Resumo: O presente estudo tem por objeto a consignação em pagamento extrajudicial, com ênfase em sua eficácia para a extinção de obrigações. Analisa-se, a princípio, o histórico da consignação em pagamento e os seus fundamentos basilares. Posteriormente tem-se a discussão da consignação extrajudicial como faculdade do devedor, e do direito de pagar. Discute-se, ainda, as hipóteses de cabimento do pagamento em consignação, previstas pelo Artigo 335 do Código Civil, bem como a possibilidade ofertada pelo ordenamento jurídico para a extinção da obrigação pela via extrajudicial, prevista pelo Artigo 539 do Código de Processo Civil. Por fim, como objetivo principal do presente estudo, serão analisados os efeitos do depósito extrajudicial, bem como a eficácia da via extrajudicial para a extinção da obrigação, destacando-se as condições para que a dívida seja satisfeita dessa forma.
Palavras-chave: Consignação em pagamento; Consignação extrajudicial; Eficácia; Extinção da obrigação.
1 INTRODUÇÃO
Em sentido comum podemos conceituar “eficácia” como o poder de produzir determinado efeito, ou, ainda, como a segurança de um bom resultado. No Direito, a eficácia de uma norma está ligada a sua capacidade de gerar efeitos no meio jurídico. Segundo Hans Kelsen (2009, p. 148): “eficácia do Direito significa que os homens realmente se conduzem como, segundo as normas jurídicas, devem se conduzir, significa que as normas são efetivamente aplicadas e obedecidas”.
O presente estudo ocupa-se de utilizar o termo “eficácia” para definir como a consignação em pagamento extrajudicial pode produzir efeitos satisfatórios para a extinção de uma obrigação.
É certo que ao estabelecer uma obrigação o desfecho que se espera é o seu cumprimento. Seguindo esse pensamento pode-se afirmar que toda obrigação nasce com a finalidade de ser cumprida, e não apenas isso, mas que o cumprimento natural de uma obrigação, ensejando a sua extinção, dá-se com o pagamento direto do devedor ao credor.
Existem, no entanto, algumas situações que podem inviabilizar o pagamento tradicional, sendo necessário um meio alternativo para o cumprimento da obrigação, a consignação em pagamento.
É no direito romano que se tem as primeiras práticas do que viria a se tornar a consignação em pagamento, a partir da oblatio e da obsignatio, que, apesar de longevas, muito se assemelham com o procedimento vigente.
De fato, o termo consignar, na forma que se utiliza hoje, deriva do latim cum + signare, fazendo alusão a um dos procedimentos utilizados em Roma para o cumprimento da obrigação, onde o depósito era colocado em um saco, fechado e lacrado com sinete, conforme ensina José Ribeiro Leitão (1980, p. 342).
O pagamento direto do devedor ao credor, em local específico e com a presença de testemunhas, correspondia a oblatio, que só teria eficácia se fossem cumpridos todos os requisitos impostos, tais como: I. a apresentação direta ao credor se a coisa devida fosse móvel; II. a soma do capital e dos juros correspondentes, caso a obrigação fosse de dinheiro; e III. a capacidade do credor para receber a dívida.
Quando o credor não podia ser encontrado ou se recusava a receber o pagamento, teria lugar a obsignatio, que correspondia ao depósito da prestação, na forma designada pelo magistrado.
Como demonstrado, a finalidade da consignação em pagamento reside no cumprimento da obrigação, provocando a liberação do devedor da dívida.
No ordenamento jurídico brasileiro, essa modalidade de cumprimento obrigacional é disciplinada pelo Código Civil/2005, bem como pelo Código de Processo Civil/2015.
Ao primeiro compete regular as situações autorizadoras da consignação e as condições de sua eficácia. Já ao Código de Processo Civil concerne a função de estabelecer as normas do procedimento, que será judicial ou, na hipótese prevista pelo Art. 539, § 1º, CPC, extrajudicial.
Em vista disso, esse estudo objetiva compreender o procedimento consignatório extrajudicial e, em particular, analisar como a consignação extrajudicial pode ser eficaz ou, como inicialmente enfatizado, sua aptidão para produzir efeitos satisfatórios para a extinção de uma obrigação.
