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Punição do condenado na perspectiva de vigiar e punir de Michael Foucault

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A perspectiva de Foucault destaca a importância do poder e do conhecimento na punição do condenado, questionando as formas tradicionais de castigo e enfatizando a necessidade de uma abordagem crítica e reflexiva para entender e reformar o sistema penal.

RESUMO: Introdução: Este artigo explora a abordagem de Michel Foucault na obra "Vigiar e Punir" sobre a punição do condenado. Objetivo: Analisar como Foucault descreve a evolução das práticas punitivas na sociedade moderna. Método: Revisão bibliográfica e análise crítica da obra de Foucault, com foco nas transformações das estruturas de poder e controle. Resultados principais: Foucault demonstra que a punição evoluiu de métodos físicos para técnicas disciplinares, promovendo o controle social através da vigilância e normalização. Conclusão: A perspectiva de Foucault destaca a importância do poder e do conhecimento na punição do condenado, questionando as formas tradicionais de castigo e enfatizando a necessidade de uma abordagem crítica e reflexiva para entender e reformar o sistema penal.

Palavras-chave: Custódia; Direitos Fundamentais; Michel Foucault; Punição.


INTRODUÇÃO

A punição do condenado é um tema de profundo interesse na área da criminologia e da filosofia política. Este artigo buscou explorar essa questão sob a perspectiva do renomado pensador Michel Foucault, cuja obra "Vigiar e Punir" oferece uma análise penetrante das transformações das práticas punitivas ao longo da história. Foucault argumentou que a punição não é apenas um meio de retribuição, mas também um mecanismo de controle social que reflete as estruturas de poder e o conhecimento dominante em uma sociedade. Neste contexto, destacou as mudanças nas técnicas e nos propósitos por trás da punição ao longo do tempo (Silva, 2023).

Além disso, examinamos as implicações do conceito foucaultiano de "vigilância" na punição do condenado. A teoria de Foucault sugere que a vigilância constante é um instrumento essencial de controle social. Sua análise proporcionou uma compreensão mais aprofundada de como a sociedade contemporânea lida com os condenados e das implicações desse controle para a liberdade individual. A disciplina se transforma em uma forma de sanção normatizadora com uma vigilância hierárquica, fortalecendo os poderes das instituições e efetivando o controle sobre os indivíduos. Ao explorar esses elementos, buscamos contribuir para uma compreensão mais profunda das dinâmicas por trás da punição do condenado e promover discussões críticas sobre as práticas punitivas em nossa sociedade (Barros, 2022).

As práticas humanas reprovadas socialmente são motivo de punição em todas as civilizações de que se tem notícia. O que variou na história do mundo foi a maneira como os “castigos” foram aplicados. Por muito tempo, as leis possuíram cunho religioso, dando ao réu o peso de ser alcançado pela “mão divina”, como resposta às suas atitudes pecaminosas/criminosas (Foucault, 1975).

O processo penal sob a perspectiva de punir entrou no campo da consciência. Principalmente, na Idade Média avançando em suas intensidades punitivas administradas pela justiça do rei, as execuções das penas simbolizavam os castigos. O corpo recebia o exemplo de punição, simbolizava as verdades apuradas dos administradores do rei, o direito eram suas chagas esmiuçadas sobre as rodas e carroças demonstradas em praças públicas para que todos pudessem ver o sofrimento físico cerimonias costumasses (Foucault, 1975).

Foucault explicou ainda que a dissolução da unidade entre Deus e o juiz, Igreja e Estado, refletiu as mudanças nas estruturas de poder e controle social na sociedade moderna. Em vez de depender exclusivamente de valores religiosos e morais, a justiça passou a ser influenciada por considerações políticas, econômicas e sociais. O Estado passou a desempenhar um papel central na administração da justiça, e a igreja perdeu grande parte de sua influência sobre a moral e a punição (Gesueli, 2020).

