O Direito e a liberdade de expressão na Semana Santa

Leia nesta página:

Dicionário Aurélio Século XXI:

1) Sagrado

[Do lat. sacratu.]

Adj.

1. Que se sagrou ou que recebeu a consagração.

2. Concernente às coisas divinas, à religião, aos ritos ou ao culto; sacro, santo.

3. Inviolável, puríssimo, santo, sacrossanto: 

4. Profundamente respeitável; venerável, santo.

5. Que não deve ser tocado, infringido, violado: 

6. A que não se pode faltar; que não se pode deixar de cumprir: 

2) Profano

[Do lat. profanu.]

Adj.

1. Não pertencente à religião.

2. Contrário ao respeito devido a coisas sagradas.

3. Não sagrado.

4. Secular, leigo.

5. Fig. Estranho ou alheio a ideais ou conhecimentos sobre determinados assuntos.

S. m.

6. Pessoa ou coisa profana.

As palavras acima poderia ser aplicadas no Direito? Faço uso da obra de Miguel Reale (REALE Miguel, 1910. Lições preliminares de direito / Miguel Reale — 27 ed. ajustada ao novo código civil. — São Paulo: Saraiva, 2002). em sua obra, o autor é, sem dúvidas, uma maneira didática sobre os fundamentos básicos do Direito. A natureza do Direito, sua natureza, objetivo, princípios fundamentais e finalidade, interpretação e aplicação do Direito são temas abordados no livro. Com profundo conhecimento, o autor explorou conceitos como a evolução histórica do Direito, a relação do Direito com a moral e a política. 

Recentemente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) divulgou no "X", ex-Twitter, a imagem de Jesus crucificado e romanos proferindo "Bandido bom é bandido morto".

O Estado, pelo Estado Democrático de Direito, poderia proibi-la de ser divulgada? O tema, sobre Direito e Justiça, quanto à liberdade de expressão e liberdade de crença, foi abordado no artigo Exposição Queermuseu e liberdade de expressão. Depravação ou arte? Não teve nenhuma norma jurídica, mas, para operadores de Direito, antropólogos (as), sociólogos (as), o artigo é um confronto entre desejos de diversas comunidades, sejam elas políticas ou não, no seio da sociedade brasileira.

Outro artigo publicado foi Comprei imagem de Nossa Senhora para colocar num terreiro de umbanda. Há crime de vilipêndio? Transcrevo algumas partes:

"Isoladamente, ambas liberdades podem parecer, ao entendimento de quem não faça silogismos entre as normas constitucionais, absolutas. Não obstante, pelos textos contidos nas normas do arts. 1º, III, e 3º, da CRFB, depreende-se que a Carta Cidadã preconiza um país valorizando urbanidade, solidariedade, respeito, tolerância, enfim, humanismo nas relações, indiferentemente de crença, etnia, sexualidade, posição socioeconômica, pessoa com ou sem necessidade especial. Na esteira, para promover o bem de todos, o perdão, a reconciliação, a compreensão.

A Carta é humanística — arts. 1º, III, 3º, 5º, 6º e 7º, por exemplo —, o Estado é laico, sem desproteger crenças e cultos, criança e adolescente não são meros indivíduos sem opiniões, vontades — muito diferente, antes da CRFB de 1988, pois o Pátrio Poder garantia pleno poder sobre os filhos, à mulher, a obrigação de cuidar bem da prole, conforme os ditames do marido —, a equidade entre homens e mulheres, entre outros.

(...)

Nossa Senhora faz parte da crença Católica. Há todo um simbolismo na imagem: virginal, sem pecados, mãe de Jesus Cristo, “ocupa na Igreja o lugar mais alto depois de Cristo e o mais perto de nós” (L. G., nº. 54). Se a imagem é um dos símbolos máximo da Igreja Católica, seria crime colocar esta imagem em algum centro de matriz religiosa africana? Há tipificação de crime? A redação da norma do artigo 208, do CP , "in verbis":

Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência. (Grifos meus)

Os verbos, grifados, são escarnecer, impedir ou perturbar e vilipendiar. A imagem de Nossa Senhora encontra-se sobre uma bancada de concreto, num terreiro de umbanda, por exemplo. O único verbo que poderia ser usado na questão é o vilipendiar. Significado do verbo vilipendiar:

Dicionário Aurélio Século XXI

[De vilipêndio + -ar2.]

