3. POLÍTICA CRIMINAL E DIREITO PENAL
Muito foi discutido sobre a Criminologia até aqui, até mesmo para dar um norte da integração entre as três ciências em questão, porém, a criminologia sozinha, não dá muitas informações sobre a criminalidade, seus índices e como proteger a sociedade dos seus efeitos. Por isso, apesar de autônomas, as três ciências – criminologia, política criminal e o direito penal – são colaborativas, e uma ajuda/integra o estudo da outra.
Zaffaroni costuma definir a política criminal como “a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos), que devem ser tutelados jurídica e penalmente, e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que iniludivelmente implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos”. Ou seja, a política criminal trabalha as estratégias e os meios de controle social.
Em síntese, o criminólogo estuda o crime e fornece os dados para a política criminal, que transforma em dados para elaboração da legislação penal. A ciência do direito penal normatiza as reivindicações e o processo penal aplica o ius puniendi de acordo com o processo legal.53 Se o papel da criminologia é fornecer base para as teorias de proteção social contra violência, à política criminal cabe, através do conhecimento empírico da criminalidade, dos seus níveis e causas, deve fornecer estratégias de controle da criminalidade.
Já o Direito penal e processual penal fazem parte do lado jurídico desta relação. A ciência penalista só deve ser utilizada como ultima ratio, diante do fracasso ou da insuficiência das outras formas de controle e de outros ramos do direito, o que leva a uma estreita relação com a intervenção mínima. Ademais, o direito penal possui três aspectos: o primeiro, o aspecto formal ou etático, que são os conjuntos de normas mediante o qual o Estado qualifica comportamentos humanos como infrações penais, define os sujeitos da relação e estabelece as sanções aplicáveis, no segundo aspecto, o material, refere-se a comportamentos reprováveis e que causam dano a convivência social. Em um terceiro aspecto, o sociológico ou dinâmico, a ciência penal é um dos instrumentos do controle social utilizado pelo Estado para assegurar a convivência pacífica dos grupos sociais.54 No mais, o direito penal se ocupa da norma, como ciência normativa que é, situada no expecto do “dever ser”.
3.1. O Direito penal e suas vertentes
Como ciência normativa, no âmbito do “dever ser”, é certo que o Direito Penal se preocupa com a aplicação e criação da norma em resposta estatal a um mal causado. Porém não há uma única vertente à respeito de sua aplicação e como ela deve ser feita, em síntese, há quem defenda uma completa abolição da ciência jurídica, há quem diga que deve-se aplicar sempre e há aqueles que procuram pelo equilíbrio, aplicando apenas quando necessário. Diante desta celeuma, trataremos a seguir das três principais correntes a respeito do Direito Penal.
3.1.1. O abolicionismo penal
Surgiu no final da Segunda grande Guerra, como principal vertente da criminologia crítica, defendendo como nocivo os instrumentos de repressão à criminalidade, que deveria ser efetivamente abolido.
Para os abolicionistas a prisão e o sistema penal é anômica – alheia à valores sociais, irracional, estigmatizante, seletiva, marginalizadora e formadora de delinquentes.55 A teoria abolicionista embasa seus princípios na teoria do etiquetamento, sendo assim, a estigmatização de pessoas é destinada a uma parcela específica da população e quem sofre o etiquetamento tende procurar por outras pessoas também etiquetadas, levando a uma marginalização do grupo formado.
Para os teóricos do abolicismo, o próprio sistema penal cria o criminoso e o rotula como tal. Por essa razão, deverá haver uma supressão completa do Direito Penal e buscar outros meios para solução dos conflitos.56 Não só o sistema normativo, como também o sistema carcerário, pois este seria um mal social, um instrumento de opressão das classes menos favorecidas e que não tem o condão de diminuir o número de crimes, podendo aumentá-lo, na verdade, por ser uma via de convivência de pessoas criminosas.
No que tange ao direito brasileiro, seria inviável um sistema abolicionista, pois a própria Constituição Federal prevê mandados de criminalização para determinadas condutas, não cabendo a outros ramos do direito a defesa e tutela de bens que reclamam uma intervenção estatal mais dura.
3.1.2. Direito penal máximo
O direito penal máximo nada mais é do que o movimento da “lei e ordem” já explanado anteriormente. Relembrando, o movimento da tolerância zero propaga a ideia de que o Direito Penal seria a solução do problema criminológico e cada conduta, ainda que ínfima, deverá ser punida. É um discurso mais severo, com forte presença da normatividade do direito penal e da atuação do estado.
