Resumo: O presente trabalho traz um debate sobre a influência dos estudos criminológicos e de política criminal na resposta estatal de segurança pública. Debate-se a estratégia do Estado em realizar o controle social formal em conjunto com o controle social informal, além de organizar políticas públicas voltadas para os setores menos favorecidos da população. De acordo com os estudos realizados, restou evidente que a principal forma de realizar um controle efetivo se dá por meio de uma aproximação das instâncias de controle, com uma polícia mais cidadã, mais integrada na sociedade e com um sistema criminal mais individualizado e funcional. Para chegar a esta conclusão, foram estudadas diversas teorias do saber criminológico e de política criminal, além de uma análise, em números, dos principais fatores criminais e dos estados que mais sofrem com a criminalidade. Ademais, chegou-se a conclusão de que criar normas punitivas ou ter um sistema carcerário que mais prende, não resolverá o problema da criminalidade.
Palavras-chave: criminologia. Política criminal. Segurança pública.
Sumário: 1. Introdução. 2. Criminologia como ciência. 2.1. Breves apontamentos da evolução histórica da criminologia. 2.1.1. A Escola Clássica. 2.1.2. Biologia criminal de Cesare Lombroso e a evolução do positivismo criminal. 2.1.3. Objeto de estudo da criminologia. 2.1.3.1. O crime. 2.1.3.2. O delinquente. 2.1.3.3. Controle social. 2.1.3.4. A vítima. 2.1.4. Teorias macrossociológicas da criminalidade. 2.1.4.1. Teorias do consenso. 2.1.4.2. Escola de Chicago. 2.1.4.3. Tolerância zero (lei e ordem) e janelas quebradas. 2.1.4.4. Anomia. 2.1.4.5. Associação diferencial. 2.1.4.6. Teorias do conflito. 2.1.4.7. Labelling approach. 2.1.4.8. Teoria crítica. 2.1.5. Instâncias formais e informais de controle. 2.1.6. Processos de criminalização e prevenção criminal. 2.1.6.1. Modelos de prevenção. 2.1.7. Teorias de aplicação da pena. 2.1.8. Modelos de reação ao crime. 2.1.9. Função da criminologia e suas metas. 3. Política criminal e direito penal. 3.1. O direito penal e suas vertentes. 3.1.1. O abolicionismo penal. 3.1.2. Direito penal máximo. 3.1.3. Direito penal mínimo. 3.1.4. Princípio da intervenção mínima do direito penal e suas vertentes. 3.1.5. Direito penal simbólico e expansão da criminalização indiscriminada. 3.2. Política criminal. 3.2.1. Processos de criminalização. 3.2.2. Integração entre política criminal direito penal e estudos criminológicos. 3.2.3. Políticas de controle da criminalidade. 4. O crime e a segurança pública. 4.1. Segurança pública na Constituição Federal. 4.2. Criminologia e segurança pública. 4.3. Política criminal e segurança pública. 4.4. A execução da pena e os estudos criminológicos. 4.5. A política criminal e a criminologia no direito penal e processual. 4.6. Criminalidade em números. 4.7. Criminalidade e política criminal de drogas. 5. Considerações finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O tema segurança pública sempre foi alvo de debates no mundo jurídico e social, contudo, é uma temática que carrega uma preocupação cada vez mais frequente na população, já que ganhou uma relevância absurda após ocorrer a expressividade da internet e do mundo globalizado, dando novos contornos para a criminalidade.
Diante desses desafios, para realizar o controle da criminalidade, o Estado se viu obrigado a modificar a abordagem ao fenômeno criminal, utilizando-se de políticas públicas, de um novo sistema e forma de repressão, com maior colaboração social. Por essa razão, passa a existir um elo de ligação entre a política criminal, a criminologia e a repressão ao crime, perpassando pelo controle social formal e informal, melhoria da qualidade de vida, reintegração de ex-detentos ou de presos em processo de ressocialização.
No âmbito dos estudos da criminologia, suas diversas teorias estudam o comportamento social, o crime, o criminoso, a vítima, além de traçar um perfil de comportamento do delinquente, da forma do cometimento do crime, da colaboração das atitudes vitimais. A criminologia também trás um viés colaborativo no que tange à disposição da sociedade urbana, das zonas da periferia, dos locais de crime e explicações do que poderia ser feito para evitar determinadas infrações específicas.
Ademais, o próprio cumprimento e execução da pena também faz uso dos estudos criminológicos e da política criminal quando estabelece formas de individualizar a pena, cumprindo, pelo menos em tese, o que manda a Constituição Federal, separando os condenados e os presos provisórios, os reincidentes e os primários, além de estabelecer a obrigatoriedade de um exame criminológico obrigatório para os que cumprem pena em regime fechado e facultativo para os de regime semiaberto, além de situações em que o magistrado considerar necessário para aferir o grau de perigo que o criminoso oferece. Outrossim, esse exame também é requisito para progressão de regime e do livramento condicional.
Como se pode perceber, toda essa questão da individualização da pena possui duas faces: a primeira, voltada para a sociedade, protegendo-a do indivíduo que comete o crime e também fornecendo uma sensação de segurança; a segunda, voltada para o próprio criminoso, que terá, tecnicamente, seus direitos fundamentais respeitados, os ditames constitucionais seguidos e poderá ser melhor reinserido socialmente diante dos parâmetros coletados nos exames.
Já no que tange a política criminal trará como base as ideologias políticas, com a conscientização dos envolvidos, contribuindo de forma positiva para que os estudos criminológicos, anteriormente citados, possam ser efetivados da maneira correta, quando colocados em prática com o direito de punir, funcionando como a ponte de ouro entre a criminologia e o próprio direito penal.
Por fim, neste trabalho, será estudado a evolução das teorias criminológicas, os setores de política criminal e de prevenção ao crime, abordando de forma integrada as pesquisas realizadas por cada fonte do saber, com vistas a promover uma discussão e uma reflexão da efetividade do sistema criminal, das políticas públicas oferecidas pelo Estado, do comportamento social e das ideologias políticas que conduzem ao controle da delinquência.
2. CRIMINOLOGIA COMO CIÊNCIA
A palavra “criminologia” foi criada por Paul Topinard, em 1883, mas ganhou destaque apenas com Raffaele Garófalo, no livro Criminologia, em 1885.[1 É palavra de origem híbrida, unindo um elemento latino, crimino, que significa crime, e outro da língua grega, logos, que significa estudo, portanto, corporificando as duas expressões, temos: o estudo do crime.2
A criminologia é ciência social empírica e interdisciplinar que tem como objeto o estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social. É de natureza autônoma, com foco nos efeitos da criminalidade, baseada na visão do padrão de “homem delinquente”, seu comportamento, personalidade e conduta.
