A condenação penal e seus efeitos para o Direito Brasileiro

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RESUMO

Quando um Estado reconhece a legitimidade das intervenções internacionais na questão dos direitos humanos e, em resposta a pressões internacionais, altera sua prática com relação à matéria, fica reconstituída a relação entre Estado, cidadãos e atores internacionais. A dignidade e a solidariedade devem nortear o ordenamento pátrio, de forma a consagrar os institutos jurídicos como instrumentos de concretização dos direitos fundamentais também na seara sucessória, já que os valores humanos e sociais devem se sobrepor aos interesses estritamente patrimoniais. Cabe discutir a possibilidade e a viabilidade da migração frente aos princípios e ao regramento constitucional e a importância do afeto e da boa-fé objetiva entre os membros da entidade familiar e os reflexos desses valores para o direito sucessório e analisar se existe simetria entre a indignidade e os efeitos condenatórios, e a qual modalidade de efeito penal a indignidade mais se assemelha. Revisar a narrativa da literatura realizada em novembro de 2023, partindo do levantamento de artigos no Google Scholar por meio dos descritores “Efeito secundário da condenação penal”, “Condenação”, “Processo penal”, “Estigmatização”. Produzir uma nova teoria para a exclusão sucessória, que se encaixe com perfeição ao ordenamento jurídico, de forma a não deixar pontas soltas que possam transformar-se em objetos de questionamentos, debruçou-se durante à pesquisa em três diferentes assuntos de grande relevância para a proposta da tese, a exclusão, a liberdade e a reabilitação ao infrator. Este trabalho discute os efeitos extrapenais resultantes da condenação, assim como o que acontece com o condenado pós-cumprimento da pena.

Palavras- Chaves: Condenação. Intervenções. Ordenamento Pátrio. Patrimoniais

INTRODUÇÃO

A condenação é um ato do Poder Judiciário, uma vez que este possui competência para aplicar uma sanção penal ao agente culpável e dito responsável por um fato típico e ilícito. Tal ato de censura gera consequências jurídicas que produzem efeitos penais e extrapenais ao condenado. (SILVA, p.7, 2022).

Estas implicações secundárias provenientes da sentença podem ser penais ou extrapenais, sendo no primeiro caso, por exemplo, o impedimento ou revogação do sursis, a revogação de livramento condicional ou de reabilitação, o lançamento do nome do réu no rol dos culpados, a possibilidade de torná-lo reincidente se já foi condenado anteriormente, entre outros. No segundo, caracterizam-se os encargos que se dão fora da esfera penal, ou seja, incidindo no âmbito cível, administrativo, político, trabalhista (NUCCI, p. 623, 2015).

Destarte, o dano causado à vítima, deverá ser ressarcido por meio de ação civil, ato que compete ao juízo cível e não ao criminal, que julgou condenado ou inocente o réu. Existe autonomia entre os juízos, visto que o ordenamento jurídico segue a independência entre ambos, para que, assim, as demandas extrapenais não atrasem o processo penal. (PRADO, p.611, 2008).

Assim, tem-se que a reabilitação busca a reinserção social do condenado, declarando que este cumpriu as penas a ele aplicadas ou que estas foram extintas por outro motivo qualquer, reintegrando-o à condição jurídica que ocupava antes da prolação da sentença. Deste modo, o reabilitado tem o direito de restaurar a sua dignidade e o livre exercício da sua cidadania, que lhe foram retirados por sentença condenatória. (SILVA, p.7, 2022).

  1. EFEITOS DA CONDENAÇÃO

Inicialmente, percebe-se que, com o cometimento de um fato delituoso e, consequente, sentença condenatória pela prática deste, existem implicações que a acompanham, são os chamados efeitos secundários, mediatos, reflexos, acessórios ou indiretos, subdividindo-se, ainda, em penais ou extrapenais (NUCCI, 2015, p. 622; MASSON, 2014, p. 1173).

Estas implicações secundárias provenientes da sentença podem ser penais ou extrapenais, sendo no primeiro caso, por exemplo, o impedimento ou revogação do sursis, a revogação de livramento condicional ou de reabilitação, o lançamento do nome do réu no rol dos culpados, a possibilidade de torná-lo reincidente se já foi condenado anteriormente, entre outros. No segundo, caracterizam-se os encargos que se dão fora da esfera penal, ou seja, incidindo no âmbito cível, administrativo, político, trabalhista (NUCCI, p. 623, 2015).

Bitencourt leciona que a sanção penal, ou seja, a pena ou a medida de segurança, “é a consequência jurídica e imediata da sentença penal condenatória”. Entretanto, existem outras medidas extrapenais que decorrem da condenação, são os ditos efeitos genéricos e específicos, elencados nos artigos 91 e 92, respectivamente, do Código Penal (BRASIL, p. 245,2009).

