A análise penal dos atos contra o patrimônio público brasileiro nos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023

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RESUMO

O dia 8 de janeiro de 2023 deixou uma destruição significativa no patrimônio público e cultural brasileiro, com danos estimados em cerca de R$ 16 milhões. Os manifestantes destruíram móveis, vandalizaram obras de arte e quebraram paredes de vidro na esplanada dos poderes. A gravidade dos danos nos leva a considerar como responsabilizar os agentes envolvidos. As hipóteses de responsabilização incluem o dano qualificado, conforme o artigo 163, inciso III, do Código Penal, e a responsabilidade pela vigilância de patrimônio tombado, conforme o artigo 62, inciso I, da Lei nº 9.605/98. Dessa forma, tornou-se necessário analisar a possível responsabilidade penal decorrente desses atos.

PALAVRAS-CHAVE: patrimônio cultural; responsabilização penal; analise penal, dano qualificado.

ABSTRACT

On January 8, 2023, significant destruction was inflicted on Brazilian public and cultural heritage, with damages estimated at around R$ 16 million. Protesters destroyed furniture, vandalized artworks, and shattered glass walls in the Esplanade of Ministries. The severity of the damage compels us to consider how to hold the involved agents accountable. The hypotheses for accountability include aggravated damage, as per Article 163, item III, of the Penal Code, and responsibility for the protection of listed heritage, as per Article 62, item I, of Law No. 9,605/98. Thus, it has become necessary to analyze the potential criminal liability arising from these acts.

KEYWORDS: cultural heritage; criminal liability; penal analysis; aggravated damage.

1 INTRODUÇÃO

A manhã de 8 de janeiro de 2023 ficará marcada na história brasileira, foram 5 horas de destruição, não somente de atendados a democracia, mas também a tentativa de apagar, danificar e vandalizar parte da nossa história e cultura. Às 14:45 desse mesmo dia, os manifestantes invadiram a esplanada dos poderes.4 Um rastro de destruição foi deixado por onde eles passavam, paredes de vidro quebradas, móveis destruídos, obras de arte vandalizadas das mais diversas formas5, com danos estimados em cerca de R$ 16 milhões6, tal situação nos leva ao seguinte questionamento: como responsabilizar os agentes de tais atos?.

Dentre as possíveis respostas, destaca-se a possibilidade de responsabilização por dano qualificado, conforme o art. 163, inciso III, do Código Penal e a responsabilização conforme o art. 62, inc. I, da Lei nº 9.605/98. Portanto, entende-se necessidade de uma análise aprofundada da responsabilidade penal decorrente dos atos de exclusão de patrimônio tombado.

Ademais, nota-se a carência de reflexões pertinentes, no contexto do Direito Penal e do patrimônio cultural7, apesar da existência de leis que disciplinam sobre tal matéria. Em seu §1°, o Decreto-lei nº 25/1937 define-se patrimônio histórico e artístico nacional como:

Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.8

Embora não haja a menção explícita do termo “patrimônio cultural”, tal artigo abrange também a referida expressão. A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, estabelece a competência compartilhada entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios para proteger e promover o patrimônio cultural, bem como determina a responsabilidade de todos na sua preservação.

Adicionalmente, a Lei nº 3.924/1961, que trata dos monumentos arqueológicos e pré-históricos, e a Lei nº 9.605/1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, estabelecem medidas punitivas para quem prejudicar o patrimônio cultural. Os incidentes de 8 de janeiro de 2023, que resultaram na degradação do patrimônio protegido, destacam uma área negligenciada, suscitando debates sobre a classificação penal e a responsabilização adequada para tais atos. Esses incidentes são geralmente considerados crimes contra o patrimônio, conforme definido no Código Penal Brasileiro. Contudo, a proteção do patrimônio cultural exige uma avaliação detalhada devido à singularidade desses bens e à necessidade de proteção específica.

