INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da humanidade as sociedades se organizavam conforme sua língua, cultura e crença, mas - sempre - a única forma de ter proteção e segurança, foi através de uma organização de homens militarizados.
Na mitologia grega já se falava em deuses bélicos, os quais serviam de amparo para os saldados em épocas de batalhas, por tal motivo, acredita-se que os primórdios da organização militar – que se tem registro – é na Grécia, sendo seu maior exemplo Esparta ou Lacedemônia, uma sociedade que foi voltada para atender as necessidades do Estado, tanto que o indivíduo espartano pertencia, do seu nascimento até a morte, ao Estado. Aos sete anos a criança era entregue ao Estado, que o instruía e o educava.
Entretanto, é no direito romano que passa-se a ter a figura do desertor, sendo caracterizado como aquele que abandona o seu posto ou serviço com a pretensão de não mais regressar, e a do emansor ou ausente, que nas palavras de Célio Lobão: o emansor era aquele indivíduo “que tendo se ausentado, regressava voluntariamente, enquanto o desertor era conduzido à força”. ( 2004, p. 257 apud COIMBRA NEVES; STREIFINGER, 2012, p. 1186)
Subsequentemente vários países começaram a abordar o tema, em uma era de militarização, disputa por territórios e grandes guerras, o presente tema passou a ser positivado pelo direito português, que primeiramente, traduziu normas do direito romano, Corpus Juris Civilis, passando, subsequentemente, a dar forma as suas leis através das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e por último as Filipinas, esta última foi a que maior exerceu influência no Brasil, que já era colônia de Portugal.
Consequentemente, enquanto o Brasil passava a tomar uma forma própria, caminhando para a sua independência, passou-se a ter uma legislação própria, estando em vigência, atualmente, o Código Penal Militar (CPM) e o Código de Processo Penal Militar (CPPM), ambos de 1969.
O Código Penal Militar em vigor traz o crime de deserção, delito este que somente pode ser praticado pelo militar no exercício de suas funções, que se ausenta sem licença de seu superior, desrespeitando, deste modo, a hierarquia e a disciplina impostas pela entidade das Forças Armadas, a qual tem o dever de proteger o país, o deixando assim desprotegido e gerando certa insegurança.
Este delito é passível de prisão do desertor logo após a sua captura, sem autorização judicial, sendo feita pela autoridade administrativa da corporação, com a finalidade de proteger a integridade do órgão o qual representam e impor a disciplina, ora desrespeitada.
Contudo a Constituição Federal Brasileira é clara ao determinar que a regra é a liberdade, sendo a prisão uma exceção cabível apenas nos casos de crimes em flagrante ou com autorização judicial, gerando assim a controvérsia que o presente trabalho apresenta, que é a validade da prisão sancionada ao desertor. Pois, cumpre ressaltar, que a Carta Magna, no mesmo artigo que proíbe a prisão, traz uma exceção para o caso de transgressão militar e crime propriamente militar – que é aquele que somente pode ser praticado pelo militar – deixando assim uma brecha para a existência da, já extinta, prisão administrativa.
CRIME DE DESERÇÃO NO CÓDIGO PENAL MILITAR BRASILEIRO
O crime de deserção tem previsão legal no Código Penal Militar em seu artigo 187 e seguintes, trazendo várias espécies deste crime, como a deserção: comum do artigo 187 do CPM, a especial do artigo 190 do CPM, concerto para a deserção do artigo 191 do CPM e a por evasão ou fuga do artigo 192 do CPM.
2.1 DESERÇÃO COMUM
Cada país tem uma tipificação e punição própria para o crime de deserção. No ordenamento pátrio o crime é caracterizado pelo abandono de posto ou serviço, pelo militar em que nele deveria permanecer, sem aviso prévio ou justificativa, por mais de 8 (oito) dias, conforme exposto no artigo 187 do CPM, o qual descreve esta modalidade de crime com as seguintes palavras: “Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias.”
A pena para este crime militar será a de detenção, por seis meses a dois anos e no caso de o crime ser cometido por um oficial a pena será agravada.
O crime de deserção é um crime de mão própria, ou seja, é um ato delituoso que somente pode ter como sujeito ativo o “militar (federal ou estadual), que deve ser compreendido, nos termos do art. 2 do CPM, como o militar em situação de atividade” (COIMBRA NEVES; STREIFINGER, 2012, p. 1129).
