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Abandono afetivo inverso: a responsabilização civil dos filhos diante do abandono afetivo dos pais idosos

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Resumo:

- A responsabilidade civil por abandono afetivo inverso é uma alternativa existente para reparar o dano causado pelo abandono, reforçando a obrigação dos filhos de promover afeto e assistência aos pais idosos.
- Os tribunais têm priorizado o princípio afetivo nas relações familiares, concedendo aos pais a possibilidade de indenização quando negligenciados pelos filhos, considerando que a ausência de afeto pode causar danos psicológicos e emocionais.
- A responsabilização civil como forma de reparação dos danos causados pelo abandono afetivo inverso se torna necessária para garantir uma velhice digna aos idosos, assegurando que sejam cuidados e assistidos por aqueles que um dia cuidaram deles.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Conforme dispõe o art. 186. do Código Civil de 2002, é responsável por dano causado a alguém “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Para um melhor entendimento acerca da perspectiva do pedido de indenização dos filhos para repararem os danos causados pelo abandono afetivo inverso, é necessário contextualizar a questão da responsabilidade civil.

Gonçalves (2017, p. 53) diz que a redação do artigo supramencionado entrega quatro elementos essenciais à caracterização da responsabilidade civil, são eles: omissão ou ação, dolo ou culpa, dano causado à vítima e relação de causalidade.

Em relação à ação ou omissão, entende-se que o indivíduo que agir ou deixar de agir, de modo a causar dano à outra pessoa, poderá ser responsabilizado. Gonçalves (2017, p. 53) complementa dizendo que: “A responsabilidade pode derivar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente, e ainda de danos causados por coisas e animais que lhe pertençam”.

No que diz respeito ao dolo ou culpa do agente, estes são caracterizados pela intenção do indivíduo de praticar o ato que gerou o dano. No dolo, o agente tem consciência e vontade de cometer o ato que viola o dever jurídico, enquanto isso, a culpa é o ato causador do dano gerado por imprudência, negligência ou imperícia. Neste sentido, Gonçalves (2017, p. 53) afirma que “Dolo, portanto, é a violação deliberada, consciente, intencional, do dever jurídico”.

A causalidade se encontra entrelaçada pela afinidade entre a causa e efeito, no que tange a ação executada pelo agente e o dano causado à vítima. Desta forma, entende-se que a inexistência deste pressuposto, pode resultar na não responsabilização do agente por sua ação ou omissão.

Gonçalves explica a questão com mais clareza da seguinte maneira:

“Se houve dano, mas sua causa não está relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade e também a obrigação de indenizar. Se, verbi gratia, o motorista está dirigindo corretamente e a vítima, querendo suicidar-se, atira-se sob as rodas do veículo, não se pode afirmar ter ele “causado” o acidente, pois, na verdade, foi um mero instrumento da vontade da vítima, esta sim responsável exclusiva pelo evento.” (GONÇALVES, 2017, p. 53)

Por fim, temos o pressuposto do dano. Fator indispensável na responsabilidade civil, uma vez que, sem haver prova de sua ocorrência, não há possibilidade de responsabilização civil do agente causador. É importante ressaltar que, o dano causado a outro ou outrem pode ser de natureza material, ou moral.

No que diz respeito à responsabilidade civil no âmbito familiar, conforme cita Dias (2013, p. 124), é importante que esta siga de maneira distinta da responsabilidade civil comum, uma vez que deve se restringir em torno de questões como o afeto e a solidariedade familiar, e não na intenção do agente em praticar o ato.

O abandono afetivo inverso configura-se como uma violação ao direito do idoso, e uma medida de reparação, ainda que minimalista, é a responsabilização civil do agente causador do dano.

O descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa atuação do Poder Judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença. (AZEVEDO, 2004, p. 14)

Neste sentido, observa-se que a necessidade de responsabilização civil nada tem a ver com a imposição do dever de amar, mas sim com o compromisso de garantir o cumprimento de um dever por parte dos filhos e um direito por parte dos pais. Afinal, de fato, o amor e o carinho podem não ser impostos, mas o dever de cuidado é inerente e garantido por lei.

Por outro lado, vale esclarecer que as normas que tratam sobre responsabilidade civil não objetivam desfazer o fato que gerou o dano.

Puschel (2005, p. 95) afirma que, ocorrido o dano, o Direito terá o papel de deixar claro a quem caberá o dever de suportar as consequências advindas dele. Os meios para suportar as consequências, ainda segundo a autora, variam entre a indenização à vítima, prevenção de comportamentos antissociais e distribuição dos danos ocorridos entre aqueles que fazem parte da sociedade.