No contexto da responsabilidade penal, várias teorias são pertinentes à conduta dos indivíduos que causam a deterioração do patrimônio cultural protegido. Por exemplo, a teoria da culpabilidade identificará a responsabilidade do agente pelo dano causado, considerando sua capacidade de compreender a ilicitude de suas ações e de agir conforme esse entendimento. Para Guilherme Nucci:

Culpabilidade, se presente, fornece a razão de aplicação da pena, e o crime nada mais é do que o fato típico e antijurídico, merecedor de punição, tendo em vista que o tipo incriminador é formado e isto é inegável - pela descrição de uma conduta, seguida de uma pena.9

A teoria do funcionalismo penal destaca-se por enfatizar a importância da prevenção geral e a imputação de responsabilidade, visando não apenas a punição do agente, mas também a prevenção de novos delitos. Essa abordagem reconhece a necessidade de um sistema penal que atue proativamente na prevenção de condutas ilícitas, além de reagir aos crimes cometidos. Apesar da existência de dispositivos legais e instrumentos jurídicos para a proteção do patrimônio cultural, a responsabilização penal efetiva enfrenta desafios significativos, como a dificuldade de identificação e responsabilização dos agentes, a lentidão do sistema judicial e a carência de estrutura adequada para investigação e perícia.

Torna-se inegável, portanto, a importância de uma abordagem crítica e reflexiva sobre a responsabilidade penal nos atos de deterioração do patrimônio cultural tombado. Uma análise teórica aprofundada visa criar debates jurídicos sobre o tema e reflexões voltadas à proteção e preservação do patrimônio cultural. Este trabalho configura-se como uma ferramenta essencial para fortalecer a construção da identidade nacional e promover a cidadania, reconhecendo a importância do patrimônio cultural na formação da sociedade e na valorização da diversidade cultural.

2 METODOLOGIA

Este trabalho terá por base uma abordagem teórica de natureza qualitativa10, pautada em uma análise crítica e reflexiva. O foco da pesquisa será direcionado à investigação da responsabilidade penal decorrente dos atos de deterioração de patrimônio público tombado que ocorreram durante os eventos do dia 08 de janeiro de 2023. Para atingir tal objetivo, será adotada a estratégia de consulta a fontes da doutrina especializada, em conjunto com a análise das normas legais pertinentes ao tema em questão. Ademais, serão considerados dados secundários relevantes para enriquecer e embasar a argumentação desenvolvida no artigo.

A escolha por uma abordagem qualitativa se justifica pela necessidade de aprofundamento na compreensão dos aspectos jurídicos envolvidos nos eventos mencionados, bem como na identificação dos possíveis responsáveis e nas implicações legais de suas condutas. Dessa forma, pretende-se não apenas oferecer uma análise crítica e embasada, mas também contribuir para o debate acadêmico e jurídico sobre o tema, fornecendo subsídios para uma reflexão mais ampla e aprofundada sobre a responsabilidade penal em casos de danos ao patrimônio cultural tombado.

A análise da tipificação referentes aos atos será fundamentada no Código Penal brasileiro e no Decreto-lei n° 25/1937, também serão utilizados os votos do STF das ações penais 1.186 e 1.505 do Distrito Federal. As informações dos danos causados a praça dos três poderes e seus respectivos prédios, foram coletadas por meio do relatório preliminar da vistoria de bens culturais afetados por vandalismo praça dos três poderes, realizados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN.

A primeira etapa deste projeto iniciou-se com a identificação dos danos causados aos prédios que compõem a praça dos Três poderes, por meio de fotos e vídeos, disponibilizados por relatórios oficiais e postagens em mídias sociais. A segunda etapa debruçou-se sobre a legislação vigente, em específico na possível responsabilidade penal dos agentes responsáveis pelos atos contra o patrimônio cultural brasileiro. Durante a terceira etapa, analisaram-se os votos do Min. Alexandre de Moares, em duas ações penais diferentes, a fim de analisar possíveis diferenças e semelhanças em cada uma das decisões.

3 REFERENCIAL TEÓRICO

Para fins desse referido trabalho, utilizaremos o conceito de Patrimônio Público de Fernando Rodrigues Martins:

O patrimônio público é um conjunto de bens, dinheiro, valores, direitos (inclusive sociais, digitais e morais) e créditos pertencentes aos entes públicos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), por meio da administração direta ou indireta e fundacional, cuja conservação seja de interesse público e difuso, estando não só os administradores, como também os administrados, vinculados à sua proteção e defesa. Tais elementos, mesmo sob a posse de particular, nunca perderão a qualidade de domínio público, dada sua origem o ente público (titular imediato) e coletividade (titular mediato). Sempre lembrando que os bens públicos podem ter, ainda, natureza artística, histórica, estética e turística.11

Nesse contexto, é imprescindível destacar a relevância da proteção do patrimônio histórico-cultural, não apenas como um direito fundamental da sociedade, mas também como um dever do Estado em salvaguardar a identidade e a memória coletiva.

