A plenitude de defesa é um princípio constitucional atinente ao Tribunal do Júri que implica o asseguramento ao réu do exercício de defesa técnica de qualidade prestada por advogado, defensor constituído ou nomeado.
Trata-se a plenitude de defesa de princípio axiomático do Estado Democrático de Direito, embora não se possa concordar que tal prerrogativa do réu possa ser utilizada para malferir os fins a que se destina a democracia como disciplina política dos povos civilizados, pois conforme preconiza Nelson Hungria, com esmerado vaticínio:
“A democracia liberal protege os direitos do homem e não os crimes do homem. Maldita seria a democracia, se se prestasse a uma política de cumplicidade com a delinqüência”1.
Esse direito de matriz constitucional deve ser sempre assegurado ao réu, ainda que ele não tenha interesse em sua defesa, na medida em que constitui uma garantia que a própria lei lhe confere. Portanto, não pode ser negligenciada pelo juiz, pelo Ministério Público e, muito menos, pelo defensor.
O princípio da plenitude da defesa permite que o jurado, partindo de sua íntima convicção, absolva o réu por argumentos emocionais, sociais e de política criminal. Em função disso, o Tribunal do Júri permite um julgamento baseado em um entendimento socioemocional, uma vez que o acusado é julgado por um conselho de sentença constituído de membros da comunidade e não por juízes togados de carreira, que observam, essencialmente, a técnica jurídica em seu julgamento.
Esse postulado confere ao jurado o poder de julgar sem o conhecimento técnico da lei. Embora possuam, como é dever de todos os cidadãos, o conhecimento presuntivo da lei, os jurados não estão obrigados a decidir de acordo com seus cânones, regras ou fórmulas.
Do mesmo modo, a exorbitância da oratória utilizada na acusação ou na defesa, em plenário, nem sempre aproveita a uma ou a outra parte da relação processual. Como enfatiza Roberto Lyra:
“A fluência sem substância é diarréia verbal que não ofende apenas o olfato intelectual. (...). Os jurados ouvem, a cada passo do julgamento, advertências dos promotores e, se estes são relaxados ou imperitos, não devem transferir seus pecados ao júri. (...). Mas os jurados trazem a mesma desconfiança vulgarizada pelo jornal, pela revista, pelo cinema, pelo teatro, pelo rádio, pela televisão, contra a magia e a alquimia profissionais”2.
Questão interessante é saber se ampla defesa e plenitude de defesa são a mesma coisa. A resposta é não, porque a Constituição Federal não repetiria as referidas expressões mais de uma vez na carta constitucional brasileira como sinônimas, nem para atribuir-lhes o mesmo significado.
Embora os dois pressupostos processuais estejam assegurados no capítulo dos direitos e garantias fundamentais da nossa carta de princípios, o propósito de um e do outro é totalmente diferente na medida em que o inciso XXXVIII, a, do art. 5.º da CF trata especificamente do Tribunal do Júri, enquanto o inciso LV do mesmo dispositivo antecitado generaliza as hipóteses mencionadas, sugerindo, numa compreensão teleológica, que a razão finalística que motivou a produção das duas normas é diversa e possui objetivo próprio.
No entanto, o próprio art. 468, caput, do CPP, ao tratar das recusas peremptórias, torna induvidoso que a plenitude defesa possui finalidade e definição diversa da ampla defesa e, por isso mesmo, dá a ideia de farto, repleto, a exemplo de um recipiente que se encontra completamente cheio.
O exemplo contido no art. 468, caput, do CPP, acima referido, inverte a lógica da iniciativa processual das partes, porquanto permite que a defesa do réu se manifeste antes da acusação para rejeitar o jurado sorteado para composição do conselho de sentença sem a necessidade de justificar tal recusa. Essa inversão permite, por exemplo, que a própria parte acusada escolha, preferencialmente, os juízes de fato que irão compor o órgão encarregado da decisão da causa.
Ante tais premissas, tem-se que o art. 468 do CPP confere ao réu a garantia de uma defesa plena ao permitir que o mesmo participe, antes mesmo da manifestação do Ministério Público, da escolha dos jurados que comporão o conselho de sentença e, consequentemente, contribua para que essa escolha recaia sobre pessoas de diversas classes sociais, alistadas para esse serviço obrigatório, na forma do § 1.º, do art. 436, do CPP.
Com efeito, essa possibilidade não é permitida em qualquer outro tipo de procedimento judicial ou grau jurisdicional, porque a regra reinante em nosso país é a ação ser distribuída, por sorteio, ao órgão judicial competente para o seu julgamento na forma prevista na lei de divisão e organização judiciária dos estados.
O conceito da plenitude de defesa é tão absoluto que, se o juiz, no curso do processo, verificar que o réu está indefeso, (art. 497, V, CPP), poderá sponte sua dissolver o conselho de sentença e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor.
Sem qualquer dose de exagero também pode ser entendido como corolário da plenitude de defesa o direito de o acusado se recusar a comparecer ao Tribunal do Júri trajando uniforme de presidiário, porque tal indumentária é estigmatizante e retrata a expressão máxima de alguém que deve ser visto como criminoso e culpado.
Outra circunstância que é também apontada como exemplo de plenitude de defesa é a possibilidade de, na elaboração do questionário, o juiz presidente indagar os jurados a respeito de fato declinado pelo réu em seu interrogatório, ainda que esteja em contradição com a tese da defesa técnica ou as versões apresentadas sejam diversas e não guardem nexo de causalidade entre si ou entre a conduta e o resultado. Nesse caso, deverá ser elaborado quesito específico, sobre as teses expostas, para que os jurados respondam se absolvem o acusado ou desclassificam a infração penal, tudo na forma dos arts. 482, parágrafo único, segunda parte, e 483, §§ 4.º e 5.º, do CPP.
Defende-se também em doutrina e jurisprudência que a defesa pode inovar na tréplica sem que com isso haja surpresa para a acusação ou violação aos princípios do contraditório, da lealdade e da boa-fé processual. É que a plenitude de defesa é princípio de status constitucional, enquanto os retrocitados postulados são de nível processual, portanto hierarquicamente inferiores aos que se encontram agasalhados na Constituição Federal.
Quanto a este aspecto, Guilherme de Souza Nucci entende que é legítimo direito do réu arguir tese nova na tréplica. E argumenta que “impedir a defesa, quando lhe ocorre ideia inédita, por vezes em decorrência da manifestação do órgão acusatório, em réplica, de levantar tese nova equivale à defenestração do princípio constitucional da plenitude de defesa. Não pode ser perfeita uma defesa manietada e cerceada.3”
1HUNGRIA, Nelson. Op. cit., p. 48.
2LYRA, Roberto. Como julgar, como defender, como acusar. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1975. p. 134.
3Tribunal do Júri. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 4.