V. t. d.

1. Tratar com vilipêndio.

2. Ter ou considerar como vil; desprezar; repelir.

[Pres. ind.: vilipendio, etc. Cf. vilipêndio.]

Dicionário Houaiss

transitivo direto

1 tratar (algo ou alguém) com desprezo ou desdém

Ex.: v. os pobres e a pobreza

transitivo direto

2 considerar (algo ou alguém) como vil, indigno, sem valor; aviltar, rebaixar

Exs.: v. os pais

v. o preço dos imóveis

transitivo direto3 ultrajar por meio de palavras, gestos ou atos

Ex.: os infiéis entraram na igreja vilipendiando a celebração

O SINCRETISMO

Os escravos africanos usavam as imagens Católicas; por sinal muito inteligente, para disfarçarem suas intenções reais, o cultivo de seus deuses. Não houve, durante os séculos de sincretismo, vilipêndios aos santos católicos; pelo contrário, há imenso respeito, sincero, dos afrodescendentes brasileiros, praticantes, por exemplo, de religiões como Umbanda e Candomblé, à crença Católica. Não se pode dizer que há vilipêndio da imagem de Nossa Senhora colocada em altar de religião de matriz africana.

ADAPTAÇÕES

No plano prático e pastoral da Igreja Católica, foi, sobretudo, no campo da Liturgia que mais se adiantou a respeito da Inculturação, que, aliás, em certa medida já tinha a sua prática na diversidade dos Ritos, que a Igreja sempre admitiu: rito romano, ritos orientais, rito hispânico ou moçarábico, rito bracarense! A Constituição Litúrgica do Concílio Vaticano II, em 1964, tinha falado das diversidades e adaptações do Rito Romano, particularmente, nas Missões (Cfr. Nº 38 e 40,3), diversidades que valorizam a unidade. O Papa na carta “Vicesimus Quintus Annus” (1989) considerou o esforço de enraizar a Liturgia nas diversas culturas como uma tarefa importante da Liturgia. Por isso, a Sagrada Congregação do Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos preparou a Instrução “Normas para adaptar a liturgia às características e condições dos diversos povos” (23/I/1994), publicada em português e inserida com o título “A Liturgia Romana e a inculturação” no “Enquirídio dos Documentos da Reforma Litúrgica”, Fátima, Secretariado Nacional de Liturgia, 1998. (As religiões da nossa vizinhança : história, crença e espiritualidade / Geraldo J. A. Coelho Dias ; org. Faculdade de Letras da Universidade do Porto - Departamento de História, Departamento de Ciências e Técnicas do Património. - Porto : F.L.U.P. - D.H., D.C.T.P., 2006. - 441 p. : il. ; 24 cm. - Bibliografia, p. 431.)

Inculturação é adaptar a liturgia às características e condições dos diversos povos, ou seja, várias formas de se rezar Missa e de realizar cerimônias litúrgicas foram desenvolvidas para se adaptarem as diversas culturas, como rito romano, ritos orientais, rito hispânico ou moçarábico e rito bracarense. A palavra sincretismo, no século XVII, possuía sentido negativo: heresia contra a verdadeira religião.

No livro Rastros do oculto, da história à teologia, do príncipe das trevas aos selados de Deus, dos autores Isabela Mastral e Daniel Mastral:

"Sincretismo:

Os arquétipos do Mal - imagens psíquicas do Inconsciente Coletivo que, segundo K. Jung, estruturam modos de compreensão comuns aos indivíduos de uma mesma Comunidade — foram ganhando formas concretas a partir deste fenômeno, o Sincretismo. Isto é, por meios da mistura da ideia do Mal que há nas diversas Religiões. Aqui no Brasil, por exemplo, que sofreu bastante influência indígena e africana, além do Catolicismo Português, fica fácil entender o conceito do Sincretismo. Foi tudo" misturado ", numa enorme massa de Bolo, à medida que os Povos também se misturavam.

Fica claro perceber que quando se misturam diversas culturas, as ideias delas também se misturam, criando outras. Assim se dá o Sincretismo Religioso.

Na Antiguidade, devido à expansão das Civilizações e à formação de Sociedades mais poderosas que outras, milênios de conquistas e grandes misturas entre os povos levaram a uma enorme" miscelânea "em todos os sentidos. E bem a" massa de Bolo "! Nela se colocam diversos ingredientes de todos os tipos, e, ao final, tem-se algo completamente diferente daquilo que tínhamos no começo.