O olhar retroativo sobre a aplicação penal é importante para compreender as raízes do processo penal e do direito penal atualmente adotado pela sociedade contemporânea. A partir da obra de Foucault, foram identificados nos dias atuais, resquícios do pensamento que fundamentava a punição naquele momento histórico. Talvez as mudanças de castigos físicos para privação de liberdade tenham entre si algumas semelhanças (Trindade, 2020).

Neste artigo foi avaliada a aplicação do direito sob a perspectiva histórica, a fim de promover uma interpretação madura e filtrada das normas jurídicas. Para isso, o desenvolvimento deste texto foi apresentado nas seguintes sessões: 1) Punição do condenado sob a Perspectiva de Michael Foucault; 2) A origem das punições; 3) A punição na história das civilizações e, finalmente, 3) A atualidade punitiva brasileira.

PUNIÇÃO DO CONDENADO SOB A PERSPECTIVA DE MICHAEL FOUCAULT

A perspectiva de Michel Foucault sobre a punição tem raízes profundas em sua análise da sociedade e do poder. Para Foucault, a punição desempenhava um papel fundamental no controle social, influenciando de maneira sultil, mas significativa, as normas e comportamentos individuais e coletivos. Em seu livro 'Vigiar e Punir', Foucault argumentou que a punição não se limita às prisões e aos sistemas judiciais tradicionais, mas vai, além disso.

Na obra de Michel Foucault, ele explorou a distinção entre as práticas de punição, especificamente entre os suplícios e a rotina da Casa dos Jovens Detentos em Paris. Ele destacou a evolução dos métodos de castigo aplicados aos infratores ao longo de três décadas, marcando uma transição significativa. No passado, essas práticas eram predominantemente físicas, incluindo torturas públicas, como uma forma de demonstrar o poder do Estado e dissuadir o crime. Ao longo do tempo, observou-se uma mudança no sistema penal, onde as formas de punição deixaram de se basear predominantemente na violência física, passando a adotar abordagens mais sutis. Paralelamente, emergiu uma "nova justificação moral ou política do direito de punir," como enfatizado por Foucault (1987, p. 12). Essa fundamentação afastou-se da simples retribuição pela transgressão individual, passando a concentrar-se na disciplina e no controle social.

Essa mudança na abordagem penal marcou o declínio da natureza teatral e ostensiva da punição pública. Em vez disso, as penas passaram a visar a suspensão de direitos e a regulação do comportamento, sem necessariamente infligir dor física direta. As prisões se tornaram um elemento central desse novo sistema, assim como o trabalho forçado, como formas de exercer controle sobre os corpos dos condenados, embora de maneira mais sultil e insidiosa.

O trabalho de Foucault foi fundamental para a compreensão das mudanças nas práticas de punição ao longo da história e como o poder era exercido sobre os indivíduos através das instituições sociais. Isso influenciou estudos subsequentes sobre o sistema penal e o controle social.

O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos. Se a justiça ainda tiver que manipular e tocar o corpo dos justiçáveis, tal se fará à distância, propriamente, segundo regras rígidas e visando a um objetivo bem mais ‘elevado’ (Foucault, 1987, p. 15).

No início do século XIX segundo Foucault (1987), inicia-se a chamada sobriedade punitiva, definida por ele como sendo:

Momento importante. O corpo e o sangue, velhos partidários do fausto punitivo, são substituídos. Novo personagem entra em cena, mascarado. Terminada uma tragédia, começa a comédia, com sombrias silhuetas, vozes sem rosto, entidades impalpáveis. O aparato da justiça punitiva tem que ater-se, agora, a esta nova realidade, realidade incorpórea. (Foucault, 1987, p. 20)

O autor defendeu que a justiça tomou para si o objetivo de julgar e decidir não somente sobre o crime, mas sobre o futuro do criminoso. Isto porque passou-se a controlar diversos direitos e condutas, buscando garantir que o comportamento delituoso do indivíduo não se repetiria, tentando sua completa recuperação, e usando para isso diversas áreas do saber científico, como “a medicina e a psiquiatria e a psicologia” (Meireles; Nogueira, 2015, p. 97).