METODOLOGIA
Inicialmente é necessário que se demonstre a importância da metodologia de pesquisa para atingir os objetivos almejados em um estudo. A metodologia de pesquisa, ou seja, o processo de obtenção de informações do estudo, possibilita a organização do pensamento científico, tornando o processo de pesquisa do trabalho mais ordenado. Segundo Strauss & Corbin (1998, p. 21): “a metodologia garante um senso de visão, e as técnicas e os procedimentos (método) fornecem os meios para transformar essa visão em realidade.”
O presente estudo tem por objetivo analisar como a consignação em pagamento extrajudicial pode ser eficaz para a extinção obrigacional. Para tanto utilizou-se como principal método de investigação a pesquisa bibliográfica.
A pesquisa bibliográfica é fundamental para a elaboração da pesquisa científica, pois através do estudo de obras reconhecidas já publicadas torna-se possível construir uma base sólida para o desenvolvimento do trabalho. Para esse fim utilizouse, dentre outras fontes de pesquisa: livros, teses e artigos científicos.
Para Andrade (2010, p.25), a pesquisa bibliográfica:
[...] é habilidade fundamental nos cursos de graduação, uma vez que constitui o primeiro passo para todas as atividades acadêmicas. Uma pesquisa de laboratório ou de campo implica, necessariamente, a pesquisa bibliográfica preliminar. Seminários, painéis, debates, resumos críticos, monográficas não dispensam a pesquisa bibliográfica. Ela é obrigatória nas pesquisas exploratórias, na delimitação do tema de um trabalho ou pesquisa, no desenvolvimento do assunto, nas citações, na apresentação das conclusões. Portanto, se é verdade que nem todos os alunos realizarão pesquisas de laboratório ou de campo, não é menos verdadeiro que todos, sem exceção, para elaborar os diversos trabalhos solicitados, deverão empreender pesquisas bibliográficas (ANDRADE, 2010, p. 25).
Em continuação, o método dedutivo, assim como entende Gil (2008, p. 9), “parte de princípios reconhecidos como verdadeiros e indiscutíveis e possibilita chegar a conclusões de maneira puramente formal, isto é, em virtude unicamente de sua lógica”. Nesse intento, esta pesquisa desenvolveu-se à luz de tal método, a partir do estudo amplo da consignação em pagamento, da ação de consignação judicial e da consignação extrajudicial, a fim de compreender como a consignação extrajudicial pode ser benéfica no âmbito do cumprimento das obrigações.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 A CONSIGNAÇÃO EXTRAJUDICIAL É FACULDADE DO DEVEDOR
Savigny entende a obrigação como uma limitação da liberdade do reus debendi. Decerto, enquanto não cessar a dívida, o devedor fica vinculado a ela. É por isso que a criação de uma obrigação não visa outro fim senão o seu adimplemento, de forma que a obrigação já nasce com a finalidade de ser cumprida, sendo o adimplemento a forma natural de sua extinção.
Por mais que seja evidente o interesse do credor no cumprimento da obrigação, de modo que a lei lhe dispõe proteção no caso de inadimplemento do devedor, também não se pode ignorar que o sujeito passivo se beneficia com o cumprimento dela, uma vez que, cumprida a obrigação, extingue-se seu vínculo com a dívida.
Sendo assim percebe-se que a existência de impedimentos para o pagamento da dívida representa um prejuízo muito grande ao devedor, que não consegue desligar-se do vínculo obrigacional. Por isso, o cumprimento da obrigação deixa de ser mero dever do sujeito passivo, e passa a ser também direito deste.
À vista disso, Humberto Theodoro Junior (2017, p. 17) explica:
Por ser, dessa forma, um constrangimento jurídico necessariamente temporário, o libertar-se do vínculo obrigacional assume feição não de simples dever do sujeito passivo da obrigação, mas de verdadeiro direito dele. Dessa maneira, além do devedor possuir, por lei, o dever de quitar a obrigação, ele também possui o direito de pagá-la, uma vez que o vínculo obrigacional não pode perdurar eternamente por vontade do credor.
