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Análise da responsabilidade administrativa ambiental subjetiva à luz do entendimento consolidado pelo STJ

28/05/2024 às 13:27
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A responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva, exigindo dolo ou culpa e nexo causal. O STJ e o Ibama consolidaram esse entendimento, proporcionando maior segurança jurídica na aplicação de penalidades ambientais.

Resumo: A análise da responsabilidade administrativa no contexto do dano ambiental revela a complexidade e a relevância desse tema no cenário jurídico contemporâneo. Ao longo deste artigo, foi possível compreender a natureza jurídica subjetiva dessa responsabilidade, exigindo a demonstração de dolo ou culpa e do nexo causal entre conduta e dano. A jurisprudência consolidada, aliada às recentes orientações normativas, reforça a importância da análise subjetiva na imputação de penalidades ambientais, proporcionando maior segurança jurídica e equidade no tratamento das infrações ambientais. Dessa forma, é imperativo que os operadores do direito estejam familiarizados com esses princípios e diretrizes, a fim de garantir uma aplicação justa e eficaz da legislação ambiental e, assim, contribuir efetivamente para a proteção e preservação do meio ambiente.

Palavras-chave: Responsabilidade administrativa ambiental, dano ambiental, natureza jurídica subjetiva, dolo e culpa, nexo causal, Superior Tribunal de Justiça, jurisprudência, orientações normativas, proteção ambiental, legislação ambiental.

Sumário: 1. Introdução. 2. Análise da responsabilidade administrativa no dano ambiental. 3. Entendimento do STJ acerca da responsabilidade administrativa ambiental - Recurso Especial 1.318.051. 4. Conclusão.


1. Introdução

A análise da responsabilidade administrativa no contexto do dano ambiental é um tema que desperta considerável interesse no âmbito jurídico, especialmente desde a promulgação da Lei 9.605/1998. A questão central deste debate reside na distinção entre responsabilidade objetiva e subjetiva, e como tal distinção se reflete na prática e no ordenamento jurídico.

Enquanto a responsabilidade cível é geralmente tratada como objetiva e a penal como subjetiva, a responsabilidade administrativa ambiental assume características que desafiam essa dicotomia tradicional.

Este artigo se propõe a examinar os aspectos fundamentais dessa responsabilidade administrativa, especialmente no que diz respeito à sua natureza jurídica, seus princípios basilares e os debates doutrinários e jurisprudenciais que envolvem a questão da culpabilidade como elemento determinante para a sua configuração.


2. Análise da responsabilidade administrativa no dano ambiental

Muito embora seja imune à dúvida que a responsabilidade cível é objetiva e que a penal é subjetiva, pouco é versado no espectro específico da responsabilidade administrativa ambiental e como esta reflete no ordenamento e prática jurídica, questionando-se a culpabilidade como elemento subjetivo ou objetivo para tal responsabilização.

Com o advento da Lei 9.605/1998, o assuntou tornou-se matéria de maior atenção pela doutrina especializada, todavia, como refere Vladimir Passos de Freitas1, são poucos os posicionamentos explícitos acerca desse tema.

A responsabilidade administrativa por dano ambiental possui natureza jurídica preventiva e repressiva, seguindo os princípios basilares do direito administrativo, sendo estes o principio da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da proporcionalidade e culpabilidade, em que este ultimo já apresentou controvérsia doutrinaria no direito brasileiro.

O ato infracional ambiental é submetido às regras do Direito Ambiental, uma vez em vigor a Lei 9.605/1998 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, todavia sem deixar de atender ao principio da tipicidade, conforme adotado pelo Direito Administrativo.

Sobreveio, em primeiro momento, uma corrente ancorada pela manifestação de Helly Lopes Meirelles, onde inclinada pela regra da objetividade aduziu ao que há muito sustentou o mestre: “a multa administrativa é de natureza objetiva e se torna devida independentemente da ocorrência de culpa ou dolo do infrator”.2 Traduzindo, dessa forma, que a Lei 9.605/1998 se referiu à infração administrativa como “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente” (art. 70, caput).