A mistura de tudo isso: linguagem, costumes, formas de vida e subsistência, religiosidade, artes e tudo o mais costuma ser muito forte, porque o Homem é um ser social, que se relaciona. E tudo vai sendo misturado na massa!

Imagine o processo de colonização do Brasil... todos se misturaram com todos, alguns foram subjugados por outros, mas isso não apagou as suas marcas. Hoje, nosso modo de vida e de pensar tem raízes africanas, portuguesas, indígenas, italianas, germânicas, orientais... nosso País é de enorme miscigenação!"

O livro é muitíssimo interessante sob a ótica do inconsciente coletivo, as influências culturais e os resultados destas influências na "massa de Bolo" — linguagem, costumes, formas de vida e subsistência, religiosidade, artes etc.

Assim, se cada religião quiser exigir seus "direitos autorais", revisões históricas de suas crenças serão necessárias. Algo deveras dificílimo, alcançando a impossibilidade. Exigir "direitos autorais" está mais para intolerância e fundamentalismo do que usar a razão sobre a "massa de Bolo".

VILIPÊNDIO

Casos:

  1. Imagem de Nossa Senhora — Alguém compra uma imagem de Nossa Senhora. Em local diverso, esse alguém chuta a imagem de gesso e, não satisfeito, resolve vociferar “um bicho tão feio, tão horrível, tão desgraçado”. Há tipificação de crime pela redação do art. 208 do CP? A imagem é de gesso, o ato praticado foi externo à Igreja Católica. Se admitirmos que somente os símbolos da Igreja Católica não podem ser vilipendiados — símbolos quando carregados por padres, coroinhas ou mesmo fiéis, ou quando dentro das Igrejas —, imagens compradas em qualquer fornecedor de artigos religiosos, seja imagem de gesso, pedra sabão, bronze etc., podem estas imagens servir para quaisquer intenções de quem comprou? E quando alguém encontra uma imagem de Nossa Senhora em alguma oferenda de Umbanda? Essa pessoa resolve chutar a imagem de Nossa Senhora e os pratos de barros da oferenda; não contente, vocifera “Duas religiões malditas, alienantes”. Há crimes? Com toda certeza. Vilipendiou "publicamente ato ou objeto de culto religioso". No caso, dois objetos de cultos religiosos, a Nossa Senhora e os pratos de barros. No entanto, pratos de barros são objetos de culto religioso? Um prato de barro é um prato de barro, porém, um prato de barro usado para depositar oferenda, torna-se objeto de culto religioso de matriz africana. Notem as diferenças. Prato de barro sem intenção de uso em oferenda é prato comum, não é de culto religioso. Imagem de Nossa Senhora, mesmo comprada em qualquer loja, ainda assim, é imagem específica da Igreja Católica.

  2. Indumentárias usadas em rituais religiosos de matriz africana — Usar alguma indumentária, de ritual religioso de matriz africana, para menosprezar como estas religiões celebram suas crenças, pode ser tipificado como vilipêndio de objeto de culto religioso? Sim, pois a indumentária é um símbolo religioso de matriz africana. Se alguma pessoa compra a roupa de santo, veste e tem intenção de desonrar da crença religiosa de matriz africana, há crime.

