pela alteração do regime de bens, o que será feito por meio de pacto antenupcial, ressalvados os direitos de terceiros.
A proposta do enunciado é conferir efeitos ex tunc à conversão de união estável em casamento. Busca-se prestigiar a liberdade de escolha dos nubentes e a garantia constitucional prevista no Art. 226, §3º, sobretudo quando dispõe que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento.33
Conjugando o dispositivo constitucional com o Artigo 1.726 do Código Civil/2002, o qual dispõe que “a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”, é de se depreender que não há qualquer limitação para que se confira efeitos retroativos à união estável.
Na verdade, ao se atribuir efeitos retroativos, estar-se-ia privilegiando a realidade fática, visto que os nubentes que optaram em converter a união em casamento já viviam uma relação anterior que merece ser tutelada também.
Pelo contrário, a irretroatividade dos efeitos da conversão da união estável se assemelha ao próprio casamento, ou seja, sem que tenha havido prévia união estável. É de se considerar que aqueles que já viviam em união estável possam obter o reconhecimento jurídico de tal período, com os respectivos efeitos.
De forma esclarecedora, é o que ensina Rodrigo Pereira da Cunha:
“(...) outra lacuna deixada sobre a conversão refere-se à data que constará no assento de casamento: a da conversão ou a do início da união estável? Se são dois institutos diversos, não haveria razão se a data a ser registrada na certidão fosse a conversão. Se assim fosse, bastaria as partes se casarem. Portanto, penso que, não obstante o silêncio da lei, a que deverá constar no registro do casamento é a do início da união, devendo as partes elaborarem um Pacto Antenupcial, com vistas à regulação dos efeitos patrimoniais e pessoais advindos do período em que viveram em união estável. (...)”34
Garantindo à autonomia das partes, seria mais efetivo e com maior aplicabilidade prática que se garantisse aos nubentes a possibilidade de fazer constar no assento de casamento a data de início da união estável, regulamentando os efeitos patrimoniais e pessoais durante tal período.
Trata-se de mais uma tentativa de inovação no campo das relações privadas que vai ao encontro da tendência de superação do formalismo excessivo. Especialmente na temática da união estável, o formalismo é por si só contraditório ao instituto, que se exsurge de uma relação notadamente fática.
4.8. Inventário extrajudicial
Ao tratar do direito sucessório, o primeiro passo a se pensar é a abertura da sucessão, que ocorre com a morte de um ente. Para haver a transmissão dos bens deixados pelo de cujus aos herdeiros, é necessário que se instaure um inventário.
Sobre o conceito de inventário, lecionam Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim que: “quando morre uma pessoa deixando bens, abre-se a sucessão e procede-se o inventário, para regular apuração dos bens deixados, com a finalidade de que passem a pertencer legalmente aos seus sucessores. O inventário é o procedimento obrigatório para a atribuição legal dos bens aos sucessores do falecido, mesmo em caso de partilha extrajudicial”.35
Para isso, a legislação traz duas hipóteses: o inventário tradicional via processo judicial, com maior burocracia e demora intrínseca de todo processo, e o inventário extrajudicial, que tramita diretamente nos cartórios.
A possibilidade do inventário extrajudicial nem sempre existiu, sendo uma inovação que revolucionou a matéria a partir da Lei 11.441/2007. Antes de tal lei, era previsto no Artigo 982 do CPC/1973 que o inventário judicial seria obrigatório ainda que todas as partes fossem capazes e houvesse acordo.
Com a novel lei e a modificação do antigo Art. 982 do CPC/1973, passou-se a prever o inventário e a partilha por meio de escritura pública, desde que todos os herdeiros fossem capazes e concordes e não existisse testamento. A via extrajudicial tornou-se uma faculdade das partes.
Ato contínuo, com o Código de Processo Civil de 2015, a mesma previsão foi praticamente repetida no artigo 610, in verbis:
Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.
§ 1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
Vale ressaltar que a nova legislação deixou de mencionar à gratuidade do ato para os que se declararem hipossuficientes econômicos. A despeito do silêncio, entende-se categoricamente que a gratuidade permanece por estar prevista em lei especial anterior, qual seja, a Lei 11.441/2007, bem como tratar-se de garantia fundamental prevista na própria Constituição Federal.36 Logo, entendimento contrário a este representa verdadeiro retrocesso social, que é vedado em nosso ordenamento jurídico.