Para autores como Philippi Junior, Freitas e Spínola3, descabe a discussão se houve ou não a intenção do dano determinando a culpabilidade do infrator, alegando que “a exigência de comprovação de dolo ou culpa para a imposição de sanções administrativas é totalmente contrária aos preceitos normativos existentes no nosso ordenamento jurídico ambiental”.

Ainda, com intento de por fim ao certame da natureza jurídica da responsabilidade administrativa ambiental, o IBAMA editou em janeiro de 2011, a Orientação Jurídica Normativa 26/2011 (OJN 26/2011), que determinou a desnecessidade de comprovação da culpabilidade para a responsabilização administrativa por danos ambientais.

A pretensão de se anular o ato administrativo punitivo com fundamento no reconhecimento da Teoria da Responsabilidade Subjetiva não possui qualquer amparo legal e vai de encontro ao texto expresso do art. 14, §1º da Lei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA).4

Destarte, para tal decisão não haveria a possibilidade do excludente de ilicitude, pois diferentemente da esfera penal onde há previsão no texto legal, no âmbito administrativo a repressão detém caráter pedagógico independente de dolo5, uma vez que a Lei n. 9.605/1998 não exigiu a culpabilidade como requisito.

Seguindo esse entendimento verifica-se que a culpa ou dolo fica em posição de exceção nas hipóteses prefixadas no ordenamento jurídico, lançando mão apenas de verificar a voluntariedade do sujeito que as violou, ou seja, estabelecendo como regra geral no âmbito administrativo o mito da teoria da responsabilidade objetiva.6

Contudo, em análise profunda ao artigo 5º, LIV e LV, da CF, que assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, a mais ampla defesa e o direito ao pleno contraditório bem como a presunção de inocência, compreende-se que a culpabilidade se torna elemento constitutivo da imputação infracional administrativa, o que não corresponde as determinações da responsabilidade objetiva, conforme determina os defensores da corrente subjetiva Curt Trennepohl7, Daniel Ferreira8 e Marçal Justen Filho9.

Ocorre que uma vez assegurado o devido processo legal constitucional, seja ele administrativo ou judicial, impossível a aplicação da pena administrativa, na mesma vertente da esfera penal, na ausência de culpa, por meio de negligência, imprudência, imperícia, ou dolo, no direito ambiental, como defende Fortunato Bim.

Resta dizer que a corrente subjetiva advoga no sentido de que se não fossem asseguradas tais garantias, violadora seria de direitos fundamentais, assim entendidas as realizadas pelo seu aparelhamento estatal, a Administração Pública, exercida neste caso pelo Poder Executivo, deve pautar sua atuação aos princípios constitucionais e às leis10.

Ademais, em análise ao artigo 3º da OJM IBAMA 26/2011, já citada, verifica-se a contradição do seu texto, vez o artigo mencionado versa sobre a necessidade da demonstração de causalidade para a aplicação das sanções previstas pela Lei nº 6.938/81, senão vejamos:

O §3º do art.72, da Lei Federal no 9.605/1998, não condiciona a aplicação da pena de multa à comprovação de elemento subjetivo do agente infrator, limitando-se a dizer que tal consequência sancionadora (multa) sempre deverá ser aplicada quando constatada a reincidência no cometimento de infração ou no caso de embaraço à fiscalização, a serem caracterizados por elemento subjetivo (dolo ou negligência), mas não apenas nesses casos. (destaque-se)

Forço compreender, assim, que para a infração administrativa ambiental vigorar, torna-se necessário arcabouço mínimo probatório para comprovação de dano, nexo de causalidade, provas de autoria e materialidade.

Importante questionar-se, dessa forma, se o infrator teve a intenção em praticar o dano ambiental, uma vez destacado que o nexo causal é o elo entre a atividade e o dano, ensejando a culpabilidade do suposto infrator.

