CONSIDERAÇÕES FINAIS
A principal deficiência do art. 166 do CTN é que esse protege o titular de um suposto direito que simplesmente não existe. Isto é, fica explícita a finalidade de criar obstáculos para a repetição do ICMS. Ademais, observa-se que o entendimento aplicado para o artigo 166 é o de tentar evitar um suposto enriquecimento ilícito do contribuinte, porém, esse também não devolve os valores aos consumidores, tudo isso, com a maldosa intenção de inflar os cofres públicos.
Nessa esfera, Andrade e Fridman (2021, p. 262) são categóricos no sentido de que tal norma “adota uma premissa jurídica falha (de que o contribuinte de fato sofreria um prejuízo ao aceitar um preço maior do que ele poderia ser), a partir de uma lógica de direito privado que é inaplicável ao direito público”.
Assim, conforme exposto anteriormente, não há lógica em se valer da doutrina econômica frente ao Direito para justificar a não devolução dos valores recolhidos a mais pelos contribuintes. Ou seja, no Direito positivo, não existe diferença entre imposto direto e imposto indireto, ainda que alguns julgadores perseverem nesse sentido.
Por conseguinte, tal norma que vigora desde 1966, e, como visto aqui, tem precedentes na jurisprudência do STF de anos anteriores, sempre causou polêmicas e desconforto na sociedade como um todo. Isso significa que qualquer homem médio se sente injustiçado com tais situações. Ora, como o Estado pode ser tão ganancioso a esse ponto?
O fato é que a tese consagrada no art. 166 do CTN é inconstitucional, simplesmente, porque não é consoante ao art. 5º, XXXV, da CF/88, surrupiando a legitimidade para pleitear os valores que estão em posse do Estado de forma indevida.
Além disso, como bem mencionado do decorrer deste artigo, o ICMS nem sempre é objeto de repercussão financeira, pois vivemos em uma economia de livre mercado, em que não há “limite” para o lucro. Logo, o consumidor final, chamado por alguns de contribuinte de fato, olha somente o preço e, entendendo como justo, compra ou não a mercadoria.
Não obstante, em relação à repercussão jurídica, como bem colocado por Hugo de Brito Machado Segundo, Alfredo Becker e outros citados, essa só se aplica para os casos em que a lei elege um sujeito passivo diferente daquele que realiza o fato tributável, o que não se aplica de forma alguma para o ICMS no regime não cumulativo.
Outrossim, quanto à falácia do enriquecimento ilícito, que nos moldes da jurisprudência atual, quem acaba experimentando é o Estado, de forma alguma o varejista padece. Logo, é indubitável que se esse vendeu mercadoria com tributo indevido embutido no preço, provavelmente, vendeu menos, portanto, em uma possível devolução desse ICMS recolhido a mais, seus custos reduziriam e, consequentemente, os preços de sua mercadoria também, o que beneficiaria a todos os consumidores, de modo geral.
Destarte, partindo da ideia de que a repercussão existe, caberia ao fisco provar a repercussão financeira do ICMS, objeto de pedido de restituição. Veja bem, trata-se de matéria de defesa, em que o Estado assume o papel de “réu”, devendo ele provar que houve a repercussão para, sendo o caso, não devolver os valores de ICMS. Diferente da justiça brasileira, a Corte de Justiça Europeia já aplica essa sistemática há tempos.
Mais incompreensível, ainda, são as vendas de varejista/supermercadista para consumidores finais que não são identificados. Com isso, é impossível solicitar autorização expressa para que esses autorizarem a restituição do ICMS indevidamente recolhido. Logo, tratando-se de uma norma impossível de ser cumprida, ad impossibilia nemo tenetur.
Portanto, a jurisprudência brasileira cria empecilhos para não restituir o ICMS indevidamente recolhido, tudo sobre o pretexto da “supremacia do interesse público”, engordando o erário, indo para um caminho diverso do que é aplicado nos países mais desenvolvidos. Nessa perspectiva, constata-se que é o momento oportuno para impulsionar os estudos e instigar toda a sociedade, principalmente advogados e juízes, para juridicamente limitarem o poder do Estado e oportunizar, assim, a quem é de direito, a repetição ou a compensação do ICMS indevidamente recolhido.
REFERÊNCIAS
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THE (IN) THE (IN)CONSTITUTIONALITY OF ART. 166 OF CTN FOR ICMS REFUND ON RETAIL SALES
Abstract: ICMS is the main source of revenue for the federative units. However, it is a tax with extremely complex legislation, as each State assigns its own rules to it. Thus, as a consequence, several companies collect ICMS more or less than what is due. This way, when the amount collected is lower, it is corrected through the infraction notices, however, when it is higher, theoretically, it would be the repetition of the undue payment. However, due to the discussion about the transfer of the burden, based on the famous article 166 of the National Tax Code, currently, neither the company nor the final consumer are able to recover the amounts collected improperly, leaving these, then, in the vault of the powerful State. Therefore, the study carried out in this work aims to demonstrate the incompatibility of such article with the Federal Constitution of 1988 and the discrepancies of the jurisprudence of the STJ.
Keywords: ICMS; Repetition of the indebted; Art. 166; Debt reversal