A qualificação notarial de atos jurídicos inválidos à luz dos princípios da segurança jurídica e da justiva preventiva

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06/03/2024 às 11:08

Resumo:


  • A atividade notarial brasileira, baseada no notariado latino, envolve a formalização jurídica da vontade das partes, garantindo a segurança e eficácia dos atos jurídicos, além de atuar como consultor jurídico para prevenir litígios.

  • Qualificação notarial é o processo pelo qual o notário analisa a conformidade do ato jurídico com o ordenamento jurídico, visando a segurança jurídica e a prevenção de conflitos, sendo regida por princípios como a segurança jurídica e a justiça preventiva.

  • Notários devem recusar a lavratura de atos nulos, pois estes violam normas de ordem pública. Em relação a atos anuláveis, há divergências doutrinárias, mas o notário pode recusar-se a lavrar o ato se estiver convencido de sua anulabilidade, em respeito à sua função preventiva e à segurança jurídica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO

O presente trabalho teve por objetivo examinar a atividade dos tabeliães de notas no âmbito de atos jurídicos que revelem alguma espécie de nulidade durante o processo de qualificação notarial, notadamente no que se refere aos deveres dos notários quanto ao controle de legalidade desses atos. São tecidas, em um primeiro momento, breves considerações sobre os planos dos negócios jurídicos e a teoria das nulidades no campo do Direito Civil, com abordagem do tema à vista do seu disciplinamento normativo pelo ordenamento jurídico brasileiro. Secundariamente, analisa a natureza da atividade desenvolvida pelos tabelionatos de notas, suas finalidades, especificidades, deveres profissionais correlatos e princípios e normas de regência da função, com especial destaque para a vinculação obrigatória do processo de qualificação notarial aos princípios da segurança jurídica e da justiça preventiva. Por derradeiro, versa sobre a forma de atuação dos notários em face de negócios jurídicos nulos e anuláveis que sejam submetidos à sua apreciação, com ênfase na análise dos deveres, responsabilidades e princípios a serem observados pelo delegatário durante o exame de legalidade do ato que se busca formalizar juridicamente. Pondera, conclusivamente, que deve o notário – como profissional do Direito dotado de fé pública e do qual se espera o mais amplo aconselhamento jurídico das partes para o fim de prevenir litígios e conferir segurança jurídica às relações privadas – recusar-se a lavrar atos que instrumentalizem negócios jurídicos nulos, visto que radicadas as nulidades absolutas em princípios de ordem pública, de índole cogente e indisponível. Por outro lado, assenta que as nulidades relativas concernem a interesses disponíveis das partes, de natureza eminentemente privada, passíveis de convalidação pelo decurso do tempo e não declaráveis de ofício pelo Poder Judiciário e tampouco por tabeliães, de sorte que tecnicamente possível a lavratura de atos pertinentes a negócios anuláveis. Ressalva, ademais, que a possibilidade jurídica de serem juridicamente formalizadas, nos serviços de notas, vontades manifestadas no bojo de negócios relativamente nulos não exime o tabelião do cumprimento dos seus deveres de informação e assessoramento jurídico. Sendo assim, também incumbe ao notário, em tais hipóteses, informar previamente os interessados acerca do vício verificado e orientá-los, ainda, com relação aos riscos e consequências jurídicas do negócio a ser celebrado, sob pena de sua responsabilidade civil e disciplinar por eventual falha no serviço prestado. Sem embargo, considerando a permanente subordinação da atividade notarial aos princípios da segurança jurídica e da justiça preventiva, e tendo em vista a independência técnica dos notários quando do exercício de suas funções, conclui que é lícito ao tabelião negar forma legal a todo e qualquer ato jurídico quando estiver convencido de sua anulabilidade, seja qual for a causa da invalidade constatada e mesmo que dependam os solicitantes do instrumento público para a realização do negócio pretendido.

PALAVRAS-CHAVE: Atos jurídicos. Notário. Nulidades. Segurança jurídica. Justiça preventiva.

INTRODUÇÃO

Como antecipado, busca-se propor, por meio deste estudo, uma reflexão a respeito dos deveres, limites, responsabilidades e consequências que envolvem a atividade dos notários brasileiros no âmbito de atos e negócios jurídicos inválidos.

A atualidade e a relevância do tema têm avultado nos campos doutrinário e jurisprudencial devido ao recrudescimento de demandas judiciais intentadas em face de Estados e tabeliães para efeito de reparação de danos resultantes de instrumentos públicos posteriormente declarados nulos ou anuláveis.

Por outro lado, além da sua evidente importância na rotina operacional de inúmeros tabelionatos do País, a questão também tem ocupado a pauta das Corregedorias dos Tribunais, dos Conselhos da Magistratura e das varas de registros públicos, tendo em vista o aumento de procedimentos de dúvida e até mesmo de feitos administrativos e disciplinares que reclamam, para o seu regular desfecho, uma avaliação da conduta do notário no processo de qualificação de determinado ato ou negócio inválido submetido à sua apreciação.

Com efeito, por ser o tabelião um profissional do Direito dotado de fé pública e legalmente incumbido, entre funções outras, de dar forma legal à vontade das partes – assessorando-as juridicamente em tudo o que for necessário para a instrumentalização do ato ou negócio pretendido –, é natural que dele se espere a recusa da lavratura de um instrumento que formalize negócio nulo, tendo em vista a absoluta inaptidão legal desse ato para produzir os efeitos colimados pelas partes interessadas.

Contudo, tratando-se de um negócio jurídico anulável, cuja invalidade concerne a interesses de ordem predominantemente privada e com possibilidade de convalidação do seu conteúdo pelo decurso do tempo, cabe questionar até que ponto se legitima a recusa eventual de um tabelião em formalizar o referido ato.

De um lado, pode-se entender que basta ao notário, nessas situações, advertir os interessados de que o negócio visado encerra uma nulidade relativa – passível de confirmação após o transcurso de prazo especificamente previsto em lei –, cientificando-os de todos os riscos e consequências relacionados ao ato que pretendem formalizar. Desse modo, atender-se-ia suficientemente o princípio da cautelaridade e o negócio poderia ser regularmente instrumentalizado em tabelionato, uma vez que previamente orientados os envolvidos acerca das consequências e demais particularidades jurídicas que decorrem da celebração de um negócio relativamente nulo.

Em contrapartida, se concebida a função notarial como uma atividade essencialmente destinada a prevenir litígios – com maior grau de valorização da sua finalidade de profilaxia jurídica –, poder-se-ia compreender que até mesmo o negócio anulável deve ter a sua instrumentalização pública negada pelo tabelião de notas, tendo em vista a contestabilidade do seu conteúdo por determinado lapso de tempo e o aumento das chances de conflitos futuros em razão da sua celebração.

Por conseguinte, procurar-se-á, por meio do presente trabalho, identificar os limites da atuação dos notários quando da formalização jurídica de vontades que impliquem atos ou negócios inválidos (especialmente aqueles eivados de anulabilidade), examinando, inclusive, a possibilidade de responsabilização civil e disciplinar dos delegatários pela lavratura de atos nulos e anuláveis.

Para tanto, abordar-se-á, primeiramente, a teoria das nulidades dos negócios jurídicos à luz da legislação vigente e, nos capítulos seguintes, a natureza, as finalidades, os deveres e os princípios regentes da atividade notarial, com especial enfoque para a atuação dos tabeliães à vista dos princípios da segurança jurídica e da justiça preventiva. Em seguida, tratar-se-á das espécies de nulidades identificáveis em negócios jurídicos comuns à função notarial e analisar-se-ão, outrossim, as providências adotáveis pelo notário à luz dos princípios e deveres que informam a sua atividade, com exposição de considerações finais sobre o tema.

1 A INVALIDADE DOS ATOS JURÍDICOS NO DIREITO BRASILEIRO

1.1 BREVES ANOTAÇÕES SOBRE A INVALIDADE DOS ATOS JURÍDICOS E SUAS ESPÉCIES

A invalidade dos atos jurídicos constitui tema comumente tormentoso para os estudiosos do Direito Civil devido aos variados dissensos doutrinários existentes a seu respeito e à ausência de uma uniformização terminológica em torno dos institutos que lhe concernem.1

De qualquer forma, é majoritário o entendimento doutrinário de que a verificação da invalidade de atos jurídicos (gênero que compreende, como espécies, os atos jurídicos em sentido estrito e os negócios jurídicos)2 passa pela análise do seu ingresso no plano da validade.

Embora a temática alusiva aos planos dos negócios jurídicos (sabidamente desenvolvida por Pontes de Miranda em obra de renome)3 ostente complexidade e profundidade teóricas que desbordam do objeto específico e delimitado deste trabalho, não é demasia recordar que a formação e o aperfeiçoamento dos negócios jurídicos pressupõem a sua passagem por três planos distintos, a saber: o da existência, o da validade e o da eficácia.

A esse respeito, são dignas de nota, por sua objetividade e lucidez, as lições hauridas da abalizada doutrina de MELLO, verbum de verbo:

O fato jurídico existe como resultado da incidência de uma norma sobre o seu suporte fático suficientemente composto.

O ser válido (valer), ou inválido (não-valer), já pressupõe a existência do fato jurídico. Da mesma forma, para que se possa falar de eficácia (= ser eficaz) é necessário que o fato jurídico exista. A recíproca, porém, em ambos os casos, não é verdadeira.

O existir independe, completamente, de que o fato jurídico seja válido ou de que seja eficaz. O ato jurídico nulo é fato jurídico como qualquer outro, só que deficientemente. A deficiência de elemento do suporte fático o faz inválido. Assim também ocorre com a eficácia [...]

Do mesmo modo, não há uma relação essencial entre a validade e a eficácia do ato jurídico. Em geral, o ato jurídico precisa ser válido para ser eficaz. Não, porém, essencialmente. O ato jurídico inválido, quando anulável, produz todos os seus efeitos até que sejam (ato e efeitos) desconstituídos por sentença judicial; mesmo quando nulo, há hipóteses em que é eficaz (casamento putativo, e.g.). Também há situações em que o ato jurídico válido, ao menos temporariamente, é ineficaz quanto a seus efeitos específicos, de que são exemplos o testamento antes da morte do testador, os negócios jurídicos sob condição suspensiva antes do implemento da condição e os negócios jurídicos que dependem de elemento integrativo, antes que este ocorra.

[...]

De tudo isto resulta claro que há um único dado essencial a ser ponderado: a existência do fato jurídico. A partir dela é que se pode falar de validade ou invalidade e de eficácia ou ineficácia. Se se falar em inexistência do fato jurídico já não se poderá falar em invalidade ou ineficácia. Mas falar-se em ineficácia ou invalidade não pode levar a se ter como consequência, nem remota, a inexistência.4

(Grifos do autor)

Dessa forma, a apreciação da validade ou invalidade e da eficácia ou ineficácia de determinado ato jurídico pressupõe, necessariamente, que ele já exista no mundo jurídico. Pode acontecer, efetivamente, de um negócio inválido ser eficaz (como é o caso de um contrato celebrado em estado de perigo, até que sobrevenha a sua anulação judicial) e, também, de um ato válido ser ineficaz (como ocorre, verbi gratia, com uma doação feita sob condição suspensiva), mas não se pode falar em ato ou negócio válido (ou inválido) e eficaz (ou ineficaz) quando este nem sequer existiu juridicamente.5

Ao presente estudo, porém, interessa o exame específico do plano da validade, estritamente, porquanto é nele que se avaliam as causas capazes de acarretar a nulidade ou anulabilidade de um ato ou negócio jurídico.

Importa destacar, contudo, que apenas passam pelo plano da validade os atos jurídicos lato sensu (a abranger os atos jurídicos stricto sensu e os negócios jurídicos), tendo em vista que somente condutas qualificadas pela vontade humana comportam a apreciação de sua conformidade com o ordenamento jurídico vigente. Fatos da natureza (fatos jurídicos em sentido estrito), como o nascimento e a morte, por exemplo, realizam-se por si mesmos, surgem naturalmente no mundo fenomênico e, por isso, não dependem de valorações jurídicas para existirem e produzirem efeitos, de modo que descabe nulificá-los ou anulá-los.

Assim, para que produza validamente os seus efeitos, o negócio jurídico requer, de acordo com a disciplina estabelecida pelo Código Civil em vigor (artigo 104),6 que o agente seja capaz, o objeto lícito, possível e determinado (ou determinável) e que a forma empregada esteja prevista em lei ou não seja por ela proibida. Não satisfeitas tais condições, configurar-se-á a invalidade do negócio e os seus efeitos deverão ser desconsiderados após a sua devida anulação pela autoridade judiciária competente.

