Resumo: No Brasil, das mais de 12 mil startups de todos os setores em atuação atualmente, apenas 80 são GovTechs. consideradas como mais relevantes, ou seja, aquelas que vendem de maneira consistente para governos ou atuam em parcerias com o setor público de forma recorrente.
O foco dessas empresas que buscam oportunidades de criar soluções para o poder público é a redução da burocracia e o aumento da eficiência. Algo necessário em relação aos serviços oferecidos à população e para tornar o ambiente de negócios no país mais convidativo para investimentos.
Neste artigo, abordaremos as estratégias necessárias para um Governo Digital, com as soluções que já existem, bem como as que poderiam ser aplicadas para aperfeiçoar e inovar na administração pública.
Palavras-chave: GovTech. Governo Digital. Inovação na gestão pública. Transformação tecnológica governamental. Gov 4.0
1. Estratégias para um Governo Digital.
O Brasil é atualmente o país da América Latina que possui o maior número de GovTechs, que são startups que vendem para governos, formando uma rede de empreendedores que possuem soluções tecnológicas para os desafios enfrentados na esfera pública. Entretanto, das mais de 12 mil startups de todos os setores em atuação no país atualmente, apenas 80 são GovTechs2 consideradas como mais relevantes, ou seja, aquelas que vendem de maneira consistente para governos ou atuam em parcerias com o setor público de forma recorrente.
Por meio de emenda à Constituição Federal, a eficiência passou a ser um dos princípios norteadores da Administração Pública, embora isso não tenha se verificado em toda a sua atuação. Nesse sentido, a tecnologia pode prestar uma relevante contribuição. Os avanços tecnológicos não contemplam apenas a iniciativa privada, mas também podem ajudar a relação entre Estado e contribuinte a ser menos burocrática, além de resolver problemas internos da Administração Pública. Isso significa que diversos serviços e expedientes podem ser otimizados por meio dessas inovações.
Certamente, o maior foco das empresas que buscam oportunidades com a criação de soluções para o poder público é a redução da burocracia e o aumento da eficiência. Algo fundamental em relação aos serviços oferecidos à população e para tornar o ambiente de negócios no país mais convidativo para investimentos. A burocracia é mais que o tempo gasto para resolver questões, mas também um gargalo, onde muito dinheiro é injetado sem gerar retorno. Se, por um lado, algum nível de burocracia é desejável para a observância dos parâmetros de legalidade e para evitar arbitrariedades, por outro lado, quando exacerbada, torna as atuações de atores privados desgastante, e a de servidores enfadonhas e pouco transparentes.
O emprego de ferramentas digitais, a geração e análise sistemática de dados e a contribuição recíproca entre pessoas que transitam entre o setor público e a iniciativa privada serão responsáveis por, no curto e médio prazo, transformar completamente a relação entre Administração e administrados.
O relatório do GovTech Brasil, de 20183, diz que o futuro esperado para a sociedade é que consigam se comunicar com o governo e participar da vida pública, de forma simples e rápida, através de qualquer canal, e que confiem que os recursos públicos são utilizados com eficiência, e haja total transparência nessas informações, além de conseguirem medir com precisão a performance do governo e qualidade de seus serviços, bem como confiem na proteção e privacidade de todos os seus dados.
Ainda estamos longe desta realidade, todavia, no Brasil, as startups estão contribuindo para modernizar o país, tornando-o mais ágil e eficiente, embora haja excesso de burocracia, da pouca flexibilidade e dos processos morosos do setor público.
2. Selo GovTech. Empresas certificadas. Soluções aplicadas.
Atualmente existem Instituições como o BrazilLAB, primeiro hub nacional de inovação em governos, cujo objetivo é conectar o poder público e empreendedores e contam com uma ampla rede de investidores e parceiros.
Para ampliar o negócio das startups e fomentar a inovação no setor público, o BrazilLAB desenvolveu o Selo GovTech, uma certificação independente conferida a empresas aptas a prestar serviços ou oferecer produtos inovadores. As soluções devem ser capazes de resolver desafios da gestão pública moderna com o uso da tecnologia que podem ser aplicadas nas esferas municipal, estadual, federal e até mesmo nos campos legislativo e judiciário.