Como descreve Célio Lobão (2004, p. 264 apud COIMBRA NEVES; STREIFINGER, 2012, p. 1129): “Logo, o cidadão matriculado e incorporado em órgão de formação de reserva adquire a condição de militar e, como consequência, pratica o crime de deserção”.
Sendo um crime que somente pode ser praticado pelo militar em serviço e atuante, não cabendo coautoria ou participação, caso este seja praticado por mais de um militar ocorrerá o que se denomina de autoria colateral, neste caso cada agente responderá por sua conduta individualmente. Contudo como descreve Cícero Robson Coimbra Neves e Marcelo Streifinger:
A participação, neste delito, como se pode notar, somente poderia ocorrer de forma ideal (instigação) e não material (cumplicidade), ou seja, pela geração da ideia de desertar ou pelo incentivo a essa ideia preconcebida pelo autor. Ocorre que aquele que incita ou mesmo faz apologia a crime militar incorrerá em delito própria, a saber, o de incitamento ou o de apologia (arts. 155 e 156 do CPM). (2012, p. 1130) .
O tipo penal, para a caracterização do delito, traz a necessidade do transcurso de um período de oito dias em que o militar deve estar ausente, sem autorização, durante este período o tipo ainda não será consumado, para tanto, denomina-se esse prazo de ausência ilegal ou período ou prazo de graça. E essa contagem de prazo, tem seu início previsto do Código de Processo Penal Militar, em seu artigo 451, § 1°, o qual descreve que “a contagem dos dias de ausência, para efeito da lavratura do termo de deserção, iniciar-se-á à zero hora do dia seguinte àquele em que for verificada a falta injustificada do militar”.
Contudo, cumpre ressaltar que cabe uma atenuante especial, descrita no artigo 189, inciso I do CPM, que afirma que se “o agente se apresentar voluntariamente dentro em oito dias após a consumação do crime, a pena é diminuída de metade, e de um terço, se de mais de oito dias e até sessenta”. O agente tem que se apresentar sem coação, ou seja, de livre e espontânea vontade, demonstrando, desta forma, arrependimento por sua conduta infratora.
A mesma penalidade do artigo 187 do CPM será aplicada ao militar que praticar uma das condutas tipificada no artigo 188 do Código Penal Militar, a qual dispõem:
Na mesma pena incorre o militar que:
I-não se apresenta no lugar designado, dentro de oito dias findo o prazo de trânsito ou férias;
II-deixa de se apresentar à autoridade competente, dentro do prazo de oito dias, contados daquele em que termina ou é casada a licença ou agregação ou em que é declarado o estado de sítio ou de guerra;
III- tendo cumprido a pena, deixa de se apresentar, dentro do prazo de oito dias;
IV- consegue exclusão do serviço ativo ou situação de inatividade, criando ou simulando incapacidade.
Como pode-se observar nos casos equiparados ao crime de deserção, o indivíduo deixa de se apresentar no prazo de oito dias – o mesmo para consumação do crime de deserção comum, do 187 – quando convocado, seja por fim do período de trânsito, férias, licença, agregação, ou, ainda após cumprir determinada pena, deixa de apresentar-se. Ainda incorre na mesmas penalidades, aquele indivíduo que de maneira dolosa simula ou cria situações e incapacidades que justifiquem sua exclusão do serviço ativo ou a permanência na inatividade.
2.2 DESERÇÃO ESPECIAL
Dentro do crime de deserção, ainda existe a modalidade especial, que tem previsão legal no artigo 190, do Código Penal Militar, in verbis:
Deixar o militar de apresentar-se no momento da partida do navio ou aeronave, de que é tripulante, ou do deslocamento da unidade ou força em que serve:
Pena – detenção, até três meses, se após a partida ou deslocamento se apresentar, dentro de vinte e quatro horas, à autoridade militar do lugar, ou, na falta desta, à autoridade policial, para ser comunicada a apresentação ao comando militar.
§ 1°. Se a apresentação se der dentro do prazo superior a vinte e quatro horas e não excedente a cinco dias:
Pena – detenção, de dois a oito meses.
§ 2°. Se superior a cinco dias e não excedente a oito dias:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
§ 2°. –A Se superior a oito dias:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos.
Esta forma de deserção é caracterizada pela omissão dolosa do agente que abandona seu posto. Este delito, ainda é considerado um crime “permanente, ou seja, uma vez consumado, arrasta-se no tempo enquanto perdurar a violação ao bem jurídico. No caso afeta-se a disciplina durante o período em que o militar está ausente de seu posto” (NUCCI, 2014, p. 293).