Ainda releva sublinhar, no ensejo, que importante segmento da doutrina civilista qualifica a invalidade dos atos e negócios jurídicos como uma espécie de sanção imposta pelo sistema jurídico a quem busca alcançar determinada vantagem ao arrepio das normas aplicáveis. Consoante pontifica MELLO, “a invalidade é, na verdade, uma espécie de sanção cuja finalidade consiste em privar das vantagens que possa obter do ato jurídico aquele que o pratica em contrariedade a normas jurídicas cogentes”.7 Nessa mesma direção leciona DINIZ, para quem a nulidade “vem a ser a sanção, imposta pela norma jurídica, que determina a privação dos efeitos jurídicos do negócio praticado em desobediência ao que prescreve”.8

Tal concepção, porém, é polêmica e vista com certas ressalvas por parte de outros setores da doutrina, como bem explana SOUZA em artigo pertinente ao tema, ad litteris et verbis:

Ao vincular a existência das nulidades virtuais à ausência de sanção específica para a violação da norma, o legislador ainda contribui para uma segunda interpretação preocupante: a de que a invalidade negocial seria uma sanção. Contra essa concepção sempre se insurgiu autorizada doutrina, com o fundamento de que a ideia de sanção deveria significar uma consequência negativa, o que destoa da ratio das invalidades. Nesse sentido, já se afirmou que as nulidades apenas seriam sanções jurídicas em um sentido particular, mais direcionado à eficácia do ato do que à penalização do agente. A noção das invalidades como sanções, porém, é bastante difundida na doutrina, que considera a não produção de efeitos uma consequência indesejável para o agente. Mais ainda, a noção de nulidade como sanção assume com frequência um sentido punitivo dos agentes, muito embora não pressuponha qualquer critério subjetivo de imputabilidade. Por outro lado, não é rara a afirmação de que a “sanção” seria dirigida ao próprio ato, o que apenas se coaduna com a noção lata de “sanção” como consequência jurídica.9

(Grifo nosso)

De qualquer modo, quer seja concebida como uma sanção, quer seja qualificada como mera consequência jurídica de um defeito impregnado no ato praticado, a invalidade, uma vez reconhecida e declarada, tem o condão, em regra, de impedir que determinado ato ou negócio produza os efeitos jurídicos que lhe seriam próprios, uma vez que realizado em descompasso com as prescrições normativas que lhe são pertinentes.

Por outro lado, as invalidades são comumente classificadas, em âmbito doutrinário, em originária e sucessiva, total e parcial e, ainda, em nulidades absoluta e relativa (espécies do gênero invalidade, conforme exposto pela maioria da doutrina nacional).10

Originária é a nulidade congênita do ato inválido, isto é, aquela que o acompanha desde o seu nascimento, contaminando-o desde o início da sua formação. Sucessiva, por seu turno, é a nulidade que decorre de uma causa superveniente; nessa hipótese, o ato nasce válido, mas uma circunstância sobrevinda ao seu processo de formação inquina-o de algum vício ou causa nulificante, comprometendo, assim, a sua higidez jurídica.11

A invalidade pode ser ainda total ou parcial. Qualifica-se como total quando macula o ato em toda a sua extensão, atingindo, assim, todas as suas partes integrantes ou, ao menos, todas aquelas de que dependam as demais partes escoimadas da causa de invalidação. Parcial, em contrapartida, é a invalidade que alcança apenas uma parcela do ato jurídico, permanecendo hígido o seu restante.

Aliás, é necessário recordar que o artigo 184 do vigente Código Civil consagra o princípio da conservação dos negócios jurídicos em matéria de invalidades parciais, estatuindo que, “respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal”.12

Opera-se, destarte, o que se convencionou denominar, em doutrina, de técnica da redução,13 compreendida como aquela pela qual se removem as partes inválidas de um determinado negócio e se preservam as demais, em prestígio à vontade negocial e à conservação do negócio jurídico.

Cabe ter presente, contudo, que a separabilidade das partes de um negócio jurídico parcialmente inválido é condição estritamente necessária para a aplicação da técnica supramencionada. Ou seja, se o negócio, por sua natureza, não for suscetível de cisão ou se as partes dele válidas desnaturarem a sua essência após a separação, não será juridicamente cabível a sua conservação, mostrando-se consequentemente impositiva a sua invalidação total. Como atinadamente elucida MELLO, verbatim:

O problema da invalidade total ou parcial do negócio jurídico, como é evidente, está relacionada, especificamente, com a questão da separabilidade de suas partes, a qual se condiciona, por sua vez, à preservação da integridade do ato jurídico, tanto do ponto de vista (a) objetivo como (b) subjetivo.

Objetivamente, só é possível falar em invalidade parcial se a exclusão da parte inválida não atinge o negócio jurídico em sua essência, isto é, a separação não descaracteriza o seu suporte fáctico. Se a separação o desfigura, não há invalidade parcial, mas total. Sob esse aspecto tem influência relevante a problemática da composição do negócio jurídico em relação à quantitatividade, ou seja, é necessário levar em conta se há (a) unidade ou pluralidade, (b) unitariedade ou complexidade no ato jurídico, bem assim se há (c) união externa ou interna de negócios jurídicos.

[...]

Do ponto de vista subjetivo, a separação, mesmo quando possível objetivamente, não pode prejudicar a finalidade do negócio jurídico conforme a vontade dos figurantes. Por isso é que o texto do art. 184 do Código Civil inicia: “Respeitada a intenção das partes, a invalidade...”. Ainda que se trate de caso de pluralidade, naturalmente desde que haja união interna, se da interpretação dos atos jurídicos se pode concluir que os figurantes consideram os atos jurídicos dependentes, não será possível a separação se a parte restante do ato jurídico não atender à finalidade para que foi realizada. A regra deve ser a de que a invalidade parcial conduz à invalidade total. Se, no entanto, ficar constatado que, excluída a parte inválida, mesmo assim os figurantes teriam realizado o negócio jurídico, deve manter-se o restante válido. A invalidade parcial, portanto, constituirá sempre exceção.14

(Grifos do autor)

Por fim, a invalidade ainda tem como espécies as chamadas nulidades absoluta e relativa (usualmente denominadas, também, pela maior parte da doutrina, de nulidade e anulabilidade, respectivamente).

Pela maior pertinência temática dessa categoria com o espectro delimitado de pesquisa do presente trabalho, abordar-se-ão os seus contornos dogmáticos e suas demais particularidades doutrinárias em tópico específico.

1.2 NULIDADES E ANULABILIDADES

Inspirada na doutrina civilista francesa, a maioria expressiva dos estudiosos brasileiros do Direito Civil costuma classificar a invalidade dos atos e negócios jurídicos em nulidade absoluta (como sinônimo de nulidade) e em nulidade relativa (como sinônimo de anulabilidade), de modo a diferençar os casos de invalidades mais graves, violadoras de regras de ordem pública e consequentemente contrárias a interesse social (nulidades) daqueles relacionados a invalidades consideradas menos severas, que atingem interesses meramente particulares dos envolvidos e que, por isso, recebem uma sanção mais branda do ordenamento jurídico, com possibilidade de convalidação do ato, inclusive, pelo decurso do tempo (anulabilidades).

Com o aprofundamento analítico que lhe é peculiar, MELLO discorre com precisão sobre o aludido tema em sua destacada obra, litteratim:

Não há uniformidade, nem legislativa nem doutrinária, quanto à terminologia empregada para designar essas duas espécies de invalidade.

A doutrina francesa, especialmente, denomina nulidade absoluta e nulidade relativa as espécies que denominamos nulidade e anulabilidade, respectivamente. Por sua influência, essa terminologia difundiu-se na literatura jurídica tradicional, sendo ainda hoje utilizada amiúde.

Essas expressões constituem reflexo da constatação de que (a) há invalidades cujo fundamento é de ordem pública, como no caso de ilicitude do objeto, e que, por essa razão, são tratadas com mais rigor: são insanáveis e, por terem, em geral, eficácia erga omnes, podem ser alegadas por qualquer interessado, inclusive pelo Ministério Público, cabendo ao juiz decretá-las de ofício (= sem provocação das partes), tanto que tome conhecimento do ato ou de seus efeitos e, por isso, seriam absolutas. (b) Diferentemente, há outras que, por dizerem respeito, mais especificamente, a interesses privados e pessoais, têm sua eficácia relacionada, exclusivamente, às pessoas que sofrem diretamente as consequências do ato jurídico, as quais, por sua vontade, podem sanar o vício, desse modo, seriam relativas a essas pessoas, mesmo porque somente a elas se reconhece legitimação para alegá-las em ação própria ou como defesa.15

(Grifos do autor)

Na sequência, porém, MELLO já chama a atenção para a falta de rigor científico no uso dos termos “nulidade absoluta” e “nulidade relativa” – que prefere substituir, respectivamente, por “nulidade de pleno iure” e “nulidade dependente de alegação” –, conforme ponderações abaixo reproduzidas:

A impropriedade terminológica no emprego das expressões nulidade absoluta e nulidade relativa parece-nos evidente, porque (a) à mesma expressão são atribuídos sentidos diferentes, (b) o que cria ensejo ao seu emprego para designar objetos distintos. Por isso, o seu uso leva à possibilidade de incorrer-se na imprecisão de se dizer que uma nulidade absoluta (=nulidade), quando apenas alegável pelo interessado direito, seria, também, uma nulidade relativa. A falta de precisão, que a torna carente de cientificidade, nos leva a recusá-la, seguindo a doutrina que nos parece mais correta.

Para evitar esses inconvenientes, preferimos denominar nulidades de pleno iure aquelas que podem ser alegadas por qualquer interessado, inclusive pelo Ministério Público, e decretadas de ofício pelo juiz (que correspondem às chamadas absolutas), e nulidades dependentes de alegação aquelas que correspondem às ditas relativas [...]16

(Grifos do autor)

De todo modo, independentemente das discrepâncias terminológicas existentes sobre o assunto, é doutrinariamente comum relacionar a espécie nulidade (de natureza absoluta) à violação de normas jurídicas ditas cogentes (também denominadas de ordem pública). Tais normas, por refletirem valores sociais e costumes de importância mais elevada para o sistema jurídico que as abrange, encerram inequívoco interesse social (uma vez que o seu estrito respeito em qualquer ato ou negócio jurídico traduz, pari passu, respeito à própria incolumidade do ordenamento positivo, o que é de interesse de uma coletividade indeterminada de pessoas).

Na lúcida preleção de MELLO, “a expressão ordem pública, no que respeita à invalidade, não tem o sentido restrito empregado no direito público”, querendo “designar o interesse protegido por normas jurídicas cogentes, impositivas ou proibitivas, que se impõem a todos indistintamente, interessando, por isso, ao direito como um todo”.17 Ademais, pela distinta argúcia com que examinou o tema, é válido citar a contribuição doutrinária de VELOSO sobre o conceito e significado de normas cogentes no Direito brasileiro, ad litteris et verbis:

As leis cogentes representam normas que se impõem de modo absoluto. Sua obrigatoriedade é de alto grau, ora estabelecendo determinada conduta (lei imperativa), ora proibindo algum procedimento (lei proibitiva). A violação de lei cogente implica, em regra, nulidade absoluta do ato praticado. Não é possível, mediante convenção ou acordo, afastar a incidência das leis cogentes, cujos preceitos são inderrogáveis, submetendo e subordinando a vontade individual, a tal ponto que não se pode renunciar a benefícios ou direitos que eles confiram. [...]

Dentre as leis cogentes, merecem destaque especial aquelas que albergam princípios de ordem pública. São leis que, embora atuando no campo do direito privado, visam a resguardar e garantir interesses fundamentais da coletividade. Por sua finalidade social e rigorosa imperatividade, assemelham-se muito às regras de direito público. São de ordem pública as leis que definem o estado e a capacidade das pessoas, que estruturam a família, que protegem as crianças e adolescentes, que organizam a propriedade, especialmente a imobiliária, que regulam o inquilinato, que estabelecem os direitos dos consumidores.

Nem sempre é fácil concluir se dado preceito é de ordem pública. Deve o intérprete verificar o conteúdo e abrangência da norma, os interesses que ela protege, os fins sociais a que ela se destina.18

Dessa forma, como acuradamente observado por VENOSA, o ordenamento jurídico brasileiro “é inspirado no critério do respeito à ordem pública, estando, por isso, legitimado a arguir a nulidade qualquer interessado, em seu próprio nome, ou o representante do Ministério Público”.19 Ou seja, o negócio ou ato realizado com desrespeito a norma cogente, consagradora de princípio de ordem pública, será sancionado, em regra, com a pecha da nulidade, deixando de produzir, destarte, os efeitos jurídicos almejados pelos respectivos celebrantes.