É a criminologia que analisa quais os fatores que levam ao cometimento dos crimes. É a ciência que possui ferramentas, saberes, que examina o fenômeno criminológico que ocorre na sociedade. Não faz parte dos seus estudos – pois isso é tarefa para o direito penal – punir o transgressor, e nem definir qual procedimento da persecução penal, esta última, tarefa do direito processual penal.3
O estudo da Criminologia visa métodos de prevenção e tratamento do crime. Porém, apesar de autônoma, é uma ciência interdisciplinar, utilizando-se das ciências humanas e sociais para basear seus estudos e, quem sabe, reinserir o delinquente no meio social, ou, ainda, evitar o crime.
Como ciência que é, possui um método empírico- experimental, analisando o mundo do “ser”, mas, abordando de maneira científica os fatores que levam ao cometimento de crimes. Recebe este título de “ciência empírica” por fazer análise de observação dos fatos e das relações sociais, baseada na realidade, de forma flexível e compatível com a evolução da história social. Também se utiliza de um método indutivo (ou indutivo – experimental), trabalhando com casos concretos, específicos, para gerar uma premissa maior.
A finalidade da criminologia é de buscar entender o contexto da prática do delito, analisando o modelo de justiça, o comportamento social, a pessoa do delinquente, a vítima, o controle social e também o reflexo do ordenamento jurídico dentro da sociedade atual.4
A criminologia, a política criminal e o direito penal são os três pilares do sistema das ciências criminais, inseparáveis e interdependentes. A criminologia deve orientar a política criminal, dando substrato para prevenção dos crimes, além de influenciar o Direito Penal na repressão das condutas indesejadas que não foram evitadas.5
2.1. Breves apontamentos da evolução histórica da criminologia
Apesar de apenas ser considerada ciência após os estudos de Lombroso, estudioso da Escola positivista, houveram grandes contribuições da Escola Clássica, no período pré- científico, não considerada ciência por causa do método de estudo utilizado à época(dedutivo), mas, que diante da grandiosidade dos seus expoentes, dentre eles Marquês de Beccaria, abriu caminhos sobre a nova maneira de punição do Estado. Beccaria, deu início aos princípios da legalidade, da vedação da livre interpretação judicial da lei, livre conhecimento do ordenamento, proporcionalidade das penas, publicidade do processo e valoração das provas.
Juntamente com o Marquês, Francesco Carrara, um nome muito importante dos Clássicos, passou a defender a concepção do delito como ente jurídico, constituído pela força física – movimento corpóreo e dano – e por uma força moral – a vontade livre e consciente do delinquente. Diante disso, restou fundado que a principal característica da Escola Clássica era acreditar no livre arbítrio, no homem que procura o crime, como um ser livre e racional, tomando decisões e enfrentando consequências.6
A era científica da criminologia foi inaugurada por Cesare Lombroso, com suas teorias de antropologia criminal, reunindo conhecimentos de médico, professor, antropólogo, político, pesquisando o crime sob ponto de vista naturalista, com a tese do delinquente nato.[7 Lombroso trouxe à tona a chamada Escola Positivista, que buscava entender o motivo e os fatores determinantes que levavam o homem a cometer um crime.
Em específico, Lombroso trabalhava com a ideia de um criminoso nato, com características mentais ou físicas, ligações com antepassados, que o levavam a cometer crimes, devido a sua aparência criminosa. Porém, complementando os ideais do importante estudioso, surge Enrico Ferri, incluindo nos estudos a contribuição das condições sociais como um fator determinante para alteração da personalidade do indivíduo, levando-o ao crime.
Para os positivistas, que deram origem ao método empírico- indutivo, até hoje utilizado, o delito é um fator histórico e real, que prejudica a sociedade, devendo ser cortado na raiz através de programas de prevenção. De índole determinista, classifica a pena como uma retribuição pelo mal causado, pela responsabilidade social, visando o bem estar da sociedade.8
2.1.1. A Escola Clássica
Apesar de ter se estabelecido na fase pré-científica, o idealismo da Escola Clássica teve grande importância para a criminologia, pois, através dos postulados consagrados pelo iluminismo buscou avançar na humanização das penas. O maior nome deste período foi Cesare Beccaria, que defendia as liberdades do homem e enaltecia a dignidade humana.
A Escola Clássica possuía como base duas grandes outras teorias, o jusnaturalismo, acreditando na natureza do ser humano e o contratualismo, baseado nas ideias de Rousseau, com fundamento no contrato social e no utilitarismo da ação.
Preconizando pelo livre arbítrio, fugindo da teoria de um indeterminismo, os clássicos acreditavam que o crime acontecia por uma libre escolha, puramente racional do delinquente, que realizava uma análise dos riscos e benefícios que o o crime poderia lhe oferecer. Apena, nesse caso, teria uma função quase que pedagógica, pois o criminoso teria o tempo que ficaria recluso para refletir sobre a infração que cometeu, mas, também serviria como uma forma de punição pelo mal causado.
Outro pensador importante da Escola Clássica foi Francesco Carrara, que trouxe principalmente a discussão sobre penas proporcionais, abolindo a pena de morte e as penas cruéis. Ademais, trouxe o conceito de crime como um ente jurídico, que merecia sofrer uma reprimenda, porém, não seria viável que funcionasse como um castigo, e sim, como uma inibição do cometimento de novos delitos.9
2.1.2. Biologia Criminal de Cesare Lombroso e a evolução do positivismo criminal
Essa linha de estudo teve seu momento mais acalorado durante a Escola Positivista, na verdade, atuando como uma de suas fases. Encabeçada por Lombroso, que como já citado, foi um dos expoentes positivistas, a biologia criminal centrava seus estudos na antropologia, com a finalidade de criar um padrão para o criminoso nato, utilizando-se das medidas do crânio.
Como já mencionado, a escola positivista teve uma grande importância para criminologia porque inaugurou o método científico desta ciência, inclusive, por meio dos estudos de Lombroso. Porém, como ele utilizava métricas cranianas, esses estudos logo foram considerados ultrapassados, mas, apesar disso, não se pode negar o grande destaque que possuiu na construção do saber criminológico.
O maior objeto desta teoria era o delinquente, através de suas características físicas ou de algum mal funcionamento do corpo que pudesse caracterizá-lo na figura criminosa. Lombroso fez uma análise de mais de 25 mil detentos, 6 mil criminosos vivos e algumas centenas de autópsias, com o objetivo de criar um padrão para o “homem delinquente”. Salienta-se que a principal obra de Lombroso recebe justamente este nome, produzida no ano de 1876.
Acreditando no atavismo, ou seja, que o homem já nasce delinquente, através de um fenômeno biológico, por meio de características físicas e morais, que davam ao homem características selvagens e animalescas, ele deu início a era científica da criminologia, mobilizando a criação da Antropologia Criminal e descobrindo que o homem apresentava tendências comportamentais que se originavam em determinadas áreas do cérebro, que em certas ocasiões era mais preponderantes que outras, além de relacionar a criminalidade a hereditariedade.
