Se você está em um local público, tente experimente olhar ao seu redor, seja em um parque, em uma praça de alimentação do shopping ou na praia, veja para onde as pessoas estão olhando? Seguindo sempre a mesma lógica, “a desatenção, pela disputa da atenção”. Não olha o mar, os filhos, a esposa, o verde da vegetação, tudo parece perder sentido e valor diante das telas de celulares e do nosso cada vez mais viciante hábito, e logo tudo parece perder sentido e necessidade diante de um apurado design de tela onde o mundo de carne e osso parece ser tão distante, e o sorriso fácil para magnânima tela parece ser uma catarse.
Mude de lugar, saia da praia, veja no restaurante, na sala da sua casa, no encontro de amigos ou no jantar de família, nada parece perturbar a paz da zumbilândia diante das suas telas e seus designs milimetricamente estudados para prender a sua atenção, tanta atenção que produz como resultado a desatenção, são olhares mais rasos sim, pois quem se interessa em ser profundo?
No exato momento em que você iniciou a leitura desse texto, quantos outros textos estavam disputando a sua atenção? Quantas outras telas estavam disponíveis para sua escolha? Você consegue ler esse texto inteiro sem que algo lhe faça desviar a sua atenção?
Textos, fotos, vídeos, músicas, a era da informação marca também um excesso de conteúdo sobre absolutamente tudo que se possa imaginar, e até o que não se imagina. É tanto conteúdo que entre as empresas mais valiosas do mundo está o Google, um indexador de conteúdo, uma ferramenta que nasceu como buscador, e hoje utiliza a inteligência artificial para aperfeiçoar seus algoritmos e ofertar a você uma pesquisa mais precisa, afinal quanto maior a assertividade na ferramenta de pesquisa maior será a sua atenção as páginas por ele indicada, e logo quanto melhor o resultado maior a fidelidade em mais pesquisas, pesquisas que geram dados, que nos levam à conteúdos, que ampliam o nosso tempo de uso da ferramenta e que por gerarem mais tempo acabam gerando mais dados.
Logo essa economia baseada em precisão de dados no resultado da busca que se traduz em mais tempo, e logo tempo são mais dados pois quanto maior a audiência maior será a divulgação comercial, e logo mais conversão para os anunciantes. É um caminhar em círculos, melhores pesquisas, que levam melhores resultados, que levam a melhores indicações para o assunto pesquisado e para quem pesquisa. Sim se eu e você pesquisarmos exatamente o mesmo assunto, o resultado da pesquisa será certamente distinto, afinal todos os seus dados são utilizados para “aperfeiçoar a sua experiência”, ou seria melhor dizer “para domar a sua atenção e modular as suas escolhas?”.
O que só faz aumentar a necessidade de aprofundarmos diplomas legais como a Lei Geral de Proteção dos Dados das Pessoas. E é nesse instrumento que buscamos proteção.
A Lei, em seu art. 1º, já enuncia que se dedica ao tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, ou seja, não apenas por meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.
Liberdade, privacidade e o livre desenvolvimento, previstos na LGPD, são antes de mais nada valores constitucionais de uma sociedade plural, e logo como se pode falar em liberdade, privacidade e livre desenvolvimento quando é da nossa atenção e dos nossos dados que estas empresas ganham o seu dinheiro, que não é pouco.
Já no seu art. 2º, a LGPD enuncia que a disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos:
I - o respeito à privacidade;
II - a autodeterminação informativa;
III - a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião;
IV - a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;
V - o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação;
VI - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e
VII - os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.
E como identificar esses enunciados diante de algoritmos que manipulam nossas escolhas pelo viés comercial?
No momento em que o nosso histórico de visitas, click e consultas de cada um registrados no seu IP, conforme você navega e que vai deixando pegadas das suas preferências, e conforme digita seja nas buscas, ou comentários nas redes sociais vai permitindo que essas plataformas conheçam você ainda melhor.
Essa lógica, da era da informação que criou uma sociedade denominada por muitos como “a sociedade da informação” com o passar do tempo passou a gerar tanta informação, sobre as mais diversas plataformas, e assim nunca foi tão fácil produzir conteúdo, sejam eles por vídeos, textos, áudios, e assim com tanta informação e tanta facilidade para produzir todo e qualquer tipo de informação, acabamos por evoluir por uma sociedade que se sustenta pela sua atenção, e logo criou o termo “economia da atenção, que por razões óbvias me permite chamar de “sociedade da desatenção”, ou “economia da desatenção”
Como bem destaca Eli Pariser: “Recebemos um serviço gratuito, e o custo são informações sobre nós mesmos. E o Google e o Facebook transformam essas informações em dinheiro de forma bastante direta.” Embora o Gmail e o Facebook sejam ferramentas úteis e gratuitas, também são mecanismos extremamente eficazes e vorazes de extração de dados, nos quais despejamos os detalhes mais íntimos das nossas vidas. O nosso belo iPhone novo sabe exatamente onde estamos, para quem ligamos, o que lemos; com seu microfone, giroscópio e GPS embutidos, sabe se estamos caminhando, se estamos no carro ou numa festa.”
De forma quase romântica, muitos acreditam que toda essa possibilidade de participação na internet, é fruto da democratização, se esquecendo que ela segue a lógica comercial da “economia de atenção”, onde todos somos convidados a entregar novos conteúdos (dados).
Informação nem sempre é conhecimento e muito menos sabedoria. E se a informação é de péssima qualidade, o que esperar dessa nova formação cultural?
Em muitos aspectos, estamos enfrentando um problema construído por nós mesmos: instalamos aplicativos como se não houvesse amanhã e claramente acima de nossas possibilidades de gerenciá-los, e acabamos completamente distraídos de vez em quando pelo som, vibração ou o balão vermelho de plantão que nos avisa que há interações ou conteúdo que exigem nossa atenção. O resultado é um estado de distração permanente, uma dificuldade de focar em uma tarefa específica e, em geral, um maior nível de insatisfação e cansaço. E como e como mudar isso, na lógica perversa da monetização da nossa atenção?