De acordo com as análises de Foucault (1987), a transição para o final do século XVII marcou uma significativa mudança na natureza dos delitos mais frequentes, que passaram a ter um caráter patrimonial. Essas infrações, direcionadas aos bens materiais, impactaram diretamente a burguesia da época, que detinha propriedades, meios de produção e seus produtos, resultando numa reconfiguração das ilegalidades à medida que o capitalismo avançava (Foucault, 1987). Nesse contexto, desenvolveu-se o que Foucault conceitua como tecnopolítica da punição, uma economia de poder punitivo que procura estabelecer parâmetros e justificativas para fundamentar as decisões punitivas. Para o autor, "a relação entre a pena e a gravidade do delito é determinada pela influência que o pacto violado exerce sobre a ordem social" (Foucault, 1987, p. 113).

Uma das funções da penalização, talvez a principal, era prevenir o cometimento de novos crimes. Isso porque existiam muitos casos em que a reparação do dano era impossível, como nos casos de homicídio. Para essas situações, o castigo era uma reprimenda que se pretendia, exemplar e preventiva. No entanto, não se buscava no ato de punir uma repetição do crime cometido, pois não se tratava da velha Lei de Talião, “olho por olho, dente por dente”. O desafio da reforma penal do século XVIII foi encontrar alguma relação de proporcionalidade, um tipo de classificação que fizesse sentido ao conceito de justiça.

Junto a isso somava-se a necessidade de publicidade dos atos judicias, assegurando à sociedade o direito de saber as razões de condenação ou absolvição de qualquer pessoa, bem como seus critérios. Surgiu então, como projeto político, a classificação das ilegalidades, a função punitiva indiscriminada (generalizada) e a limitação do poder de punir (Foucault, 1987, p. 121). Para essa realidade requereu-se a definição objetiva de crime e criminoso, segundo a análise de Foucault, que descreveu também uma nova política punitiva do corpo.

A partir do Capítulo II, a obra de Foucault (1987, p. 124) expôs aspectos objetivos do que ele chama de mecânica das punições. O principal deles era a especialidade da pena, que considerava as peculiaridades de cada crime, separando também as penalidades a serem aplicadas em conformidade com o que a justiça da época considerava razoável. A ideia passou a ser evitar uniformidade na aplicação de castigos decorrentes da prática de ilícitos. Ocorre que a prisão representava o contrário disso, ela tornava igualitária a condição dos indivíduos que, independentemente do ilícito praticado, tinha como preço a pagar a perda da liberdade.

A pena foi individualizada somente no que tange à intensidade regressiva que se aplicava, de acordo com a gravidade do crime. Nesse sentido, o tempo era o principal agente da pena.

Foucault sustenta que a punição não era apenas uma forma de reprimir comportamentos indesejados; se tratava também de uma ferramenta que contribui para a produção de conhecimento e subjetividade. Através da vigilância constante e do exercício do poder, a sociedade moldava as normas e valores que definiam o que era considerado desviante e, portanto, punível. Assim, a punição não apenas castigava o infrator, mas também o transformava em objeto de estudo e controle.

Além disso, Foucault observou que a punição não se limitava à retribuição; ela também envolvia controle e correção. Ele argumentou que as instituições disciplinares, como escolas, hospitais e prisões, exercem um poder disciplinador sobre os indivíduos, influenciando seus comportamentos de acordo com as normas sociais. Essa forma de punição é mais insidiosa, pois busca a normalização e a conformidade (Cruz, 2022).