  3. Suástica — Suástica, um tipo de cruz. Há vários tipos: cristã, hinduísta, budista. Alguém resolve pegar uma cruz, por exemplo, suástica budista, para dizer que é o budismo é culto ao demônio e deve ser banida do Brasil. Há tipificação de crime pela norma contida no art. 208 do CP? Sim. Em outra situação, alguma pessoa pega uma cruz suástica nazista e diz “Isso é coisa do demônio”. Nesse caso, não há vilipêndio de objeto de culto religioso — alguns nazistas usavam o símbolo, a suástica nazista, em alguns rituais de ocultismo, criados por eles próprios. Então, se a suástica nazista fora cultuada, como uma religião, quem vociferar contra a suástica nazista estará cometendo crime tipificado no art. 208 do CP? Claro que não. O fundamento da norma contida no art. 1º, III, da CRFB de 1988, é a dignidade humana. Um símbolo que pregou extermínios, segregações, experiências científicas, coisificando os seres humanos (cobaias) — presos testando novos tipos de solados, só paravam quando desmaiavam, ou solado ficasse destruído por completo enquanto os pés ficavam em carne viva; mergulhos em banheiras com água abaixo de zero grau etc. — não pode ser cultuado, venerado, muito menos qualquer outro símbolo nazista não pode ser considerado como "símbolo religioso". Alguns leitores poderão dizer que se for assim, a Igreja Católica, por exemplo, não deve existir, já que no passado cometeu atrocidades, ou seja, crimes contra os direitos humanos. Há de se fazer ponderações. Para os nazistas, somente eles deveriam existir. Experimentos genéticos foram desenvolvidos para purificar a humanidade, claro, conforme a ideologia nazista. Se algum cidadão da América Latina segurar uma suástica nazista e dizer que ama Hitler, com toda certeza, algum alemão que se considera da raça ariana, somente pode ser alemão nato, irá queimar o pseudoariano. Não há perdão, não há conversão. No utilitarismo da Alemanha Nazista, os puros, os geneticamente belos, saudáveis e superinteligentes, só poderiam ser os próprios nazistas, descendentes da raça ariana. Aliás, durante a Alemanha Nazista, cidadãos natos, diagnosticados com alguma doença, eram pegos em suas próprias residência para receberem "tratamento médico" — após algumas semanas, a família recebia nota de falecimento. Como a Raça Ariana poderia pregar perfeição se tinha imperfeições em seu próprio território? Contradições.

O Catolicismo, a Umbanda e o Candomblé diferem, pois não agem como os nazistas. Mesmo que no passado o Cristianismo tenha discriminado, ainda assim, aceitava os convertidos. E o Catolicismo, querendo ou não, para quem considera que é necessário exterminá-lo da Terra, prestou, e ainda presta, inúmeras caridades — contribui para os Direitos Humanos, principalmente quanto ao Estado social. Não tem nada a ver com marxismo, mas se assemelha, nestes aspectos: a solidariedade ao ser humano necessitado; a proteção do Estado aos necessitados; a distribuição de renda, dos mais ricos para os mais pobres, a valoração do trabalhador e remuneração digna. Então a Foice e o Martelo são símbolos religiosos? Não. São símbolos de Revolução, a luta contra as explorações de classes sociais dominantes sobre outras classes — similar à Revolução Francesa. Foice e o Martelo, não há Deus, ou deuses, não há santos, não há pecado, não há salvação, não há seres imateriais. Se pensarmos nos gregos e nos romanos a.C., existiam religiões. Mesmo que o Protestantismo, criado pela ação de Martinho Lutero, em seus primórdios, perseguiu e matou os judeus, pelo comando do próprio Lutero, ainda assim, não age como os nazistas — neste não há convertidos, não há perdão, há somente a raça ariana etc. Quem for convertido ao Protestantismo, será bem-vindo. O verdadeiros Conquanto há os excessos, por parte de alguns fiéis, é uma religião que não procura exterminar, aos moldes dos nazistas — somente os nazistas devem existir.

LIBERDADES

Quem se lembra da modelo transexual, Viviany Beleboni, de 26 anos, responsável por sua encenação de crucificada? Ou de um homem caracterizado de "Jesus de Nazaré". A cruz é um símbolo, Jesus é outro símbolo, ambos são símbolos máximos, entre muitos outros, da crença Católica. Nesses casos, não há vilipêndios? Toda ação humana pressupõe, anteriormente, um desejo. É a intenção que configurará o motivo da ação. Por exemplo, na Exposição Queermuseu, não houve intenção de zombar, ridicularizar os símbolos católicos. Claro que tudo depende do caso concreto, dos elementos que possam caracterizar algum crime. Se há manifestação, no caso artística, mesmo com o uso de símbolos religiosos, para, por exemplo, no caso da modelo, protestar contra as perseguições aos LGBTs, por motivos religiosos, não se está desrespeitando a fé Cristã. Se a fé Cristã, a partir de Jesus Cristos, ressalta que todos são iguais, filhos do mesmo Criador, qualquer perseguição, por motivos religiosos, não condiz com a própria crença.

A própria CRFB de de 1988 garante a liberdade de expressão artística, intelectual, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5º, IX). Posteriores exames pelo Poder Judiciário poderão acontecer, pois nenhum direito é absoluto. Os direitos humanos, no aspecto à liberdade de expressão, têm motivado o Supremo Tribunal Federal (STF) a desconsiderar condutas (isentas de tipificações) até então consideradas criminosas, como a Marcha da Maconha, A Parada Gay. Na Marcha, não há CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA, na Parada, não há ULTRAJE PÚBLICO AO PUDOR. Por quê?