Apesar de midiaticamente não ser tão popularizado como todas as outras condutas penalmente relevantes, no momento em que os invasores depredaram e até mesmo furtaram, bens públicos de importância histórico-cultural, pertencentes ao povo brasileiro, suas ações também entraram na seara penal, sendo tipificadas no código penal brasileiro. Os artigos 163, inc. I, II e III do código penal brasileiro e o art. 62, inc. I, da lei 9.605/98 - Lei dos Crimes Ambientais, irão dispor, respectivamente, do dano contra o patrimônio e da deterioração do patrimônio tombado. Dessa forma, observa-se que a legislação pátria oferece respaldo legal para a punição de tais condutas, visando não apenas a repressão do delito, mas também a preservação do bem comum e da história nacional.

3.1 - DO DANO QUALIFICADO

Os danos causados durante a invasão levaram à destruição, inutilização e deterioração do Patrimônio Público, conforme previsto no artigo 163, inciso III, do Código Penal. Também foi realizado com utilização de substância inflamável, consoante o artigo 163, inciso II, do Código Penal, o que resultou em significativo prejuízo para a União, além do emprego de violência à pessoa e grave ameaça, conforme disposto no artigo 163, inciso I, do Código Penal.

É importante ressaltar que o emprego de violência à pessoa ou grave ameaça se justifica, pois tais ações delituosas foram direcionadas às tropas e forças de segurança pública, cuja integridade física e segurança foram colocadas em risco. Além disso, a utilização de substância inflamável ou explosiva foi constatada em relatório preliminar12 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), evidenciando a gravidade e a premeditação dos danos causados13.

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Os diversos itens de mobiliário e tapeçaria do Supremo Tribunal Federal foram danificados por fogo, evidenciando o uso de matéria incendiária. A situação se agravou com a necessidade de extintores para conter as chamas, demonstrando o caráter prejudicial e o potencial de destruição do ato. O Relatório Preliminar de Vistoria do IPHAN revelou danos vultuosos no interior, exterior e patrimônio cultural dos prédios da Praça dos Três Poderes, Museu da Cidade e Espaço Lúcio Costa, estimados em mais de R$ 20 milhões.

Esses danos impactam a identidade nacional e a memória coletiva, tornando essencial a preservação desses bens para a valorização da cultura e a construção de uma sociedade consciente e respeitosa. Estes prejuízos, somados, estão estimados em mais de R$ 20 milhões de reais, representando um golpe significativo não apenas de valor monetário, mas também para a preservação da história e da identidade cultural do país.

Ademais, torna-se relevante mencionar que incide o art. 163, inc. I, II e, especialmente, o inc. III, conforme disposto no código penal brasileiro, considerando os danos expressivos causados ao patrimônio público e cultural. Não se pode desconsiderar que também houve prejuízo a peças que integram o patrimônio artístico e cultural brasileiro, as quais possuem um valor histórico e cultural inestimável. Por consequência, nota-se que a análise desses danos vai além do aspecto econômico, alcançando uma dimensão que afeta a identidade nacional e a memória coletiva. A preservação desses bens é essencial para a valorização da cultura e para a construção de uma sociedade mais consciente e respeitosa com seu passado.

3.2 - Da deterioração de patrimônio tombado

Os edifícios-sede dos poderes e o conjunto urbanístico da Praça dos Três Poderes possuem uma importância cultural e histórica de magnitude internacional, protegidos por diversas instâncias e instituições. Em primeiro lugar, é relevante ressaltar que esses bens são considerados patrimônio mundial pela UNESCO, inscritos na Lista do Patrimônio Mundial sob o número 445 desde 1987.

Esse reconhecimento confere-lhes uma proteção especial e destaca sua significância não apenas para o Brasil, mas para toda a humanidade. Adicionalmente, o Governo do Distrito Federal reconhece a importância desses bens, tendo-os tombado por meio do Decreto nº 10.829 de 1987, conferindo uma proteção adicional localmente.

Além disso, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) desempenha um papel fundamental na proteção desses bens, tombando-os por meio da Portaria nº 314 de 1992, conferindo-lhes proteção federal. As edificações na Praça dos Três Poderes são representativas da obra do arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, ícone da arquitetura moderna, o que as torna ainda mais valiosas e dignas de preservação.

Essa importância é refletida no âmbito jurídico pelo Processo de Tombamento nº 1550-T-07, conduzido pelo IPHAN, que visa proteger e salvaguardar esses importantes elementos do patrimônio arquitetônico e cultural brasileiro. Portanto, ao tratarmos da deterioração dos respectivos edifícios, estaremos tratando também de objetos penalmente relevantes.

Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:

I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.14

Entende-se, portanto, que o bem jurídico tutelado nos crimes contra o patrimônio cultural não se confunde com o patrimônio corpóreo, como objeto material. Essa distinção é corroborada pelo enquadramento desses delitos na Seção IV da Lei de Crimes Ambientais, que trata especificamente dos “Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural”. A proteção desse bem jurídico encontra respaldo constitucional, conforme previsto no artigo 21615, incisos IV e V da Constituição Federal, os quais estabelecem a incumbência do Estado e da sociedade na proteção e preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Dessa forma, ao delinear a tutela dos crimes contra o patrimônio cultural, a legislação busca não apenas salvaguardar os bens materiais que compõem esse patrimônio, mas também proteger a identidade cultural e a memória coletiva da sociedade. Essa perspectiva ampliada do conceito de patrimônio cultural reflete a compreensão de que esses bens possuem um valor intrínseco que vai além de sua materialidade, sendo expressões da diversidade cultural e histórica de um povo.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Apesar da existência de leis que tratam do patrimônio cultural, a efetiva responsabilização penal enfrenta desafios significativos. Os incidentes de 8 de janeiro de 2023 destacam a necessidade de debates sobre a classificação penal e a responsabilização adequada para tais atos. Em muitos casos, esses incidentes são considerados crimes contra o patrimônio, conforme definido no Código Penal Brasileiro, mas a proteção do patrimônio cultural exige uma avaliação específica devido à singularidade desses bens e à necessidade de proteção específica.

Segundo os dados informados pelo IPHAN em seu relatório preliminar, realizados nos dias 10 e 11 de janeiro do mesmo ano, constavam danos tanto a integridade física interna e externa dos prédios atingidos, como nas peças do acervo integradas ou não, danificadas por exposição ao fogo e à água, com danos que podem ser irreversíveis. Esse relatório é uma das provas de materialização dos delitos cometidos, nele conseguimos ter uma ideia dos danos causados por meio de fotos, em posse de tal relatório, podemos analisar a responsabilidade penal dos indivíduos.

Partindo dos atos danosos contra o patrimônio público brasileiro, no que diz respeito ao código penal, encontramos respaldo jurídico penalmente relevante no art. 163, inc. III que garante a responsabilização do agente por danos contra o patrimônio público dos órgãos citados16, ao analisarmos o citado inciso na doutrina, encontramos a seguinte interpretação:

O fundamento político criminal para qualificar o crime de dano quando praticado contra patrimônio público decorre da própria natureza desses bens, que a todos pertencem e de ninguém recebem cuidado e atenção especial, sendo, consequentemente, mais vulneráveis à ação predatória de vândalos e outros infratores de qualquer natureza.17

Compreende-se, portanto, que os bens atingidos pelas ações dos manifestantes são de fato tutelados por tal artigo. No que tange ao elemento subjetivo do agente em relação ao tipo penal, neste artigo seguiremos a doutrina majoritária em relação ao animus nocendi. Nesta posição, encara-se tal elemento como não sendo exigível para o fim especial de causar prejuízo ao ofendido, a vontade de prejudicar está compreendida na própria ação criminosa.18

O objetivo da norma é preservar a integridade e a integralidade dos bens ou interesses para o proprietário ou possuidor, abrangendo não apenas o valor substan­cial como também a utilidade que possam ter para estes (que não deixa de ser valor). Nessa linha já pontificava Manzini, afirmando que: “O objeto específico da tutela penal, em relação ao crime de dano do art. 635, é o interesse público concernente à inviolabilidade do patrimônio mobiliário ou imobiliário, ofendido por fato que suprime ou diminui a utilização ou o preço da coisa alheia...”19

Portanto, voltamos a pergunta principal, “como responsabilizar corretamente tais agentes?”. O Voto do Ministro Alexandre de Moraes, na Ação Penal 1.186, interpreta a invasão como um crime multitudinário, dispensando a identificação individual dos responsáveis ​​pelos danos descritos no relatório do IPHAN. Apesar de tais informações, destaca-se que, devido à natureza coletiva do delito, os líderes e responsáveis ​​pela organização e execução da invasão devem responder de forma mais grave, consoante a legislação penal.

Essa mesma figura nos levará a lei nº 9.605/98, em especial ao seu artigo 62. Esta estabelece que a destruição, inutilização ou proteção de bens especialmente protegidos constituem crime ambiental, com base nesse dispositivo legal, entende-se uma tutela de bens, que possuem valor cultural, científico e histórico, confirmam a relevância de tais elementos para as gerações presentes e futuras.