De acordo com os estudos feitos por Lombroso, o criminoso tinha um padrão físico, com mandíbulas robustas, assimetria da face, falta de barba, com pele, olhos e cabelos escuros, além de orelhas desiguais. Também mantinha relação com o peso, medidas do crânio, estudos de tolerância a dor, falta de senso moral, dentre outras. Essas caraterísticas eram atribuídas a um padrão de “delinquente nato”, que para Lombroso, era um doente, sem solução e que deveria ser encarcerado antes mesmo de cometer algum crime para proteção da sociedade, pois se ele já nascia criminoso, era certo que em algum momento da sua existência, ele poderia sair pelas ruas e cometer grandes atrocidades.10
Certo que essa teoria vigorou por anos na Europa, mas, como já mencionado, entrou em desuso, ainda mais após os discípulos de Lombroso encabeçarem teorias complementares a dele, como foi o caso de Enrico Ferri e Garófalo, que adicionaram à Escola Positivista duas fases: a sociológica e a jurídica, respectivamente.
Na fase sociológica, colaborada com os estudos de Enrico Ferri, houve uma sustentação da inexistência do livre arbítrio, a pena com uma função de intimidação e de segregação social, além de trabalhar com a ideia de uma responsabilidade social, trazendo o criminoso nato como um ser incorrigível. A diferença entre Ferri e Lombroso ficou estabelecida a partir do momento em que foi adicionado às características biológicas do indivíduo também uma interação social.
Em breve síntese, na fase jurídica, Garófalo ainda seguiu os ideais de Lombroso, porém, adicionou uma sistematização jurídica à Escola Positivista, estabelecendo alguns princípios de responsabilidade: o primeiro, diz respeito a periculosidade como fundamento da responsabilização do delinquente, o segundo, trata da prevenção especial da pena, já o terceiro fundamenta o direito de punir, direcionando que o objetivo era segregar o criminoso e defender a sociedade, não se preocupando com o efeito ressocializador (ele acreditava que a defesa social era a maior justificativa para pena de morte dos criminosos natos). Foi com Garófalo que passou a existir o conceito de temibilidade ou de periculosidade, atuando como propulsor da conduta criminosa além de estabelecer o grau de maldade que o delinquente possuía, sendo o crime um delito natural com violação dos sentimentos de piedade, altruísmo e probidade.11
2.1.3. Objeto de estudo da criminologia
Durante o decorrer da evolução dos estudos criminológicos, ocorreram mudanças de paradigmas, e assim, também foi modificado, na verdade, adicionado, o objeto de estudo da criminologia. Na época das escolas clássicas, preconizava exclusivamente o crime, mas, com a inovação do método pré-científico para o científico, os doutrinadores tiveram a oportunidade de dedicar seus estudos para o delinquente.
Então, no século XX, houve uma ampliação do objeto da criminologia, passando a inserir a vítima e o controle social. Essa mudança do objeto da criminologia foi uma mudança de paradigma, pois, enquanto estava apenas fixada em avaliar o crime ou o criminoso, não haviam questionamentos criminológicos à respeito da produção do tipo penal, das normas, dos instrumentos de controle e nem muito menos o questionamento de políticas de prevenção.12
A partir de então, os objetos da criminologia passaram a ser explicitamente: o delito, a vítima, o controle social e o criminoso.
2.1.3.1. O crime
É certo que para criminologia, o crime é fenômeno social, que deve apresentar incidência massiva, reiterada, causar aflição à sociedade e a vítima – produção de dor, devendo ocorrer em um espaço de tempo e local – praticado ao longo do território por um período de tempo relevante, reconhecido através de sua origem – com consenso sobre etiologia e técnicas de intervenção, possibilitando formas de combatê-lo. Não tem relação com a lei penal propriamente dita, devendo apenas preencher os requisitos elencados acima para ser de interesse da ciência empírica.
O conceito de crime também passou por uma evolução dentro da sociedade. Se nos primórdios, o crime era visto como um “tabu” que merecia uma punição para que a harmonia social fosse reestabelecida, pois ofendia os deuses.
Uma outra fase do conceito de crime, vem da relação das tribos, que apesar de ainda aplicarem a ideia de crime como um tabu, buscava uma forma de retribuição pelo mal causado. Exemplo dessa fase é a “lei de talião”, que punia com base no brocardo “olho por olho, dente por dente”, ou seja, se o ladrão roubasse algo, sua mão seria cortada. Assim, ele poderia ser identificado na sociedade pela sua conduta, além de ainda receber uma punição pelo mal que causou.
Com a evolução da sociedade, a questão da Igreja começou a ser afastada da noção de Estado, o que trouxe grandes reflexos para o conceito de crime, que passou a deixar de ser visto como violação da lei divina, para ser visto como uma ofensa ao contrato social. Julgamentos começaram a ser públicos, as pessoas passavam a ser punidas em meio à praça pública, como se fosse um verdadeiro evento.
Atualmente, o conceito de crime é dado pelo próprio Código Penal e pela Doutrina. Pela Doutrina, crime é todo fato típico, ilícito e praticado por agente dotado de culpabilidade. Pelo código penal, crime é a infração penal a que a lei comina uma pena de reclusão ou detenção, quer isolada, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa. Porém, para a criminologia, o conceito de crime é mais abrangente, sendo definido como um problema social e comunitário.13
2.1.3.2. O delinquente
O conceito de criminoso varia conforme a interpretação ou seguimento da criminologia. Para os Clássicos, o delinquente é um ser livre, capaz, que opta pelo bem ou mal, justo ou injusto, sopesando possibilidades, acredita no livre arbítrio do indivíduo. Na vertente Positivista, já na fase científica, o criminoso é tido como um indivíduo portador de uma patologia, um ser atávico, primitivo, mas, como já destacado, seguindo a evolução da própria escola positivista, também um ser influenciado por fatores sociais.
Uma corrente importante, porém ainda não mencionada, é a Marxista. Essa escola deu ensejo a uma das teorias do conflito, qual sera, a teoria crítica. Aqui, imprescindível mencionar que o delinquente figura como uma vítima da estrutura econômica, é tido como inocente, como corrompido pela sociedade capitalista em que vive.
Durante anos buscou-se uma definição perfeita dos criminosos, contudo, Enrico Ferri foi um dos primeiros a tentar classificar os delinquentes, colocando-os nas categorias de natos, habituais, loucos, ocasionais e passionais.
Importante salientar que para criminologia moderna, o estudo do delinquente passa a ficar em segundo plano, analisado como uma unidade biopsicossocial, que tem interação com o meio, mas, sem o caráter individual, pois, os estudiosos modernos se voltam para questões sociais gerais, visando uma evolução da política criminal.
2.1.3.3. Controle Social
Controle social é o conjunto de instituições e sanções da sociedade para submeter os indivíduos às normas de convivência em comunidade.14 Basicamente, é a interação do indivíduo versus a sociedade, explicando o fenômeno criminal. O controle social divide-se em controle social formal e controle informal. Em breve síntese, pois esse tema será desenvolvido mais para frente, o controle formal caberá às instâncias de controle do Estado e o controle informal será atribuído a própria sociedade.
