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Aplicação do princípio da insignificância ao réu reincidente

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25/04/2024 às 19:32

Resumo:

- O princípio da insignificância é aplicado a réus reincidentes, gerando desafios e dilemas na justiça penal.
- A reincidência tem sido usada como fator determinante na não aplicação do princípio da insignificância em tribunais, por considerar a propensão para o crime.
- A aplicação do princípio da insignificância na fase policial, pelo Delegado de Polícia, poderia contribuir para a celeridade processual e evitar custos desnecessários.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

REINCIDÊNCIA USADA COMO FATOR DETERMINANTE NA APLICAÇÃO NOS TRIBUNAIS

A reincidência, quando utilizada como fator determinante na aplicação do princípio da insignificância, introduz uma camada adicional de complexidade na análise jurídica. O princípio da insignificância visa excluir a punição de condutas que, embora formalmente típicas, são consideradas socialmente irrelevantes e causam danos mínimos. Entretanto, quando o réu é reincidente, a interpretação desse princípio pode ser influenciada pelos antecedentes criminais do acusado.

Em alguns casos, a reincidência pode ser vista como um elemento agravante, sugerindo uma inclinação persistente para o comportamento criminoso. Isso pode levar os tribunais a serem mais reticentes na aplicação do princípio da insignificância, pois a reiteração criminosa pode ser interpretada como um indicativo de que a conduta do réu não é trivial ou isolada.

Por outro lado, argumenta-se que a aplicação do princípio da insignificância não deve ser automaticamente excluída de consideração apenas por causa da reincidência. Contudo, é necessário que cada caso seja analisado individualmente, levando em conta a natureza e a gravidade do delito atual, bem como outros fatores relevantes.

Ressalta-se mais uma vez a decisão do ministro Gilmar Mendes em RHC 210.198. No caso em apreço, o impetrante objetivava o trancamento da ação penal, fundando-se na atipicidade material diante do Princípio da Insignificância. Como podemos apreciar, posicionou-se o ministro destacando que é imprescindível analisar somente aspectos de ordem objetiva.

Como já observado, o Direito Penal deve ater-se aos casos relevantes, pois o Princípio da intervenção mínima do qual decorre o Princípio da Insignificância exige uma efetiva ofensa ao bem jurídico lesado.

Porém, há quem defenda que quando o Estado deixar de analisar a vida pregressa do agente estaria abrindo precedente para que ele e os cidadãos utilizassem, incessantemente, de tal princípio para justificar a prática de pequenos delitos. Assim, alguns acreditam que a aplicação constante desse princípio levaria a uma banalização da criminalidade e insegurança jurídica, pela falta de penalização para aqueles que praticarem tais delitos.

Analisando o julgado efetuado pelo Superior Tribunal de Justiça observa-se que a reincidência tem sido normalmente, usada como fator contra o reconhecimento do princípio da insignificância. Observa-se:

APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO QUALIFICADO - ABSOLVIÇÃO - ATIPICIDADE - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE - COMPROVADAS - AFASTAMENTO DA REINCIDÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE - GRATUIDADE DE JUSTIÇA - PREJUDICADO - NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. 1. Não incide o princípio da insignificância, que sequer possui previsão legal, se o acusado é reincidente ou possui maus antecedentes, bem como se o móvel do delito é espúrio ou frívolo, denotando que a conduta se reveste de periculosidade social e o comportamento possui elevado grau de reprovabilidade. 2. Comprovada nos autos a materialidade do crime e a autoria do réu quanto ao delito de Furto, em especial pelas declarações da ofendida e firme depoimento do policial militar, não há de se falar em absolvição. 3. Os institutos da Graça e Anistia não tem o condão de obstar os efeitos secundários da condenação transitada em julgada, influindo apenas nos efeitos primários, no cumprimento da sanção penal fixada. Súmula 631 do STJ. 4. Prejudicado o pedido de gratuidade de justiça por este já ter sido concedido na sentença. 5. Negar provimento ao recurso.

Contudo, é preciso considerar que o Direito Penal deve atuar em paralelo com as novas situações que levam a sua melhor aplicação, já que, a lei traz em seu texto, apenas, formulações abstratas e hipotéticas que carecem de interpretação ao fato concreto. Logo, não há dúvidas de que existem situações que não são relevantes, pois, diante da análise do caso sólido não afetam ao bem jurídico tutelado. Por outro lado, é possível se pensar em alguma modalidade de sanção, tais como, administrativas, civis, menos gravosas para demonstrar e assegurar que não é aceitável e nem natural que alguém que cometa um crime, por mais que de bagatela.