A Zul Digital é uma das empresas certificadas que trazem soluções inovadoras ao poder público, e é responsável por uma plataforma que proporciona a gestão do desempenho e a fiscalização digital de estacionamentos rotativos. A solução teve início em São Paulo (SP) e está presente em Salvador (BA), Fortaleza (CE) e Belo Horizonte (MG).
Já o Aprova Digital, é um sistema que aposta na inovação para ajudar as prefeituras a desburocratizarem e acelerarem a tramitação de licenças e alvarás, foi implantado em Mogi das Cruzes (SP) e tornou digitais 100% dos processos da Secretaria Municipal de Planejamento e Urbanismo; com isso, gerou uma economia de R$ 500 mil na impressão de papéis. A solução também foi implantada em Santa Bárbara D'Oeste (SP), onde se espera reduzir o prazo de emissão de alvarás de obras. Em média, com a solução, o tempo dos trâmites cai de 60 dias para 10 dias.
Mais uma startup, é a Fábrica de Negócio, cuja atuação é na área de automatização de auditoria de folhas de pagamento com bases externas para combate à evasão fiscal e fraudes tributárias. A solução foi implementada em Recife (PE), integrando 9 mil verbas, com 25 regras, em uma folha de 37 mil servidores no valor de R$ 143 milhões ao mês. O retorno foi de R$ 10 milhões na auditoria de folhas anteriores, realizada em 45 segundos, quando o padrão anterior era de 6 meses, realizado apenas por amostragem.
Lado outro, entre as startups que receberam o Selo GovTech do BrazilLAB, estão health techs que já contribuem para transformar o cenário do atendimento à saúde pública em cidades brasileiras.
Um exemplo é a PGS Medical, que ajudou a Secretaria Municipal de Saúde de Penedo, no Alagoas, a economizar R$ 11,9 milhões de economia nos últimos 12 meses, e a reduzir 90% nos atendimentos em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e 56% no número de internações dos doentes crônicos do município.
A PGS desenvolveu uma plataforma que usa inteligência artificial para orientar os usuários da cidade sobre as melhores práticas de gestão em saúde. Além disso, a solução organiza a agenda de atendimento dos profissionais em função da complexidade dos casos dos pacientes, e mede a melhoria na qualidade de vida e a economia de recursos com os cuidados oferecidos.
Outro exemplo inovador é a Cuco Health. A empresa desenvolve tratamentos digitais para auxiliar os pacientes a seguirem seus planos de cuidado quando estão sozinhos, melhorando a adesão ao tratamento, monitorando aspectos da patologia e possibilitando que os profissionais de saúde acompanhem a evolução. As soluções da empresa já foram adotadas em municípios como Juiz de Fora (MG) e Pelotas (RS).
Mais uma health tech é a UpSaúde, que desenvolve aplicativos para processar e disseminar, para órgãos públicos, informações sobre pacientes de modo a otimizar o atendimento à saúde. As soluções da startup aprimoram o planejamento das ações, ampliam o acesso e a qualidade da assistência prestada e podem reduzir custos em saúde, além de evitar longos deslocamentos de pacientes e profissionais.
Já a UniverSaúde, por sua vez, atua diretamente com gestores públicos e profissionais da saúde. A startup desenvolve e implementa ações de apoio e educação para melhorar o atendimento aos cidadãos. O carro-chefe é o Gestor de Saúde Virtual, plataforma de gestão e capacitação 100% online criada para Secretários de Saúde e suas Equipes Gestoras.
Finalmente, temos a AVICENA. A startup criou o Gissa, um sistema em nuvem que disponibiliza, para gestores de saúde pública municipal, informações contextualizadas e em tempo responsivo, qualificando e facilitando a tomada de decisão (por meio da coleta de dados que já estão presentes em bases obrigatórias para todos os municípios).
Noutro giro, é importante a criação de programas de inovação e espaços de inovação dentro do setor público e o desenvolvimento de novas habilidades, pois é preciso tornar o setor público adaptado a essas mudanças tecnológicas, com projetos, parcerias, treinamentos e envolvimento de todos os atores da organização.
Mais uma solução importante a ser aplicada na administração pública seria a utilização das técnicas do Visual Law, usando elementos visuais em documentos para tornar o Direito mais claro e compreensível e buscando transformar a informação jurídica em algo que qualquer cidadão seja capaz de entender.