Aqui, o direito penal deve ser a prima ratio, ao contrário do abolicionismo, o objetivo desta teoria é que haja um papel educador e repressor, punindo qualquer conduta socialmente intolerável.57
3.1.3. Direito penal mínimo
Também chamado de direito penal do equilíbrio, defende o uso do direito penal para tutela dos bens jurídicos relevantes, indispensáveis ao convívio social. É um “mal necessário”, pois tutela as liberdades individuais, porém com grandes limitações de atuação, inclusive, limitado pela própria lei.
Pode ser dividido em duas possibilidades: a primeira, a corrente do minimalismo radical, com ideias que se assemelham ao abolicionismo e só admite a intervenção penal em situações de extrema necessidade, já a segunda corrente, chamada de minimalismo moderado, é de índole garantista, dando ao direito penal a tutela de bens jurídicos relevantes, pautada no princípio da intervenção mínima. 58
A principal base do minimalismo penal é o Garantismo Penal, encabeçado por Ferrajoli, porém, não é tecnicamente atingível, já que atribui uma intervenção mínima do direito penal, porém com as máximas garantias do direito do criminoso. Ou seja, há duas ideias difundidas pelo garantismo, a primeira é de uma proibição do excesso e a segunda, de proibição da proteção deficiente. O Supremo Tribunal Federal apelidou de “garantismo hiperbólico monocular”, pois há um forte discurso de garantia unilateral do réu, direcionado para proibições do excesso e gerando uma garantia de impunidade.
Essa é a teoria adotada pelo sistema jurídico brasileiro, voltada para um direito penal que atua somente nas situações em que outros ramos do direito não conseguem solucionar o problema e nem trazer a paz social. É o que se chama de ultima ratio do direito penal, que apenas irá intervir na tutela dos bens jurídicos mais importantes.
3.1.4. Princípio da Intervenção mínima do Direito Penal e suas vertentes
Conforme leciona a doutrina majoritária, caberá ao direito penal a preocupação com os bens mais importantes e necessários de uma vida em sociedade. O poder de punir do estado não pode ser ilimitado, não devendo intervir em situações onde outros ramos do direito conseguem chegar.
Dessa forma, encontra-se o que se denomina de princípio da intervenção mínima do direito penal, que deve intervir o mínimo possível na sociedade, somente servindo quando os outros ramos da ciência jurídica não forem capazes de proteger os bens de maior importância. Vale dizer, sempre que puder ser evitado o uso do direito criminal, assim deve ser feito. É a ultima ratio, orientando o limite do poder incriminador do estado.
O princípio da intervenção mínima, por óbvio, não é a única forma de controle de poder do Estado, devendo também ser respeitado o princípio da legalidade. Porém, ocorre que enquanto a legalidade é direcionada para limitação do arbítrio judicial, o princípio da intervenção mínima é direcionado para o legislador, que não poderá criar tipos penais injustos e nem que acarretem sanções cruéis de degradantes.
Dessa forma, o princípio da intervenção é responsável por destacar os bens mais relevantes e que merecem uma proteção mais rigorosa. Ademais, ao mesmo tempo em que sinaliza para o legislador quais bens podem ser alvo do direito penal, sinaliza, como mecanismo de política criminal, quais bens não atendem mais aos requisitos incriminadores e podem passar por um processo de descriminalização através de uma análise fática, sociológica e cultural. Foi o que ocorreu com o crime de adultério, anteriormente previsto no art. 240. do Código Penal, que foi revogado pela lei 11.105/0559
Por outro lado, sozinho, o princípio da intervenção mínima não tem efetivação. Ele possui outros dois aspectos que são fundamentais na sua função: a fragmentariedade e a subsidiariedade.
No que tange a fragmentariedade do direito penal, é retratado que essa ciência só deve se ocupar com ofensas realmente graves aos bens protegidos. Ou seja, devem ser atípicas as condutas que não ofendam minimamente a um bem jurídico protegido pelo ramo do direito. Esse princípio é a base de um outro princípio muito importante, o da insignificância. Nos casos em que a conduta for considerada insignificante, haverá a exclusão da tipicidade material do crime, logo, não haverá conduta criminosa. De acordo com o princípio da insignificância e os parâmetros estabelecidos pelo STF, deverá existir quatro condições essenciais para que ocorra a criminalidade de bagatela: mínima ofensividade da conduta, inexistência de periculosidade social do ato, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão provocada. Percebe-se que em todas as situações, que, diga-se de passagem são cumulativas, a lesão ao bem jurídico de forma mínima é a regra de maior validade neste jogo.