Dito isto, cabe ainda compreender a influência da circunstância temporal sobre a obrigação, isto é, sabe-se que a obrigação deve ser cumprida em tempo adequado, e que a parte responsável pelo atraso responde pelos prejuízos resultantes, ou seja, à parte que incorrer em mora cabe a responsabilidade. É necessário que se compreenda, porém, a diferença da mora do devedor, mora solvendi, e da mora do credor, mora accipiendi. Para o devedor incorrer em mora é necessário não ter realizado o pagamento em tempo, local e forma acordados, bem como que se verifique o elemento culpa. Já a mora accipienci ocorrerá quando o credor recusar injustamente receber o pagamento, sendo requisito indispensável para a consignação ter lugar. Dessa maneira, a mora do devedor apresenta-se como a inexecução culposa da obrigação da obrigação, e a mora do credor como a recusa em receber a obrigação em tempo, modo, lugar e forma devidos.
O Código Civil estabelece sanções àquele que incidir em mora. O artigo 400, CC, por exemplo, determina que, em caso de mora do credor, este deve ressarcir as despesas empregadas pelo devedor para conservar a coisa.
Definir a quem pertence a mora é fundamental para compreender a consignação, uma vez que só terá cabimento o depósito extrajudicial se for configurada mora do credor.
Por serem contrárias, não é possível que a mora solvendi e a mora accipiendi coexistam ao mesmo tempo. Estando configurada a mora do credor, caso o devedor tenha tentado pagar a dívida no prazo e o credor tenha impossibilitado, não há que se falar em mora do devedor, razão pela qual o sujeito passivo pode requerer o pagamento em consignação a qualquer tempo, não correndo o risco de incorrer em mora, uma vez que a previsão temporal certa para que o sujeito passivo faça o pagamento em consignação é extinta. Como bem diz Humberto Theodor Junior (2017, p. 36): “Enquanto perdurar a mora do credor, sempre será tempo de consignação pelo devedor.”
Por isso, em caso de mora accipiedi, o direito faculta ao devedor o depósito consignatário para que se liberte no vínculo obrigacional, mas não o impõe, não havendo nenhuma sanção aplicada ao devedor caso ele não faça o depósito em consignação.
Além da hipótese mencionada acima, também a dúvida do devedor à quem pagar, correndo o risco de pagamento ineficaz, justifica a consignação em pagamento, que, por regra, realiza-se judicialmente, mas, caso se trate de obrigação em dinheiro, a lei possibilita a consignação extrajudicial por meio do depósito bancário, espécie objeto desse artigo.
É evidente, no entanto, que o estudo da mora é bem mais amplo do que foi abordado nesse trabalho, no entanto, não se tem como objeto principal desse estudo a mora, mas sim a consignação extrajudicial, o que não exclui a possibilidade da mora ser estudada esmiuçadamente em um futuro trabalho.
É importante ressaltar, antes que se esgote o tópico, que a consignação extrajudicial é faculdade do devedor. Se o sujeito passivo entender que tal via é ineficaz pode recorrer a via judicial. No entanto, é certo que, caso o credor aceite o pagamento feito extrajudicialmente, o débito estaria quitado, a obrigação extinta, e não teria sido necessário aguardar a morosidade judicial. A via extrajudicial, portanto, por mais que seja facultativa, representa grande economia de tempo e dinheiro tanto para o devedor, quanto para o credor, que pode receber a dívida mais rápido.
As hipóteses em que a lei permite a consignação, previstas no Art. 335 do Código Civil, bem com a possibilidade do depósito extrajudicial dada pelo Código de Processo Civil, e como se dá a consignação pela via extrajudicial, serão abordadas logo em seguida.
3.2 SITUAÇÕES AUTORIZADORAS DO PAGAMENTO EM CONSIGNAÇÃO
Inicialmente, antes das hipóteses de cabimento do pagamento em consignação serem abordadas, faz-se necessária a discussão sobre a necessidade da liquidez da prestação para que o pagamento em consignação seja admissível.
Nesse sentido, Humberto Theodoro Junior (2017, p. 26) afirma:
O problema da liquidez como requisito da consignatória é, aliás, uma questão de pura lógica, dada a impossibilidade de se pagar o ilíquido. Se o depósito tem de ser feito de maneira completa, a tempo e modo, como consignar a coisa ou a quantia ainda não determinada de forma definitiva? Decerto, a liquidez e a certeza apresentam-se como requisitos da consignação, pois só é possível ao devedor pleitear o reconhecimento do pagamento de uma dívida certa e líquida. Da mesma forma, o credor não poderia compelir o devedor a pagar uma dívida incerta e ilíquida. Portanto, para que a consignação seja facultada ao devedor é necessário que a prestação seja líquida e certa, cabendo ao julgador determinar a procedência, ou não, de tais requisitos.