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Foucault destacou ainda a intrínseca conexão entre a punição, o sistema de justiça e o exercício do poder estatal. Ele explicou que o sistema de justiça não apenas punia os indivíduos, mas também legitimava o poder do Estado e reforça sua autoridade sobre a sociedade. A punição, portanto, atuava como uma ferramenta de manutenção do status quo e da hierarquia de poder (Cruz, 2022).

Foucault desafiou a ideia de que a punição era sempre necessária para manter a ordem social. Ele questionou a eficácia da punição na prevenção do crime e na reabilitação dos infratores, sugerindo que, em muitos casos, ela poderia ser contraproducente. Em vez de aceitar a punição como um dado, Foucault nos convidou a questionar suas bases e a examinar como ela opera como um mecanismo de controle e poder na sociedade.

A perspectiva de Michel Foucault sobre a punição enfatiza seu papel na construção do conhecimento, na disciplina dos indivíduos e na manutenção do poder estatal. Ela nos convida a questionar a natureza da punição e a considerar suas implicações mais amplas na sociedade e no exercício do poder.

A origem das punições

Michel Foucault ofereceu uma perspectiva intrigante sobre a origem das punições, enfatizando como elas estão intrinsecamente ligadas ao exercício do poder e à evolução das estruturas de controle social ao longo da história.

Foucault introduziu o conceito de "governamentalidade", que explora a relação entre as práticas de punição e o governo das populações. Ele argumentou que a punição é uma das maneiras pelas quais o Estado exerce controle sobre seus cidadãos, regulando seu comportamento de acordo com as normas estabelecidas (Anastacio, 2017).

Além disso, Foucault analisou a origem das punições por meio da história das instituições. Ele destacou como o surgimento de instituições como escolas, hospitais e prisões contribuiu para a transformação das práticas punitivas ao longo do tempo. Isso ilustra como as punições não eram estáticas, mas evoluíam em resposta às mudanças na sociedade e nas estruturas de poder (Anastacio, 2017, p. 21).

A visão de Michael Foucault sobre a origem das punições enfatiza seu papel na dinâmica de poder, na governamentalidade e na evolução das estruturas de controle social ao longo da história. Suas análises nos desafiam a refletir criticamente sobre como as práticas punitivas moldam a sociedade e a subjetividade, questionando os fundamentos e as implicações dessas práticas em nossa cultura contemporânea (Freitas, 2019).

Foucault, ao introduzir o conceito de "governamentalidade", nos convida a examinar como as punições não eram apenas respostas a transgressões individuais, mas instrumentos de controle estatal. O Estado utilizava a punição como uma ferramenta para regular o comportamento de seus cidadãos, moldando-os de acordo com as normas e valores estabelecidos, de modo a revelar a profunda interconexão entre o sistema de justiça e a governança da sociedade como um todo. Foucault afirmou que Governo era a maneira como se exercia controle sobre uma população, seja ela uma cidade, um estado ou uma nação, e isso inclui como as punições são aplicadas e como as normas são estabelecidas para regular o comportamento dos cidadãos (Foucault, 1978).

A análise de Foucault também se estendeu à história das instituições. Ele rastreou o desenvolvimento das punições ao observar como instituições como escolas, hospitais e prisões surgiram e evoluíram ao longo do tempo. Essas instituições desempenharam papéis significativos na transformação das práticas punitivas, levando-nos a uma compreensão mais profunda de como as punições se adaptam e se reinventam para atender às necessidades das estruturas de poder dominantes (Aspen, 2023).

O hospital, a escola, a oficina, as fábricas, os quartéis, as prisões e a polícia foram colonizados pelas disciplinas e transformados em aparelhos nos quais qualquer mecanismo de objetivação produz sujeição, onde qualquer crescimento de poder gera conhecimentos possíveis: Medicina Clínica, Psicologia da Criança, Psicopedagogia, Criminologia, racionalização do trabalho industrial (Benelli, 2014. p. 67).