Aduz-se, ainda, que aplicar a insignificância acarretaria uma sensação de inércia do Estado em proporcionar segurança jurídica, como se a não aplicação das penas dispostas no Código Penal fossem levar a um incontrolável surto de delitos insignificantes, tornando às condutas habituais.

Essa crítica desconhece a natureza fragmentária e subsidiária do Direito Penal e deve ser repensada para que haja uma forma de controle social diversa. Assim, os crimes de bagatela poderiam ser controlados por outros meios que não alcancem o judiciário, mas que não deixem de ser advertidas, de outra forma, a sinalizar que o Estado contempla, ainda, tais condutas como inaceitáveis.

Superada a análise da reincidência, passo a contemplar um possível benefício para celeridade processual, caso sejam superadas as resistências e empecilhos para a aplicação do princípio da insignificância.


DA CELERIDADE PROCESSUAL: APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELO DELEGADO DE POLÍCIA

Em um Estado Democrático de Direito, se faz essencial terem instituições encarregadas de garantir o cumprimento da lei, bem como reprimir atividades criminosas. Por isso, a Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu art.144, que a segurança pública é dever do Estado e direito de todos os cidadãos.

Nesse viés, apesar de muitos na doutrina ou jurisprudência entenderem e utilizarem o termo “polícia judiciária” como sinônimo de investigação, cabe mencionar que a função da polícia judiciária está relacionada, também, com auxílio ao Poder Judiciário, para além da tarefa investigativa.

Assim, o papel do Delegado de Polícia nesse contexto é se comportar como o primeiro defensor da legalidade e justiça, tornando-o responsável por analisar tecnicamente os casos e assegurar os direitos fundamentais. Nesse contexto, o inquérito policial desempenharia um papel crucial, visto que, agiria como um mecanismo de triagem para prevenir acusações sem fundamento e forneceria informações relevantes para a acusação e para a defesa.

Cabe mencionar, ainda, que o Delegado de Polícia, para ingressar na carreira, necessita de ser bacharel em Direito e ser aprovado em concursos públicos de provas e títulos, o que requer certo conhecimento sobre as matérias e legislações do Direito.

Ademais, diariamente, indivíduos são conduzidos às Unidades Policiais por terem sido surpreendidos, por exemplo, em uma das situações de flagrante delito previstas no artigo 302 do Código de Processo Penal, e também são reportados vários incidentes que, em princípio, configuram a prática de uma infração penal.

Nesse contexto, surge uma controvérsia sobre a possibilidade do Delegado de Polícia não elaborar o Auto de Prisão em Flagrante ou decidir não instaurar o Inquérito Policial em casos claros de aplicação do princípio da insignificância. Apesar de não haver previsão legal, a vasta maioria da doutrina e jurisprudência aceita a aplicação do princípio da insignificância ao ordenamento jurídico nacional, contudo, ressaltando que o caso concreto deve ser submetido ao crivo do Poder Judiciário, pois caberia apenas ao magistrado emitir um juízo de valor sobre a tipicidade material de uma infração penal.

Segundo esse entendimento, ao Delegado de Polícia caberia apenas avaliar a eventual existência da tipicidade formal. Porém, é possível observar que cada dia mais surgem novas vozes defendendo que o Delegado de Polícia pode, desde logo, analisar os fatos que lhe são apresentados e, caso constate estar diante de uma conduta que não causou lesão ou expôs a perigo de lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal, apenas registrar a ocorrência e determinar o arquivamento do expediente.

O reconhecimento do referido princípio já na fase policial impede a imposição dos prejuízos decorrentes de uma prisão em flagrante ou indiciamento sem justa causa, além de contribuir para a redução de custos para os cofres públicos, evitando-se a movimentação de toda a máquina estatal para a apreciação de casos que claramente não necessitam da intervenção do Poder Público. Além disso, agindo dessa forma, o Delegado de Polícia estará garantindo o respeito ao princípio da dignidade humana, valor supremo e fundamental, do qual emanam todos os direitos fundamentais.

Antes o exposto, é possível analisar que ao contrário do que muitos pensam sobre os malefícios que podem ser trazidos com a aplicação da insignificância, é possível apreciar alguns benefícios, tais como a celeridade processual tratada neste tópico, se sua aplicação for facilidade, sobretudo na fase de investigação.