A despeito da importância da análise do inventário judicial, volta-se o presente estudo para a análise específica do inventário extrajudicial e as facilidades por ele trazida em prol da celeridade e desburocratização para os atos de transmissão hereditária, na linha de tendência atual da desjudicialização das contendas.
A fim de regulamentar e facilitar a prática dos inventários extrajudiciais, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 35/2007 que continua sendo de grande importância até hoje para a compreensão do instituto.
Primeiramente, cabe reafirmar que o inventário extrajudicial não é obrigatório, mas facultativo. A qualquer momento pode ser solicitada a suspensão ou a desistência da via judicial para a mudança para a via extrajudicial.37
Mais um ponto positivo: é livre a escolha do tabelião para lavrar a escritura de inventário, não havendo competência territorial para tanto. Não há competência territorial para lavratura de qualquer escritura pública no País.
A escritura pública pode ser facilmente retificada mediante consentimento de todos os interessados, bem como erros materiais podem ser corrigidos de ofício ou mediante requerimento das partes.38
Para além do já positivado na lei, a atual tendência da desburocratização vem ampliar a possibilidade do inventário extrajudicial para os casos em que há testamento. Trata-se de previsão legislativa que deve ser mitigada, haja vista que o objetivo do inventário administrativo é justamente promover a desjudicialização e a celeridade do procedimento de transmissão de herança.
As tentativas ocorrem há alguns anos. O IBDFAM junto a entidades representativas dos cartórios protocolizou em julho/2014 pedido de providências junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o inventário extrajudicial seja possível mesmo quando houver testamento. No mesmo ano, o Colégio Notarial do Brasil aprovou enunciado em seu XIX Congresso Brasileiro, estabelecendo que “é possível o inventário extrajudicial ainda que haja testamento, desde que previamente registrado em Juízo ou homologado posteriormente perante Juízo competente”.
Em 2015, na VII Jornada de Direito Civil, foi aprovado enunciado semelhante, prevendo que, após registrado judicialmente o testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.39
Assim previu também o IBDFAM no Enunciado n. 16, aprovado no X Congresso Brasileiro.40
Com o Novo Código de Processo Civil e seu perfil desburocratizador, os tribunais pátrios passaram a adotar os enunciados supracitados, como o Tribunal de Justiça de São Paulo, através do Provimento 37 da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Em 2016, o Conselho da Justiça Federal promoveu a I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Conflitos, sob a coordenação do Ministro Luís Felipe Salomão, que contou com a aprovação de enunciados sobre a extrajudicialização do direito, entre eles o Enunciado n. 77.41
Posteriormente, em 2017, mais um enunciado foi aprovado no mesmo sentido (Enunciado n. 51),42 agora na I Jornada de Direito Processual Civil, promovida também pelo Conselho da Justiça Federal.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também seguiu o mesmo exemplo e passou a admitir que o inventário e a partilha de bens poderão ser feitos por escritura pública, mediante acordo, se todos os interessados forem maiores de idade e lúcidos, e se foi autorizado pelo juiz da Vara de Órfãos e Sucessões em que foi aberto o testamento. Por meio do Provimento 21/2017, houve alteração do art. 297 da Consolidação Normativa da Corregedoria-Geral da Justiça da Corte,43 passando a prever tal hipótese.
Outros Estados seguiram o mesmo exemplo, não ficando limitado aos tribunais paulista e fluminense.
Todavia, ainda não há uma regulamentação por parte do CNJ a fim de sedimentar e unificar a previsão para todos os estados da Federação.
Porém, recentemente, a realização do inventário extrajudicial, mesmo havendo testamento, ganhou os holofotes novamente através da decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em agosto de 2019,44 que admitiu a via administrativa, desde que o testamento tenha sido aberto em juízo anteriormente. O acórdão cita os enunciados doutrinários supramencionados e representa um importante passo para a superação do formalismo.