Foucault elucidou a contínua evolução das punições em que as práticas punitivas não são estáticas, mas dinâmicas, evoluindo em resposta a mudanças sociais, políticas e culturais, o que levou a considerar como as punições contemporâneas são influenciadas por essa história e como elas continuam a desempenhar um papel central na experiência humana.

A perspectiva de Michael Foucault sobre a origem das punições lembrou que elas são mais do que simples reações a crimes; são ferramentas de poder e governança que moldam a sociedade, a subjetividade e a própria estrutura das instituições. Suas análises nos desafiam a examinar criticamente como as práticas punitivas impactaram nossa compreensão da justiça, da liberdade e do controle social em nossa cultura contemporânea (Aspen, 2023).

AS PUNIÇÕES NA HISTÓRIA DAS CIVILIZAÇÕES

A obra "Vigiar e Punir" de Michel Foucault, publicada em 1975, descreve a história dos suplícios e evidencia as práticas punitivas direcionadas aos seres humanos. A arqueologia do saber, abordada por Foucault, revela as consequências impostas a indivíduos que desafiavam o poder do soberano, especialmente o Rei. Ao explorar as ideias dessa obra considerada um clássico, este artigo busca resgatar e analisar a evolução das penas, desde os suplícios do século XVIII até a adoção do modelo carcerário contemporâneo.

As punições do século XVIII eram teatrais e ao mesmo tempo cruéis. Os indivíduos chegavam a ser amarrados em patíbulos, atenazados todo seu corpo, tinha seus membros superiores e inferiores arrancados, colocados em enxofre e pinche, e suas chagas expostas ao público. Na Idade Média não se pensava em um modelo de prisão estruturada onde o condenado poderia ter visitas, tratamento psicológico, médico entre outros, o que imperava era a vingança do Rei sobre os corpos dos condenados.

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Naquela época, a pena privativa de liberdade não fazia parte do sistema criminal estabelecido. O exercício do juízo estava restrito à soberania do Rei, e a disciplina dos condenados ocorria por meio de castigos físicos, com a exposição de seus corpos em praças públicas. Esse sistema era caracterizado por ser mecânico e rápido, fundamentado na estabilidade proporcionada pelas concentrações teatrais em torno dos corpos. Metas secretas eram cumpridas, considerando e impondo uma verdade única, associada ao poder absoluto. Qualquer excesso indicava situações fora de controle, como sentenças baseadas em fatos não comprovados e verificações subjugadas pelo poder que insistia em manter o controle, amplificando o espetáculo da justiça sobre o corpo.

A crueldade na aplicação de uma suposta justiça penal não foi exclusividade de algumas civilizações, tampouco ficou restrita a curtos períodos da história dos povos.

Na Antiguidade, muitas sociedades usavam punições físicas, como açoites e amputações, para lidar com crimes. Na Mesopotâmia, por exemplo, o Código de Hamurabi (cerca de 1754 a.C.) listava punições específicas para diferentes crimes. Este código, que remonta ao século XVIII a.C., é frequentemente citado como um exemplo de punição na Antiguidade. Ele continha leis específicas que prescreviam punições para diferentes crimes, muitas vezes seguindo o princípio de "olho por olho, dente por dente." No entanto, também estabelecia distinções entre classes sociais, com punições mais severas para crimes cometidos contra nobres (Oliveira et al., 2021).

Michael Foucault, em sua obra "Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão" (1975), fornece uma análise profunda da evolução da punição ao longo da história. Ele argumenta que na Antiguidade e na Idade Média, a punição era usada como um espetáculo público para demonstrar o poder do Estado e dissuadir o crime. Foucault descreve as torturas e execuções públicas como manifestações do poder soberano, que eram utilizadas para controlar e disciplinar a sociedade (Foucault, 1975).