Superada a discussão sobre a necessidade de certeza e liquidez para a consignação, serão, agora, objeto de discussão as hipóteses em que a lei permite tal modalidade de pagamento.
Sabe-se que, enquanto não cumprir a obrigação, o devedor permanece vinculado à dívida. Em vista disso, a lei, para proteger o devedor do risco de pagamento ineficaz ou de permanecer vinculado à obrigação por não ser viável o pagamento voluntário, possibilitou a consignação em pagamento.
O artigo 335 do Código Civil dispõe sobre as principais hipóteses em que o pagamento em consignação será cabível. Conforme o referido dispositivo terá lugar a consignação quando:
Art. 335. A consignação tem lugar:
- se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma;
- se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos;
- se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;
- se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;
- se pender litígio sobre o objeto do pagamento.
Ao analisar o dispositivo conclui-se que as possibilidades de cabimento da consignação previstas pelo legislador determinam que são requisitos indispensáveis para requerer a consignação a mora do credor ou o risco de ineficácia do pagamento. Sendo assim, só será cabível a consignação, judicial ou extrajudicial, se o devedor por algum motivo ligado ao credor, direta ou indiretamente, não conseguir efetuar o pagamento voluntário.
Embora o artigo 335 do Código Civil aponte em quais situações caberá a consignação, e seja fundamental para a aplicação desse procedimento, os pressupostos específicos para que tenha lugar a consignação extrajudicial estão elencados no artigo 539 do Código Processual Civil.
Tratando-se de obrigação em dinheiro, a lei faculta ao devedor o depósito extrajudicial. Também é necessário o credor ser certo e capaz, havendo, no entanto, a possibilidade do depósito extrajudicial para credor incapaz. Nesse caso, o representante legal do credor é quem daria a quitação. Entende-se, ainda, pela determinação da lei que o credor será cientificado por carta com aviso de recepção, que se faz necessário o conhecimento do endereço e dados essenciais do credor.
É necessário observar, ainda, que sendo o credor incerto ou desconhecido, será preciso recorrer à via judicial. Do mesmo modo, se houver litígio sobre a quantia depositada, o devedor deverá ingressar com a ação consignatória. Cabe, além disso, reiterar que só caberá consignação extrajudicial quando a obrigação for de pagar quantia certa, pois seria inviável a nomeação de um depositário para guardar bem móvel ou imóvel. Ademais, também não permitem consignação extrajudicial os casos de ação contra o poder público.
Resta, por fim, esclarecer quem poderá requerer o pagamento em consignação. Conforme o caput do artigo 539 do CPC, poderá requerer a consignação o devedor ou terceiro. Portanto, tem legitimidade para ser autor da ação: a) o devedor, que, em vista dos obstáculos para efetuar o pagamento, visa liberar-se do vínculo obrigacional; b) o terceiro interessado, que objetiva algum benefício jurídico; c) o terceiro não interessado, que possui apenas interesse moral, não visando benefício jurídico.
Para elucidar a diferença do terceiro interessado e do terceiro não interessado, Humberto Theodoro Junior (2017, p. 31) explica que: “A diferença está em que o interessado, após a consignação, irá sub-rogar-se nos direitos e ações do credor quitado frente ao devedor, o que não ocorrerá com o terceiro não interessado.”
Satisfeita a discussão a respeito do cabimento da consignação, será abordado posteriormente como deve ocorrer o procedimento pela via extrajudicial para que se cumpra a obrigação.
3.3 PROCEDIMENTO
O artigo 539 do CPC confere ao devedor, em caso de obrigação em dinheiro, a possibilidade de realizar a consignação de forma extrajudicial por depósito bancário, na tentativa de evitar o procedimento judicial e liberar-se de forma mais célere da obrigação.
Como já mencionado anteriormente, a consignação extrajudicial é uma faculdade do devedor, ou seja, o devedor não é obrigado a fazer uso dessa via, mas pode utilizá-la para tentar evitar a via judicial, ainda que não tenha certeza se o credor aceitará ou não o depósito, pois, caso ele aceite, a obrigação terá sido cumprida sem a necessidade do processo judicial.