CONCLUSÃO

Esse presente artigo iniciou-se com a análise da origem do conceito e principalmente da natureza jurídica do determinado princípio, depois passou à análise da reincidência e, por fim, discutiu-se sobre a interferência de um sobre o outro.

Ademais foram analisadas as críticas contra o princípio da bagatela como a falta de previsão legal poderia levar a uma insegurança jurídica. Tal discussão foi vencida e concluiu- se que mesmo diante da falta de uma previsão legal, seria possível se pensar na aplicação do princípio da insignificância, até mesmo em fase investigativa, pois sua aplicabilidade apresenta-se como uma evolução social que, também, contribui com o desentulhamento das mazelas que são chamadas de presídios no Brasil.

Além disso, é importante ressaltar que a natureza jurídica do princípio da insignificância decorre da tipicidade material. Assim a conduta é atípica do ponto material, pois apesar de se enquadrar no tipo penal, ou seja, alcançar a tipicidade formal, não alcançará a tipicidade material.

Para mais, foi em 2004 com o Min. Celso de Mello que o princípio da insignificância se adquiriu parâmetros concretos para sua aplicação e para que não houvesse desconformidades na aplicação de tal princípio. Os vetores apresentados foram amplamente aceitos e hoje servem como orientação na jurisprudência. Por isso, devem necessariamente ser observados de forma objetiva, uma vez que, evidenciou-se que o princípio da insignificância não comporta análise dos aspectos subjetivos do agente, sobretudo porque os seus próprios parâmetros não os trazem. Nesse contexto, não se fundamenta criticar a falta de uma legislação específica, se ao mesmo tempo sequer seguem os critérios já disseminados.

Porém, como evidenciado nesse artigo muito tem se usado da reincidência como fator para afastar a aplicação da bagatela, o que ficou demonstrado não ser correto, pois desvirtua a natureza jurídica do princípio, que não comporta análise subjetiva.

Ora, não é minimante crível depois de um processo oneroso, manter o indivíduo preso, por exemplo, por no mínimo um ano (pena mínima do crime de furto) pelo furto de uma peça de picanha de R$ 52,00, levando a custos exorbitantes comparado com a lesão ocasionada, que no fim será pago pela própria sociedade. Isso é desproporcional, desnecessário e volta a lesar a sociedade.

Frise-se que este artigo não busca tornar o ilícito lícito, porém é possível estudar outros meios de punição que não a intervenção do Direito Penal, e mesmo que em alguns casos não se enxergue outras sanções a solução não é lotar os presídios com furtos em sua maioria famélicos, visto que Os presídios no Brasil não são reabilitadores, mas sim escolas de bandidos, com poucas exceções.

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Vale ressaltar novamente que existe ainda na aplicação do princípio da insignificância uma seletividade, pois enquanto nos crimes fiscais pode-se deixar de contribuir com a sociedade em até vinte mil reais, em crime de furto qualquer valor, ainda mais se tratando de indivíduo reincidente, torna-se importante a condenação. Nesse sentido é possível notar resquícios do início da civilização, na qual punir era uma forma de vingança. Nota-se que a sociedade ainda carece que aqueles que transgrediram valores morais, de certo ou errado, paguem por isso de alguma forma, pois o contrário gera sensação de insegurança ou ausência do Estado.

Cabe, ainda, observar que, se superado os empecilhos para aplicação desse princípio, seria possível beneficiar a sociedade, visto que, flexibilizaria sua aplicabilidade e, ao contrário do que muitos pensam, poderia ser benéfico pensar na sua observância e aplicação na fase administrativa, ja que acarretaria em uma economia processual e celeridade, garantindo também a dignidade humana e proporcionalidade da pena.

Por fim, é importante concluir que não se deve deixar de aplicar o princípio da insignificância por se tratar de réu reincidente, pois a natureza jurídica desse princípio está relacionada tão somente a analisar se a conduta delituosa gerou lesão a sociedade, ou seja, na tipicidade material, o que não comporta a análise de critérios subjetivos e desvirtua a natureza e o objetivo desse princípio.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

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Sobre a autora
Ana Laura Torres Bernardes

Graduanda do 7° período do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERNARDES, Ana Laura Torres. Aplicação do princípio da insignificância ao réu reincidente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7603, 25 abr. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108933. Acesso em: 22 dez. 2024.

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