O uso da "liberdade de expressão" é anticensura para impedir "justificativas de mordaças", isto é, quando há censura prévia, seja por algum ditador, seja pela ação da maioria, o utilitarismo, não há plena liberdade de expressão para todos os cidadãos; analogia com o utilitarismo da democracia grega a.C., mulheres e escravos tinham direitos limitados."

Quem se lembra do "Chute na Santa"? Um pastor chutou uma imagem católica, de Nossa Senhora Aparecida. Além de chutá-la, zombou dos fiéis da igreja católica como "idólatras". Outra lembrança, dos anos de 1980, a proibição do carro alegórico no desfile da Beija-Flor (HERESIA CARNAVALESCA? QUANDO A IGREJA CATÓLICA PROIBIU UM CARRO ALEGÓRICO NO DESFILE DA BEIJA-FLOR).

Existe diferença entre "intolerância religiosa" e "crítica". Por exemplo, uma imagem, manipulada, do Cristo Redentor segurando armas de fogo. Não é intolerância religiosa, mas uma possível crítica à administração pública quanto à violência. A imagem do do Cristo Redentor possui dois significados: a primeira representa a crença em um ser divino, o Filho de Deus, a segunda, um mero cartão postal da cidade do Rio de Janeiro. Pode-se fazer orações na localidade, ou registrar momento turístico. Uma pessoa pode acreditar que Jesus é o Salvador, o Filho de Deus e tirar uma "selfie" (registro digital) de si mesmo com a estátua no fundo. Outra pessoa pode também tirar uma "selfie" (registro digital) de si mesmo com a estátua no fundo, não sendo religioso, mas ateu. Nesse, uma lembrança da cidade do Rio de Janeiro. Poderia uma pessoa fazer um "despacho" — oferendas das religiões afro-brasileiras — na localidade? A proibição seria uma "intolerância religiosa" por parte da administração local? Em princípio, a proibição pode ser por "saúde pública". ainda assim, a proibição é razoável? Nos logradouros há os "despachos" nas encruzilhadas. A proibição deveria também ser aplicada. O Direito, em muitas vezes, é aplicado conforme "está escrito", isto é, o positivismo jurídico. Todavia, pela própria CRFB de 1988, por um "novo olhar" sobre Constituição, o pós-positivismo, o neoconstitucionalismo, a prevalência do principio constitucional "dignidade humana".

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019, apreciou, no  RECURSO EXTRAORDINÁRIO 494.601 RIO GRANDE DO SUL, a possibilidade de pedido de proibição de sacrifício de animal pelas religiões de matrizes africanas. Ou seja, se a Lei estadual 12.131/2004 era constitucional ou não. O Direito é um fenômeno histórico e cultural. Como fenômeno, não pode ser estático, imutável. Mas, como fenômeno, há possibilidade de mudanças capazes de limitar certas crenças, certos comportamento ditos "cruéis", "desumanos", "antidemocráticos"? Ou mesmo restabelecer certos costumes por meio de novas normas? Por exemplo, a Constituição de 1825, no Art. 5°, considerava a religião oficial do Império, a Católica Apostólica Romana. Se o Direito é um fenômeno histórico e cultural, se se entender que o Direito, enquanto tão somente fenômeno histórico e cultural, poder-se-ia, restritivamente, defender "a vontade do povo" ou mesmo "a vontade de seu representante", o chefe do Poder Executivo, pela figura do presidente da República. Esse como "guardião da Constituição".

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Se a “paz social” se encontra ameaçada, por pessoas ou cidadãos brasileiros, por estes quererem liberdade religiosa, liberdade de pensamento, mas tais liberdades ameaçam à “maioria” dos brasileiros, de tradição judaico-cristã, uma ameaça de “cristofobia”, então, o chefe do Poder Executivo, que é o presidente da República, poderia, por exemplo, por meio de Decreto, algum “Ato Institucional”, como ocorreu na ditadura militar (ATO INSTITUCIONAL Nº 5, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1968). Na “Minuta do Golpe”, para garantir a democracia, a paz social, a harmonia entre os poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), não há “ilegalidade”, pois estão previstos na CRFB de 1988 (arts. 137 a 139). Pela teoria de Carl Smith, o presidente da República, com a devida solicitação do Parlamento, poderia ter os poderes necessários em mãos para assegurar a “paz” nacional. Isso seria possível, claro, como ocorreu na Era Vargas, com o alinhamento entre os poderes Legislativo e Executivo, de forma que o Executivo pudesse criar decreto-lei. Smith não considerava a possibilidade de o Judiciário ser o “guardião da Constituição”.

