A USUCAPIÃO permite a regularização de imóveis dos mais variados tipos, como sempre falamos aqui, nos termos do que autoriza a legislação vigente. Não é novidade que o referido instituto também se aplica aos BENS MÓVEIS (principalmente automóveis, que são os casos mais usados como exemplo quando se fala dessa modalidade). As regras são aquelas do Código Civil que basicamente em três artigos trata do assunto. Dizem o artigo 1.260 e seguintes:
"Art. 1.260. Aquele que possuir COISA MÓVEL como sua, contínua e incontestadamente durante TRÊS ANOS, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade.
Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por CINCO ANOS, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.
Art. 1.262. Aplica-se à usucapião das coisas móveis o disposto nos arts. 1.243 e 1.244".
A importante ressalva do artigo 1.262 indica a aplicação na Usucapião de bens móveis dos valiosos institutos que permitem a SOMA DAS POSSES para fins de contagem de prazo, assim como a questão das causas obstativas, suspensivas e interrutivas da PRESCRIÇÃO. São eles:
"Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé.
Art. 1.244. Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião".
Como sabemos, por ocasião da Lei 13.105/2015 (Código de Processo Civil), foi inaugurado no ordenamento jurídico a possibilidade do RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA USUCAPIÃO, todavia o legislador foi claro ao indicar que a nova forma de regularização imobiliária destina-se a BENS IMÓVEIS. O art. 216-A introduzido pelo Código Fux determina:
"Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do REGISTRO DE IMÓVEIS da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado (...)".
A leitura atenta dos dispositivos aplicáveis (especialmente o Provimento CNJ 65/2017 que regulamentou a Usucapião Extrajudicial em todo o território nacional) não deixa dúvidas de que, pelo menos até o presente momento, o instituto terá lugar apenas para BENS IMÓVEIS já que falta legislação autorizando o reconhecimento da Usucapião Extrajudicial para bens móveis (o que a nosso ver pode ter plena viabilidade, inclusive). Ainda assim, curiosa disposição foi introduzida no Código de Normas Extrajudiciais do Estado do Rio de Janeiro (Provimento CGJ/RJ 87/2022) editado pela CGJ/RJ que em seus artigos 1.252 e 1.253 dispõe:
"Art. 1.252. O procedimento da usucapião extrajudicial perante os ofícios de registro de imóveis será processado nos termos do Provimento CGJ nº 23/2016 e do Provimento CNJ nº 65/2017, aplicando-se as regras neles instituídas, no que couber, aos BENS MÓVEIS.
Art. 1.253. Quanto aos BENS MÓVEIS, a competência será determinada pelo local de registro, quando aplicável, ou pelo domicílio do requerente e observará rito próprio disciplinado em Provimento da Corregedoria Geral da Justiça".
Como se vê, são normas que não possuem qualquer aplicação enquanto não houver no ordenamento jurídico legislação autorizando para tanto. É do nosso conhecimento que existe um interessante PROJETO DE LEI (nº. 3268/2023) em tramitação na Câmara dos Deputados que busca a concretização dessa possibilidade, de autoria do Deputado LUIZ FERNANDO FARIA (PSD/MG) cuja ementa informa:
"Objetiva a criação, no âmbito dos Ofícios de Registro de Títulos e Documentos, dos procedimentos extrajudiciais de usucapião e adjudicação compulsória de bens móveis".
Acerca do instituto da Usucapião sobre BENS MÓVEIS anota a ilustre e clássica jurista MARIA HELENA DINIZ (Curso de Direito Civil Brasileiro. 2020):
"(...) O fundamento em que se baseia a USUCAPIÃO DE BENS MÓVEIS é o mesmo que inspira o dos IMÓVEIS, ou seja, a necessidade de dar JURIDICIDADE a situações de fato que se alongaram no tempo; por isso seus conceitos são idênticos, exceto no que se refere aos PRAZOS que, em relação às coisas móveis, são mais curtos, ante a dificuldade de sua individualização e facilidade de sua circulação".
Naturalmente, como disse a festejada Professora, se trata de procedimento para regularizar a titutaridade sobre BENS MÓVEIS não se destinando, portanto, apenas a automóveis - ainda que representem a grande maioria dos casos. Toda sorte de bens móveis pode ser alvo de aquisição por USUCAPIÃO, salvo bens incorpóreos (por exemplo, propriedade literária, científica, artística etc).
POR FIM, jurisprudência do TJPR que, cassando sentença do juízo de piso reconhece a USUCAPIÃO sobre veículo automotor baseado na SOMA DAS POSSES (art. 1.243 do Código Civil):
"TJPR. 0017944-93.2020.8.16.0001. J. em: 30/11/2021. APELAÇÃO CÍVEL. Ação de usucapião de bem móvel (veículo automotor). Sentença de IMPROCEDÊNCIA. Insurgência da autora. Pleito de reconhecimento de usucapião, sob a alegação de que decorreu o lapso temporal de 05 anos com posse pacífica do veículo. Acolhimento. Contrato de arrendamento mercantil quitado, o que afasta a posse precária e enseja o reconhecimento da posse pacífica. Configuração de ANIMUS DOMINI. Posse dos dois últimos possuidores, que, SOMADA, corresponde a prazo superior a CINCO ANOS. Inteligência dos artigos 1.243, 1.261 e 1.262 do Código Civil. Usucapião configurada na espécie. Precedente da câmara em caso análogo. SENTENÇA REFORMADA. Demanda procedente. Redistribuição dos ônus sucumbenciais. Honorários advocatícios fixados por equidade. Baixo valor da causa. recurso conhecido e provido".