O artigo 166 do vigente Código Civil brasileiro enumera as hipóteses de nulidade dos negócios jurídicos.20 Eis o teor do sobredito dispositivo legal, in verbis:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV - não revestir a forma prescrita em lei;

V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.21

Por outro lado, a nulidade de caráter absoluto precisa ser decretada em juízo para que o negócio seja invalidado e deixe de surtir efeitos jurídicos quaisquer; porém, não é lícito ao magistrado supri-la, ainda que a pedido das partes (artigo 168, parágrafo único, do Código Civil em vigor).22 Além disso, a declaração judicial de nulidade retroage ao momento do surgimento do ato ou negócio inválido (eficácia ex tunc), extirpando os seus efeitos do universo jurídico (como se o ato nunca tivesse existido).23 A nulidade, outrossim, considerada a índole cogente das normas que lhe concernem, pode ser alegada por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir (artigo 168, caput, do Código Civil vigente).

Outra relevante questão pertinente à nulidade diz respeito à impossibilidade de confirmação do negócio nulo e à inadmissibilidade do seu convalescimento pelo decurso do tempo (consoante previsto no artigo 169 do Código Civil).24

Quer dizer, verificada a nulidade de determinado negócio jurídico, será necessário repeti-lo com a devida observância da prescrição legal ensejadora da nulidade primitiva, não se viabilizando, assim, a ratificação do ato anteriormente praticado pelas partes (ainda que estas pretendam aproveitá-lo para dele retirarem efeitos jurídicos). Como bem pontua VENOSA em exemplo de compra e venda realizada por um menor de dezesseis anos sem representação legal, “para que o negócio valha, deve ser repetido com a presença do representante legal do menor”, de sorte que “só tem existência legal o segundo negócio”, pois “a partir dele é que se produzirão os efeitos da compra e venda; o primeiro negócio, nulo, nenhum efeito produz”.25

De mais a mais, não se concebe, legalmente, a possibilidade de que o ato ou negócio nulo se convalide após o transcurso de determinado lapso temporal. Isso implica dizer que toda nulidade absoluta é reconhecível e declarável a qualquer tempo, não precisando, assim, ser respeitado qualquer prazo para a sua decretação judicial. Ou seja, por força do precitado artigo 169, a ação do tempo e a vontade das partes não têm o condão de convalidar ou ratificar negócios nulos.

É mister ressalvar, contudo, a compreensão atualmente dominante em âmbito doutrinário e jurisprudencial de que apenas a pretensão declaratória da nulidade é que não perece com o decurso do tempo, sendo dedutível e apreciável judicialmente independentemente de prazo. Sem embargo, pretensões de caráter condenatório (como o ressarcimento de valores pagos em virtude de negócio nulo) e indenizatório (reparação civil de um dano decorrente de ato nulo), ainda que derivadas de uma relação jurídica eivada de nulidade, estão sujeitas a prazos prescricionais.

Dita questão, aliás, foi muito bem dilucidada na obra de GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, razão pela qual se transcrevem os seus apontamentos doutrinários sobre o tema, in litteris:

Contudo, a despeito de a lei haver firmado norma expressa a respeito, não é facilmente aceita a teoria da imprescritibilidade dos efeitos do ato nulo.

Sim, o ato nulo produz efeitos, embora limitados à seara das relações fáticas!

Com efeito, não há como negar que o ato realmente existiu, embora se reconheça que esteja eivado de vícios que impossibilitam o reconhecimento de sua validade jurídica.

Tais atos geram, sem sombra de dúvida, efeitos concretos, que não podem deixar de se convalidar com o decurso do tempo. Os efeitos privados pela sanção da nulidade são os jurídicos, não havendo como se negar o fato de que a emissão destes atos gera efeitos na realidade concreta, ou seja, em outras palavras a nulidade (absoluta ou relativa) somente é evidente no mundo ideal, exigindo a manifestação judicial para a declaração desta nulidade.

[...]

Preferível, por isso, é o entendimento de que a ação declaratória de nulidade é realmente imprescritível, como, aliás, toda ação declaratória deve ser, mas os efeitos do ato jurídico – existente, porém nulo – sujeitam-se a prazo, que pode ser o prazo máximo prescricional para as pretensões pessoais [...] ou, como na maior parte dos casos, tratando-se de demanda de reparação civil, o novo prazo de 3 anos [...]

Isso porque se ação ajuizada for, do ponto de vista técnico, simplesmente declaratória, sua finalidade será apenas a de certificar uma situação jurídica da qual pende dúvida, o que jamais poderia ser objeto de prescrição.

Todavia, se a ação declaratória de nulidade for cumulada com pretensões condenatórias, como acontece na maioria dos casos de restituição dos efeitos pecuniários ou indenização correspondente, admitir-se a imprescritibilidade seria atentar contra a segurança das relações sociais. Neste caso, entendemos que prescreve sim a pretensão condenatória, uma vez que não é mais possível retornar ao estado de coisas anterior.

[...]

Por imperativo de segurança jurídica, melhor nos parece que se adote o critério da prescritibilidade da pretensão condenatória de perdas e danos ou restituição do que indevidamente se pagou, correspondente à nulidade reconhecida, uma vez que a situação consolidada ao longo de dez anos provavelmente já terá experimentado uma inequívoca aceitação social. Aliás, se a gravidade, no caso concreto, repudiasse a consciência social, que justificativa existiria para tão longo silêncio? Mais fácil crer que o ato já atingiu a sua finalidade, não havendo mais razão para desconsiderar os seus efeitos.

Em síntese: a imprescritibilidade dirige-se, apenas, à declaração de nulidade absoluta do ato, não atingindo as eventuais pretensões condenatórias correspondentes.26

(Grifos dos autores)

Vale frisar, por sinal, que a posição doutrinária supramencionada tem sido chancelada pela jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, o qual já assentou que “a ação declaratória pura é imprescritível, mas as pretensões condenatórias ou constitutivas resultantes do ato nulo sujeitam-se ao fenômeno da prescrição”.27 Ademais, na sua sexta Jornada de Direito Civil, realizada em 2013, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal aprovou enunciado específico sobre a temática sub oculis, sufragando o entendimento de que, “resultando do negócio jurídico nulo consequências patrimoniais capazes de ensejar pretensões, é possível, quanto a estas, a incidência da prescrição”.28

Por seu turno, constitui a anulabilidade uma sanção mais flexível do ordenamento jurídico a atos ou negócios realizados em descompasso com as suas normas. Diferentemente do que se verifica nas hipóteses de nulidade – em que se violam normas de ordem pública, de interesse transindividual29 e, ipso facto, inderrogáveis pela vontade das partes –, na anulabilidade as regras jurídicas transgredidas tutelam direitos de natureza eminentemente privada. Entende-se, por essa razão, que o prejuízo resultante do negócio anulável atinge, em regra, interesses preponderantemente particulares e, bem por isso, pode ser ele ratificado pelos celebrantes para seguir produzindo os seus efeitos ou mesmo convalidado pelo transcurso de determinado lapso temporal estabelecido em lei.30

Além de outros casos expressamente definidos em lei,31 dispõe o Código Civil que o negócio é anulável “por incapacidade relativa do agente” e “por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores” (artigo 171).32

De mais a mais, diversamente do que sucede com a nulidade (alegável por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, além de ser pronunciável ex officio pelo juiz), a anulabilidade depende, para o seu reconhecimento em juízo, de provocação de parte legitimamente interessada, conforme taxativamente previsto no artigo 177 do Código Civil em vigor.33 Aliás, relativamente à legitimidade do interessado para pleitear a anulação, pontificam GAGLIANO e PAMPLONA FILHO que “o melhor entendimento é no sentido de que se trata de pessoa juridicamente interessada, vale dizer, o próprio declarante que foi parte no negócio, ou o seu representante legal”, de sorte que “interesse meramente econômico ou moral não legitima a alegação”.34

Sendo assim, observa-se que o sistema normativo brasileiro permite identificar, com clareza, as diferenças existentes entre nulidade e anulabilidade no tocante à natureza, causas, efeitos e demais características jurídicas de cada instituto.

Efetivamente, ao passo que a nulidade de um ato ou negócio jurídico afronta uma ou mais normas cogentes e, por conseguinte, um interesse público de maior envergadura – dada a sua feição difusa –, a anulabilidade, por sua vez, diz respeito ao interesse privado de uma ou mais pessoas prejudicadas pelo negócio viciado.

Além do mais, o negócio absolutamente nulo não comporta ratificação e tampouco convalesce pelo decurso do tempo, sendo imprescritível, assim, a pretensão exclusivamente destinada à obtenção de seu reconhecimento e declaração em âmbito judicial (pretensões condenatórias derivadas da nulidade, porém, estão sujeitas a prazo prescricional); o negócio anulável, por seu turno, admite confirmação e está sujeito a prazos decadenciais para que seja postulada a sua decretação na esfera judicial.

A nulidade, outrossim, pode ser suscitada pelas partes, por terceiro interessado e pelo Ministério Público (quando lhe couber intervir), além de ser reconhecível de ofício pela autoridade judiciária; já a anulabilidade, para ser reconhecida em juízo, depende da alegação de uma das partes envolvidas no negócio defeituoso ou de terceiro juridicamente interessado.

As diferenças entre os institutos também foram argutamente sintetizadas por PONTES DE MIRANDA sob a ótica do ingresso deficiente do ato no plano da validade, verbatim:

Nulo é ato que entrou, embora nulamente, no mundo jurídico. Também entra, e menos débil, no mundo jurídico o suporte fático do negócio jurídico anulável. Nulo e anulável existem. No plano da existência (entrada no mundo jurídico), não há como distingui-los. Toda distinção só se pode fazer no plano da validade. Se disséssemos que aquele não existe, confundi-lo-íamos com o inexistente; se disséssemos que nulo é o que não tem efeitos, transplantaríamos ao plano da eficácia problema que só há de ser posto e resolvido no plano da validade. Trata-se de distinção interna ao plano da validade, baseada em maior ou menor gravidade do défice. [...]

Seja como for, é à técnica legislativa que toca discriminar as causas de nulidade e as de anulabilidade para que se observem os dois regimes, internos ao plano da validade, atendidas as modificações que se entendam, na lei, indispensáveis.35

Destarte, uma vez feitas essas anotações introdutórias sobre os institutos pertinentes ao estudo ora proposto, passar-se-á a examinar a sua relevância para a atividade notarial e a sua aplicabilidade prática no ofício dos tabeliães brasileiros, notadamente quanto à instrumentalização pública de negócios anuláveis.

2 A ATIVIDADE NOTARIAL NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

2.1 OS PRINCÍPIOS INFORMADORES DA ATIVIDADE

Influenciada pelo direito romano e radicada no sistema de notariado latino,36 a atividade notarial brasileira tem a função primacial de garantir a segurança e eficácia dos atos jurídicos mediante apreensão da vontade das partes e promoção da sua qualificação jurídica à luz do direito positivo nacional.

É essa, em suma, a finalidade essencial dos serviços brasileiros de notas, a qual pode ser facilmente deduzida, aliás, da leitura conjugada dos artigos 1º e 6º da Lei n.º 8.935/94,37 que assim estatuem, ad litteris et verbis:

Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

[...]

Art. 6º Aos notários compete:

I - formalizar juridicamente a vontade das partes;

II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;

III - autenticar fatos.

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Vale ainda transcrever, no ensejo, as considerações lapidares de LOUREIRO a respeito da atividade notarial no Brasil, verbatim:

Como profissional jurídico imparcial, o notário não interfere na vontade das partes, mas apenas capta a vontade exteriorizada em sua presença, dando-lhe forma jurídica, isto é, garantindo a observância dos requisitos legais e, consequentemente, a validade e eficácia do ato ou negócio jurídico que a consubstancia.

Embora não possa interferir na vontade das partes, ele tem o dever de aconselhar, de emprestar seu conhecimento jurídico para tornar efetiva e válida a finalidade visada pelos contratantes, agindo, portanto, também como consultor e não como mero redator de instrumentos ou documentos. Pode ainda realizar todas as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo dos atos notariais, tais como requerer a certidão de imóveis, providenciar a guia para pagamento de tributos devidos, etc.38

Por outro lado, institui a Lei de Notários e Registradores (Lei n.º 8.935/94) um conjunto de deveres funcionais a serem observados pelos titulares dos serviços de notas e de registros (artigo 30 da citada Lei).39 Pela maior pertinência com o objeto específico deste estudo, destacam-se, entre eles, os deveres de atendimento das partes com eficiência, urbanidade e presteza (artigo 30, II) e de observância das normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente (artigo 30, XIV).