A pena prevista para esta infração, ainda, pode ser aumentada de um terço, conforme parágrafo 3º do artigo 190 do CPM, em casos em que o desertor for sargento, subtenente ou suboficial, ou será aumentada de metade se o infrator for oficial. Tal determinação se deve ao fato de que estamos falando da figura do superior, o qual tem o dever de dar o exemplo aos subordinados.
2.3 CONCERTO PARA DESERÇÃO
Como as demais tipos de deserção, esta modalidade busca proteger o Estado contra o crime de deserção praticado por mais de um militar, ou seja, uma deserção coletiva, restando claro a necessidade de um concurso de pessoas, bastando que exista mais de um militar para a consumação deste delito, como expresso no artigo 191 do Código Penal Militar, que apenas traz no seu texto a seguinte frase: “Concentram-se militares para a prática da deserção”.
A mesma norma traz ainda a possibilidade de penas diversas no caso de consumação ou não.
No caso de não consumação Cícero Robson Coimbra Neves e Marcelo Streifinger em seu Manual de Direito Penal Militar, entendem o seguinte:
Caso a deserção, a posteriori, não se configure, a pena será de três meses a um ano de detenção (art. 191, I, do CPM). Note-se que se o militar se apresentar ou for localizado no período de graça, será esta a modalidade a ser considerada, já que a deserção não se consumou. Ademais, aquele que comparece no momento que os outros ajustam o delito, não anuindo na deserção coletiva, não estará em prática deste delito, porém poderá ter sua conduta subsumida em outro delito, como o de reunião ilícita (art. 15 do CPM), por exemplo, se criticar ato de superior durante essa reunião. (2014, p. 1186).
É claro que somente o saber da deserção já é passível de punição, uma vez que estamos diante de um crime contra o Estado, por conseguinte, um serviço que representa a nação.
Em caso de consumação do crime a pena será de reclusão de dois a quatro anos, conforme exposto no artigo 191, inciso II, do Código Penal Militar, neste caso os militares desertores responderão tanto pelo crime de deserção comum do artigo 187 do CPM, ou dos casos assimilados do artigo 188 do CPM, ou a deserção especial do artigo 190 do CPM, como pôr a modalidade de concerto para a deserção, havendo, desta feita, concurso material de delitos.
No acordo para a deserção, caso, apenas, um deles deserte, a doutrina entende que o desertor responde pelo inciso I, enquanto os demais serão enquadrados no inciso II, neste sentido, é esclarecedor o exemplo adotado por Célio Lobão (2004, p.288 apud COIMBRA NEVES; STREIFINGER, 2012, p. 1186):
Seis militares concordaram em desertar e, efetivando o acordo, ausentam-se da unidade. Dois retornam no quarto dia de ausência, três são capturados no quinto dia de ausência, enquanto o sexto militar permanece ausente por mais de oito dias. Os cinco militares responderão somente pelo concerto para a deserção (inc. I), enquanto o sexto será julgado pela deserção (inc. I) e pela deserção (art. 187).
Fica evidente, por meio deste exemplo, que o crime de concerto para deserção estará consumado desde o momento em que mais de um militar se reunir para combinar a deserção, enquanto que a deserção propriamente dita será configurada com a consumação do prazo de oito dias.
2.4 DESERÇÃO POR EVASÃO OU FUGA
O crime de deserção ainda possui mais uma modalidade, a por evasão ou fuga, com previsão legal do CPM, artigo 192, o qual dispõem que o crime será consumado quando, “evadir-se o militar do poder da escolta, ou do recinto de detenção ou de prisão, ou fugir em seguida à prática de crime para evitar prisão, permanecendo ausente por mais de 8 (oito) dias”.
A doutrina divide esta modalidade dois elementos de conduta, sendo a primeira a evasão, conduta esta que significa “fugir, escapar, voltando-se a condita ao poder da escolta (guardas destinados a acompanhar o preso, impedindo que fuja) ou do local onde se encontra preso” (NUCCI, 2014, p. 295).
O segundo elemento é a fuga após a prática de crime – crime este que pode ser comum ou militar - com a finalidade de evitar a prisão em flagrante. Neste último caso, cumpre ressaltar que o indivíduo para responder tanto pelo crime praticado como pela deserção.