Seguindo a ideia de responsabilização civil, o próximo tópico deste artigo irá explorar a possibilidade de tal condenação como uma alternativa de reparação dos danos causados pelo abandono afetivo inverso.

3.1. Da possibilidade dos pais idosos acionarem a justiça para reparação em decorrência do abandono afetivo inverso

Não há previsão legal para compensação por abandono afetivo. Contudo, alguns tribunais vêm entendendo que o abandono pode acarretar prejuízos incalculáveis e possivelmente irrecuperáveis àquele que está sendo deixado para trás. Isso decorre do fato de que os laços afetivos não se limitam apenas ao sentimento de amor e carinho, mas sobretudo ao compromisso de zelar pelo bem-estar daquele que depende dessa afetividade.

Neste sentido, observa-se a decisão do TJDTF:

DIREITO CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. PENSÃO ALIMENTÍCIA EM FAVOR DE ASCENDENTE. GENITOR IDOSO COM SAÚDE FRAGILIZADA. SUPOSTO ABANDONO AFETIVO PRETÉRITO PELO PAI. NÃO EXONERAÇÃO DOS FILHOS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR. DIREITO FUNDAMENTAL. APLICAÇÃO. BINÔMIO, NECESSIDADE E POSSIBILIDADE. DEVER DE OBSERVÂNCIA. VALOR FIXADO. ADEQUAÇÃO. REDUÇÃO. NÃO CABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 1. O dever de mútua assistência entre ascendentes e descendentes é uma garantia fundamental consagrada no art. 229. da Constituição Federal. À luz desse preceito constitucional, princípio da solidariedade familiar, os alimentos podem ser requeridos reciprocamente entre pais e filhos. 2. Na concepção da jurisprudência a alegação de suposto abandono afetivo pretérito pelo genitor, por si só, não constitui óbice para eximir os descendentes de prestar alimentos ao pai na velhice, por se tratar de uma obrigação emoldurada no princípio da solidariedade familiar, que é um direito fundamental salvaguardado pela Constituição Federal (art. 229. da CF). 3. Em conformidade com a norma do § 1º, do art. 1.694. do Código Civil, na fixação de alimentos deve ser considerado o binômio necessidade-possibilidade, a fim de que o alimentando receba o necessário para garantir a própria subsistência e o alimentante não seja obrigado a arcar com prestações superiores às suas forças contributivas. 4. Ausentes elementos probatórios robustos que demonstrem a incapacidade de os Alimentantes arcarem com o valor da obrigação alimentícia fixada na sentença, a redução da prestação alimentar não merece acolhimento. 5. Recurso de apelação conhecido e desprovido. Majoração dos honorários advocatícios

(TJDTF - Apelação cível - Processo: 07182250520218070007. Relator(a): Roberto Freitas Filho. 3ª Turma Cível. Julgado em: 17/08/2023)

O magistrado entende que o dever de mútua assistência entre ascendentes e descendentes, consagrado no artigo 229 da Constituição Federal, é um direito fundamental, protegido pela solidariedade familiar. Nesse sentido, os alimentos podem ser solicitados reciprocamente entre pais e filhos, seguindo o princípio da solidariedade familiar.

Ele ressalta que, a alegação de suposto abandono afetivo pretérito pelo genitor não é suficiente para eximir os descendentes da obrigação de prestar alimentos ao pai na velhice, uma vez que essa obrigação está fundamentada no princípio da solidariedade familiar, um direito fundamental garantido pela Constituição Federal.

Ao fixar o valor dos alimentos, o magistrado destaca a importância de considerar o binômio necessidade-possibilidade, conforme previsto no § 1º do artigo 1.694 do Código Civil. Isso significa que a quantia deve ser suficiente para garantir a subsistência do alimentando, sem impor ao alimentante um ônus superior às suas capacidades financeiras.

Conforme também entende o TJ-MT:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE ALIMENTOS - ALIMENTOS FIXADOS EM FAVOR DA MÃE - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE OS DOIS FILHOS NO PATAMAR DE 50% DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE PARA CADA UM - VIABILIDADE - PREVALÊNCIA DO INTERESSE DA GENITORA/AUTORA - APLICAÇÃO DO ART. 12. DA LEI 10.741/2003 (ESTATUTO DO IDOSO) - EXCLUSÃO DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTAR - IMPOSSIBILIDADE - IDOSO EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE - ART. 229. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. "(...) De acordo com o disposto no art. 229. da Constituição Federal, os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. A obrigação alimentar em favor de pessoa idosa é solidária, consoante o art. 12. do Estatuto do Idoso, podendo a pretensão de satisfação dos alimentos ser deduzida contra um, alguns ou todos os filhos. A declaração de renda familiar apresentada pela Agravante não demonstra razões para a exclusão da sua obrigação de pagar parte da verba alimentar ao seu genitor, a qual foi fixada, de maneira solidária, no valor equivalente a um salário mínimo vigente.