Com efeito, atender com eficiência os usuários dos serviços significa, fundamentalmente, na atividade notarial, a intervenção em atos e negócios e a formalização jurídica de vontades sempre em estrita conformidade com o ordenamento jurídico vigente. Serviço eficiente, nesse contexto, não é só aquele garantidor de validade, eficácia e segurança jurídica ao ato visado pelos respectivos utentes, mas também o que evita a sua prática pela verificação de alguma causa de nulidade, suspeita de fraude ou violação de regra capaz de gerar futura insegurança jurídica e consequente surgimento de litígios. É nesse sentido, por sinal, que se acha registrado o escólio doutrinário de LOUREIRO sobre o tema, in litteris:

Este dever deriva do princípio da legalidade que constitui um dos pilares da função notarial e da própria competência material do tabelião de notas. De acordo com o art. 6º da LNR, aos notários compete formalizar juridicamente a vontade das partes, intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade e autenticar fatos. Logo, havendo requerimento do interessado, não pode o notário recusar seu mister de conferir fé pública aos fatos ocorridos em sua presença.

Portanto, o notário deve prestar seus serviços toda vez que solicitado, dentro dos limites de sua competência, salvo quando o ato para o qual sua intervenção tenha sido requerida for contrário à lei. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que o tabelião tem um dever de agir, ele também tem um dever de não prestar seus serviços quando constatar a existência de vício ou fraude à lei. Do contrário, sua intervenção, ao invés de garantir a validade e eficácia do ato ou negócio jurídico, colaboraria para a insegurança jurídica, cobrindo indevidamente com o manto da validade aquilo que é ilícito. Em tal hipótese, longe de preservar a paz social, o tabelião contribuiria para o surgimento de conflitos e litígios decorrentes da invalidade do ato ou negócio jurídico no qual, indevidamente, deu-se sua intervenção.40

(Grifo nosso)

Eficiente, outrossim, será o serviço notarial prestado com observância aos prazos legais e regulamentares que lhe forem aplicáveis e com respeito às normas técnicas de serviço estabelecidas pelo juízo competente (artigo 30, XIV, da Lei n.º 8.935/94).

A esse respeito, ensina LOUREIRO que “as normas técnicas administrativas são de aplicação subsidiária à lei federal sobre a matéria, isto é, destinam-se a esclarecer a melhor interpretação e buscar um entendimento uniforme sobre a questão”, razão por que se configura “o dever de cumpri-la, desde que não implique, obviamente, descumprimento do princípio da legalidade e violação à independência e autonomia do notário”.41

De todo modo, a despeito da complexa deontologia que envolve o ofício notarial, não se tem dúvida alguma de que a segurança jurídica se sobressai como o principal fundamento axiológico de todo o conjunto de normas e princípios que disciplinam a função do notário, a organização da sua atividade e o próprio estudo e sistematização do direito notarial como um ramo da ciência jurídica.

Para além de verdadeiro sobreprincípio42 do ordenamento brasileiro – porquanto imbricado à própria conceituação de Estado de Direito –, a segurança jurídica também se constitui em princípio setorial da atividade notarial por consistir, a um só tempo, no grande norte da atuação técnica dos notários (invariavelmente atrelados ao mister de garantir segurança jurídica a quaisquer atos ou negócios em que intervenham) e, também, no fim precípuo do próprio serviço notarial (corriqueiramente buscado pelos respectivos usuários para a prática de atos da vida social de forma juridicamente segura e eficaz).

Como lucidamente exposto por LOUREIRO, “o notário deve garantir a segurança jurídica das transações, notadamente pela definição precisa dos direitos e obrigações de cada uma das partes contratantes”, de modo que lhe cabe, exemplificativamente, colaborar para a “segurança da ordem jurídica como um todo, participando da luta contra a lavagem de dinheiro e prestando todas as informações necessárias às autoridades competentes, segundo as leis brasileiras (art. 30, III, da Lei 8.935/1994)”.43

Outro princípio cardeal da atividade notarial é o da justiça preventiva (ou princípio da cautelaridade). Segundo este princípio, incumbe ao notário orientar amplamente as partes e lançar mão dos instrumentos juridicamente adequados para instrumentalizar suas vontades em ordem a prevenir conflitos futuros entre os celebrantes de determinado negócio jurídico.

Atua o tabelião, nesse contexto, como verdadeiro agente de pacificação social, tendo em vista que a sua atuação extrajudicial, se bem desenvolvida, tem o condão de evitar diversos litígios futuros entre os utentes do serviço – ou entre estes e terceiros – em razão de circunstâncias relacionadas, por exemplo, à validade jurídica ou ao desequilíbrio econômico da transação entabulada. Como bem resumido por doutrina especializada, “a ideia trazida por este princípio é a de concretização de atos pelo cartório sem vícios ou quaisquer irregularidades, a fim de evitar demandas judiciais futuras”.44

Bem se vê, destarte, que o referido princípio serve, em última análise, para a concretização da própria segurança jurídica no bojo da sociedade, uma vez que a prevenção das lides – além de contribuir efetivamente para a diminuição do acúmulo de processos no Poder Judiciário e para a melhor administração da Justiça – também representa um fator de estabilização das relações jurídicas e de consequente promoção da paz social (propósito maior do princípio da segurança jurídica).

Ou seja, às partes se mostrará juridicamente seguro o negócio que, sendo orientado por um profissional do Direito dotado de conhecimentos especializados e de fé-pública, contenha suficiente previsibilidade em relação aos direitos e obrigações dele constantes, à higidez jurídica do seu conteúdo e aos efeitos que deve surtir perante os celebrantes e terceiros (não infundindo ao usuário, assim, incertezas capazes de ensejar conflitos de interesses e consequente ajuizamento de ações futuras).

É forçoso reconhecer, destarte, que os princípios da cautelaridade e da segurança jurídica guardam uma estreita relação de interdependência sistêmica no âmbito do Direito Notarial, como brilhantemente pontifica LOUREIRO no seguinte excerto da sua autorizada obra, verbum pro verbo:

Este princípio, observado na maior parte dos ordenamentos jurídicos, apresenta-se como essencial para a garantia da paz social, mediante a prevenção de litígios, um dos objetivos fundamentais do Estado.

Com a finalidade de prevenir conflitos, o notário favorece a conclusão de acordos claros e equilibrados, assegurando-se às partes a manifestação de seu consentimento esclarecido e, em nosso país, a assistência de advogados em vários casos.

O notário constitui, ao longo dos séculos, um fator de paz social. Em caso de diferença ou conflito entre as partes, o notário procura sempre a conciliação. Para tanto, ele tem o dever de informar a existência, as modalidades e as vantagens ou modos de regramentos alternativos de litígios, notadamente a mediação.

Embora ainda praticamente desconhecido e pouco discutido em nosso país, este princípio pode ser inferido do próprio art. 1º da Lei 8.935/1994, como pressuposto da segurança jurídica (sem paz social não há estabilidade jurídica) e de leis especiais.

De fato, atualmente, percebe-se na maior parte dos país, como resposta ao esgotamento do Judiciário, uma tendência à retirada da competência jurisdicional de diversos atos de jurisdição voluntária, isto é, de negócios jurídicos em que há administração pública de interesses privados, mas em que não há lide ou litígio.

Em nosso país, podemos citar, sem preocupação de apresentar um rol exaustivo, os seguintes casos: a) separação e o divórcio voluntários, desde que o casal não tenha filhos menores, nascituro ou incapazes e esteja patrocinado por advogado (art. 733, CPC); b) a extinção consensual da união estável, observadas as mesmas condições indicadas na letra “a” (art. 733, CPC); c) o inventário e partilha, em que não haja herdeiros menores, nascituro, ou incapazes e desde que o falecido não tenha deixado testamento, sendo obrigatória a assistência de advogado; d) alteração ou estabelecimento de divisas de imóveis (art. 213, § 9º, da Lei 6.015/1973 e art. 571, CPC); e e) homologação do penhor legal (art. 703, § 2º, CPC).45

(Grifo nosso)

Ressumbra, outrossim, com relevância ímpar para a atividade do notário, o princípio da formalidade (ou da autoria e responsabilidade). Como é sabido, distintos negócios jurídicos dependem, no Brasil, ex vi legis, da escritura pública como um requisito formal de validade do ato (como é o caso, por exemplo, daqueles destinados à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País, consoante previsto no artigo 108 do Código Civil em vigor).

Nessas situações, sendo o tabelião responsável pela elaboração e redação do instrumento e pela orientação das partes, a sua intervenção se afigura obrigatória para que o ato possa surtir efeitos válidos e, bem por isso, todas as formalidades legalmente exigíveis deverão ser rigorosamente atendidas para a consecução do fim visado pelo negócio. Com efeito, segundo o douto magistério de LOUREIRO, “em todos os casos em que atua, o notário é o autor e responsável pelo documento, uma vez que este contém declarações dele e das partes”, sendo que “a autoria pressupõe a consultoria e o aconselhamento de ambas as partes, sem qualquer custo extra, uma vez que cabe ao notário garantir a publicidade, conferir autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos (art. 1º da Lei 8.935/1994)”.46

A fé pública, por sua vez, como princípio basilar de toda a atividade notarial, é a autoridade legalmente conferida aos notários para atestar como autênticos e verdadeiros fatos ou atos acontecidos em sua presença ou com sua participação, o que só poderá ser desconsiderado após a produção de prova em sentido contrário. É por força da fé pública, portanto, que o documento redigido, autenticado ou aprovado pelo notário passa a ter “áurea de credibilidade, que o faz respeitado por todos os que dele tiverem conhecimento”.47 Sendo assim, uma vez lavrados em notas de tabelião, os instrumentos públicos passam a gozar do predicado da presunção de validade e veracidade e, por conta disso, só por meio de decisão judicial é que poderão ser invalidados ou ter declarada a falsidade de seus conteúdos.

Por outro lado, por força do princípio da imparcialidade e independência, entende-se que o notário, conquanto subordinado à legalidade e a regramentos técnicos do seu serviço, deve atuar com isenção no cumprimento das suas funções, redigindo os documentos que lhe forem solicitados e orientando os usuários respectivos à luz da legislação considerada aplicável a cada caso (sem conferir, em contrapartida, qualquer tratamento especial ou privilegiado às partes envolvidas). Como bem pontua LOUREIRO, ao notário cabe “tratar ambas as partes de forma imparcial, ainda que escolhido por uma delas”, pois “ao contrário do advogado, ele não patrocina a causa ou defende o interesse da parte, mas, sim, atua de forma a conferir validade e eficácia à vontade livre e com conhecimento de causa de ambas as partes”.48

Por derradeiro, cumpre tecer algumas considerações sobre o princípio notarial da legalidade (ou controle de legalidade).49

Efetivamente, como agente público que é,50 sujeita-se o notário à observância estrita da legalidade para a execução de suas funções (como, por exemplo, no tocante à cobrança de emolumentos, observância de prazos para atender requisições de autoridades administrativas, etc.). De outra parte, quando intervém em atos e negócios jurídicos e formaliza vontades em consonância com a lei, dispõe o tabelião de certa margem de liberdade para eleger o ato que, melhor satisfazendo a pretensão dos usuários do seu serviço, produza validamente os efeitos por eles esperados, sempre com a devida observância às normas de direito aplicáveis.

Diz-se, então, que o tabelião está sujeito, de um lado, à legalidade administrativa – quando só cumpre determinações legais no desempenho de suas funções (sem espaço, assim, para atuar de acordo com a sua independência técnica) – e, de outro, à chamada legalidade ampla, quando lhe é dado, com a devida observância das normas pertinentes, intervir em atos e negócios e aconselhar as partes envolvidas, mas de maneira tecnicamente independente (com a possibilidade de escolha, por exemplo, da melhor forma admissível em Direito para a instrumentalização de um acordo de vontades que atenda satisfatoriamente os interesses dos negociantes).

Por sua pertinência e lucidez, convém transcrever a anotação de LOUREIRO sobre a questão em comento, ad litteris et verbis:

[...] é preciso notar que, como agente público, ele somente pode fazer o que a lei expressamente determina no âmbito de uma relação de direito público, como a que se refere às suas competências, deveres, cobrança de emolumentos, etc. Por outro lado, no exercício de sua função de profissional do direito independente, o notário está sujeito ao princípio da legalidade aplicável aos demais campos do direito e não propriamente à legalidade administrativa.

Vale dizer, no desempenho de suas missões de formalizar juridicamente a vontade das partes e de intervir nos negócios jurídicos a que elas devem ou queiram dar forma legal ou autenticidade, o notário tem inteira liberdade de criar o ato que melhor atenda ao desejo e legítimo interesse de seus clientes, observando pela sua conformidade à ordem jurídica vigente a fim de que seja eficaz e seguro. Tradicionalmente, em todos os países de tradição romano-germânica, o notário é um jurista que, ao buscar soluções jurídicas legítimas para os problemas que lhe são trazidos pelos clientes, acaba por atuar para a criação do direito. Por exemplo, a noção dupla de domínio – domínio útil e domínio direito – é obra de notários medievais, assim como a organização jurídica da propriedade imóvel (condomínio edilício, direito de sobrevoo ou espaço aéreo, etc.) foi desenvolvida por notários franceses antes de ser consagrada pela legislação.