Sergio Cavalieri determina que:

A noção de nexo causal não é puramente naturalista, nem exclusivamente jurídica. Num primeiro momento, o nexo causal é verificado mediante a mera relação de causa efeito determinado pelas leis naturais. Elo naturalístico entre conduta e o resultado. A relação causal estabelece o vinculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não a causa do dano...

(...) além do elo naturalístico de causa e efeito, é também preciso um elo jurídico, normativo, principalmente quando tivermos várias causas concorrendo para determinado resultado, como também no caso de omissão.11

Neste interim, destaca Milaré12 a viabilidade de se aplicar o entendimento da culpa presumida, que apesar de ser encarada como objetiva, traz ao agente autuador a necessidade, a partir do principio Juris Tantum, de demonstrar com a inversão do ônus da prova a materialidade da conduta culposa para sancionar a penalidade administrativa ao suposto infrator.

Faz-se pertinente, portanto, trazer a baila o entendimento instalado no Superior Tribunal de Justiça, sobre a matéria da culpabilidade na responsabilidade administrativa por dano ambiental, onde este emblemático debate trouxe jurisprudência decisiva à discussão.


3. Entendimento do STJ acerca da responsabilidade administrativa ambiental - Recurso Especial 1.318.051

Apesar da discussão acima aludida, houve, em 2019, entendimento unanime no Superior Tribunal de Justiça acerca do elemento subjetivo ou objetivo da responsabilidade administrativa, onde se assentou o entendimento de que a responsabilidade administrativa no dano ambiental é subjetiva.

Ocorre que o Relator Ministro Mauro Campbell Marques, em 14/11/2018, proferiu seu voto a dar-lhe provimento ao mérito dos Embargos de Divergência. Na ocasião, afirmou o relator que o mesmo já havia proferido outras decisões de mesmo teor, as quais citou em seu voto, pacificando a matéria de responsabilidade administrativa subjetiva ambiental como jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Todavia, o Ministro Herman Benjamin pediu vistas aos autos na sessão de julgamento, sendo esta adiada para o dia 08/05/2019. E na referida sessão, houve votação unanime com o senhor Ministro Relator.

Destaca-se que o Ministro Herman Benjamin, fundamentou em seu voto a decisão de subjetividade à responsabilidade administrativa para a imputação de penalidades ambientais.

Diante da decisão proferida nos Embargos de Divergência, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou a matéria, estancando que a responsabilidade administrativa por dano ambiental é subjetiva, exigindo-se a demonstração de dolo ou culpa e do nexo causal entre conduta e dano.

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PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA SUBMETIDOS AO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO EM RAZÃO DE DANO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. 1. Na origem, foram opostos embargos à execução objetivando a anulação de auto de infração lavrado pelo Município de Guapimirim – ora embargado –, por danos ambientais decorrentes do derramamento de óleo diesel pertencente à ora embargante, após descarrilamento de composição férrea da Ferrovia Centro Atlântica (FCA). 2. A sentença de procedência dos embargos à execução foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro pelo fundamento de que "o risco da atividade desempenhada pela apelada ao causar danos ao meio ambiente consubstancia o nexo causal de sua responsabilidade, não havendo, por conseguinte, que se falar em ilegitimidade da embargante para figurar no polo passivo do auto de infração que lhe fora imposto", entendimento esse mantido no acórdão ora embargado sob o fundamento de que "[a] responsabilidade administrativa ambiental é objetiva". 3. Ocorre que, conforme assentado pela Segunda Turma no julgamento do REsp 1.251.697/PR, de minha relatoria, DJe de 17/4/2012), "a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano". 4. No mesmo sentido decidiu a Primeira Turma em caso análogo envolvendo as mesmas partes: "A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando- se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador" (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, DJe de 7/10/2015). 5. Embargos de divergência providos.

(EREsp 1.318.051/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/05/2019, DJe 12/06/2019). (destaque-se).