Portanto, realizar o depósito extrajudicial é opção do devedor, mas caso ele o faça, deverá observar as determinações previstas em lei para que o pagamento seja válido, por força do artigo 336 do Código Civil:
Art. 336. Para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento.
O artigo 539 do Código de Processo Civil, em seu parágrafo 1º, diz que no caso de obrigação em dinheiro “poderá o valor ser depositado em estabelecimento bancário, oficial onde houver, situado no lugar do pagamento.” Observa-se, assim, o primeiro critério para o procedimento da consignação extrajudicial: o depósito deverá ser feito em bancos oficiais, caso tenha, e a instituição bancária deve ser localizada no mesmo lugar determinado como local de pagamento da obrigação. No entanto, caso o município não tenha bancos oficiais, o artigo 1º, parágrafo 2º, da resolução Nº 2.814 do Banco Central do Brasil determina que o depósito poderá ser feito nos bancos múltiplos com carteira comercial e bancos comerciais, privados, bem como nas coorporativas de crédito que recebam dinheiro à vista. A resolução prevê, ainda, que se no município onde o pagamento é devido não houver instituição autorizada a receber o depósito, o devedor poderá fazê-lo em instituição localizada em município próximo.
Tanto o depositante, para a abertura da conta de depósito, como o credor, quando retirar o depósito, deverão fornecer à instituição financeira seus dados cadastrais, e, caso o depósito seja realizado por terceiro, compete ao depositante à responsabilidade de fornecer os dados de identificação do devedor. Além disso, a conta de depósito de consignação em pagamento só poderá receber recursos com essa finalidade, e, para que o depositante consiga abrir a conta, será necessário informar o objeto da dívida e os dados do credor, bem como o endereço deste, para que a notificação seja enviada.
No caso de prestações sucessivas, a resolução do BACEN determina que os depósitos poderão ser feitos mediante uma única identificação das partes, mas que é necessária, a cada depósito, a identificação de qual prestação se refere.
Tratando-se do depósito extrajudicial, destaca-se a figura do gerente do banco como autoridade principal, uma vez que cabe ao devedor dirigir correspondência ao gerente da instituição informando os motivos da consignação e requerendo a cientificação do credor. Como destaca o jurista Elpídio Donizetti (2020): “Você deve dizer por que está consignando o que entende devido e não o que o credor exige, mas, com o depósito, pretende quitar a integralidade da obrigação.” Adotando essa postura, o devedor pretende esclarecer possíveis divergências em relação aos requisitos do pagamento e da quantia que almeja quitar.
Uma vez realizado o depósito, a instituição financeira irá expedir, em até dois dias, a notificação para o credor, que conterá a finalidade da notificação, a identificação do devedor e do objeto da dívida, bem como a informação de que, caso o credor não se apresente na instituição financeira em até dez dias, ou caso retire o depósito dentro do prazo, o devedor estará liberado da obrigação. A resolução do BACEN determina, ainda, que o credor será informado que o depósito refere-se ao valor integral, não sendo admitido o recebimento com ressaltas. Entende-se, assim, que, via de regra, a aceitação ou a recusa não admite condição. No entanto, é possível que, diante da manifestação do credor sobre a insuficiência do depósito, o devedor o complemente. O procedimento no qual o banco cientifica o credor do depósito feito pelo devedor recebe o nome de cientificação, e, a partir do retorno do aviso de recebimento, inicia-se a contagem do prazo de dez dias para a manifestação do credor.
Ao proceder com o depósito consignatório na instituição financeira, os juros de mora contra o devedor ficam suspensos, tendo em vista o caráter suspensivo da consignação extrajudicial. Esse tema, no entanto, será abordado mais afundo posteriormente quando forem discutidos os efeitos do depósito extrajudicial.
Após a cientificação, e decorrido o prazo de dez dias, caso o credor não tenha manifestado recusa, ou caso realize a retirada do depósito, o devedor estará liberado da obrigação. Nessa hipótese, compete ao banco fornecer declaração constando o objeto e a data da consignação, bem como a data da juntada do aviso de recepção e a ausência de recusa formal, ou a data da retirada dos depósitos, caso o credor assim faça.