Com efeito, o documento notarial, no entanto, não é um ato administrativo e seu conteúdo reflete as vontades das partes, que são livres para estipular qualquer negócio jurídico que não seja vedado pela ordem jurídica. Nesse aspecto, como profissional do direito, o notário tem independência e liberdade de interpretar, qualificar e aplicar o direito a fim de dar forma jurídica, segurança e eficácia aos contratos celebrados pelos particulares.51

É aplicando o princípio da legalidade, então, que surge, na praxe notarial, o processo de análise da conformidade do ato ou negócio pretendido não só com a lei, estritamente concebida, mas com o ordenamento jurídico considerado no seu todo, isto é, à vista de um sistema logicamente coeso e racionalmente escalonado de valores, normas e princípios ou, como brilhantemente lecionado por JUAREZ FREITAS, à luz de uma rede axiológica e hierarquizada de “princípios gerais e tópicos, de normas e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito".52

Assim, nos atos e negócios em que intervém, o controle atualmente realizado pelo notário não é unicamente de legalidade e, sim, de juridicidade. Pressupõe-se, com isso, que a intervenção notarial esteja sempre apoiada em um processo de análise da conformação da vontade manifestada pelos usuários do serviço com todo o plexo de princípios e normas que compõem o sistema jurídico nacional (a começar, por conseguinte, pela própria conformidade constitucional do ato visado, tendo em vista a subordinação de todo o sistema normativo à Constituição da República).

A essa operação técnica – de verdadeiro controle da compatibilidade do ato com o Direito posto – dá-se o nome, em doutrina, de qualificação notarial.

2.2 O PROCESSO DE QUALIFICAÇÃO NOTARIAL E OS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA JUSTIÇA PREVENTIVA

Como antecipado, consiste a qualificação notarial no processo pelo qual o tabelião de notas avalia a conformidade, com o sistema de direito positivo, de determinado ato que as partes visem autenticar ou formalizar juridicamente.53

De acordo com AMADEI, a qualificação notarial se desenvolve em três etapas, a saber: dialogada, resolutiva e documentada.54 Em louvado trabalho acadêmico, BELUZZO bem elucida as fases por que passa a atividade qualificadora do notário, litteratim:

Na primeira delas, cabe ao notário promover uma incursão na motivação das partes, sondando propósitos e circunstâncias subjacentes ao negócio pretendido. Ademais, compete-lhe informá-las: aconselhá-las, alertá-las acerca do que eventualmente não entendam, como forma de prevenir problemas associados a atos mal formados. Eis por que essa fase se denomina “dialogada”: antes mesmo da redação de qualquer documento, o notário deve compreender o que fez as partes procurarem o serviço e levar a elas o seu conhecimento jurídico especializado. A segunda fase (a “resolutiva”) é o momento por excelência do juízo notarial. É quando o tabelião efetivamente emite juízo, positivo ou negativo, da conformação do ato ao ordenamento normativo incidente. Apenas em caso positivo é que se procede à terceira fase da qualificação (a “documentada”). Se positivo o juízo de qualificação, o agente delegado passa então a averiguar a identidade e a capacidade de cada uma das partes, bem como a redigir efetivamente o título, elegendo o nome adequado, expondo fatos, declarando vontades, estipulações e consignando eventuais declarações complementares.

As três fases auxiliam-se mutuamente. Assim, um adequado diálogo do notário com as partes previamente ao juízo de qualificação tem o condão de prevenir uma variada gama de problemas no ato, os quais poderiam inclusive acarretar sua desqualificação. Por seu turno, a adequada incursão do tabelião na realidade posta pelas partes certamente milita em favor da completude do próprio documento a ser redigido, que incluirá com precisão as informações necessárias para a compreensão do ato no futuro. E um instrumento bem redigido, por sua vez, tem a capacidade de preservar os direitos subjetivos e os interesses legítimos das partes celebrantes, auxiliando-se assim na consecução de toda a função jurisdicional.55

LOUREIRO, por seu turno, sistematiza as etapas da qualificação notarial nos seguintes termos, verbum de verbo:

Conforme ensina Gattari, a configuração jurídica do ato realizado pelo notário, através da aplicação do direito, é realizada através das seguintes operações: a) qualificação, premissa menor do silogismo, mediante a qual se determina o ato ou negócio jurídico que melhor atente aos interesses das partes; b) legalização, premissa maior, consistente na adaptação do negócio ou ato jurídico ao direito que o rege; e c) legitimação, que estabelece a relação entre o ato jurídico que se realiza com uma situação jurídica prévia.

Destarte, o controle da legalidade se dá através de um processo metodológico integrado por sucessivas etapas, na qual cada uma delas pressupõe a existência da anterior. Em primeiro lugar, deve o notário verificar se realmente tem competência ou atribuição para a prática do ato notarial. Em segundo lugar, deve verificar por sua ordem: a capacidade jurídica da parte; o poder normativo negocial (legitimidade e, se for o caso, a representação); a capacidade de obrar; o consentimento (se é dado com conhecimento de causa, se não há vício de vontade, etc.); e o objeto (se é lícito, determinado ou determinável, se é alienável, etc.).56

É fácil perceber, nesse contexto, a destacada importância que assume a qualificação notarial como processo metodológico que, de um lado, evita a formação defeituosa (ou mesmo írrita) de atos e negócios jurídicos e, de outro, assegura que estes produzam validamente os seus efeitos sem prejudicar direitos e interesses das partes e de terceiros.

Não se tem dúvida, portanto, de que a qualificação notarial constitui o ponto culminante de toda a atividade do tabelião de notas, visto que é por meio dela que se desenvolve o ofício do notário e em razão dela que se alcança a finalidade maior da função notarial, qual seja: garantir segurança e eficácia aos atos jurídicos e evitar litígios futuros. Isto é, ao controlar a juridicidade de atos a que as partes pretendam (ou devam) dar forma legal ou conferir autenticidade, exerce o notário função essencialmente preventiva e de consequente incentivo à segurança jurídica, já que a sua atuação, como usualmente ponderado em doutrina, “é vista como forma de profilaxia dos negócios jurídicos mal elaborados, evitando-se de forma antecipada a formação de lide e a sobrecarga do Poder Judiciário”.57

Nesse norte, observa-se que qualificações notariais negativas de atos ou negócios juridicamente inválidos refletem, a bem dizer, a própria índole profilática da atividade notarial e a sua função assecuratória de direitos, uma vez que a recusa na lavratura de um ato nulo ou anulável – para além de salvaguardar a esfera jurídica dos envolvidos – evita, também, a superveniência de conflitos na órbita judicial, em consequente contributo à promoção da segurança jurídica e da paz social.58

Tal questão, por sinal, foi bem apreendida por BELUZZO na seguinte passagem de sua dissertação:

No âmbito notarial, o agente exerce a relevante função de detectar inúmeras circunstâncias capazes de gerar a invalidação dos atos, como “incapacidades, erros de direito ou de fato, coações encobertas, fraudes à lei e, eventualmente, reservas mentais e simulações, absolutas ou relativas”. Todos os elementos, ademais, podem ser de comprovação muito difícil em âmbito judicial ante seu caráter não raro subjetivo. Eis por que a atuação notarial se faz indispensável para coibir a perpetração de um sem-número de ilegalidades, as quais passariam incólumes, se ausente a intervenção do agente delegado.59

Assim, uma vez compreendido o processo de qualificação notarial e estabelecida a sua relevância para o desenvolvimento da função tabelioa e o alcance prático de suas finalidades, impende analisar, especificamente, como deve dar-se a atuação notarial (notadamente quanto aos seus limites, providências adotáveis e responsabilidades) em face de atos ou negócios jurídicos que apresentem alguma causa de invalidade.

3 A INTERVENÇÃO DO NOTÁRIO EM ATOS JURÍDICOS INVÁLIDOS

3.1 A IMPOSSIBILIDADE DE LAVRATURA DE ATOS NULOS

Como antecipado, consistem os atos juridicamente nulos naqueles que adentram o plano da validade em descompasso com normas jurídicas de índole cogente – compreendidas como aquelas que, tutelando valores e interesses fundamentais para determinada sociedade, positivam os chamados “princípios de ordem pública”. Por essa razão, tais atos recebem uma sanção mais severa do ordenamento jurídico: além de invalidados com eficácia ex tunc (de modo a desfazer ou evitar, na medida do possível, os efeitos materiais que produziram ou que viriam a produzir), não podem ser eles confirmados pelas partes nem supridos pelo Poder Judiciário, não convalescendo pelo decurso do tempo e podendo ter a sua nulidade declarada a qualquer momento pela competente autoridade judiciária (de ofício ou por provocação de qualquer interessado ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir).

Destarte, é ilativo que os atos e negócios jurídicos que ostentem alguma causa de nulidade devem ter a sua lavratura denegada pelo tabelião de notas após a devida qualificação notarial, tendo em vista o dever inarredável do agente delegado de controlar a legalidade das manifestações volitivas submetidas ao seu crivo e, com isso, garantir às partes que o negócio visado será realizado em estrita conformidade com o sistema jurídico em vigor, produzindo validamente os seus efeitos sem que fundadas razões jurídicas possam acarretar a sua posterior nulificação e ensejar, com isso, o surgimento de insegurança e litígios judiciais.

Assim atuando, contribui o notário não só para a salvaguarda de interesses pessoais das partes envolvidas no ato nulo, mas também para a incolumidade do próprio sistema de direito positivo (porquanto preservada, dessa forma, a própria força normativa de regras cogentes que deixaram de ser concretamente violadas após a qualificação negativa do ato), em regular cumprimento a princípios estruturantes da atividade notarial, quais sejam: a segurança jurídica e a justiça preventiva (ou cautelaridade).

Com efeito, não se coaduna com a finalidade profilática da atuação notarial e com o contexto de segurança jurídica buscado pelos usuários dos serviços extrajudiciais a instrumentalização de atos que revelem uma situação de nulidade (como, por exemplo, a venda de um imóvel por menor de dezesseis anos sem a devida representação ou a realização de uma doação inoficiosa, conforme previsto no artigo 549 do Código Civil);60 é que as consequências geradas por atos absolutamente nulos – ainda que possam ser inicialmente benéficas para certas pessoas – tendem a ser desfeitas, em algum momento, por fraudarem normas imperativas e causarem prejuízos multifários a terceiros, consubstanciando, ao fim e ao cabo, verdadeira fonte de incerteza e imprevisibilidade no seio das relações jurídicas entabuladas em sociedade (em detrimento, inclusive, da própria credibilidade social do sistema de registros públicos).

Afinal, como bem ensina BRANDELLI, ao tabelião de notas compete, invariavelmente, “moldar juridicamente os negócios privados, a fim de que estes se enquadrem no sistema jurídico vigente, prevenindo, por conseguinte, e, evitando, ao máximo, que futuros vícios sejam aventados, bem como que lides se instaurem sobre a questão”.61

Desse modo, como categoricamente assinalado por ASSUMPÇÃO, in verbis:

O tabelião não deve lavrar atos nulos. Sendo o ato nulo, é dever do tabelião orientar as partes e negar a lavratura do ato. No ato nulo, o vício é de ordem pública, que atinge o negócio desde o seu surgimento e se pronuncia ex officio.62

(Grifo nosso)

Nesse norte, é correto afirmar que, na hipótese de ser possível ao tabelião verificar, com mediana prudência, que o negócio jurídico sob a sua qualificação envolvia circunstâncias indicativas de nulidade e, ainda assim, admitir a lavratura do ato notarial, será eventualmente cabível a sua responsabilização nas esferas cível e disciplinar por configuração de culpa na prestação do serviço63 e descumprimento de deveres inerentes à função.64

Assim já se posicionou, por sinal, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em caso de tabeliã que, por intermédio de preposto, deixou de tomar as cautelas necessárias durante o processo de conferência dos documentos de identificação de uma outorgante de mandato, vindo a instrumentalizar, com isso, negócio juridicamente nulo.