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ARGUMENTOS SUSCITADOS NAS CONTRARRAZÕES. MANIFESTAÇÃO. DESNECESSIDADE. DANO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. RESPONSABILIDADE DMINISTRATIVA. CARÁTER SUBJETIVO. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. O magistrado não está obrigado a responder a todas as alegações das partes nem tampouco a rebater um a um todos seus argumentos, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. Precedentes. 3. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a responsabilidade administrativa ambiental tem caráter subjetivo, exigindo-se a demonstração de dolo ou culpa e do nexo causal entre conduta e dano. Precedentes. 4. Agravo interno desprovido.

(AgInt no AREsp 826.046/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe 05/04/2018).

PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. EXPLOSÃO DE NAVIO NA BAÍA DE PARANAGUÁ (NAVIO "VICUNA"). VAZAMENTO DE METANOL E ÓLEOS COMBUSTÍVEIS. OCORRÊNCIA DE GRAVES DANOS AMBIENTAIS. AUTUAÇÃO PELO INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ (IAP) DA EMPRESA QUE IMPORTOU O PRODUTO "METANOL". ART. 535. DO CPC. VIOLAÇÃO. OCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. QUESTÃO RELEVANTE PARA A SOLUÇÃO DA LIDE. 1. Tratam os presentes autos de: a) em 2004 a empresa ora recorrente celebrou contrato internacional de importação de certa quantidade da substância química metanol com a empresa Methanexchile Limited. O produto foi transportado pelo navio Vicuna até o Porto de Paranaguá, e o desembarque começou a ser feito no píer da Cattalini Terminais Marítimos Ltda., quando ocorreram duas explosões no interior da embarcação, as quais provocaram incêndio de grandes proporções e resultaram em danos ambientais ocasionados pelo derrame de óleos e metanol nas águas da Baía de Paranaguá; b) em razão do acidente, o Instituto recorrido autuou e multa a empresa recorrente no valor de R$ 12.351.500,00 (doze milhões, trezentos e cinquenta e um mil e quinhentos reais) por meio do Auto de Infração 55.908; c) o Tribunal de origem consignou que "a responsabilidade do poluidor por danos ao meio ambiente é objetiva e decorre do risco gerado pela atividade potencialmente nociva ao bem ambiental. Nesses termos, tal responsabilidade independe de culpa, admitindo-se como responsável mesmo aquele que aufere indiretamente lucro com o risco criado" e que "o artigo 25, § 1o, VI, da Lei 9.966/2000 estabelece expressamente a responsabilidade do 'proprietário da carga' quanto ao derramamento de efluentes no transporte marítimo", mantendo a Sentença e desprovendo o recurso de Apelação. 2. A insurgente opôs Embargos de Declaração com intuito de provocar a manifestação sobre o fato de que os presentes autos não tratam de responsabilidade ambiental civil, que seria objetiva, mas sim de responsabilidade ambiental administrativa, que exige a demonstração de culpa ante sua natureza subjetiva. Entretanto, não houve manifestação expressa quanto ao pedido da recorrente. 3. Cabe esclarecer que, no Direito brasileiro e de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, proprietário ou administrador da área degradada, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis. 4. Todavia, os presentes autos tratam de questão diversa, a saber a natureza da responsabilidade administrativa ambiental, bem como a demonstração de existência ou não de culpa, já que a controvérsia é referente ao cabimento ou não de multa administrativa. 5. Sendo assim, o STJ possui jurisprudência no sentido de que, "tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador" (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 7.10.2015). 6. "Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano". (REsp 1.251.697/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.4.2012). 7. Caracteriza-se ofensa ao art. 535. do Código de Processo Civil quando o Tribunal de origem deixa de se pronunciar acerca de matéria veiculada pela parte e sobre a qual era imprescindível manifestação expressa. 8. Determinação de retorno dos autos para que se profira nova decisão nos Embargos de Declaração 9. Recurso Especial provido.

(REsp 1.401.500/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 13/09/2016).