É sabido que a forma como o indivíduo vive em sociedade influencia direta e indiretamente em seu comportamento. A própria criminologia já explicou isso através dos estudos das escolas macrossociológicas, como, por exemplo, a teoria da associação diferencial15, que faz parte do segmento de teorias do consenso. De toda forma, o processo de socialização, de convivência e de interação do indivíduo com o crime ou com o criminoso levam a uma maior relativização da noção de certo ou errado, bem ou mal, justo ou injusto.
De toda forma, após a devida análise do crime, do criminoso e da vítima, quando a Criminologia volta seus estudos para o controle social, está buscando uma forma de controlar a criminalidade, seja pela atuação estatal, seja pela ação social.
2.1.3.4. A vítima
O último dos objetos, mas, não menos importante, a vítima deve ser analisada no contexto do crime, não apenas como o indivíduo que sofre as consequências direta do crime, e sim, como aquele que também é atingido indiretamente pelo crime. De forma geral, a sociedade é vítima, pois a sensação de insegurança, de medo, de se sentir o próximo alvo, a assola como um todo.
O estudo da vítima ganhou atenção tão especial que se tornou uma disciplina dentro do estudo criminológico, chamado de Vitimologia. Não é apenas a vítima propriamente dita, enquanto sujeito passivo do crime, mas sim, o seu comportamento, a sua participação, a vulnerabilidade diante do crime que passaram a ser estudados com o avanço histórico da criminologia.
O conceito de “vítima” para a criminologia e para o Direito Penal são distintos. Para o primeiro, como já fora mencionado, o conceito é amplo, compreendendo todo o corpo social, atingido por todo e qualquer crime, e não somente contra quemo agente faz recair a conduta. Na realidade, a vítima é aquela que pode sofrer as consequências inclusive dos próprios atos, sofrendo com a ação de outrem ou do acaso. Para o segundo, vítima é o sujeito passivo do crime, aquele que diretamente sofre com a ação/omissão do sujeito ativo, podendo, inclusive, haver um crime sem vítimas. 16
Assim como o estudo do criminoso, o estudo da vítima, ou da vitimologia, também passou por fases. A primeira fase trazia a vítima como protagonista, chamada de idade do ouro, onde a justiça privada era extremamente potente, com a lei de talião. A segunda fase, chamada de neutralização, é a denominação dada para a fase onde o poder público intervem nas relações. Nessa fase a pena torna-se uma garantia da ordem coletiva, a vítima passa a ser um personagem secundário. Na terceira e última fase, após a segunda grande guerra, há um redescobrimento da vítima, que volta a ter importância na relação jurídico penal, sob enfoque mais humano, respeitando a integridade e o ressarcimento do dano.
O grau de classificação da vítima varia de acordo com os efeitos do crime. Inicialmente, temos a vitimização primária, relacionada ao indivíduo atingido diretamente pela conduta, posteriormente, têm-se a vitimização secundária, agindo como consequência do crime perante a vítima que vai notificar a polícia e não consegue, diante da omissão, ou que, passou por um processo de heterovitimização, recontando a história várias vezes para diferentes instâncias de controle, para poder conseguir efetivar um direito de queixa que é seu. Ademais, na terceira e última categoria, chamada de vitimização terciária, há um excesso de sofrimento pois os efeitos do crime ultrapassam os limites, resultando em um abandono da vítima pela sociedade, pelo estado, incentivando a cifra negra.17
Para fins didáticos, as vítimas se classificam em três grandes grupos: em primeiro plano, as vítimas inocentes, ou seja, as que não tem nenhum grau de culpa no crime ocorrido, em segundo, as vítimas culpadas, que induzem, provocam, colaboram com o agente delituoso, e o terceiro grupo, as vítimas alternativas, que vezes se comportam como vítimas e vezes como delinquente18
No ordenamento jurídico brasileiro, alguns exemplos de normas que protegem as vítimas, dando protagonismo, são as leis 9.099/95, que estimula a justiça consensual, a Lei 9807/99, com mecanismos de proteção a vítimas e testemunhas e a Lei 11.719/08 que obriga o juiz a fixar valor mínimo de reparação dos danos causados pela infração penal.19
2.1.4. Teorias macrossociológicas da criminalidade
Diante dos conceitos já apresentados e da evolução histórica dos estudos criminológicos, mais uma vez a criminologia se viu diante de novo viés, o sociológico. Estudiosos passaram a a pontar teorias sociológicas da criminalidade, com importante visão sobre composição da sociedade, que foi dividida em duas vertentes: a do consenso e a do conflito.
As teorias do consenso, possuem um cunho funcionalista, de integração, pregam que o fim social é atingido quando existe uma perfeita harmonia e um perfeito funcionamento das instituições, onde os indivíduos possuem objetivos comuns, aceitam regras vigentes e impostas de forma geral, compartilhando de regras sociais dominantes.20
Já para as teorias do conflito, deve haver força e coerção, sujeição de uns e dominação de outros. É a divisão da classe social em burguesia e operários que gera esse tipo de conflito, pois é a junção do poder e da riqueza que determina quem vai explorar quem, quem será o dominante e quem será o dominado. Há quem considere que dentro de uma sociedade o conflito é normal, contínuo dos relacionamentos, sendo também um aprimoramento das relações, pois sem o conflito de classes, não haveria uma política progressista e evolutiva da sociedade.
Partindo destas duas premissas, é necessário adentrar nos conceitos e caminhos trazidos por essas duas grandes correntes e, assim, entender melhor o funcionamento social, o aspecto do criminoso, o comportamento das vítimas diretas e indiretas e posteriormente relacionar seus conceitos ao propósito deste trabalho, percorrendo os estudos da segurança pública.
2.1.4.1. Teorias do Consenso
Neste item serão abordadas algumas das teorias do consenso, dentre elas a Escola de Chicago, Lei e ordem, tolerância zero, teoria da anomia e, por fim, a teoria da associação diferencial. Essas teorias aparecem em uma sociedade onde há concordância das regras de convívio, com harmonia das instituições, objetivos comuns e aceite de normas vigentes. Mas, aquele que comete o desvio, receberá uma punição pelo mal causado, pois este, é de sua inteira e única responsabilidade, por ferir o pacto social.
2.1.4.2. Escola de Chicago
O marco importante do nascimento desta Escola, foi o fato de mudar o paradigma de estudo das teorias. A Escola de Chicago passava a analisar a sociedade como um todo e como a disposição dos elementos sociais influenciavam no números de delitos. Os principais nomes dessa escola são Robert Park, Ernest Burgess. Clifford Shaw e Henry McKay.