(N.U XXXXX-78.2019.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, Desa. CLARICE CLAUDINO DA SILVA, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 27/11/2019, Publicado no DJE 29/11/2019)

O magistrado novamente entende que, conforme o artigo 229 da Constituição Federal, os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, estabelecendo uma obrigação alimentar solidária em favor da pessoa idosa, conforme disposto no artigo 12 do Estatuto do Idoso.

Neste julgado, a decisão mantida considera que a declaração de renda familiar apresentada pela parte agravante não demonstra razões para excluir sua obrigação de pagar parte da verba alimentar ao seu genitor. A obrigação alimentar foi fixada de maneira solidária, no valor equivalente a um salário-mínimo vigente, podendo a pretensão de satisfação dos alimentos ser deduzida contra um, alguns ou todos os filhos.

Portanto, podemos observar que atualmente os tribunais vêm priorizando gradativamente o princípio afetivo, principalmente nas relações familiares e, com isso, cedendo aos pais a possibilidade de uma quantidade elementar indenizatória quando são negligenciados pelos filhos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do presente conteúdo analisado, conclui-se que a responsabilidade civil por abandono afetivo inverso é uma alternativa existente para que o poder judiciário possa reparar, ainda que minimamente, o dano causado pelo abandono, reforçando a ideia da obrigação dos filhos de promover afeto e assistência aos pais idosos. Portanto, o artigo se propôs a entender o conceito e a evolução da família, bem como da sociedade em si, que trouxe consigo a atualização das leis no Brasil, que estão expostas na Constituição Federal de 1988. Com essa presente evolução, e os dispositivos legais que regem o indivíduo, baseados em afeto, foram adotadas determinações legais ligadas ao mesmo, que impunha a condição de cuidado.

Mediante as análises, estudos e jurisprudências, é possível expor o entendimento majoritário dos tribunais, o qual é o de indenizar os familiares mais frágeis pelo dano sofrido pela ausência de quem deveria cuidá-lo, pois se entende que a ausência de afeto pode acarretar possíveis danos psicológicos, emocionais e, por vezes, físicos, e por meio de análises minuciosas do caso concreto, o magistrado consegue, de forma justa, decretar indenização necessária conforme o caso.

A fragilidade das análises dos casos de Direito de Família requer uma análise mais complexa e ampla do juízo, pois, no que tange à relação familiar, tudo é muito potencialmente intenso.

No que diz respeito ao posicionamento dos Tribunais, cabe reafirmar que o abandono afetivo causa “danos a terceiros” mesmo que por ação ou omissão, portanto, fere um dispositivo legal previsto no Código Civil, além de ferir princípios constitucionais como a dignidade humana.

Diante das análises realizadas, entende-se que, embora talvez ainda não seja a alternativa ideal, a responsabilização civil como forma de reparação dos danos causados pelo abandono afetivo inverso se torna necessária como uma tentativa de garantia do cumprimento de uma obrigação, ainda que tal ação não possa impor a demonstração de afeto. Contudo, no que diz respeito ao Direito, o importante é certificar-se acerca da sustentação dos direitos da pessoa idosa, garantindo-lhes uma velhice digna e valorosa, sendo cuidado e assistido por aqueles que, um dia, lhe foram cuidados.

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REFERÊNCIAS

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TJMT - N.U XXXXX-78.2019.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, Desa. CLARICE CLAUDINO DA SILVA, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 27/11/2019, publicado no DJE 29/11/2019.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, São Paulo, Ed. Saraiva, 2020

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Sobre as autoras
Maria Luiza Assis de Souza

Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário de Belo Horizonte – UNIBH.

Ludimirian Alves de Sousa

Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário de Belo Horizonte – UNIBH.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Maria Luiza Assis ; SOUSA, Ludimirian Alves. Abandono afetivo inverso: a responsabilização civil dos filhos diante do abandono afetivo dos pais idosos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7769, 8 out. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109304. Acesso em: 23 dez. 2024.

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