Esses julgados fixam o entendimento de que, para apuração da infração ambiental, é necessário (ônus da prova da autoridade fiscalizadora) comprovação de dolo ou culpa.

Ou seja, a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva, ora veja-se a necessidade de provas para seu enquadramento, com claras intenções do autuado em praticar atos dolosos ou culposos, ensejadores de danos ambientais.

O entendimento citado acima é o mesmo da recente Orientação Juridica Normativa nº 53/2020/PFE/IBAMA por meio do Parecer nº 0004/2020/GABIN/ PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU, vejamos:

DIREITO AMBIENTAL. INFRAÇÃO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. NECESSIDADE DE DOLO OU CULPA. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA, ESTÁVEL, ÍNTEGRA E COERENTE (STJ). REVISÃO DA ORIENTAÇÃO JURÍDICA NORMATIVA 26/2011/PFE-IBAMA. 1. A responsabilidade administrativa ambiental possui natureza subjetiva, a demandar a existência de dolo ou culpa do agente para caracterização de infração ambiental. 2. Aplicação subsidiária de disposições do Código Penal na forma do artigo 79 da Lei n. 9.605/98, nos limites da presente manifestação. 3. Dolo e culpa no âmbito de pessoas jurídicas, possibilidade de emprego da teoria do órgão ou avaliação da conduta da pessoa jurídica em si, compreensão a partir da dispensabilidade da dupla imputação. 4. Conceito de dolo conforme artigo 18, I, do Código Penal. Exclusão de coação física irresistível. Relevância da omissão dolosa. Comprovação por prova indireta do dolo e demais elementos subjetivos, possibilidade. 5. Conceito de culpa conforme artigo 18, II, do Código Penal, enquanto descumprimento de dever objetivo de cuidado cumulado com nexo causal e previsibilidade objetiva. Conceituação de negligência, imprudência e imperícia. Possibilidade de responsabilização por culpa in eligendo (em escolher), in vigilando (em vigiar) e in custodiendo (em guardar). 6. Distinção entre responsabilidade subjetiva e elemento subjetivo (psicológico), este último presente apenas no dolo e na culpa consciente, mas inexistente na culpa inconsciente. 7. Excludentes de culpabilidade. Ônus probatório imputado originalmente ao autuado em virtude da presunção iuris tantum de sanidade mental, consciência da ilicitude e capacidade de determinação dos cidadãos em geral, conforme legislação de regência. 8. Inimputabilidade administrativa. Sanidade mental, critério biopsicológico, conforme artigo 26 do Código Penal. Maturidade, imputabilidade de adolescentes, conforme OJN n. 30/2012/PFEIBAMA, contudo, revisão da orientação para considerar inimputáveis por infração ambiental as crianças em virtude da disposição do artigo 105 do ECA. Necessidade de diálogo das fontes. 9. Inexigibilidade de conduta diversa. Aplicação do artigo 22 do Código Penal. Coação moral irresistível, exige ameaça concreta, exequível, grave e iminente, a qual é apta a retirar a reprovabilidade daquele que atua. Obediência hierárquica, apenas aplicável a vínculo de direito público, não aplicável para ordem manifestamente ilegal no âmbito civil ou criminosa no âmbito militar. Inexigibilidade enquanto cláusula geral derivada do conceito de culpabilidade, adoção jurisprudencial pelo Superior Tribunal de Justiça, inviabilidade de aplicação com fundamento meramente econômico. Jurisprudência. 10. Potencial consciência da ilicitude enquanto erro de proibição invencível. 11. Reflexos da responsabilidade subjetiva no concurso de pessoas. Aplicação das disposições do artigo 29 e seguintes do Código Penal, excetuadas normativas que digam respeito à diminuição de pena criminal. Possibilidade de punição de partícipe, conforme artigo 3o, parágrafo único, 79 da Lei n. 9.605/98. Teoria formal-objetiva do concurso de pessoas conjugada com teoria do domínio do fato, acatada no ordenamento brasileiro pelo STF na AP 470. Conceitos de autoria imediata, mediata, admitida nessa hipótese o domínio do aparato organizado de poder, incluídas estruturas empresariais, conforme jurisprudência do STF. Coautoria, requisitos, possibilidade de coautoria lateral. Participação sobre a forma de instigação (moral) ou cumplicidade (material), sendo impossível a participação em crime culposo, caso de coautoria lateral. 12. Efeitos intertemporais da revisão do entendimento da OJN n. 26/2011. Responsabilidade subjetiva enquanto exigência material da infração. Desnecessidade de sua presença expressa, sendo admitida sua presença implícita. Inteligência da legislação e jurisprudência, inclusive, penal. Autos de infração aplicados sob a vigência da OJN n. 26/2011 não são censurados pela mudança da posição se presentes, ainda que implicitamente, dolo ou culpa do agente.