É necessário observar, no entanto, que apesar do artigo 539, CPC, demonstrar que a inércia do credor gera automaticamente a liberação do devedor da obrigação, o STJ, por meio do AgRg no REsp 1.393.135/DF, entendeu que essa liberação não é imediata “quando os elementos dos autos levarem a conclusão diversa ou não forem suficientes para formar o convencimento do juiz”.
Por outro lado, se o credor, dentro do prazo legal, apresentar recusa, o banco irá notificar o depositante, dentro de um dia útil, para que possa propor ação de consignação em pagamento, no prazo de um mês, caso em que a prova do depósito e da recusa servirá para instruir o pedido. Uma vez proposta a ação, os depósitos realizados assumem caráter de depósitos judiciais.
Decorrido o prazo para a propositura da ação, caso ocorra inércia do devedor, os depósitos ficarão à disposição deste para que os levante. Nessa hipótese, os efeitos da mora serão restaurados, tendo em vista que extingue-se o efeito suspensivo do depósito.
Ressalta-se, conforme disposto na resolução do BACEN, que a instituição financeira poderá requerer ressarcimento, em vista das despesas de postagem, elaboração de documento, ou de outras despesas que venha a ter com o procedimento.
Compreendido o procedimento da consignação extrajudicial, será objeto de discussão os efeitos do depósito, tendo em vista cada uma das posturas que o credor pode assumir diante da notificação da instituição financeira para que este se manifeste.
3.4 EFEITOS DO DEPÓSITO EXTRAJUDICAL
Inicialmente deve-se compreender o efeito suspensivo do depósito extrajudicial. Por força do artigo 540, CPC, a partir da data do depósito, cessam para o devedor os juros e os riscos. Portanto, a partir do momento em que devedor realiza o depósito consignatório, os juros de mora ficam suspensos, ou seja, não irão continuar aumentando com o correr do tempo, uma vez que o devedor está tentando cumprir a obrigação, e para tanto, só se faz necessária a manifestação do credor. Se a mora voltará a incidir ou não, contudo, depende da postura do credor diante da cientificação. Caso o credor levante o depósito ou se mantenha inerte, os juros de mora serão extintos juntos com a obrigação. Por outro lado, se o credor recusar o depósito, o devedor terá o prazo de um mês para propor a ação de consignação, ou os juros voltarão a correr.
Sendo assim, uma vez realizado o depósito consignatório, o credor, dentro do prazo de dez dias, poderá adotar uma das seguintes posturas: a) levantamento do valor depositado; b) inércia; c) recusa formal.
O levantamento do valor depositado deverá ocorrer antes que o prazo estabelecido se encerre. Se o credor agir dessa forma, a dívida terá sido quitada e devedor estará livre da obrigação.
Já se o credor manter-se inerte, o silêncio será qualificado como aceitação e o devedor, via de regra, ficará livre da obrigação.
Se o credor, por outro lado, apresentar recusa, que deverá ser feita por carta escrita endereçada à instituição financeira, o devedor terá ainda um mês, sem que incidam os juros de mora, para ingressar na via judicial. No caso de recusa, entendese adequado que o credor apresente ao devedor os motivos da recusa, e, se o entendimento do credor for de que o depósito está incompleto, pode levantar a quantia já depositada, bem como indicar a quantia que falta, para que o devedor complete.
A resolução do BACEN sobre a consignação extrajudicial estabelece, em seu artigo 3º, de quem ficará à disposição o depósito, diante de cada uma das posturas do credor.
Art. 3º Acolhido o depósito de consignação em pagamento, este fica à exclusiva disposição:
- do credor, caso não seja recebida, pela instituição financeira, a recusa formal referida no art. 4º, parágrafo único, inciso II, alínea "a";
- do depositante, após recebida, pela instituição financeira, a recusa formal referida no inciso anterior;
- do juízo competente, após proposta a ação de consignação em pagamento referida no art. 6º, prevista pela legislação em vigor.
Como observado, ocorrendo a inércia do credor, o depósito ficará à disposição deste para que o retire, tendo em vista que o silêncio será tratado como aceitação tácita. Se o credor apresentar recusa formal, o depósito ficará à disposição do depositante, pois não terá eficácia de cumprimento da obrigação, devendo o devedor ingressar com a ação consignatória, e, tendo sido proposta a ação pelo devedor, o depósito ficará à disposição do juízo competente, uma vez que assumirá caráter de depósito judicial.