  1. INABILITAÇÃO

O art. 92 do Código Penal, por sua vez, preceitua uma sanção jurídica, mas não penal, haja vista que visa consequências que possuem caráter meramente extrapenal. São sanções que não buscam retribuir, mas sim prevenir, pois “inviabilizam a manutenção de situações que propiciam a prática do fato delituoso, assim o desestimulando” (NUCCI, p. 622, 2015).

Assim, tem-se que, além dos efeitos penais e extrapenais genéricos da condenação, o art. 92 do Código Penal elenca outros efeitos da condenação. Primeiramente, no inciso I, trata da perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, sendo que, na alínea a, prevê o que ocorrerá quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública. (SILVA, p.7, 2022).

Para Lopes “os efeitos específicos são penas acessórias mascaradas de efeitos de condenação”, pois não produzem efeitos automáticos na sentença condenatória, necessitam de declaração do juiz (1999, p. 241)

Em contrapartida, Nucci assevera que “é mais apropriado falar em ‘efeitos da condenação’ do que em ‘penas acessórias’, além de se evitar sempre a impressão de estar o Estado conferindo ao condenado duas penalidades pelo mesmo fato a principal e a acessória, num abrigo ilógico para o malfadado bis in idem” (2015, p. 623)

. Vale a ressalva de que, para preencher este requisito, é indispensável que a infração seja praticada com abuso de poder ou violação de dever na atividade pública. Além disso, a perda da função não abrange qualquer cargo, função ou atividade exercida pelo condenado, mas somente àquela no qual praticou abuso, isto porque a interdição recai sobre a ação criminosa (BITENCOURT, p. 830, 2012).

Diante das jurisprudências expostas, constata-se a importância do Poder Judiciário na efetividade da aplicação dos efeitos específicos aos casos concretos, uma vez que estes efeitos não incidem automaticamente. O Juiz, no exercício das funções que o Estado lhe concede, impõe consequências características e especiais, que se aplicam a determinadas ocorrências. (SILVA, p.9, 2022).

  1. REABILITAÇÃO

Superada a temática dos efeitos da condenação, convém citar que, enquanto na França a reabilitação foi implantada na legislação penal em 1791, no Brasil isto somente ocorreu em 1890, sendo posta a princípio como forma de extinguir a condenação. O réu que – “em consequência de revisão extraordinária da sentença condenatória” – restava inocente, reavia todos os direitos perdidos e buscava indenização pelos prejuízos decorrentes da condenação (PRADO, 2008, p. 614).

Atualmente, a reabilitação é um instituto autônomo, haja vista que não possui causa extintiva de punibilidade, mas sim suspensiva, já que esta pode ser restabelecida, se houver revogação do benefício concedido (PRADO, 2008, p. 615).

Essa concepção gerou a chamada “ideologia de tratamento”, a utilização dos modelos terapêuticos ao extremo, no âmbito da execução penal. “Tal ideologia gerou, em diversos países, sanções penais ou mesmo não-penais atentatórias da dignidade individual e, portanto, ofensivas ao Estado Democrático de Direito” (RIBEIRO, 2008, p. 82).

Durante a década de setenta, houve uma quebra de concepção e uma mobilização por meios éticos de tratamento. “A nova concepção de reintegração social nasceu, portanto, da constatação das deficiências da concepção anterior, que se caracterizava sobretudo pela índole imperativa essa que negava aos condenados a faculdade do livre-arbítrio e o direito de ser diferente” (RIBEIRO, 2008, p. 88).

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Todo e qualquer fim preventivo especial positivo deve então repousar no livre-arbítrio de quem cumpre a pena privativa de liberdade. Cabe ao Estado fornecer meios adequados, para que se alcance a reinserção social e restringir a atuação de meios externos na formação de convicção do detento, por exemplo, a influência de facções criminosas, que podem auxiliá-lo na imersão na criminalidade. (COSTA, p. 51, 2015).

E quanto aos que querem ser readaptados ao meio social e reduzirem os estigmas causados pelo processo penal e pela reprimenda imposta, como o Estado poderia auxiliá-los? A resposta está no quadripé da reintegração: religião, educação, apoio familiar e trabalho. (COSTA, p. 56, 2015).

PRESSUPOSTOS E REQUISITOS PARA REABILITAÇÃO

Para a admissibilidade do pedido de reabilitação são necessários dois pressupostos:

A condenação irrecorrível e o decurso do prazo de dois anos, contado a partir da extinção da pena ou do término de sua execução, conforme se estabelece no artigo anterior.

A proposição principal é de que tenha havido condenação transitada em julgada, pois, sem esta, haverá carência de ação. Da mesma forma é imperativo o pressuposto temporal, isto é, o transcurso dos dois anos. Observando que o prazo só começa a contar a partir da data de extinção da pena em se tratando de pena de multa, o tempo iniciará contar da data do pagamento desta e não da decisão do juiz (BITENCOURT, 2012, p. 838).