Na ocasião, a pessoa comparecente ao cartório extrajudicial não correspondia à titular efetiva dos direitos e interesses que seriam administrados por meio da procuração; tratava-se, ao revés, de fraudador que lançara mão de documentação falsa perante o tabelionato, sendo que evidentes indícios da inautenticidade desses documentos passaram despercebidos pelo funcionário responsável pela identificação das partes. Em razão disso, sobreveio prejuízo a terceiro – a proponente da ação indenizatória –, que, por ter figurado indevidamente como outorgante do mandato fraudulento, sofreu desfalque em conta vinculada a processo judicial de seu interesse em razão do levantamento de numerário que lhe pertencia mediante uso da procuração falsa. Eis o teor da ementa do referido julgamento, in litteris:

RESPONSABILIDADE CIVIL – Transferência fraudulenta de valores relativos a RPV depositados em conta judicial em favor da autora, por meio de procuração pública lavrada com base em documentos falsos – Responsabilidade subjetiva da Tabeliã, responsável pelo Cartório de Registro, pelos danos causados em razão de sua função – Possibilidade de ajuizamento da ação diretamente contra o Estado, em razão do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, ou diretamente contra o notário ou registrador, como ocorrido – Art. 22 da Lei nº 8.935/94 e art. 28 da Lei de Registros Públicos (lei nº 6.015/73) – Verificação da culpa da Tabeliã no caso em apreço, consubstanciada na negligência quanto ao dever de apurar a autenticidade dos documentos apresentados para a lavratura da procuração - Responsabilidade solidária e objetiva da instituição bancária demandada – Súmula 479 do C. STJ e art. 927, parágrafo único, do Código Civil – Preposto do banco corréu que agiu com desídia e negligência, possibilitando a transferência do valor pela falsária - Fortuito interno que não tem com condão de afastar o nexo causal – Danos materiais e morais bem caracterizados – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – APELO DA AUTORA PROVIDO E RECURSO DA CORRÉ NÃO PROVIDO.65

Dessa forma, deparando-se o tabelião com quaisquer circunstâncias causadoras de nulidade do ato submetido ao seu exame, caber-lhe-á emitir nota de recusa e abster-se de produzir o documento notarial pretendido, em especial reverência aos princípios da segurança jurídica e da justiça preventiva.

Aliás, não se encontram, na doutrina especializada, quaisquer divergências relevantes a propósito desse tema. Com efeito, só se vislumbram dissensos entre os especialistas do Direito Notarial e Registral quando se cuida de ato a ser apreciado pelo tabelião com alguma causa de anulabilidade em evidência.

3.2 A PROBLEMÁTICA ATINENTE À FORMALIZAÇÃO DE ATOS JURÍDICOS ANULÁVEIS

Como dito anteriormente, as causas de anulabilidade dos atos e negócios jurídicos promanam de violações a normas preponderantemente protetoras de interesses de natureza privada. Essa é, precisamente, a razão pela qual podem as partes ratificar atos jurídicos anuláveis ou mesmo admitir o seu convalescimento pelo transcurso do prazo decadencial legalmente estabelecido para requerer a sua invalidação perante o Poder Judiciário (que deve, como é cediço, ser sempre provocado para conhecer de nulidades relativas, não podendo declará-las ex officio).

O grande punctum pruriens da presente temática reside, portanto, nos limites imponíveis à atuação dos notários quando são instados a qualificarem atos que revelem alguma circunstância ensejadora de anulabilidade. Emergem, nesse contexto, os seguintes questionamentos específicos: i) a recusa em formalizar negócios anuláveis, mesmo quando assumam os celebrantes os riscos decorrentes do vício verificado, não implica tolhimento indevido da autonomia privada das partes?; ii) podem os tabeliães, diante da dimensão preventiva (profilática) de sua atividade, negarem-se a lavrar quaisquer atos anuláveis, mesmo quando as partes dependerem da intervenção notarial para a celebração de um negócio?

E não há, a bem da verdade, respostas absolutas para as indagações acima formuladas, visto que são variadas as hipóteses legais de atos anuláveis e multímodas são, por conseguinte, as situações fáticas que se apresentam aos delegatários em matéria de anulabilidade.

Com efeito, tem-se sustentado, em determinadas situações, a ilegitimidade de uma recusa notarial à lavratura de determinado ato por conta de sua anulabilidade, tendo em vista a predominância da autonomia privada e a necessidade estrita da propositura de uma ação judicial para a invalidação do ato. É o caso, por exemplo, da venda de imóvel sem a prévia anuência do cônjuge do alienante ou da venda feita de ascendente para descendente sem o prévio consentimento dos demais descendentes, como exigido pelo artigo 496, caput, do vigente Código Civil.66

Nessa hipótese específica, posiciona-se a doutrina majoritária no sentido de que a escritura não só deve ser lavrada como também registrada no competente cartório de registro de imóveis, uma vez que não se insere nas atribuições legais dos oficiais públicos (tabeliães e registradores) a verificação de um requisito de validade exclusivamente concernente a interesse privado de terceiros (aos quais é facultado arguir, em juízo, a invalidade desse ato dentro do prazo legal). A propósito do tema, expõe LEAL a sua posição com distinta lucidez, verbum pro verbo:

[...] resulta claro que é válida, muito embora anulável, a alienação de bens exclusivos (incomunicáveis) feita por pessoa casada sem o assentimento conjugal, independente do regime de bens, e assim também a venda de ascendente a descendente sem o consentimento dos demais descendentes, sendo que eventual invalidade somente será declarada havendo vício ou justa causa, a requerimento exclusivo do interessado que deixou de anuir, não podendo ser arguido pelo Ministério Público e tampouco reconhecido de ofício pelo juiz, por não haver prejuízo à sociedade.

Destarte, tendo-se que o ato é válido, não comporta recusa do tabelião de notas em lavrá-lo, e tampouco do oficial de registro de imóveis em acolhê-lo, uma vez que eventual anulabilidade deverá ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário, devendo o primeiro formalizar juridicamente a vontade das partes e o segundo efetuar o registro, não lhes competindo impedir a realização de atos válidos, ou deixar de praticá-los, desde que não contrários à ordem pública, e uma vez adotadas as medidas assecuratórias das providências tomadas, como a inserção, nos documentos lavrados, acerca do conhecimento dado aos seus participantes e de suas implicações legais.

A dinâmica do direito exige constante aprendizado, mudanças de conceitos, agilidade de decisões, profundo conhecimento das leis e lógica interpretativa. Para tanto, notários e registradores, como profissionais do direito que são, gozando de independência e autonomia profissional, devem estar atentos às evoluções sociais e seus regramentos positivos, de modo a garantir, com responsabilidade, sensatez e conhecimento de causa, a continuidade dos serviços em face das novas situações que se apresentam, sem esquecer os limites de sua competência, sob pena de invasão em território alheio aos seus deveres de ofício, pois cabe ao juiz-estado, e não aos notários e registradores, a prestação jurisdicional e a interpretação subjetiva da norma.67

(Grifo nosso)

Em sentido idêntico manifesta-se COUTO em obra específica sobre o contrato de compra e venda, in verbis:

Os ascendentes podem vender bens aos descendentes, desde que haja consentimento dos demais descendentes. Deve haver, também, a anuência do cônjuge do alienante, exceto se o casamento for pelo regime de separação obrigatória de bens. A falta de consentimento torna o ato anulável, conforme art. 496 do CC, cabendo aos interessados arguir a nulidade. Tratando-se de anulabilidade, não compete ao registrador de imóveis verificar se houve ou não o comparecimento dos descendentes na escritura, podendo tal escritura ser lavrada e registrada normalmente. O vício tem de ser alegado no prazo de dois anos após o interessado tomar conhecimento do contrato, e, tratando-se de imóvel, esse prazo começa a correr na data do registro da escritura pública na matrícula do imóvel. Mas a escritura, tendo ou não a anuência dos demais descendentes, poderá ser registrada.68

(Grifo nosso)

Desenvolve-se, dessa forma, linha de raciocínio basicamente alicerçada na premissa de que, se nem ao Estado-Juiz cabe perquirir, de ofício, uma causa de anulabilidade fundamentada em interesse particular de terceiro, tampouco ao delegatário da atividade notarial ou de registro caberá criar empeço à realização do ato pela falta de prévia acessão do cônjuge ou de outro descendente do alienante.

A respeito da violação da autonomia dos contratantes, colhem-se as elucidativas ponderações de doutrina notarial de renome, ad litteris et verbis:

Entendemos que a recusa por parte dos notários e registradores, de praticar um ato anulável que lhe seja solicitado pelas partes contratantes (escritura e registro), mantendo como a única justificativa da recusa o fato de se tratar de um ato anulável, fere a liberdade contratual das partes, contida nos artigos 421 e 422, do CC, além de ir de encontro com as obrigações legais impostas a esses profissionais do direito, por exemplo, a de atender as partes de modo eficiente e adequado, garantindo a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, conforme determina a lei 8.935/94.

Importante ressaltar que os notários e registradores são os únicos que detêm atribuições legais para a prática de determinados atos, e, ao se recusarem, retiram das partes o direito de praticarem aquele negócio jurídico. Um exemplo bem simples seria a regra contida no artigo 108, do CC, que determina que imóveis acima de 30 (trinta) salários mínimos, salvo disposição legal em contrário, necessitarão de escritura pública para sua validade, assim como, as partes só conseguirão registrar sua aquisição no registro de imóveis.

Isto mostra que, em determinados casos, as partes só terão os notários e registradores para solicitarem a prática do ato, e, ao se negarem a realizar o ato sem que haja expressa proibição legal para tanto, ou, pelo menos, a existência de jurisprudência nesse sentido, estarão prejudicando muito as partes solicitantes, que terão seus direitos totalmente violados.69

É nessa esteira, por sinal, que vem se firmando a jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (CSM-SP). Com efeito, em processo de dúvida registral, negou-se provimento a recurso de terceiro interessado para assentar a viabilidade do registro de uma escritura pública de promessa de compra e venda avençada entre ascendente e descendente e lavrada sem o consentimento dos demais descendentes do vendedor, em nítida sinalização de que não compete ao oficial obstaculizar a prática do ato pela ausência de comprovada concordância dos demais descendentes, conforme abaixo ementado:

Compromisso de compra e venda celebrado sem anuência dos demais descendentes – Negócio jurídico anulável – Interesse privado – Inviabilidade do exame da validade do contrato em processo administrativo – Necessidade de processo jurisdicional – Cabimento do registro – Recurso não provido.70

Entende-se, contudo, que é lícito ao tabelião, em regra, recusar-se a lavrar um negócio jurídico quando estiver convencido da sua anulabilidade, seja qual for a causa da invalidade constatada e mesmo quando manifestem as partes o comum intento de celebrarem o negócio com ampla e prévia ciência dos riscos de sua posterior anulação.

Isso porque a atividade notarial contém em seu âmago o escopo fundamental de prevenir litígios, de modo que se constitui a cautelaridade (ou justiça preventiva) em uma das pedras angulares de toda a principiologia que informa a ciência do Direito Notarial.

Nessa toada, se teleologicamente compreendida a atividade do tabelião como instrumento de efetiva promoção da paz social mediante prevenção de litígios, não há como infirmar a ilação de que, por via de regra, é permitido ao notário, na regular fruição da sua independência técnica, negar-se a instrumentalizar atos que evidenciem – durante a sua qualificação – algum motivo de anulabilidade, uma vez que não se põe no mesmo compasso da justiça preventiva a chancela notarial a ato que pode ter os seus efeitos posteriormente desconstituídos e, com isso, dar azo a distintos conflitos futuros no âmbito do Poder Judiciário, ainda que exista um prazo legal de decadência para tanto.

Dessa forma, mesmo que dependam os celebrantes da intervenção do notário para efeito de formalização do negócio jurídico que lhes interessa (como, por exemplo, no caso de uma venda e compra de imóvel superior a trinta salários mínimos, o que demanda, conforme artigo 108 do Código Civil em vigor, a sua realização mediante escritura pública), será cabível a recusa se houver suficiente evidência de que o negócio é anulável, impondo-se ao tabelião explicitar aos interessados todas as razões de fato e de direito em que se fundamenta a sua decisão de não lavrar o ato.

Malgrado minoritária, parte autorizada da doutrina notarial encampa essa linha de entendimento ao pontificar que o tabelião “deve, de toda forma, procurar não realizar atos anuláveis, a fim de evitar litígios ou prejudicar direta ou indiretamente terceiros”.71 Para esse setor doutrinário, o poder-dever de formalização jurídica da vontade das partes e a autonomia privada cedem passo, em casos tais, ao princípio da justiça preventiva, já que sempre haverá uma margem irredutível de litigiosidade futura no âmbito de atos e negócios jurídicos anuláveis (uma vez que impregnados, ainda que temporariamente, da real possibilidade de serem invalidados dentro de determinado prazo, situação essa inequivocamente geradora de insegurança jurídica para as partes e terceiros).

Desse modo, admitir a escrituração pública de um negócio anulável – ainda que passível de confirmação ou de convalidação pelo decurso do tempo –, sobretudo quando configurada a possibilidade de violação a direitos de terceiros não participantes do ato, pode vir a traduzir, no final das contas, uma medida concreta de fomento à cultura da litigiosidade e à insegurança jurídica (já que colabora, de forma considerável, para a criação de um ambiente propício ao questionamento judicial do ato praticado, mesmo que limitado no tempo), em cristalina contraposição a princípios fundamentais por que se deve pautar a atuação notarial (cautelaridade e segurança jurídica).