A VALIDADE DA PRISÃO ADMINISTRATIVA NO CRIME DE DESERÇÃO
A prisão é a privação de liberdade do indivíduo em decorrência de flagrância em um delito ou determinada por ordem escrita e fundamentada pela autoridade policial competente, seja, devido a um sentença condenatória transitada em julgado, ou no curso da investigação criminal.
A prisão possui diversas espécies, como classifica Fernando Capez (2013, p. 313): prisão-pena ou prisão penal, prisão sem pena ou prisão processual, prisão civil, prisão administrativa, prisão disciplinar e prisão para averiguação.
O professor Fernando Capez (2013, p. 317), conceitua a prisão administrativa como a “decretada por autoridade administrativa para compelir o devedor ao cumprimento da obrigação. Esta modalidade de prisão foi abolida pela nova ordem constitucional”. Contudo, como veremos a prisão administrativa ainda é cabível dentro da esfera penal militar.
A privação de liberdade é a exceção dentro do ordenamento pátrio, sendo, deste modo, a liberdade a regra, conforme disposto no artigo 5º, inciso LXI da Constituição Federal, o qual dispõem: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciaria competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
As únicas exceções que a lei traz está na parte final do dispositivo, quando permitem a prisão sem ser em flagrante delito e sem ordem escrita e fundamentada por autoridade judiciaria nos casos de transgressão militar, que para Cid Sabeli, esta primeira espécie se ( p.1): “[...] refere ao Direito Administrativo Disciplinar Militar por estar relacionada às faltas disciplinares que autorizam prisão administrativa disciplinar a bem da hierarquia e disciplina militar”.
Com relação à segunda espécie de prisão – que não necessita de flagrante ou autorização escrita da autoridade judicial – é o crime propriamente militar, ou seja, aquele delito que está inserido unicamente no Código Penal Militar e somente pode ser praticado por militar, como é o caso do crime de deserção.
Inclusive, a tipificação legal do crime de deserção é clara em autorizar a prisão, conforme artigo 452 do CPPM: “o termo de deserção tem caráter de instrução provisória e destina-se a fornecer elementos necessários à propositura da ação penal, sujeitando, desde logo, o desertor a prisão”.
Desta forma, podemos concluir que o artigo 5° da Carta Magna, permite a prisão administrativa, pois conforme a parte final do referido artigo, nos casos que envolva militares, a prisão pode ser decretada sem as formalidades trazidas no texto constitucional, sendo esta a fundamentação da corrente que entende pela validade, ora legalidade, ora possibilidade de aplicação da prisão administrativa. Sendo a prisão administrativa aplicada também, por se entender como a única forma compreendida para manter a disciplina do militar e o respeito à hierarquia.
Para Paulo Tadeu Rodrigues Rosa (2015), defensor da extinção da prisão administrativa - dentro das Forças Auxiliares, Policias Militares, Corpo de Bombeiro Militar - e que questiona a modalidade de prisão administrativa, inclusive para as Forças Armadas, pois afirma que todos são detentores das garantias constitucionais, ele discorre o seguinte:
Na realidade, o que se questiona é utilização da prisão administrativa como um instrumento efetivo de controle por parte da Administração. A prisão administrativa pode e deve ser utilizada quando necessária, assim como ocorre com as prisões previstas na seara processual. Mas, fica a seguinte indagação. Será que a prisão administrativa por si só melhora a qualidade do homem ou eventualmente corrige os seus defeitos de formação? Será que não existem outras penalidade que poderiam ser aplicadas sem a quebra dos princípios de hierarquia e disciplina, permitindo desta forma a reeducação do infrator?
O autor indaga, claramente, se a prisão disciplinar não é um meio exagerado para punir o crime, se não poderiam ser utilizados outros meios, menos gravosos, para sancionar o indivíduo. Sendo que talvez estes outros meios pudessem se mostrar mais eficazes do que a reclusão.