Ressalta se que, não sendo revogado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, será possível computá-los nos 2 (dois) anos. Também convém destacar que, por mais que se ultrapasse este tempo, não havendo esgotado o prazo dos sursis ou da liberdade condicional, não poderá ser concedida a reabilitação, somente depois de concluídos esses benefícios (PRADO, 2008, p.616).

No que atine aos pressupostos, finalmente, note-se que, diferente do que acontecia no texto original do Código Penal de 1940, não mais se distingue o tempo destinado a reabilitação entre reincidentes e não reincidentes (PRADO, 2008, p.616).

Passo avante, veja-se que, no que diz respeito aos requisitos, o art.94, inciso I, do Código Penal, prevê que, os dois anos que faz referência o caput, é uma exigência de que, neste prazo, o domicílio seja em solo brasileiro. Bitencourt trata este requisito como uma exigência indevida e dispensável, diante da liberdade de ir e vir ou direito de locomover-se (2012, p. 838).

No segundo inciso a exigência recai sobre o dever de o condenado demonstrar, durante o tempo dos dois anos, efetivo e constante bom comportamento público e privado. Contudo, veja-se que a exigência de efetiva demonstração, na verdade, não deve ser somente nos dois anos, mas também durante toda a mediação da reabilitação (BITENCOURT, 2012, P. 838). Zaffaroni e Pierangeli fazem menção à constitucionalidade duvidosa do inciso, pois a justiça não tem o direito de interferir na vida particular dos indivíduos (2011, p. 705).

O terceiro e último requisito para a reabilitação é o ressarcimento do dano ou a comprovação de sua impossibilidade de fazê-lo, situação na qual ficará o condenado desobrigado de ressarcir o dano causado. Com este requisito, com adoção de multa reparatória, a lei, mais uma vez, demonstra uma preocupação para com a vítima do delito (BITENCOURT, 2012, p. 839). O dano deverá ser reparado, da melhor e mais aperfeiçoada forma possível, incluindo, quando houver, juros e correção monetária (MIRABETE; FABBRINI, 2011, p. 343).

Apesar disso, Zaffaroni e Pierangeli concluem que este dispositivo não tem relevância, pois, em se tratando de delitos em que não há reparação (2011, p. 705), “quando o crime não causar prejuízo o que pode ocorrer em alguns casos, alguns crimes de perigo, não há que se exigir tal requisito do condenado” (Nucci, 2015, p.634).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, oportunamente constatou-se que os efeitos decorrentes da condenação, após sentença irrecorrível, de maneira direta ou indireta, atingem a vida do condenado. A natureza extrapenal da qual tratamos neste artigo, repercute em uma esfera, não criminal, e sim, cível, política e administrativa, incidindo sobre o condenado, efeitos genéricos e específicos, os quais podem ou não ser proferidos em sentença transitada em julgado, sendo que quando não são pronunciados pelo Estado-Juiz, advém automaticamente (genéricos), caso contrário são impostos aos fatos determinados (específicos). (SILVA, p.7, 2022).

O agente está condenado, a mídia o rotula como tal – às vezes até ampliando os fatos – ele não tem perspectiva de sair da prisão, por algum motivo considerou sua defesa fraca, facções dominam o presídio, esses são inúmeros fatores que contribuem para que o condenado desacredite na sua reintegração e passe a se ver da forma com que os outros o veem: como um eterno desviante. (COSTA, p. 71, 2015).

Nessa pesquisa, a ligação íntima entre o devido processo e a própria dignidade humana, de um lado, será confrontada com os limites de atuação da parte, num contexto que necessariamente inserir-se-ia no conteúdo da revelia processual penal, nas respectivas consequências desse conteúdo, e em como alguns atos e atores processuais poderiam receber punições endoprocessuais. (JÚNIOR, 2014.)

REFERÊNCIAS

Silva, B. de L., Pereira, A. D., Lima, D. G. de, & Lima, E. P. de. (2016). Dos efeitos da condenação e da reabilitação: uma análise acer das implicações da sentença condenatória e da eficácia da reabilitação. Revista Da Faculdade De Direito De São Bernardo Do Campo,22(1). Recuperado de https://revistas.direitosbc.br/fdsbc/article/view/853, acesso em nov de 2023.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 1: Parte Geral, arts. 1.º a 120. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Apelação Crime Nº 70027497270, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 19/02/2009.

LOPES, Jair Leonardo. Curso de Direito Penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, v.1: Parte Geral.9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, v.1:Parte Geral, arts. 1º a 120 do CP. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Ryan Braga Cândido

Acadêmico do curso de Direito da Faculdade Católica Santa Teresinha em Caicó/RN.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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