Um exemplo de possível uso do Visual Law, seria a aplicação de links, QR Codes, bullet points, infográficos explicativos, links de acesso e pictogramas aliados ao texto informativo das Procuradorias Gerais dos Estados (PGEs) para esclarecer dúvidas do contribuinte sobre dívida ativa, e, ainda usar Visual Law para facilitar o agendamento do o atendimento online por videoconferência ou presencial para a dívida ativa do estado.
Outro exemplo seria a criação de solução para resolver o problema frequente sobre a antecipação de penhora dos processos não executados, que são feitos nas varas cíveis, pois muitas vezes, acontece de, depois que a execução fiscal é recebida, não se sabe que a antecipação de penhora já foi realizada, de modo que podem haver bloqueios que geram dificuldades enormes, além de morosidade processual para o cidadão e para as procuradorias. Assim, utilizando o Visual Law, seria possível usar as técnicas para organizar documentos esclarecendo todos os processos que já houveram a antecipação de penhora.
Mais uma oportunidade de aplicar o Visual Law seria a criação de um projeto para prescrições intercorrentes. Dessa forma, sempre que tivesse análise de prescrição intercorrente seria possível seguir o fluxo de instruções que identificam esses processos. Além disso, o Visual Law pode ser usado para otimizar tarefas repetitivas e ainda, para a criação de teses e instruções a serem seguidas pelos servidores do Estado.
As procuradorias também poderiam criar ementas explicativas para serem anexadas como capas nas principais peças. No documento poderiam escrever de forma resumida itens como: objeto e razões recursais, fundamentos jurídicos, pedidos, informações adicionais, documentos e provas relevantes, entre outros. O objetivo principal da ementa explicativa é possibilitar ao julgador uma visão mais geral, clara e objetiva da peça. De modo que além do conteúdo, tivesse também um layout atraente e facilitador. Assim, o julgador ao ver a ementa já sabe o escopo e os pontos de abordagem, facilitando muito a condução posterior da análise da peça.
Todos esses exemplos elencados no decorrer do artigo, mostram o imenso potencial da inovação na gestão pública. No entanto, para que esse impacto ganhe dimensões maiores, são necessárias vontade política e mudanças culturais significativas, principalmente dentro do setor público.
O desafio é construir a estratégia de Governo Digital, atendendo anseios dos cidadãos e de outros usuários. Este ponto, se correta e republicanamente debatido, tem força para aumentar a segurança jurídica para o gestor público ter tranquilidade em promover o bem social, sem perder o valioso espaço que já foi conquistado com a transparência, competitividade, economia e eficiência dos gastos.
Fontes:
TOLEDO, E. S. Projetos de inovação tecnológica na Administração Pública. In: FERNANDES, R. V. D. C.; CARVALHO, A. G. P. D. Tecnologia jurídica & direito digital: II Congresso Internacional de Direito, Governo e Tecnologia. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
https://medicinasa.com.br/pgsmedical-govtech/
https://conteudo.brazillab.org.br/relatorio-startups-govtech-no-brasil
https://www.livrariart.com.br/visual-law-como-os-elementos-visuais-podem-transformar-o-direito/p
Advogada. Legal Designer. Conciliadora e mediadora. Professora. Pós-graduada em Direto do Trabalho (EBRADI). Mestra em Direito Público (Estácio-RJ). Pós-graduada em Marketing (PUC-MG) e em administração de empresas (FGV-MG). Certificação em Visual Law (FutureLaw), Direito Digital e Proteção de Dados (PUC-SP). Formação em Marketing Digital - UDACITY - Vale do Silício. Mentora e Professora do Laboratório de Inovação ESA/RO. Coautora do 1º livro sobre Visual Law do Brasil - Revista dos Tribunais e do livro Marketing Jurídico de A a Z pela editora Letras Jurídicas. E-mail: [email protected].︎
https://brazillab.org.br/noticias/brazillab-e-banco-de-desenvolvimento-da-america-latina-caf-lancam-relatorio-sobre-o-ecossistema-de-startups-govtech-no-brasil︎
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https://govtechbrasil.org.br/wp-content/uploads/2018/11/GovTechBrasil_Relatorio-Completo-2018.pdf︎
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