Porém, o mesmo autor, deixa claro a necessidade de disciplina e hierarquia dentro das Forças Armadas, uma vez que estamos falando da proteção de uma nação, em suas palavras as:
[...] Forças Armadas, que também são essenciais no Estado democrático de Direito. Se um Estado não possui forças de segurança plenamente qualificadas e com os instrumentos necessário ao cumprimento de suas funções, a soberania deste Estado fica sujeita a atos de organizações criminosas que procuram desequilibrar o governo que foi escolhido e eleito de forma legitima pela povo. (2015)
Pois o militar, quando investido nesta posição, está sujeito a um regramento próprio, ou seja, o Código Penal Militar e o Código de Processo Militar, desta forma:
[...] a probabilidade da prisão administrativa ser estabelecida sem qualquer autorização judicial não significa que o militar perdeu o seu status de cidadão ou ainda que os direitos e garantias fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988 tenham perdido sua eficácia. O Estado somente outorgou a probabilidade da restrição da liberdade através de ato de autoridade diversa da autoridade judiciária em casos previstos em lei como crime militar ou ainda a transgressão disciplinar militar (BELLIDO, 2016, p. 2 apud VIANA, 2017)
A validade da prisão administrativa no crime de deserção, inclusive, encontra respaldo no em julgado do Superior Tribunal Militar, o qual determinou:
DESERÇÃO. SOLDADO DO EXÉRCITO. RÉU CAPTURADO. PRISÃO. LEGALIDADE. MATÉRIA ADMINISTRATIVA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. 1. Não há qualquer ilegalidade na prisão imediata do militar desertor que se apresenta voluntariamente e/ou é capturado. Inteligência do artigo 452 do Código de Processo Penal Militar. 2. Sendo a deserção um crime definido em lei como de natureza propriamente militar, a custódia daquele que comete tal delito, tão-somente baseada no Termo de Deserção, independentemente de ordem escrita de autoridade judiciária, está consentânea com o que dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso LXI. [...]
(STM – HC: 34666 GO 2009.01.034666-o, Relator: FLÁVIO DE OLIVEIRA LENCASTRE, Data de Julgamento: 16/06/2009, Data de Publicação: 07/08/2009 Vol: Veículo:)
Neste julgado, do Superior Tribunal Federal, deixa claro que a prisão que não tem ordem escrita de autoridade judiciaria está em consonância com a Constituição Federal, artigo 5°, inciso LXI, como já discorrido anteriormente. Este julgado apenas reafirma o entendimento pela validade da prisão.
Inclusive em julgado recente, de fevereiro deste ano, o entendimento continua o mesmo, como exposto abaixo:
EMENTA: HABEAS CORPUS. DESERÇÃO. VIGÊNCIA DOS ARTIGO 452 E 453 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR. TRANSFORMAÇÃO DA PRISÃO DO PACIENTE EM MENAGEM. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NÃO CONFIGURADO. DENEGAÇÃO DA ORDEM. O Habeas Corpus, em face do seu caráter expedito e da vida estreita do seu processamento, não admite dilação probatória nem mesmo o exame aprofundado e esgotante dos elementos indiciários relacionados ao fato, em tese, criminoso. In casu, o que se tem são pretensas provas colhidas apenas em sede inquisitorial, as quais, embora possam ser suficientes para a eventual propositura de uma Ação Penal Militar, de nenhum modo prestam-se para a antecipação de um diagnóstico sobre a inocência ou não do Paciente, mesmo que seja a título de fundamento para concessão da sua liberdade provisória. Os artigo 45 e 453 do Código de Processo Penal Militar encontram-se em plena vigência, sendo que a medida de restrição de liberdade a que se referem nada tem a ver, conceitualmente, com a figura da prisão preventiva e com os seus requisitos, conforme tratados, respectivamente, nos artigos 254 e 255 do mesmo Códex. Não só em face da sua peculiar tipificação, como também da natureza dos bens jurídicos que tutela, o crime de Deserção tem um processamento especial, suis generis, caracterizado, sobretudo, pela simplificação dos seus atos, pela inexistência de outros próprios do processo em geral e, finalmente, por previsões exclusivamente próprias, como sói ser a que ora se examina, qual seja – vale enfatizar- a imposição automática da restrição cautelar da liberdade do agente, como garantia de aplicação da lei penal e como meio de preservar a hierarquia e a disciplina militares. Não há que se entender a medida cautelar no crime de Deserção como antecipação de pena ou prisão preventiva sem fundamentação e, nessa esteira, de constrangimento ilegal a pairar sobre o Paciente, não passando in albis, inclusive, que a restrição da liberdade que lhe foi imposta, vale dizer, a menagem, é rigorosamente a mais branda das possíveis no caso concreto. Denegação da Ordem. Unânime.