O princípio norteador desta Escola era a análise de melhorias sociais, através de programas e investimentos nas questões urbanas. Na época, a Cidade de Chicago passava por uma explosão demográfica, com alto índice de imigração, o que aumentou significativamente os números da criminalidade. Diante da investigação científica e de implantação de programas sociais, estudiosos passaram a constatar que a gênese delitiva está relacionada diretamente com o conglomerado urbano.21
Por estudar com ênfase a disposição urbana das cidades e a expansão demográfica ocorrida, os sociólogos passaram a trabalhar com uma teoria de base, que ficou conhecida como Teoria Ecológica Criminal ou Teoria da Desorganização social. Segundo os ditames desses estudos teóricos, a conclusão que se chegou foi que as zonas onde mais aconteciam os crimes eram as mais distantes do centro. Em outras palavras, “a concentração de criminosos ia diminuindo conforme as áreas residenciais se distanciavam do centro”22. Isso acontece devido a grande desorganização dos grandes centros, com a consequente ausência do controle social formal e informal.
Importante salientar que diante de todos os estudos, acreditava-se que programas sociais e de integração de cidadãos poderiam diminuir a taxa de criminalidade. Acreditando em seus estudos, Clifford Shaw criou o projeto Chicago Area Project, implementando programas esportivos e recreativos, explorando o problema social, incluindo os indivíduos que foram segregados pela disposição urbana da cidade. Até hoje, apesar de os estudos não terem sido concluídos, projetos semelhantes são realizados mundo a fora, inclusive no Brasil.
2.1.4.3. Tolerância zero (lei e ordem) e janelas quebradas
Por breve, é preciso assinalar que as três teorias estão interligadas. A Teoria das Janelas quebras é a base para as outras duas. Surge em 1982, apresentada por James Wilson e George Kelling, com o ideal de repressão total a todo e qualquer tipo de conduta que leve ao cometimento de crimes, pois, segundo seus estudiosos, é preciso reprimir qualquer tipo de delitos menores para tolher os delitos mais graves.
Assim, a Teoria das Janelas quebradas deu margem para uma Política de Tolerância Zero (também denominada de Lei e ordem, realismo de direita ou neorretribucionismo), implementada em Nova Iorque em 1993, pela polícia novaiorquina, a mando do Prefeito Rudolph Giuliani. Aos adeptos, não bastava apenas inibir o crime, era preciso investir para que o crime não acontecesse e, assim foi feito. A polícia da cidade recebeu uma maior verba, investindo em monitoramento, policiamento ostensivo, câmeras na cidade etc.
O que ficou claro nesta teoria, foi que o fator determinante do crime não está ligado à classe social do criminoso e sim a ocupação do Estado no seio social. Concluiu-se que se não há um responsável pelo bem ou pelo local, há uma sensação de abandono, e que ninguém se importará com os fatos ali ocorridos. Por isso, tão importante que o Estado se mantenha presente, atento e vigilante.23
Ocorre que à época, a sociedade – e também a polícia- não estava preparada para esse tipo de ação incisiva no enfrentamento do crime. O que na verdade aconteceu foi um aumento significativo da violência policial, que tinha seus alvos prediletos, ou seja, pessoas negras e as minorias sociais acabaram vítimas do próprio sistema de proteção, pois houve uma detenção em massa, corriqueiramente abusiva, preferencialmente em bairros pobres e uma consequente desconfiança nos serviços policiais.
Insta salientar que no Brasil não se encontra nenhum resguardo a esta teoria no ordenamento jurídico, já que os Tribunais Superiores e a doutrina adotam o princípio da insignificância penal ou da criminalidade de bagatela24, preceito este que torna a conduta materialmente atípica diante da sua mínima ofensividade e lesão.
2.1.4.4. Anomia
Prima facie, insta salientar que para os seguidores desta teoria o delito é algo normal dentro do corpo social, desde que seja controlado, pois, apenas com o desvio é que poderá haver uma evolução social. O que não poderá acontecer é o comportamento desviante ultrapassando os limites da normalidade, promovendo uma desorganização social, abalando o sistema.25
Desenvolvida por Durkheim e posteriormente ajustada por Robert Merton, o principal intento foi demonstrar que a própria estrutura social, as metas e os meios, exercem pressão sobre os indivíduos, de forma que se torna impossível seguir as normas impostas de convivência social e consequentemente atingir seus fins, sem desviar do caminho traçado26. É esse desvio que leva ao crime, ou seja, a procura de meios mais fáceis para se chegar nas metas estabelecidas.
Com as devidas adaptações, Robert Merton traçou os caminhos dos padrões de comportamento do indivíduo, desde uma postura de conformidade (aceitando os meios e as metas, não apresentando comportamento desviante), ate a uma postura de inovação, onde se aceita as metas, mas buscam-se outros meios – não necessariamente lícitos, para atingir os fins, ou, uma postura de rebelião, não aceitando nem as metas e nem os meios, assumindo uma postura revolucionária no corpo social. Resta claro que o efetivo desvio acontece com os sujeitos que assumem uma postura de inovação.
2.1.4.6. Associação diferencial
O seu expoente foi Edwin Sutherland, que tratou aprendizado da delinquência (também pode ser assim denominada) diante da convivência de um indivíduo com outro ou com determinado grupo social. Para Sutherland, um comportamento delituoso, assim como o bom comportamento, é suscetível de aprendizado.
Por óbvio, não se pode dizer que apenas pelo simples fato de uma pessoa viver em ambiente hostil, ela irá automaticamente assumir o papel de criminoso. Não é isso. Existirá um processo de comunicação, adaptação, com uma atitude do sujeito, que quer aprender o crime. Irá existir o contato direto, com processos de aprendizagem, justificativas, onde o indivíduo torna-se criminoso a partir do efetivo aprendizado e convivência.27
Posteriormente esta teoria serviria para explicar os Crimes de Colarinho Branco (expressão criada pelo próprio Sutherland), cometidos por pessoas com alto poder econômico, que aparentemente não precisariam do dinheiro/objeto arrecadado com o crime, mas que o cometem pelo próprio aprendizado e pela busca incansável de poder.
2.1.4.7. Teorias do conflito
Possuem cunho revolucionário, partindo da ideia de que a sociedade é dividida em grupos que não comungam dos mesmos interesses e, por essa razão, o conflito é tratado como algo natural dentro da própria estrutura social. Inclusive, é tido como um fato desejado, pois é através dele que a sociedade tem a chance de alcançar o progresso, desde que se mantenha dentro de uma zona de controle. As teorias mais importantes são as Teorias do Etiquetamento (ou Labelling Approach) e a Teoria Crítica.
2.1.4.8. Labelling Approach
Também chamada de Teoria da Rotulação, etiquetamento ou reação social. Surgiu nos EUA, e assim como a teoria da Anomia, igualmente foi inspirada em Durkheim, porém, produzida por Howard Becker.
Segundo essa teoria, a criminalidade advém do próprio controle social, que estigmatiza, rotula e grava no homem o papel de desviado, a partir do momento que comete determinado crime. Esse rótulo de criminoso dificulta a reinserção na sociedade, pois o indivíduo passa a acreditar no papel que lhe foi atribuído, gerando receio, rejeição e exclusão social.