Na doutrina, Flávio Tartuce, defensor deste entendimento, traz a seguinte solução:
“(...) parece-me que a melhor solução é a reforma legislativa do art. 610 do CPC/2015, admitindo-se o inventário extrajudicial mesmo com a existência de testamento – desde que todos os herdeiros concordem -, e de filhos incapazes do de cujus”.45
Prossegue o autor narrando que tais alterações são almejadas pelo Projeto de Lei de Desburocratização, originário de comissão mista formada no Senado Federal, acarretando no PL 217/2018 que traz a seguinte proposta de redação para o Art. 610 do CPC/2015:
“Havendo testamento, proceder-se-á ao inventário judicial.
§1º. Se todos forem concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§2º. O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
§3º. Havendo interessado incapaz, o Ministério Público deverá se manifestar no procedimento, para fiscalizar a conformidade com a ordem jurídica do inventário e da partilha feitos por escritura pública.
§4º Na hipótese do §3º, caso o tabelião se recuse a lavrar a escritura pública nos termos propostos pelas partes, ou caso o Ministério Público ou terceiro a impugnem, o procedimento deverá ser submetido à apreciação do juiz”.
Por tal redação, fica claro que a existência de incapazes não representará óbice para o inventário extrajudicial, eis que contará com a participação do Ministério Público, à semelhança do que já ocorre em outros países, como Portugal.
Em prol da superação dos entraves burocráticos e da desjudicialização sadia, aguarda-se com esperança que o inventário extrajudicial de forma mais abrangente como proposto seja acolhido pela lei, de modo a garantir a resolução da partilha de maneira mais célere e menos custosa para as partes, sendo respeitada a livre escolha dos envolvidos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
À luz do acesso à justiça, a tendência de desburocratização do Direito tem papel de destaque tanto no plano legislativo quanto doutrinário. A luta por um Direito mais amplo e acolhedor de todos os reclames sociais é travada há muitos anos e não pode sofrer limitações em razão de excessos burocráticos nem ser vítima de retrocessos sociais.
Nesse sentido, percebe-se que as soluções consensuais e extrajudiciais ganham cada vez mais apoiadores, visto que confere maior efetividade, celeridade e satisfação na pacificação das lides. Assim, buscar vias alternativas que desafogam o judiciário parece ser um desafio dos juristas modernos.
As relações privadas passam por inúmeras modificações, seja no campo dos negócios ou nas relações familiares, tema este central deste estudo.
O Direito precisa dialogar com a realidade. A norma jurídica está vinculada a um fim social, que é a resposta às exigências da sociedade. Como os precedentes colacionados ao longo do trabalho demonstraram, a família já mudou. A multiplicidade de relações sociais nos faz crer que a família deve ser entendida como uma instituição social, proposta a desenvolver a solidariedade nos planos da assistência e convivência, bem como ser o locus privilegiado para promover a realização pessoal dos seus membros.
Ao decorrer dos séculos até os dias de hoje, percebemos que a autonomia da vontade e a liberdade de escolha dos indivíduos merecem ser privilegiados. Aliado a isso, é preciso ter um ordenamento jurídico atento e pronto para resolver os mais diversos conflitos e, sobretudo, dar uma resposta justa e efetiva.
A superação do formalismo estanque de alguns institutos, partindo para a extrajudicialização do direito trazida pelas inovações legislativas, é um importante movimento para concretizar o pleno acesso à justiça. Fruto de muito trabalho da doutrina, o Código de Processo Civil já incorporou tal espírito, porém, ainda há largo campo para ser explorado.
Como apresentado, alguns institutos estão sendo desjudicializados graças ao esforço das instituições voltadas aos seus interesses e concretizados através de diplomas infralegais, como provimentos, ou até mesmo pela jurisprudência. Nesse sentido, ganham força os procedimentos cartorários e administrativos, que trazem maior celeridade e até redução de custos quando comparados com uma ação judicial. Dentre eles temos o reconhecimento de paternidade e até da multiparentalidade, a possibilidade de alteração do local de nascimento em benefício da naturalidade afetiva, retificação de erros materiais, mudança de nome e sexo, alteração de prenome e sobrenome, pactos de união estável e o inventário extrajudicial.
A despeito da discussão sobre a necessidade de reserva legal, é de se olhar com bons olhos tais mudanças, visto que tem como fim, sobretudo, a redução das burocracias e das formalidades exacerbadas para se garantir um direito legítimo e fazer prevalecer a vontade do indivíduo.
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