Aliás, ensina BRANDELLI que é no processo de qualificação notarial que o tabelião põe em prática a sua capacidade efetiva de precaver lides e, por conseguinte, reduzir os custos do próprio Poder Judiciário com a eliminação de demandas evitáveis, vindo a desempenhar, com isso, verdadeira função econômica no tocante à melhor administração da Justiça. Segundo o preclaro autor, verbum ad verbum:

Ao reduzir a litigiosidade, por gerar atos jurídicos de acordo com a vontade das partes e o ordenamento jurídico, o notário produz segurança jurídica e paz social. E, ao evitar o conflito, evita os custos que o conflito traria com os advogados, acionamento da máquina estatal jurisdicional, produção de provas, perda temporária da total disponibilidade, ou redução de valor, do direito patrimonial litigioso, etc. É inegavelmente mais barata a intervenção notarial preventiva do que a solução para uma lide instaurada, a qual reclama custos econômicos e psicológicos importantes.72

Casos há, contudo, em que se vê obrigado o tabelião a lavrar ato eivado de uma nulidade relativa, mesmo que não concorde com a sua formalização do ponto de vista jurídico. Nessas situações, é de rigor reconhecer que a negativa de lavratura do ato será ilegítima por consubstanciar, a um só tempo, infringência a dever funcional do notário e violação a direitos dos usuários do serviço.

É o que acontece, por exemplo, quando o tabelião se recusa a praticar o ato a despeito da existência de uma norma de serviço (ou outra recomendação técnica de caráter normativo) autorizando – ou mesmo determinando – a sua realização independentemente da anulabilidade verificada (como se contata, por sinal, no artigo 225, § 3º, do Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro do Estado de Pernambuco)73, ou quando existir uma orientação consolidada dos competentes órgãos correcionais (juízes diretores de foro, varas de registros públicos, Corregedoria-Geral de Justiça ou Conselho Nacional de Justiça), ou jurisprudência sumulada ou consagrada no Tribunal de Justiça do Estado em que atua (ou de Tribunal Superior) que permita concluir pela inequívoca possibilidade de realização do ato.

Nessas hipóteses, a diretriz normativa ou jurisprudencial acaba privando o notário, em certa medida, da sua independência de decidir tecnicamente quanto ao cabimento do ato (supressão da fase resolutiva da qualificação notarial), além de criar para o utente do serviço verdadeiro direito subjetivo de obter a lavratura do ato ou negócio pretendido independentemente do entendimento do tabelião sobre a sua validade. Em decorrência disso, compreende-se que eventual recusa, nessa contextura, em dar forma legal ao negócio buscado pelas partes poderá acarretar a responsabilização civil e disciplinar do notário por desobediência a normatizações técnicas de seu serviço.

Por outro lado, é preciso ter presente que algumas normas jurídicas prescritivas de anulabilidade, ainda que relacionadas com a proteção de interesses de índole predominantemente privada, encerram valores de importância social tão elevada que não raro se qualificam, igualmente, como regras de ordem pública. Como bem explicita MELLO, a expressão “ordem pública” concerne ao Direito como um todo, de sorte que o seu emprego relacionado “à nulidade não quer dizer que nos casos de anulabilidade também não haja interesse da ordem pública”, até porque “a invalidade em si, em qualquer de seus graus e espécies, constitui instrumento utilizado pelo direito para escoimar de seu mundo atos ilícitos, portanto, a ele contrários, de modo a tornar possível a integridade do sistema jurídico”.74

Com efeito, a pontual circunstância de tratar de um interesse essencialmente privado, de disponibilidade ampla das partes, não significa, necessariamente, que a norma jurídica não contenha em seu bojo uma normatividade cogente, de interesse igualmente público, até mesmo porque a dicotomização entre público e privado perdeu sentido prático com a constitucionalização do Direito Civil no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro.75

Nesse diapasão, cumpre indagar se não interessa, por exemplo, a uma coletividade toda que o regramento civil dos defeitos dos negócios jurídicos (artigos 138 a 165 do vigente Código Civil) seja concretamente respeitado no cotidiano social.

Isto é, ao evitar, verbi gratia, que um contrato seja celebrado com o vício da lesão (se for possível a sua verificação prévia no caso concreto), não concorre o notário para a promoção do equilíbrio necessário das relações jurídicas, em prestígio final ao próprio princípio da função social do contrato, de interesse inequivocamente difuso? De igual forma, não se atende o interesse geral de que os devedores sejam solventes para o cumprimento de suas obrigações quando se evita a formalização de um negócio jurídico em fraude contra credores? Até que ponto, aliás, não se mostra de interesse social que os direitos de pessoas relativamente incapazes (como, por exemplo, uma pessoa provisoriamente inapta a exprimir a sua vontade por motivo de enfermidade mental) seja acautelado pela atuação preventiva de notário em uma relação negocial que os envolva?

Nesses casos, em que deriva a anulabilidade de incapacidade relativa de uma das partes ou de defeito negocial,76 compreende-se que à norma civil subjaz, inescapavelmente, um interesse de cunho metaindividual – porque concernente a uma coletividade indeterminada de sujeitos – de que a indenidade da ordem jurídica seja efetivamente resguardada mediante respeito a valores e princípios que lhe são bastante caros (como a função social do contrato, por exemplo, em caso de negócios viciados por lesão).

Tais questionamentos, aliás, são deveras pertinentes e trazem a lume a própria necessidade de ser repensada a invalidade dos negócios jurídicos à luz dos novos valores, princípios e costumes que medram ou se modificam no âmbito social, o que impacta diretamente a atividade notarial em suas funções de qualificação das vontades das partes e de orientação e aconselhamento jurídicos. A temática, por sinal, foi abordada com precisão e argúcia por SOUZA em valioso artigo dedicado ao estudo das invalidades dos negócios jurídicos, oportunidade em que assim discorreu sobre o tema, litteratim:

Como toda qualificação excessivamente rígida, a distinção entre nulidade e anulabilidade não é isenta de críticas. De uma parte, a própria noção de “ordem pública” nessa matéria é pouco desenvolvida pela doutrina, sob a provável influência dos autores clássicos que, tendo escrito os primeiros comentários ao Código Civil de 1916, confiavam em uma noção de moral coletiva e consenso social que hoje traduz abstração insustentável. O uso mais frequente da expressão em sede de nulidade costuma equipará-la às normas cogentes. Por outro lado, critica-se que o regime tradicional da nulidade nem sempre se mostra o veículo mais adequado para a promoção de interesses supraindividuais. Do mesmo modo, cabe indagar se os interesses vinculados às causas de anulabilidade se abrem, de fato, à livre disposição das partes. Interessa apenas às partes que o ato seja celebrado sem dolo ou coação? Por que apenas a proteção ao absolutamente incapaz seria de interesse coletivo, e não ao relativamente incapaz? A lesão e o estado de perigo dizem respeito apenas a interesses privados, apesar de se associarem à justiça contratual?

Tais críticas não são recentes, e a doutrina constata a dificuldade em se delimitarem com precisão os interesses. A própria dicotomia clássica entre público e privado encontra-se há muito mitigada, mas a tese das naturezas diversas dos interesses sobrevive, talvez por oferecer a ilusão de uma explicação simples para os dois regimes legais da invalidade: apenas matérias de “ordem pública” ensejariam intervenção tão drástica sobre a autonomia ao ponto de se negarem por completo os efeitos do negócio jurídico, diferentemente do que ocorre na anulabilidade. Contemporaneamente, contudo, refuta-se tal concepção: não é a consequência jurídica (o grau de invalidade) que indica a relevância do interesse tutelado, mas o exato oposto: deve ser o interesse identificado em cada caso concreto a determinar o remédio adequado para a causa de invalidade.77

(Grifo nosso)

Ademais, em relação à hipótese específica de anulabilidade motivada por incapacidade relativa de um dos contraentes, compreende-se que subsiste – com fulcro nos princípios da independência e da cautelaridade – a faculdade do tabelião de negar-se a lavrar o ato quando se defrontar com uma situação de violação concreta a direitos do incapaz em virtude da sua vulnerabilidade.

É o caso, por exemplo, da recusa à lavratura de contratos de compra e venda que revelem um contexto de manifesta dilapidação patrimonial por pessoa com diagnóstico comprovado de oneomania78 e que figure, sistematicamente, como compradora de bens de grande vulto econômico.

Com efeito, a despeito da vedação atualmente disposta no artigo 83 do Estatuto da Pessoa com Deficiência,79 considera-se que é lícito ao tabelião, em casos dessa natureza, atuar cautelarmente com o legítimo propósito de não só proteger um ou mais direitos de parte relativamente incapaz, mas, sobretudo, da própria integridade do sistema jurídico mediante observância do conjunto de normas e princípios que tutelam os interesses dessas pessoas (em consequente concreção dos princípios da justiça preventiva e da legalidade).

Não se opera a recusa notarial, nessas hipóteses, com base na deficiência revelada pela pessoa, mas com esteio na concreta incapacidade desta de expressar a sua vontade de maneira regular (um dos pressupostos básicos de validade dos negócios jurídicos).

A propósito do tema, é curial citar as doutas ponderações tecidas por OLGADO em estudo específico sobre a qualificação notarial à luz da vigente Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, verbatim:

Assim, a qualificação notarial nada tem de ilegítima, quando resulta na negativa da lavratura de atos notariais em que compareça pessoa que não tenha condições de manifestar pessoalmente sua vontade, de forma livre, consciente e desimpedida. Muito pelo contrário, não podendo a pessoa exercer a autodeterminação sobre seus bens e direitos, torna-se vulnerável diante da vontade alheia, e a negativa do ato se dá por conta da ausência da vontade e não da deficiência. Impedir a violação dos direitos daquele que não tem condições de conhecer as consequências dos atos que pratica, é função acautelatória do notário. Retirar isso significa reduzir a função notarial à mera atividade burocrática de formação de documentos, ferindo gravemente o art. 236 da Constituição da República, que exige o caráter privado da função jurídica notarial. É dizer, a Constituição opta por um notariado nacional do tipo latino, que se caracteriza primordialmente por ser “profissão jurídica independente”. Por essas razões, entende-se que, nada obstante as alterações legislativas introduzidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, não se modifica a qualificação notarial no que tange às pessoas desprovidas de discernimento, seja por motivo de deficiência ou outro qualquer. Quando a causa da ausência do discernimento for uma deficiência, não poderemos dizer que a pessoa é incapaz porque é deficiente, mas porque se enquadra na hipótese do inc. III do art. 4.º do CC/2002. 80

(Grifo nosso)

Não se ignora, destarte, a possibilidade jurídica de que determinados atos anuláveis possam ser efetivamente lavrados pelo tabelião de notas em virtude do menor grau de invalidade que os cinge e da possibilidade de sua futura confirmação ou convalescimento pelo transcurso do tempo, conforme critérios pessoais de conveniência e oportunidade das partes pactuantes ou de terceiros interessados (como sucede, ad exemplum, nos casos de ausência de vênia conjugal ou de concordância dos demais descendentes em venda feita por ascendente a um de seus descendentes).

Aliás, parcela expressiva da doutrina especializada recomenda que se dê, em tais situações, a devida publicidade da causa de anulabilidade do ato a ser lavrado mediante consignação dessa circunstância no bojo da própria escritura pública (de modo a certificar, de um lado, que foram as partes prévia e adequadamente esclarecidas da anulabilidade do ato e evitar, de outro, que tabeliães e registradores sejam civil ou disciplinarmente responsabilizados por alegada ausência de prévia conscientização e aconselhamento dos celebrantes), conforme observação abaixo transcrita:

A grande maioria dos notários e registradores entende ser prudente e necessário, ao lavrar um ato anulável, mencionar essa circunstância no corpo da escritura, com o que concordamos plenamente, pelos motivos a seguir elencados: 1º)- para que fique comprovado que o Tabelião orientou as partes envolvidas a respeito desse fato,  advertindo-as de todas as possibilidades futuras; 2º)- para que as partes envolvidas possam declarar que, cientes da possibilidade de anulabilidade, assumem total responsabilidade pelo negócio jurídico que está sendo realizado; 3º)- para dar publicidade desse fato, que é de extrema importância, fazendo com que terceiros de boa-fé, que eventualmente se interessem em adquirir o imóvel futuramente, estejam cientes dessa possibilidade de anulação; e, 4º)- para respaldar o registrador de imóveis, que poderá se valer da informação contida no título aquisitivo (escritura), para dar a publicidade necessária do fato na matrícula.81

Não há dúvida, outrossim, de que eventual comprovação da ausência de advertência das partes acerca da anulabilidade do ato e de adequada orientação a respeito das consequências de sua celebração poderá ser causa de responsabilização civil e disciplinar do notário (por descumprimento de normas e deveres inerentes à sua função).