O referido parecer, que mais tarde se tornou a OJN nº 53/2020, definiu o debate sobre a responsabilidade administrativa ambiental, ratificando a posição anterior do Superior Tribunal de Justiça sobre a natureza jurídica subjetiva da responsabilidade administrativa ambiental.

Iniciando, ainda, um processo de revisão da OJN 26/2011, em teses que versavam sobre a responsabilidade objetiva, adotando um procedimento pautado na análise da culpa para a imposição de sanções administrativas por dano ambiental.


4. Conclusão

A análise da responsabilidade administrativa no contexto do dano ambiental revela a complexidade e a relevância desse tema no cenário jurídico contemporâneo. Ao longo deste artigo, foi possível compreender a natureza jurídica subjetiva dessa responsabilidade, exigindo a demonstração de dolo ou culpa e do nexo causal entre conduta e dano.

A jurisprudência consolidada, aliada às recentes orientações normativas, reforça a importância da análise subjetiva na imputação de penalidades ambientais, proporcionando maior segurança jurídica e equidade no tratamento das infrações ambientais.

Dessa forma, é imperativo que os operadores do direito estejam familiarizados com esses princípios e diretrizes, a fim de garantir uma aplicação justa e eficaz da legislação ambiental e, assim, contribuir efetivamente para a proteção e preservação do meio ambiente.


Notas

  1. Direito administrativo e meio ambiente. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2010. p. 127.

  2. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 222

  3. Direito ambiental e sustentabilidade. São Paulo: Manole. 2016. p. 870-871.

  4. BRASIL. Orientação Jurídica Normativa no 26, de 2011. DESNECESSIDADE DA CONFIGURAÇÃO DA CULPA E DO DOLO PARA A APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE MULTA ADMINISTRATIVA AMBIENTAL.

  5. PADILHA, Norma Sueli. Fundamentos constitucionais do direito ambiental brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Cap. 6. p. 155-202.

  6. O mito da responsabilidade objetiva no direito ambiental sancionador: imprescindibilidade da culpa nas infrações ambientais. Revista de direito ambiental. vol. 57. p. 35, 42-45. São Paulo: Ed. RT, 2010.

  7. Responsabilidade administrativa no direito ambiental. Em FARIAS, Talden; Trennepohl, Terence (Coords.). Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Tohmson Reuters Brasil, 2019. p. 480-482.

  8. Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 209-327.

  9. Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 524. e 525.

  10. Manual de processo administrativo. Brasília: Edição da Corregedoria-Geral da União, 2021.

  11. CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. Cit. P.62-63.

  12. MILARÉ, Édis. Amplitude, limites e prospectivas do direito do ambiente. In: MARQUES, José Roberto (Org.). Sustentabilidade e temas fundamentais de direito ambiental. Campinas: Millennium, 2009. p. 121-143.

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Sobre a autora
Gabrielly de Bastos

Estagiária de Direito no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS, Gabrielly. Análise da responsabilidade administrativa ambiental subjetiva à luz do entendimento consolidado pelo STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7636, 28 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109565. Acesso em: 1 jul. 2024.

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