O centro desta teoria é demonstrar que a partir da primeira conduta criminosa, o agente passa a personificar a figura que a sociedade o atribui, seja de bandido, ladrão, assassino, estuprador, e que essa percepção sobre si mesmo afeta o comportamento perante a sociedade, além de gerar descrença numa possível ressocialização.
É perceptível que com o surgimento da Teoria da Rotulação a atenção passou para o sistema penal em si, desde o momento da produção da norma até o cumprimento da pena e ressocialização do indivíduo, contextualizando o comportamento social de rotulação e estigmatização.28
Que fique claro que não é apenas a população em geral, pessoas leigas, que causam esse rótulo no criminoso. As instâncias de controle, ou seja, a polícia, o ministério público, o judiciário, os executores das penas, todos, estigmatizam o ser humano de acordo, muitas vezes, pela a cor da pele, pela classe social a que pertencem, pelas roupas que vestem. Não raro encontramos situações esdrúxulas de pessoas condenadas por estarem “na hora errada, em local errado”, sem nenhuma investigação baseada em princípios da legalidade, da isonomia, da proporcionalidade, apenas por serem quem são.
2.1.4.9. Teoria Crítica
Recebe igualmente o nome de Teoria radical, possui base no marxismo e tem como expoentes Ian Taylor, Paul Walton ,Jock Young e Alessandro Baratta.
A base principal é a observação do comportamento das classes menos abastadas economicamente, com análise de todo um contexto histórico, tratando o criminoso como um ser normal, comum. Segundo seus princípios teóricos, o crime está diretamente ligado a uma estrutura política e econômica29, e o indivíduo que comete o crime, não está apenas praticando um fato não tolerado, mas sim, afrontando o interesse de uma classe dominante.
Partindo da ideia de que a divisão de classes do sistema capitalista gera desigualdade e violência, o que esta teoria propõe é uma melhor estabilidade das instituições de controle e da norma, com o fim de conter conflitos entre a classe dominante e dominada.30 O governo deve buscar uma melhor condição de vida das pessoas, reduzindo a desigualdade social, além de demonstrar interesse na punição dos crimes cometidos pela alta cúpula social, pois, apenas assim, poderia ocorrer um senso de segurança jurídica da norma e da diminuição da luta de classes.
2.1.5. Instâncias formais e informais de controle
Como já fora mencionado anteriormente, o controle social é um dos objetos da criminologia, porém, em momento anterior foram realizados breves apontamentos, que serão desenvolvidos melhor neste tópico.
Conforme a explicação dada, o controle social divide-se em controle formal e informal, sendo o primeiro realizado pelo Estado e o segundo pela sociedade. Discorreu-se até aí.
Pois bem, o controle formal é formado pelos órgãos do Estado e dividido em três instâncias de controle, sendo a primeira instância o controle a polícia judiciária, responsável pelas investigações, a segunda instância cabe ao Ministério Público, como órgão de acusação e a terceira instância, cabe ao judiciário, dedicado ao julgamento do indivíduo.
Já o controle informal, ele não se divide em nenhuma sessão, é formado diretamente pela família, pela escola, opinião pública, igrejas, amigos, associações. Ao nascer o indivíduo já entra em contato direto e permanente com esse tipo de controle e isso se estende por toda vida, o que nos leva a crer que o controle informal é o principal meio de socialização, sendo o controle formal uma espécie de controle subsidiário, que só vai entrar em ação quando o informal for incapaz de controlar o sujeito que cometeu um crime.
O controle formal é uma barreira ao cometimento de crimes, já que as sanções morais e informais, assim como o fator referencial (a referência de bússola moral que o indivíduo possui), possuem mais eficácia na prevenção dos delitos do que uma sanção penal, pois a internalização das normas e valores sociais do meio estreita os laços com a sociedade, dando uma sensação de pertencimento.
Um debate que permanece aceso na sociedade é sobre como o controle formal pode se mostrar presente. Por óbvio, mais policiamento nas ruas, celeridade processual no julgamento e condenações justas são uma forma de impor controle e mostrar que o sistema funciona. Porém, seria a construção de presídios também uma solução viável? É certo que quanto mais presídio, não significa que mais pessoas serão presas. Hoje, o Brasil é um dos países que mais prende no mundo. Um levantamento do G1 ressalta que o país tem 322 pessoas presas a cada 100 mil habitantes, o que dá ao Brasil o número 26 na posição de um ranking de aprisionamento com outros 222 países e territórios. E pior, se for considerar um número absoluto, o país está em 3º posição, apenas atrás da China e dos EUA.31
Diante desses dados, respondendo o questionamento feito outrora, construir mais presídios não terá nenhuma relação com a demonstração do controle formal, que é relativo, o que precisa é estreitar a relação do controle formal e informal, estudar com afinco o poder punitivo estatal e como ele tem funcionado e se a forma de punição tem sido efetiva, tanto do ponto de vista de coerção social para não cometer crimes, quanto do ponto de vista da ressocialização.32
Uma outra vertente de controle, originada da teoria crítica, recebe o nome de controle alternativo, estudado como forma de reação popular ao sistema penal vigente , com intuito de combater injustiças e disparidades. É um processo através do qual os membros da sociedade organizam defesas públicas eficazes, fazendo frente a negatividade social e à violência exercida pelas minorias que detém o poder.33 Dessa forma, o controle alternativo deve buscar uma estratégia global, encarando o fenômeno violência numa ótica bastante ampla, através da igualdade e da legalidade entre todos que pertencem a uma população, independentemente de possuir poder ou não, com regras gerais que servirão de garantia contra arbitrariedades, de forma concreta, se dirigindo às causas da violência, de forma ativa e imediata, funcionando como princípio geral de prevenção.34
A partir desses sistemas de instâncias de controle, passam a existir diversas teorias sobre o tema, dentre elas o conjunto de Teorias do Controle Social Informal, que visam explicar o comportamento criminoso considerando as regras sociais. Esse conjunto de teorias dá destaque às duas principais: a primeira, a teoria da Contenção, idealizada por Reckless, e a segunda, a da Neutralização, desenvolvida por Matza e Gresham Sykes.
Segundo a concepção da contenção, existe um controle interno, relacionado a autoestima, capacidade de autocontrole e a visão de si mesmo, e há um controle externo, onde está inserido o controle informal social (escolas, família, trabalho etc), com convenções e expectativas colocadas sob determinada pessoa, assim como, um juízo negativo pelo julgamento social. São esses dois pilares que irão conter eventual desvio, ou seja, se houver falha nesse sistema de controle, ocorrerá o crime.
Já no que tange a teoria da neutralização, que trata sobre delinquência juvenil, quando uma pessoa, ainda não social e mentalmente desenvolvida, entra em contato com crime, por ainda não possuir o propósito firme da não delinquência, o sujeito sucumbe. É como se houvesse um limbo, onde o jovem fica à deriva, entre o certo e errado e em algum momento ele deve tomar a decisão.35
Por causa dessa postura de tomada de decisão, estudam-se técnicas de neutralização, para que o sujeito não tenha como justificar a sua empreitada criminosa, através de argumentos que possam tornar sua ação mais justificável.