A respeito desse tema, há entendimento do Superior Tribunal de Justiça que reconhece como responsabilidade do devedor, e não do banco, a comprovação perante à instituição bancária do ajuizamento da ação de consignação, em virtude do parágrafo único do artigo 6º da resolução do BACEN, para que os depósitos assumam caráter de depósitos judiciais diante da instituição financeira, e assim, o regime de depósito em caderneta de poupança passe a incidir. Do mesmo modo, conforme a ementa: “Do só fato da expedição de mandado judicial de levantamento da importância depositada não se infere o conhecimento, pela entidade bancária, do ajuizamento da ação de consignação judicial.”
Portanto, se o devedor, diante da recusa do depósito pelo credor, decidir ingressar com a ação consignatória, cabe a ele informar à instituição financeira da propositura da ação, para que o depósito realizado passe a receber tratamento de depósito em caderneta de poupança, incidente sobre os depósitos judiciais.
3.5 A EFICÁCIA DA CONSIGNAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Muito se falou, ao longo deste trabalho, sobre a consignação extrajudicial ser faculdade do devedor. Tal insistência não foi em vão. É necessário que se perceba que o devedor em momento algum será compelido a optar pelo depósito extrajudicial. Pelo contrário, o devedor só buscará a via extrajudicial se assim quiser, tendo em vista que, se achar não ser viável, poderá ingressar com a ação consignatória.
No entanto, é inegável a morosidade e a onerosidade que um procedimento judicial acarreta, em relação ao extrajudicial. Por esse motivo, tem-se observado a aderência ao que os doutrinadores denominam de desjudicialização - ou extrajudicialização, como entende Jean Karlo Mallman4 (2023).
O fenômeno da desjudicialização compreende a utilização de vias alternativas para solucionar conflitos, sem que seja necessário o ingresso na via judicial. O incentivo à desjudicialização decorre da tentativa de amenizar a situação de sobrecarga do sistema judiciário brasileiro. No entanto, optar por uma resolução de forma extrajudicial é, também, uma maneira de economizar tempo e dinheiro, e ainda assim ter o conflito solucionado.
Dessa forma, a consignação extrajudicial apresenta-se como uma alternativa para o devedor que, embora possa ingressar com a ação consignatória, prefere optar por uma via mais célere e menos onerosa.
Ao analisarmos o exposto, subentende-se que a consignação extrajudicial é de eficácia absoluta. Contudo, não é possível tal afirmação, tendo em vista que em alguns casos essa via alternativa não é recomendada, nem muito menos eficaz. É preciso observar, portanto, quais as situações que aceitam a consignação extrajudicial, bem como atender aos requisitos para que tal via tenha eficácia.
Dessa maneira, assim como observado ao tratar-se das situações autorizadoras da consignação em pagamento extrajudicial, nos casos de credor incerto ou desconhecido, bem como quando a obrigação não for de pagar quantia certa, ou ainda, em ações contra o poder público, não é indicado, e nem mesmo cabível, o procedimento extrajudicial.
Apesar disso, conforme ensina Elpídio Donizetti (2020), por mais que algumas situações não comportem a consignação extrajudicial, sempre que o devedor enxergar a possibilidade de aceitação do depósito por parte do credor, deve-se optar por essa via, que é muito favorável para o devedor, e também para o credor, que muitas vezes prefere evitar a demanda.
Uma vez optando pelo depósito extrajudicial, o devedor deve observar os requisitos do procedimento previstos pelo artigo 539, CPC, e pela resolução nº 2.814, BACEN, para que o depósito tenha eficácia de extinguir a obrigação. Devendo obedecer as determinações em relação à pessoa, objeto, modo e tempo, conforme estabelece o artigo 336 do Código Civil, para que o depósito tenha eficácia de pagamento.