Émile Durkheim, em sua obra "Da Divisão do Trabalho Social" (1893), abordou a função da punição na manutenção da coesão social. Ele argumentou que a punição era um mecanismo de controle social necessário para reforçar a conformidade com as normas e valores da sociedade. Na Antiguidade, as punições severas eram consideradas necessárias para manter a ordem em sociedades que tinham menos diferenciação e interdependência social do que as sociedades modernas (Durkheim, 1999).

Autores da Escola Clássica de Criminologia, como Cesare Beccaria e Jeremy Bentham, também discutiram a punição na Antiguidade em seus escritos. Beccaria, em "Dos Delitos e das Penas" (1764), questionou a eficácia das punições cruéis e argumentou que a punição deveria ser proporcional ao crime, defendendo a humanização das penas (Beccaria, 2013).

É importante notar que as práticas de punição na Antiguidade variaram amplamente de uma cultura para outra. O sistema legal grego, por exemplo, era influenciado por ideias de justiça e equidade, enquanto em algumas sociedades da Mesopotâmia, a punição era notoriamente rigorosa (Sobreira; Carmo, 2023).

Portanto, ao considerar a punição na Antiguidade, é crucial levar em conta as diferentes práticas e contextos culturais. A abordagem da punição variou de acordo com os valores, crenças e necessidades específicas de cada sociedade. Essa diversidade histórica na aplicação da punição é fundamental para uma compreensão completa da evolução das práticas de justiça penal ao longo do tempo.

De acordo com Pompeu e Húngaro (2015), no Brasil de 1835 ainda permaneciam o açoite e a pena de morte para os escravos que matassem seus senhores. Eles trazem ainda a visão de Zaffaroni (1987), com efeito, é possível afirmar que a narrativa do sistema penal e das punições é mais chocante do que a história das guerras, uma vez que, em geral, não transcende a frieza e a premeditação, elementos característicos da crueldade e anomalias presentes na história da legislação penal e sua execução (Zaffaroni, 1987).

Nesse sentido, importante lembrar a diferenciação na aplicação da pena de acordo com a classe social ou poder que ocupasse o réu. E sob esse aspecto vale destacar o importante viés político que conduz o direito penal nas sociedades. Especialmente no Brasil, dada sua ampla extensão territorial e complexidade histórica, as forças que exercem hierarquia na sociedade atuam no direito penal e sofrem suas consequências de maneiras muito diferentes da população que não possui esses privilégios.

Sobre isso, Barreto (1926) diz que concomitantemente ao sacrifício, que representa o primeiro momento histórico da pena, juntamente com a expiação que confere um caráter religioso, já se evidencia o sentimento de vingança, compartilhado entre deuses e homens naquela época. À medida que o aspecto religioso da expiação diminui, a dimensão social e política da vindicta aumenta, persistindo até hoje como um atributo essencial para a definição da pena (Barreto apud Pompeu, 2015, p. 738).

Vê-se, portanto, a presente ação política e de controle no contexto da justiça pena. Na ideia de Melossi e Pavarini (2006):

Cumpre ainda frisar, em referência a não dissociabilidade entre política e direito punitivo, que o surgimento das penitenciárias se deu, não pelo sentido humanitário, mas com o propósito de instrumento de submissão ao regime dominante, pois no referido momento de seu surgimento a Europa passava por um processo de exacerbação de mão de obra (Melossi; Pavarini, 2015, p. 740)

É especialmente no aspecto das prisões que este trabalho se debruça, no intuito de, após essa breve apresentação do itinerário histórico das penas, apresentar o contraponto à (des)humanização perpetrada na atualidade punitiva brasileira.

Atualidade punitiva brasileira

A atualidade punitiva brasileira, examinada à luz da obra "Vigiar e Punir" de Michel Foucault, expõe uma série de questões intrincadas que permeiam o sistema de justiça criminal do país.

A superlotação carcerária emerge como uma preocupação central nesse contexto. As prisões brasileiras enfrentam uma crise de superpopulação, onde as condições desumanas e a falta de infraestrutura adequada se assemelham à visão de Foucault sobre a disciplina punitiva. Nessas condições, a ênfase recai mais sobre o controle e a punição do que sobre a reabilitação (Gomes, 2023).