Essa legislação visa a proteção de bens que são fundamentais não apenas pelo seu valor material, mas também pelo seu valor intrínseco e simbólico. A destruição das obras que integravam os prédios atingido significa, portanto, uma perda irreparável de documentos que relatam a história e as realizações de uma nação, o que traz mais peso a esta perda é justamente ela ter ocorrido por ação humana, como uma forma de satisfação politica pessoal dos agentes.

Apesar de monetariamente estimável, a dimensão dos danos em uma escala histórica e social é imensurável. Mesmo restauradas, houve um dano passível de responsabilização penal, uma vez que edifícios-sede dos poderes e o conjunto urbanístico da Praça dos Três Poderes são bens de inestimável valor cultural e histórico, protegidos por diversas instâncias e instituições. Em primeiro lugar, são reconhecidos como patrimônio mundial pela UNESCO, inscritos na Lista do Patrimônio Mundial sob o número 445 desde 198720, conferindo-lhes uma proteção especial e destacando sua importância não apenas para o Brasil, mas para toda a humanidade.

Ressalta-se que o Governo do Distrito Federal assegurou sua proteção local através do Decreto nº 10.829 de 1987, a partir do tombamento distrital desses bens. No âmbito federal, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tombou os edifícios e o conjunto urbanístico por meio da Portaria nº 314 de 1992. Além disso, o Processo de Tombamento nº 1550-T-07, também empreendido pelo IPHAN, reforça a proteção dessas edificações que são representativas da obra de Oscar Niemeyer em Brasília, um ícone da arquitetura moderna.

A materialidade dos delitos cometidos contra esses bens está comprovada, uma vez que o patrimônio depredado integra o patrimônio cultural da União e é especialmente protegido por diversas leis e normativas. Esses atos de vandalismo não apenas danificaram estruturas físicas, mas também representaram uma tentativa de apagar elementos significativos da história e cultura nacionais. A integração do conjunto urbanístico de Brasília como patrimônio cultural reflete a importância de sua preservação, conforme estabelecido pelas proteções distrital, federal e internacional.

Assim, a responsabilidade penal pelos danos causados deve ser rigorosamente apurada e aplicada, considerando a magnitude e o valor dos bens afetados. A legislação brasileira, por meio de dispositivos específicos do Código Penal e da Lei nº 9.605/98, fornece o arcabouço necessário para a punição adequada dos responsáveis, garantindo a proteção e a preservação do patrimônio cultural e histórico brasileiro.

5 CONCLUSÃO

Conclui-se que, apresar da existência de legislação penal relevante e da materialidade dos fatos, os atos de 8 de janeiro de 2023 trouxeram uma nova visão doutrinária a respeito de legislações previamente existentes. Em um contexto onde a aplicação das leis não segue um elemento subjetivo e tão pouco analisa detalhadamente os atos realizados e seus possíveis impactos, a resposta à pergunta seria que a responsabilidade penal dos envolvidos é definida com base no art. 163, inciso III, do Código Penal, que trata do dano qualificado, e no art. 62, inciso I, da Lei nº 9.605/98, a Lei de Crimes Ambientais.

A análise dos danos revela uma clara violação ao patrimônio histórico e artístico nacional. Deve-se analisar a culpabilidade dos agentes sob a ótica da teoria da culpabilidade, que considera a capacidade do indivíduo de compreender a ilicitude de suas ações, e da teoria do funcionalismo penal, que enfatiza a prevenção geral e a imputação de responsabilidade. Entende-se, portanto, que a situação não é tão clara como aparenta ser, e que a situação perfeita é inexistente, cabendo ao judiciário analisar o caso concreto, entendendo suas particularidades.

Por fim, trata-se de uma situação atípica, que traz a tona a fragilidade e dualidade do sistema legislativo, a efetiva responsabilização dos agentes envolvidos nos atos de vandalismo do dia 8 de janeiro de 2023 constitui um passo fundamental para garantir a integridade e a continuidade de nosso patrimônio cultural, histórico e democrático, além de trazer avanços jurisprudenciais e doutrinários necessários ao ordenamento jurídico brasileiro.

REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Herbeth Barreto de Souza

Advogado e Professor. Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS e Professor da disciplina de Direito Penal IV da FACSUR︎

Anthony Gabriel Soares Fonseca

Discente do 5º período do Curso de Direito da Facsur.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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