Por fim, ressaltasse que o sistema de justiça criminal não é apenas formado pelas instituições oficiais, pois o controle informal também faz parte dele, através de uma integração e participação do controle, seja como operadores do direito, seja como expressão de opinião pública sobre determinado fato ou alguém. O atual sistema é um articulado e dinâmico processo de integração entre a atuação do estado/justiça e a sociedade, e apesar de serem divididos em controle formal e informal, juntos, eles formam um único sistema institucionalizado36
2.1.6. Processos de Criminalização e prevenção criminal
Insta destacar que processo de criminalização é o nome dado as atividades desempenhadas pelo Estado, para conduzir a uma efetiva sanção e uma correta aplicação da lei penal e processual penal. Se divide em dois grupos: a criminalização primária, direcionada para atividade legislativa, consistente na publicação e sancionamento das leis penais, que abstratamente incrimina certas condutas, como um ato formal, fundamentado e programático, que deve ser cumprido por todas as outras instâncias de controle, e a criminalização secundária, que é a efetiva aplicação da lei no caso concreto, direcionada a uma pessoa determinada em razão da conduta ser espelho da norma abstrata37.
O que muito se é discutido é a efetiva aplicação da criminalização secundária e o reflexo da atuação de acordo com a situação do sistema carcerário do Brasil. É certo que a criminalização secundária é seletiva e vulnerável. Seletiva, porque há tendências do poder punitivo do Estado ser exercido sobre pessoas estigmatizadas e determinadas, e isso se comprova pelo simples fato de grande parte da população carcerária do Brasil ser compostas de pessoas negras e pobres. Vulnerável, pela fragilidade do sistema, que nasce com um objetivo de ressocialização, mas, no fundo, não consegue atingir suas metas, já que hoje, o índice de reincidência ainda se encontra bastante elevado.
No atual cenário criminológico, de estigmatização, vulnerabilidade e endurecimento das normas de emergência, além do ideal do Estado Democrático de Direito busca-se muito mais prevenir o crime, do que sancionar condutas. Prevenção delitiva é o conjunto de ações que visam evitar, direta ou indiretamente, a ocorrência do delito.38 O maior marco desta fase é a busca da ressocialização, reparação do dano e repressão ao crime, através de programas de assistência social, prevalência dos direitos humanos e das garantias fundamentais, busca pela igualdade e pela justiça.
As medidas de prevenção podem ser diretas ou indiretas. As medidas diretas são direcionadas para o delito, agindo diretamente sobre o crime, são as penas, o sistema prisional, o processo penal. Já as medidas indiretas, atuam de maneira mediata, profilática, direcionada para as causas do crime, atingindo os grupos de minorias, proteção de direitos, busca de melhor condição de vida.
Quanto às medidas indiretas direcionadas para o próprio indivíduo, elas devem levar em consideração o aspecto pessoal, ou seja, caráter, temperamento, personalidade. Já as medidas indiretas que visam o meio social, devem ser direcionadas para políticas econômicas, melhoria da qualidade de vida, ampliando o máximo possível seu direcionamento para atingir o maior número de pessoas possíveis39
A respeito das medidas diretas, a resposta é dada pelo aparelhamento Estatal, com grande destaque para polícia ostensiva, nos setores de vigilância e manutenção da ordem e atuação do poder judiciário e da polícia judiciária para atuar diretamente sob o crime.
Baseado nesses ideais prevencionistas, cria-se princípios que se tornam os guias para os modelos de prevenção, dentre esses princípios temos: o existencialismo absoluto da relação de causa-efeito (nada existe sem uma causa), a prevenção é a única responsável pela neutralização das causas e a solução para o problema criminal está na transformação do mau caráter em bom caráter.40
2.1.6.1. Modelos de prevenção
Insta salientar que existem três mecanismos de prevenção.
A primeira delas, a prevenção primária, visa neutralizar as causas do crime e ocorre por meio da conscientização social como um todo, através de investimentos em saúde, educação, emprego, de forma que a população resolva seus conflitos sem precisar da atuação do estado, sem uso de força ou violência. É medida direcionada à população geral, relacionada diretamente com questões sociais, qualidade de vida, dignidade, cumprindo aquilo que a Constituição da República Federativa do Brasil reconhece como princípio fundamental da dignidade humana.
Quando se fala em prevenção primária, fala-se em mecanismo de médio e de longo prazo, com algumas limitações práticas diante de situações que exigem um certo imediatismo. Lida-se com a eficiência do Estado na prestação dos serviços públicos, políticas públicas e de governo, ações pontuais, como atendimento de qualidade aos necessitados, educação, saúde, implantação de meios para construção de valores morais e éticos, de forma universal e progressiva, com foco em neutralizar o crime antes que ele se manifeste.
Na segunda vertente da prevenção, a prevenção secundária, os mecanismos de controle são voltados para determinados setores da sociedade que possuem maior chance de se envolver com a criminalidade ou que representam mais probabilidade de serem sujeitos passivos do delito41. É voltada para ações policiais e políticas públicas, atuando em momento posterior ao crime ou na iminência do seu acontecimento. São medidas de médio prazo, como por exemplo, o aumento do efetivo de policiais, aumentando a vigilância e mostrando um Estado presente, evitando, assim, a presença de criminosos – ou possíveis criminosos - naquele local.
Retratando o último mecanismo de prevenção, a prevenção terciária, percebe-se a presença de políticas públicas voltada ao grupo que já está encarcerado. O objetivo principal aqui é tentar ressocializar aqueles que já foram condenados, que receberam uma aflição punitiva do Estado, de forma a evitar a reincidência. É verificada após a prática do crime, dirigida de forma individual ao sujeito criminoso, como medida de curto e médio prazo, através de trabalho do preso, medidas socioeducativas, serviços comunitários, saídas da prisão, cursos profissionalizantes.
2.1.7. Teorias de aplicação da pena
Por muito tempo a pena tenha uma relação direta com o desconhecimento dos fenômenos naturais e das leis da natureza, o que fez com que as pessoas acreditassem que a punição aplicada serviria para aplacar a ira dos deuses. Eram penas sem nenhuma coerência com a justiça e sem proporcionalidade entre a conduta e a sanção aplicada.42
Foram fases de desenvolvimentos, passando por uma vingança privada, permitindo que a própria vítima do crime, ou seus familiares, fizessem justiça com as próprias mãos, até que o Estado se tornasse uma nação soberana com governantes, leis e penas previamente estabelecidas, assumindo para si, o direito de punir, afastando a ideia de vingança privada.