A vigilância intensiva, tanto nas prisões quanto nas comunidades marginalizadas, destaca-se como outro aspecto da atualidade punitiva. Através de práticas de observação invasivas, as instituições de controle estatal mantêm um domínio rígido sobre a população, ecoando a análise foucaultiana da vigilância como instrumento de poder (Barrichello; Moreira, 2015).

A tendência à criminalização da pobreza é notável no cenário brasileiro. Indivíduos em situações de vulnerabilidade social frequentemente são submetidos à aplicação das leis penais, enquanto as raízes estruturais da criminalidade permanecem negligenciadas (Santos, 2021).

As desigualdades raciais e sociais também são manifestas no sistema de justiça criminal brasileiro. A representação desproporcional de pessoas negras e de baixa renda nos sistemas prisionais e na aplicação da lei está em consonância com a análise de Foucault sobre como o poder se manifesta de maneira diferenciada em diferentes grupos sociais (Oliveira, 2021).

O punitivismo e o endurecimento das leis penais refletem uma busca por uma abordagem mais retributiva e menos voltada para a reabilitação, contrariando a visão de Foucault sobre a correção e o tratamento como componentes-chave da punição.

Além disso, a violência é uma preocupação relevante na atualidade punitiva brasileira. A brutalidade e a falta de responsabilização evidenciam como o exercício do poder pode resultar em ações violentas e opressivas, alinhando-se com a análise de Foucault sobre a repressão.

Por fim, a cultura do encarceramento persistente no Brasil, onde a prisão é frequentemente vista como a única solução para questões sociais complexas, contradiz a perspectiva de Foucault sobre as múltiplas dimensões da punição e a necessidade de uma abordagem mais ampla e humanitária para lidar com o comportamento desviante e criminoso.

CONCLUSÃO

A abordagem de Michel Foucault em "Vigiar e Punir" proporciona uma compreensão profunda e esclarecedora sobre a evolução das práticas punitivas na sociedade contemporânea. Ao realizar uma análise crítica da obra de Foucault, a revisão bibliográfica possibilitou a obtenção de conclusões significativas em relação aos objetivos estabelecidos na introdução deste artigo.

Foucault descreve com habilidade a transformação das estruturas de poder e controle social, destacando o deslocamento da punição de métodos físicos para técnicas disciplinares. Isso ressalta a transição da penalização baseada em sofrimento físico e demonstrações públicas para uma abordagem mais sutil e insidiosa que promove o controle social por meio da vigilância constante e da normalização das condutas.

Através dessa análise, pudemos compreender a importância do poder e do conhecimento na punição do condenado. Foucault nos faz questionar as formas tradicionais de castigo, destacando a necessidade de uma abordagem crítica e reflexiva para entender e reformar o sistema penal. Suas ideias instigam uma revisão profunda das estruturas de poder que moldam nosso sistema de justiça, incentivando a busca por alternativas mais justas e eficazes.

A obra de Michel Foucault oferece uma perspectiva crítica e esclarecedora sobre a punição na sociedade moderna, fomentando um debate essencial sobre o papel do sistema penal. Através da análise dos resultados principais, alcançamos os objetivos delineados na introdução deste artigo, contribuindo para uma compreensão mais aprofundada das dinâmicas de poder e controle na punição do condenado. Isso enfatiza a necessidade de uma abordagem mais reflexiva e crítica no tratamento dessas questões.

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Sobre o autor
Luciano Divino Jorge Anastacio

Graduando em direito, Faculdade Serra do Carmo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANASTACIO, Luciano Divino Jorge. Punição do condenado na perspectiva de vigiar e punir de Michael Foucault. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7471, 15 dez. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107523. Acesso em: 22 dez. 2024.

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