Prefeitos e candidatos na linha de tiro

14/03/2024 às 14:57
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Quando candidatos deixam para resolver as pendências na última hora

O fenômeno não é de hoje e, exatamente por isso, causa estranheza que se repita à sombra do descuido dos gestores municipais. Cerca de 70% dos prefeitos respondem a algum tipo de processo. Na virada do século, com a cooperação do saudoso ministro José Augusto Delgado, que então dignificava o Superior Tribunal de Justiça, o autor fez um estudo sobre a amplitude da responsabilização dos governantes dos Municípios, chegando-se a concluir pelo elevado percentual.

O que espanta é o fato de que, em mais de duas décadas, o cenário permanece praticamente inalterado, em que pesem os seguintes fatores:

· Nos últimos 20 anos, os canais de informação foram multiplicados e não faltam alertas, seja pelas mídias tradicional e social, seja pelos meios formais de controle sobre os riscos na gestão pública.

· Os Tribunais de Contas se encontram informatizados, com eficientes e ágeis ferramentas de aferição; e dispõem do compartilhamento de informações com outros órgãos, como os de controle financeiro (COAF), Receita Federal do Brasil, Banco Central, Ministério Público e inteligência policial.

· A cada eleição veem-se candidatos barrados no processo de escolha popular por conta de pendências na Justiça e nos Tribunais de Contas.

· O controle social está acirrado, uma vez que, ainda que sem julgamento, qualquer episódio que respingue ilicitude na biografia do candidato pode ser usado no calor das contrariedades de uma disputa eleitoral.

Por conta disso, é recomendável que os candidatos à reeleição realizem uma varredura nas suas situações jurídicas, em tempo hábil de corrigir distorções e evitar que sejam barrados quando do registro de candidatura. Igual cautela se aplica àqueles que, de fora, ao entrarem agora na disputa, verifiquem eventuais empecilhos decorrentes de outros cargos que ocupam ou ocuparam, principalmente naqueles nos quais administraram verbas públicas. Entram nesse ambiente deputados estaduais que pretendem concorrer a prefeituras e que, em algum momento, presidiram a Assembleia Legislativa; secretários de Estado, secretários municipais da Fazenda e da Educação, vereadores que presidiram a Câmara Municipal, presidentes ou ex-presidentes de autarquias e fundações públicas e aqueles que foram prefeitos em mandatos anteriores. Há uma fração significativa desse público que de alguma forma tem pendência jurídica, sendo as mais gravosas, para efeitos eleitorais, a prestação irregular de contas de campanha perante a Justiça Eleitoral e a condenação perante uma Corte de Contas.

Com certo as causas de inelegibilidade são muitas, mas, de consequência imediata – e que ainda podem, em tese – serem revertidas – são:

· Representações na Justiça Eleitoral sem julgamento, ou condenações sem trânsito por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma;

· Processos em tramitação por abuso de poder econômico ou político;

· Processos nos Tribunais de Contas, sem trânsito em julgado, com potencial para refletir na inelegibilidade. Assim acontece com os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa.

Vale apontar que naquilo que está conexo com a gestão pública propriamente dita, há vulnerabilidade dos administradores nas seguintes situações: a) delegação de atribuições baseada na boa-fé, sem formalização e controle; b) uso de pareceres com conclusão pré-definida para dar lustre de legalidade ao que é ilegal ou temerário; c) falta de manual (deveras aplicado) de compliance, ou seja, um conjunto de regras de boa conduta nos processos licitatórios e administrativos em geral; d) ausência de regulamentação interna sobre gestão e fiscalização de contratos e recebimento do objeto; e) falta, atrasos ou inobservância de critérios formais na prestação de contas de convênios; d) a ausência efetiva de zelo com o dinheiro público, a se considerar que atualmente o controle não é meramente formal (por notas fiscais, por exemplo), mas pela comprovação da efetividade, da razoabilidade e da eficiência.

Não existe tapume que prive a sociedade da observação de uma mera ocorrência de trânsito que tenha no protagonismo uma pessoa pública.

MURO BAIXO

Costuma-se dizer nos entreveros da política portuguesa que os agentes públicos têm um muro baixo, em relação aos demais cidadãos. Enquanto as pessoas em geral podem cercar as suas vidas com a altura da privacidade, aqueles que administram verbas do erário e exercem cargos políticos não se valem da mesma proteção. Até mesmo questões de natureza privada entram nos olhares do povo. Mesmo se houver uma condenação criminal a um cidadão, os efeitos, a princípio, ficam restritos à sua vida e aos que com ele convivem intramuros; entretanto, para uma mera ocorrência de trânsito que tenha no protagonismo uma pessoa pública, não existe tapume que prive a sociedade da observação.

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Veja-se que não são apenas os impedimentos de ofício que logo causam o banimento de uma campanha. É obvio que, ao se fazer o registro, prontamente a Justiça Criminal, a Justiça Eleitoral e os Tribunais de Contas estarão com as armas em prontidão, automaticamente alertas para atingirem a pretensão de candidatura daqueles que já tiveram as respectivas ilicitudes declaradas em grau definitivo; mas estarão igualmente com o seu arsenal a postos tantos quantos têm interesse em barrar o adversário político. Nesse campo de enfrentamento, a lei confere legitimidade para, por exemplo, outro candidato, qualquer partido político e coligação de partidos. Ainda que sem a força nuclear do Judiciário e dos Tribunais de Contas, esses atores podem causar consideráveis estragos, senão inviabilizando juridicamente a candidatura, lançando estilhaços sobre a imagem de integridade do postulante ao palácio municipal.

PREVENÇÃO EM TEMPO HÁBIL

É fato contumaz a procura de advogados quando o míssil já foi disparado. Poucos candidatos se atentam para a prevenção, fazendo o levantamento prévio dos obstáculos que potencialmente podem aparecer no caminho; algo, enfim, equivalente ao que se faz em campo de guerra: a varredura de minas terrestres. Isso permite que os profissionais de advocacia possam dispor de tempo razoável para a reação. Identificados os prováveis empecilhos, que se cuide imediatamente da remoção, porquanto muitos deles têm origem em erros são decorrências de inadequações formais. Para isso, há advogados; mas, também, para isso há prazos.

Sobre o autor
Léo da Silva Alves

Jurista, autor de 58 livros. Advogado especializado em responsabilidade de agentes públicos e responsabilidades de pessoas físicas e jurídicas. Atuação em Tribunais de Contas, Tribunais Superiores e inquéritos perante a Polícia Federal. Preside grupo internacional de juristas, com trabalhos científicos na América do Sul, Europa e África. É professor convidado junto a Escolas de Governo, Escolas de Magistratura e Academias de Polícia em 21 Estados. O autor presta consultoria às mais importantes estruturas da Administração Pública do país desde os anos 1990. Conhece os riscos da gestão e as formas de prevenir responsabilidades, o que o tornou conferencista internacional sobre matérias relacionadas ao serviço público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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