(STM –HC: 700001840197000000, Relator: Luis Carlos Gomes Mattos, Data de Julgamento: 14/02/2019, Data de Publicação: 21/02/2019)
O presente julgado apenas reafirma que o direito militar possui procedimentos próprios, mais céleres e que dispensa outros inerentes ao cidadão comum. Tanto que coloca a prisão administrativa como um ato inerente a esta esfera do direito, não podendo esta forma de detenção ser confundida como prisão preventiva ou antecipação de pena. Pois o direito militar busca resguardar a disciplina e o respeito à hierarquia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os defensores da invalidade da prisão administrativa no crime de deserção a luz da Constituição Federal Brasileira de 1988 se apegam aos princípios trazidos pela própria Carta Magna, o qual afirma em seus princípios da legalidade, contraditório e ampla defesa, que nenhum cidadão brasileiro será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória e sem respeitado o direito de contraditório e ampla defesa para aqui que está sendo alegado contra si.
Contudo o militar é diferente, pois as Forças Armadas representam a pátria e seus soldados são treinados para atuarem em tempos de conflitos, ou seja, tem autorização para tirar vidas, ferir outros seres humanos quando necessário, já os militares das Forças Auxiliares, Corpo de Bombeiros e Policia Militar tem o dever de proteger os cidadãos, evitar conflitos dentro da sociedade, sendo este o poder de polícia que regula e atua ofensivamente nos conflitos internos de um país, ambos os tipos de militares tem poderes excepcionais, que qualquer outro cidadão não possui, eles representam o Brasil, tanto externamente como internamente e quando os homens que compõem essas corporações desertam, deixam seus postos em vacância, isso gera certa insegurança e a imagem de fragilidade, pois se aquele que possui tantas responsabilidades e está revestido de uma legislação especial tanto para atuar como para ser sancionado, ausentar-se injustificadamente de suas funções, por um prazo considerável, a imagem da segurança e instituições brasileiras perderá sua credibilidade.
Por tamanha importância da figura do militar é que a Constituição Federal trouxe a exceção, permitindo, deste modo, a prisão administrativa – aquela designada por autoridade administrativa, sem ser em caso de flagrante delito -, pois o que se está protegendo é a nação como um todo, a disciplina que a instituição militar inspirar – e deve inspirar – a sociedade e o respeito a hierarquia que um militar tem a obrigação de ter com seu superior, uma vez que estão estruturadas em uma escala hierárquica própria, que deve ser rigorosamente observada.
Ficando, deste modo, claro nos julgados do Superior Tribunal Militar que a prisão administrativa está em consonância com a Carta Magna em vigor, não restando dúvida quanto a sua validade diante do caso concreto, pois é reiteradamente aplicada nos tribunais militares, especificamente para o presente crime abordado, o da deserção.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Decreto-lei n. 1.002, de out. de 1969. Código de Processo Penal Militar. Brasília, DF, out. 1969.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.
BRASIL. Superior Tribunal Militar. Habeas Corpus n° 700001840197000000. Relator: Luis Carlos Gomes Mattos. Data de Julgamento: 14/02/2019. Data de Publicação: 21/02/2019. Disponível em: < https://stm.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/679108570/habeas-corpus-hc-70000184520197000000/inteiro-teor-679108571?ref=serp> . Acesso em 11 abr. 2019.
BRASIL. Superior Tribunal Militar. Habeas Corpus n° 34666 GO 2009.01.034666-o. Relator: FLÁVIO DE OLIVEIRA LENCASTRE. Data de Julgamento: 16/06/2009. Data de Publicação: 07/08/2009 Vol: Veículo. Disponível em: < https://stm.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6370471/habeas-corpus-hc-34666-go-200901034666-0?ref=serp >. Acesso em 11 abr. 2019.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
COIMBRA NEVES, Cícero Robson; STREIFINGER, Marcelo. Manual de Direito Penal Militar. 2.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Militar Comentado. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
RODRIGUES ROSA, Paulo Tadeu. Extinção da prisão administrativa militar: uma nova visão em face de questões doutrinarias e processuais em busca da construção de novos paradigmas. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/37052/extincao-da-prisao-administrativa-militar> .Acesso em 11 abr. 2019.
SABELLI, Cid. A Prisão do Militar Desertor em Domicílio: Necessidade ou não de Mandado Judicial? . Disponível em < http://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/prisaomilitar.pdf.>. Acesso em 05 abr. 2019.
VIANNA, Tiago Moraes. Prisão Administrativa nas Instituições Militares. Disponível em: < https://tiagomvianna.jusbrasil.com.br/artigos/489955088/prisao-administrativa-nas-instituicoes-militares > . Acesso em 11 abr. 2019.