Sem embargo, considerando que a garantia de segurança a atos e negócios jurídicos e a prevenção de litígios compreendem finalidades que compõem a própria ratio essendi da atividade notarial, não há como deslegitimar a conduta de notário que, à vista de um ato concretamente anulável, deixa de lavrá-lo para, a um só tempo, evitar a transgressão de normas jurídicas e a violação de direitos das partes e de terceiros, bem como a eclosão de conflitos de interesses que tendem a ocupar, ao fim e ao cabo, a pauta sabidamente sobrecarregada do Poder Judiciário com ações anulatórias e indenizatórias.

A não ser que exista alguma norma técnica do serviço autorizando ou determinando a instrumentalização do ato (ou mesmo orientação jurisprudencial sedimentada sobre o tema) – e ressalvada, ainda, a hipótese de ordem judicial expressa para a prática do ato notarial –, não pode o tabelião ser obrigado a formalizar qualquer ato que contenha causa de anulabilidade em seu bojo, tendo em vista a independência técnica e a liberdade jurídica de que goza para avaliar a vontade das partes e definir se o ato que se busca formalizar está ou não em conformidade com o ordenamento jurídico.

Ou seja, como clara e objetivamente exposto por AMORIM e SANT’ANNA, ad litteris et verbis:

[...] é possível aos tabeliães lavrarem escrituras públicas formalizando negócios jurídicos anuláveis, em razão do caráter dispositivo desta sanção e da possibilidade de seu convalescimento, o que não afasta, do mesmo modo, a independência jurídica do notário para concluir pela negativa de lavratura do ato, seja por causa da natureza do vício, que pode atingir a perfeição da manifestação de vontade de maneira mais direta, ou seja por causa de outras circunstâncias do caso concreto.82

Logo, se “a função qualificadora do Notário tem na intervenção pela autenticidade do negócio jurídico o seu momento nobre, fazendo com que a vontade das partes seja enquadrada no mundo jurídico de forma válida e segura”,83 é igualmente forçoso admitir, então, pela mesma razão, que a qualificação negativa de um ato anulável – com a consequente negativa de sua lavratura – também representa medida materializadora de segurança jurídica e de prudência notarial, já que preserva a inteireza positiva do sistema jurídico e elide, ao mesmo tempo, a possibilidade de que um negócio invalidável ocasione disputas ulteriores entre particulares (tanto em âmbito judicial como extrajudicial), proporcionando segurança jurídica e previsibilidade no seio da relação existente entre os interessados.

Nessa ordem de ideias, é mister reconhecer que a finalidade suprema da função notarial de contribuir para a paz social mediante prevenção de lides e difusão de segurança jurídica não se realiza apenas por meio de atos comissivos do tabelião – como a qualificação jurídica da vontade das partes e a posterior escrituração pública do negócio colimado –, mas também mediante condutas omissivas do notário – como a recusa em dar forma legal a ato inquinado de anulabilidade e, com isso, impedir distintas consequências negativas à esfera jurídica dos envolvidos e de terceiros, além de extirpar ab ovo o ensejo de uma discussão posterior da questão em processo judicial contencioso.

Ao agir assim, também cumpre o notário, de forma efetiva, com a sua altaneira missão de acautelar direitos, prevenir litígios e conferir segurança jurídica aos atos em que intervém, até mesmo porque a cautelaridade que o vincula principiologicamente representa verdadeira “intervenção estatal, por meio de um agente delegado, na esfera de desenvolvimento voluntário do Direito, proporcionando o cumprimento adequado deste, bem como a sua certeza, e evitando o surgimento do conflito de interesses”.84

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Radicada no sistema de notariado latino, a atividade notarial brasileira, considerando a sua atual legislação de regência e a doutrina especializada no tema, é exercida por profissionais do Direito que, para além das suas funções de autenticação e produção de instrumentos públicos, atuam como assessores jurídicos imparciais dos usuários de seus serviços, visando proporcionar, dessa forma, confiabilidade, segurança e previsibilidade às relações jurídicas mediante captação de manifestações volitivas e análise de sua conformidade com o ordenamento jurídico em vigor.

Esse controle de juridicidade exercido pelo notário – por meio do qual realiza verdadeiro exame de compatibilidade do ato com o sistema normativo incidente – recebeu, em doutrina, o nomen juris de “qualificação notarial”.

E é nesse processo analítico de adequabilidade do ato ao Direito que o tabelião dá vazão a dois princípios que, além de fundamentalmente norteadores da sua atividade, confundem-se com a própria razão de ser da função notarial – segurança jurídica, de um lado, e justiça preventiva (ou cautelaridade), de outro, à luz dos quais desempenha o notário a sua precípua missão de dar certeza e previsibilidade às relações privadas e evitar, com sua intervenção técnica, o surgimento de conflitos de interesses no seio social.

Sendo assim, é forçoso concluir, na esteira de unânime entendimento doutrinário, que se afigura defesa ao tabelião de notas a instrumentalização de atos nulos. Isso porque não se compatibiliza com a finalidade preventiva da sua atividade – e com a própria expectativa de segurança jurídica que dela promana – a qualificação positiva de atos que contrariem normas de ordem pública e que sejam nulificáveis a qualquer tempo, o que só contribuiria para ambientes de incerteza e imprevisibilidade no bojo das relações sociais e para o alargamento das possibilidades de litígio entre os envolvidos (em evidente descompasso com os princípios basilares da segurança jurídica e da justiça preventiva).

Destarte, eventual demonstração de prejuízo decorrente da lavratura de um ato comprovadamente nulo poderá acarretar não só a responsabilidade civil do notário – por configuração de culpa na prestação de seu serviço –, mas também a sua responsabilização disciplinar (por inobservância de deveres inerentes à sua função).

Por outro lado, em matéria de atos anuláveis, cumpre assinalar, primeiramente, que existem situações em que o notário não pode se recusar a lavrar o ato mesmo quando verificada uma causa de nulidade relativa.

Cabe citar, como exemplo, a hipótese de previsão, em norma de serviço local ou mediante orientação de órgão correcional, de permissão ou mesmo determinação de realização do ato independentemente de alguma anulabilidade constatada pelo tabelião. Nesses casos, entende-se que a negativa de lavratura será realmente ilegítima por implicar, concomitantemente, infração disciplinar do notário e ofensa a direito subjetivo do usuário do serviço, com a consequente possibilidade de responsabilização do agente delegado em âmbito cível e administrativo.

Feita essa ressalva, observa-se que reina densa e relevante polêmica na doutrina especializada a respeito da escrituração pública dos atos anuláveis.

Com efeito, da revisão bibliográfica realizada – como método principal desta pesquisa – na literatura especificamente existente sobre o tema, deduziu-se que a maioria da doutrina notarial admite, atualmente, a possibilidade de que atos anuláveis possam ser efetivamente lavrados pelo tabelião de notas em virtude do menor grau de invalidade jurídica que lhes atribui o sistema normativo e da possibilidade de sua confirmação pelas partes ou da sua convalidação pelo decurso do tempo.

Cinge-se a questão, assim, aos interesses de índole disponível dos particulares que se interessem pelo ato, aos quais se franqueia a oportunidade de requerer a sua anulação judicial por determinado lapso de tempo estabelecido em lei. De acordo com essa linha de entendimento, não incumbe ao tabelião obviar a realização de um ato anulável se for do interesse comum e efetivo das partes que ele se realize independentemente da causa de anulabilidade, já que são eminentemente privados os interesses em pauta e somente em juízo é que se deve perquirir sobre a sua invalidade e ineficácia após a propositura da competente ação por parte legitimamente interessada. Parcela da doutrina recomenda, contudo, que a presença de uma causa de anulabilidade seja expressamente registrada pelo tabelião de notas no corpo da escritura pública, a fim de constituir prova, desde já, de que foram os envolvidos prévia e devidamente advertidos dos riscos e possíveis consequências resultantes da realização de um ato jurídico anulável.

Considerando, entretanto, que a função notarial está umbilicalmente jungida à missão de prevenir litígios e promover segurança jurídica (em consonância com os seus princípios regentes da cautelaridade e da segurança jurídica), e tendo em vista a independência técnica dos notários quando do exercício de suas funções, entende-se que o tabelião detém a prerrogativa de negar forma legal a todo e qualquer ato jurídico quando estiver devidamente convencido da sua anulabilidade, seja qual for a causa da invalidade constatada e mesmo que dependam as partes do instrumento público para realizarem o negócio visado (manifestando expressa e formalmente a aceitação dos riscos de sua posterior anulação).

Impende ter em mente, nesse contexto, que também é possível vislumbrar normatividade cogente (de interesse inequivocamente social, portanto) em regras que sancionem atos jurídicos com a consequência da anulabilidade, ainda que relacionadas com a proteção de interesses preponderantemente privados.

Tome-se como exemplo a disciplina normativa da lesão e da fraude contra credores (artigos 157 e 158 do Código Civil vigente), à qual subjaz, ainda que implicitamente, o interesse de uma coletividade toda de que as relações contratuais socialmente estabelecidas não germinem impregnadas desses vícios, até porque interessa, indeterminadamente, a uma parcela grande da sociedade que os contratos sejam iniciados e executados de maneira juridicamente equilibrada (cumprindo, assim, a sua função social), além de ser do interesse público que as obrigações não deixem de ser regularmente adimplidas por meio de condutas ardilosas e fraudulentas dos devedores.

Sendo assim, compreende-se que a recusa notarial à formalização de um ato anulável também consubstancia medida cooperativa do tabelião para a salvaguarda da própria incolumidade do sistema de direito positivo (uma vez que preservados, com a sua atuação, princípios de ordem pública que, sendo protegidos por regras cogentes, deixam de ser violados após a qualificação negativa do ato). Reputa-se recomendável, inclusive, que se abstenha o notário de formalizar atos anuláveis que envolvam, a seu prudente juízo, direitos de pessoas em situação de vulnerabilidade (como no caso de um indivíduo não assistido que, por motivo de enfermidade mental, não se mostre capaz de expressar a sua vontade de forma livre, clara e consciente) ou vícios negociais direta ou indiretamente prejudiciais à regular manifestação de vontade da pessoa (como erro, dolo, coação, etc.).

Quer dizer, por mais justificada que possa ser a tese de cabimento da lavratura de atos anuláveis – a bem do atendimento eficiente das partes e da preservação da dinâmica das relações negociais à vista da autonomia dos contratantes –, compreende-se que não se previnem litígios, e muito menos se confere segurança jurídica aos negociantes, quando se chancela, por instrumento público, ato que pode ter os seus efeitos posteriormente desconstituídos e, com isso, ensejar inúmeras dúvidas e consequente insegurança às partes e a terceiros, abrindo campo fértil para a instauração de conflitos no âmbito do Poder Judiciário e também fora dele.

Efetivamente, mesmo que exista um prazo legal de decadência para pleitear a sua anulação por meio de ação a ser intentada judicialmente por legítimo interessado, é forçoso admitir que tanto as partes como terceiros direta ou indiretamente atingidos pelas consequências do ato anulável não poderão contar com a devida certeza jurídica da relação entabulada e a consequente previsibilidade de seus efeitos até que sobrevenha a sua ratificação ou a extinção do direito de postular a sua invalidação, circunstância que tende a gerar, em alguma medida, ambiente oportuno para o surgimento de insegurança jurídica e litigiosidade (sobretudo em caso de prejuízos suportados por terceiros que não participaram do ato e que tenham interesse direto e legítimo na sua invalidação para efeito de defesa de um direito próprio).

E esse risco de incremento das possibilidades litigiosas e consequente geração de incertezas aos usuários e terceiros não consoa, por certo, com o relevante papel do notário de concorrer para a pacificação social mediante acautelamento de direitos, prevenção de litígios e difusão de segurança jurídica.

Assim, da mesma forma que atos positivamente qualificados pelo tabelião gozam de fé pública e se presumem realizados de forma juridicamente segura, é preciso reconhecer que a qualificação negativa de vontades reveladoras de alguma situação de anulabilidade também reflete, por parte do notário, uma intervenção prudencial e acauteladora de direitos das partes e de terceiros, uma vez que obvia o risco de insegurança naturalmente derivado da nulidade relativa e a possibilidade de que dela resultem conflitos de interesses, preservando, com isso, a integridade do sistema jurídico e a própria força normativa dos princípios da justiça preventiva e da segurança jurídica.

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Sobre o autor
Gabriel Machado Nidejelski

Analista Judiciário e Assessor de Desembargador no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Especialista em Direito do Estado e em Direito Notarial e Registral.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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