Hans Kelsen, por sua vez, admitia ser o Judiciário ser o “guardião da Constituição”, ou seja, as normas criadas pelos poderes Legislativos e do Executivo poderiam ser avaliadas pela Suprema Corte e serem consideradas “válidas” (constitucionais) ou “inválidas” (inconstitucionais). Assim, há uma limitação do Judiciário pelas edições de normas pelos demais poderes. Mas kelsen admitia o Direito afastado de conceitos filosóficos como ética e moral. Disso, ainda que o Estado aja de forma imoral, isto é, violando a dignidade humana, como, por exemplo, proibição de beijo LGBTQIAPN+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexo, Assexual, Pansexual, Não Binário, "+" é inclusão e reconhecimento de outras orientações sexuais), e garanta, também de forma imoral, a prática do estupro marital — entende-se “moral” ou “imoral” pela análise do que seja “justo” ou “injusto”, no sentido de “justiça” —, tais práticas defendidas pelo Estado são consideradas parte da ordem jurídica desse Estado, se forem estabelecidas de acordo com os procedimentos legais e formais estabelecidos pelo próprio Estado. Logo, “dentro da ordem jurídica” ou “dentro das quatro linhas da Constituição”, refere-se ao fato de que os procedimentos legais e formais estabelecidos pelo próprio Estado são reconhecidas e aceitas como válidas dentro do sistema jurídico estabelecido. Vamos presenciar “dentro da ordem jurídica” fatos históricos no Brasil. O STF foi enfraquecido e muitas vezes agiu em conformidade com os interesses do (s) governo(s) de forma a limitar a independência do Supremo Tribunal Federal (STF) e sua capacidade de exercer o controle sobre os atos do Executivo e do Legislativo. Tanto a Era Vargas (1930 e 1945) quanto os Anos de Chumbo (1964 a 1985) agiram dentro da observância à ordem jurídica e subordinavam o Judiciário aos interesses de partido (s) político (s) no Legislativo e no Executivo.

O sagrado e o profano na liberdade de expressão pode ser usado para limitar, na realidade, a liberdade de expressão. E quando a liberdade de expressão é reconhecida como "intolerância religiosa"? No exemplo do "Chute na Santa", os motivos podem ser vários, a intenção foi de considerar o catolicismo como seita, ou seja, doutrina ou sistema que diverge das Escrituras Sagradas, de tradição judaico-cristã. Porém, que fique claro, existem diferentes interpretações sobre as Escrituras Sagradas. afirmar quem tem razão é deveras presunção. Além disso, cria-se um sentimento social de "perseguição ao terror", de que outra religião deve ser combatida, na realidade, os fiéis, já que sem os fiéis não há religião. O Estado de Direito, por ser laico, protegerá quaisquer religiões contra intolerâncias por parte de outras religiões, desde que tais práticas religiosas não violem à dignidade humana. Assim, uma religião que promova aborto como forma de invocar "poderes sobrenaturais" para "vencer inimigos", ou para a pessoa "ficar rica", não será tal prática permitida. Diferentemente do aborto cuja ação foi necessária para salvar a vida da gestante. No primeiro exemplo, instrumentalizou-se o nascituro. No segundo exemplo, não se instrumentalizou o nascituro, mas se protegeu uma vida já formada.

Do que foi explanado, a verificação de que não há intolerância religiosa na imagem produzida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pois não quis atacar, ofender, o escarniar das religiões de tradição judaico-cristã. Jesus pregou amor, perdão, união, não violência, não homicídio etc. A frase "bandido bom é bandido morto", associada com movimentos que se dizem "de Deus", é uma distorção dos valores cristãos. De forma similar, os protestos de pessoas LGBTQI+, quando simulam crucificação na cruz, em referência à crucificação de Jesus Cristo, não tem a intenção de produzir "cristofobia", tão somente transmitir mensagem de que Jesus não criou nenhum sistema de crença, ou político, de perseguição aos LGBTQI+, ou a qualquer pessoa. A perseguição pode ser nas limitações dos direitos humanos como os direitos civis, políticos, sociais econômicos e culturais.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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