A partir daí, surgem teorias de aplicação da pena, pois em diversos momentos históricos a interpretação do governante sobre a determinação da sanção imposta variava de acordo com o sistema político vigente. Na idade moderna, o poder dos soberanos era absolutista, e para reafirmar a sua autoridade, utilizavam penas de execução em praça pública. Na idade contemporânea, foram criadas várias possibilidades de penas, sem a intenção de vingança ou manutenção do poder43, mas seguindo as finalidades estabelecidas no próprio Código Penal, em seu art. 59.44
A primeira teoria que apareceu foi a Teoria Absoluta, também chamada de retributiva,que determinava a aplicação da pena através de uma retribuição pelo mal causado. Os teóricos são conscientes que a pena é um mal, porém, um mal necessário, como sinal de retribuição pelo crime/mal cometido pelo infrator. Essa linha de pensamento leva a sociedade a pensar na sanção penal de forma mais severa, clamando pela criminalização de novas condutas, punições mais fortes e céleres, muitas vezes, gerando um discurso de eliminação do agressor. 45
Já a segunda teoria, chamada de Teoria Relativa, ou preventiva, foca em evitar o crime, trabalhando na ideia de prevenção. Nesse caso, trabalha-se com a ideia de que a pena se impõe para que o sujeito não volte a delinquir, ou seja, a pena deixa de ser uma justificativa do mal causado, para se tornar um meio de evitar o cometimento dos crimes.46
Seguindo a linha preventiva, para essa teoria, deve-se dividir o direcionamento da prevenção em duas formas: Prevenção geral e prevenção especial. A primeira, é focada na demonstração de que não se deve praticar crimes, é uma resposta à sociedade. A segunda, focada diretamente no criminoso, mostrando que o crime não compensa.
Ambas se subdividem em prevenção negativa e positiva. Ao tratar da prevenção geral positiva, busca-se a educação da sociedade, demonstrando a existência das normas e a sua aplicabilidade. No que tanque a prevenção geral negativa, refere-se a intimidação, para persuadir a população de que se praticar um crime, lhe será atribuída uma sanção. Já a respeito da prevenção especial positiva, ela busca a ressocialização, direcionada para os encarcerados, como forma de incentivo para que eles busquem viver em sociedade seguindo a moral e a ética. Na visão especial negativa, a ideia é intimidação, para evitar a reincidência, não permitindo que o condenado volte a praticar outros crimes.
Importante salientar que o art. 59. do Código penal, já aqui mencionado, adota uma teoria mista, dispondo que a pena será estabelecida por um juiz de forma que seja suficiente e necessária para reprovação e prevenção do crime47. Assim como, a Lei de Execuções Penais também prevê diversas maneiras de prevenção do crime e de reinserção do condenado na sociedade, propondo acompanhamento de assistência social, projetos de readaptação e uma volta gradativa de convivência, com o plano de progressão de regimes.
No mais, resta claro que com a evolução da teoria da pena, não há mais espaço para penas desumanas, degradantes, mas é certo que elas devem cumprir o seu propósito, com a segregação do condenado, sua responsabilidade pela reparação do dano, e como forma de demonstrar o poder do Estado para manter a ordem social.
2.1.8. Modelos de reação ao crime
Os modelos de reação ao crime ou modelos de justiça criminal são respostas que seguem os estudos da Teoria da reação social do delito. Segundo esta teoria, quando ocorre uma ação criminosa, há uma reação do Estado, contraposta ao crime, porém, proporcional à empreitada criminosa. Nesse sentido, surgem três modelos de reação ao crime: o dissuasório, o ressocializador e o integrador.
O primeiro modelo que será analisado será o dissuasório, também chamado de clássico ou retributivo, foca na punição do crime para demonstrar que o crime não compensa, que existe uma resposta estatal suficiente para punir e prevenir o crime. Esse modelo é utilizado na justiça retributiva. O protagonista deste modelo são o Estado e o criminoso, não sendo direcionado para vítima e nem para a sociedade.48
No modelo ressocializador, o objetivo é recuperar o delinquente, pois a pena tem uma finalidade de ressocialização. É utilizado na justiça retributiva e na justiça consensual. É de índole humanista, intervindo diretamente na vida do condenado e necessita da participação social de forma efetiva, aceitando e tirando o rótulo do criminoso à medida que ele volta ao convívio social.
Já no modelo Integrador, ou restaurador, que também recebe o nome de Justiça restaurativa, busca-se o status quo ante dos protagonistas do conflito.49 Ou seja, visa recuperar o delinquente, mostrar que o controle social está mantido e ainda proporcionar a restauração do dano à vítima. São os modelos de conciliação, que compreendem o crime como fenômeno interpessoal, defendendo meios alternativos, sem formalismo.
2.1.9. Função da criminologia e suas metas
Diante de todos os fatos aqui explanados, resta apenas definir precipuamente a função e as metas dos estudos criminológicos, para finalmente adentrar no campo da discussão entre dados da criminologia e a segurança pública.
A criminologia compreende o problema criminal com o intuito de prevenir o delito, além de explicá-lo cientificamente desde sua origem até as suas principais características e de colaborar com a coletividade e com o poder público.50
Estudar a criminologia, conhecer seus métodos e suas bases apura a visão crítica, científica e social de quem pretende avaliar a delinquência,51 além de fornecer respostas minuciosas sobre problemas criminais presentes no corpo social. E é exatamente disso que os órgãos de segurança pública precisam. Explico: de nada adiantaria colocar um grupo policial em determinada região que não conhece o tipo de crime que é cometido naquele local, que não entende um padrão que vem acontecendo, pois em nada seria efetivo, seria apenas a presença ínfima do Estado em um local sem nenhum tipo de conhecimento. Agora, quão mais efetivo seria, se a própria polícia tivesse conhecimento da forma de atuação de determinada área, onde, em que rua, qual frequência de horário esses crimes acontecem, quais as condições favoráveis para o cometimento daquele ou de outro delito? Não seria apenas a presença do corpo policial, e sim uma presença efetiva, que antecipa o crime, que faz um policiamento preventivo e ostensivo, e, com certeza, mais efetivo. Esse é o início da relação entre as três ciências do crime.
Quanto às metas, a doutrina estabelece que serão três principais: a primeira, visa esclarecer o abalo da pena sob o criminoso, tanto em relação a sua reinserção na sociedade quanto na restrição da liberdade; a segunda meta é pela busca de meios de avaliação do delinquente que vise a reintegração progressiva do criminoso no ambiente de trabalho e familiar, sem traumas; e por fim, a terceira meta, que tem a finalidade de mostrar ao corpo social que sim, o crime acontece, a sociedade contribui para seu acontecimento, a partir do momento que passa a segregar o indivíduo ou rotulá-lo como criminoso, desmerecendo seu retorno digno ao convívio social52
É certo que a sociedade cria fatores estimulantes para o cometimento dos crimes, pois o sujeito ativo encontra caminhos de realizar seus interesses, muitas vezes, saindo dos meios indicados e dos fins a serem atingidos, criando oportunidades de cometer crimes. Claro, nem todo criminoso será uma resposta ao comportamento social, existem aqueles criminosos patológicos, que possuem satisfação com o delito, mas, é cediço que a distribuição de riquezas, o enfraquecimento do poderio estatal, a ausência de uma moradia digna, a imigração, a pobreza, dentre outros, são justificativas que levariam ao crime.