Dessa maneira, para que a consignação extrajudicial produza efeitos satisfatórios para a extinção de uma obrigação, é mister que sejam observados os critérios de cabimento do depósito extrajudicial, bem como as regras do procedimento, como o depósito em instituição autorizada, a cientificação do credor, por parte do banco, e a aceitação, expressa ou tácita, do depósito pelo credor.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A quitação de uma obrigação não configura apenas um mero dever daquele que está em dívida, mas também, como entende Humberto Theodoro Junior (2017, p. 17), um direito deste, do ponto de vista que, ao não liberar-se da obrigação, o devedor continua sujeito não só à responsabilidade pelos riscos e correção monetária que a obrigação acarreta, mas também ao constrangimento pelo não pagamento.
Dessa forma, diante da dificuldade imposta, direta ou indiretamente, pelo credor, não se pode permitir que o devedor permaneça eternamente vinculado à dívida. Por essa razão, a legislação prevê uma forma alternativa do devedor, diante dos obstáculos impostos pelo credor, liberar-se da obrigação: a consignação em pagamento.
Apesar da possibilidade de realizar a consignação pela via judicial, tendo em vista o direito constitucional do acesso à justiça, é possível que o devedor, se perceber cabível, opte por uma via menos onerosa e mais célere, a via extrajudicial. Tal procedimento, derivado da oblatio e obsegnatio Romanas, provém do poder concedido pelo judiciário às instituições financeiras oficiais, e possui previsão no artigo 539 do Código de Processo Civil, sendo regulado, também, pela resolução nº 2.814 do BACEN.
Tratando-se da eficácia, ou seja, de como a realização do depósito extrajudicial pode produzir o efeito desejado - a extinção da obrigação, é importante que o devedor observe se a consignação extrajudicial tem aplicabilidade a sua situação, além de realizar o procedimento conforme a lei determina.
Apesar de ser cabível na maioria dos casos de obrigação de pagar quantia certa, existem hipóteses, como o caso de credor desconhecido, que somente a via judicial poderá atender às necessidades da demanda. Todavia, é evidente que sempre que o devedor enxergar possível a solução do conflito pelo meio extrajudicial, recomenda-se que assim o faça, pois evitará a demora e os custos de um procedimento judicial, terá o seu problema resolvido, e terá contribuído para desafogar o sistema judiciário.
Conclui-se, destarte, que, se observados os critérios de cabimento e do procedimento do depósito extrajudicial, este representa uma via eficaz para o devedor liberar-se do vínculo obrigacional, sem ter sido necessário acionar o sistema judiciário.
REFERÊNCIAS
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – procedimentos especiais. 56º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
NUNES, Dierle. STRECK, Lênio Luiz. CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo. Comentários ao Código de Processo Civil. 2º ed. Pernambuco: Saraiva, 2017.
DONIZETTI, Elpídio. A boa prática da consignação extrajudicial (Art. 539 do CPC). Gen Jurídico, 2020. Disponível em: https://blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/processocivil/boapratica-consignacao-extrajudicial/. Acesso em: 10 de jun. de 2023.
MOREIRA LUSTOSA, Adriana. Consignação em pagamento extrajudicial. Jusbrasil, 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/consignacao-em-pagamento-extrajudicial/1158849889#:~:text=A%20consigna%C3%A7%C3%A3o%20em%20pagamento%20extr ajudicial%20%C3%A9%20uma%20esp%C3%A9cie%20de%20pagamento,efeitos%20pr%C3%A1tico s%20do%20pagamento%2C%20adimplemento. Acesso em: 10 de jun. de 2023.
LEGITIMIDADE e Consignação Extrajudicial. Trilhante. Disponível em: https://trilhante.com.br/curso/acao-de-consignacao-em-pagamento/aula/legitimidade-e-consignacaoextrajudicial2#:~:text=Na%20a%C3%A7%C3%A3o%20de%20consigna%C3%A7%C3%A3o%20em,r az%C3%A3o%20da%20mora%20na%20obriga%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 10 de jun. de 2023.
WOICIECHOSKI MALLMAN, Jean Karlo. “Extrajudicialização”: o fenômeno da desjudicialização com nome certo. Migalhas, 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariaise-registrais/386827/extrajudicializacao-o-fenomeno-da-desjudicializacao-com-nome-certo. Acesso em: 10 de jun. de 2023.
BRASIL. Lei nº 13.105, de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil Brasileiro.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução nº 2.814, de 24 de janeiro de 2001.
Autor de “Extrajudicialização”: o fenômeno da desjudicialização com nome certo.︎