Em respeito ao princípio da subsidiariedade, tem-se que faz parte da natureza do direito penal atingir situações em que as lesões aos direitos legais e as infrações podem receber as devidas punições se for inevitável para o controle de uma sociedade ordenada. Construindo uma espécie de escalas, quando outros meios do direito, seja de Direito Civil ou de Direito Público, forem suficientes para repressão a determinados atos, não haverá aplicação do direito penal. A maior questão é que não há parâmetros e nem limites estabelecidos pela jurisprudência e nem pelos Tribunais Superiores para entender até que ponto o direito penal deve se manter afastado.
3.1.5. Direito Penal simbólico e expansão da criminalização indiscriminada
Nos últimos anos, o poder legislativo expandiu de forma considerável a criminalização de condutas, realizando uma criação em massa de tipos penais que não atendem de forma eficaz as exigências de proteção dos bens constitucionalmente protegidos. Com o acesso da população a mídia, as redes sociais, deu-se mais voz a sociedade, que passou a exercer uma pressão no estado, com um discurso cada vez mais punitivo e repressivo.
Desta forma, o legislativo passou a criar normas, sem uma análise de criticidade e racionalidade, não levando em consideração as circunstâncias da criação de uma lei com caráter emergencial e que não daria solução aos problemas da criminalidade.
Nesse ponto, é necessário trazer à tona novamente a questão dos Movimentos da Lei e Ordem e o Movimento abolicionista do Sistema Penal. Se de um lado, toda e qualquer conduta, por mais ínfima que seja, deverá sofrer controle e pressão pelo poder de punir do Estado, de outro, o Estado não poderia criar um direito penal (ou mantê-lo) para punir pessoas, pois é uma técnica fadada à falhas. Em meio a essa discussão, surge o Direito Penal Mínimo, regido pelo princípio da intervenção mínima e pelas vertentes do caráter fragmentário e subsidiário do direito Penal.
Para essa corrente, o Estado só deve aplicar o direito criminal quando for razoável e necessário, devendo buscar outros meios eficazes para prevenir e reprimir o ilícito, que não necessariamente resulte em prisão ou em uma reprimenda mais forte e enérgica.
Salienta-se que não é apenas a criação de novos tipos penais que chama atenção do Direito Penal de emergência. Em outros termos, se o crime já existe, mas passa por constantes modificações, como uma expansão das situações que o envolvam, aumentos no preceito secundário ou passa por uma redução de garantias, ocorre uma Neocriminalização do direito, que se também possuir essa característica de emergência e resposta imediata a população, também será considerado um direito penal de emergência.
Quanto a relação de um direito penal de emergência, é assim chamado por ter uma função simbólica ou retórica das penas, ou seja, o legislador cria o tipo penal para dar a sensação de tranquilidade, de segurança para a população, além de perpassar na intenção de promover um legislativo atento as necessidades da sociedade.
Porém, se a ideia era passar uma sensação de segurança e punibilidade para a população, esta ideia falhou. Não é preciso ir muito longe para entender que apesar de todo esforço legislativo, a população continua descontente e insegura, desacreditando das penas, da ineficácia de seu cumprimento, do poder intimidatório do estado e do próprio ordenamento.
Aqui, se propõe uma aproximação da sociedade e do criminoso, através de uma política de justiça restaurativa, integradora, proporcionando que a vítima participe da resolução do conflito e que o criminoso possa entender os motivos pelos quais está recebendo uma punição do Estado.
Outrossim, esse clamor social por penas mais severas e pela criação de crimes vem muito do poder midiático, do jornalismo sensacionalista, que retrata o crime e o criminoso como situações e pessoas que devem ser excluídas do seio social. Ademais, além da mídia, a política brasileira também é um importante ponto que merece ser levantado, pois, diante da perda de credibilidade perante a população, os políticos precisaram adotar um discurso mais energético, mais forte, dizendo exatamente o que as pessoas queriam ouvir. Diante disso, inflamam o discurso, propondo à população que em caso de assumirem o poder, irão atrás de mais punição e mais segurança (mesmo sabendo que é uma falsa segurança).
3.2. Política Criminal
A política criminal é entendida como estudo de estratégias para repressão ao crime e de todo o conjunto de procedimentos em resposta ao fenômeno criminal. Em síntese, a política criminal se preocupa em compreender e avaliar as estratégias utilizadas para o controle de situações sociais conflitivas e violentas, propondo, a partir dos estudos, novas estratégias para enfrentamento do crime.60
Assim como na criminologia, a política criminal também teve seus movimentos ideológicos, com propostas de reação ao crime. São eles: movimentos punitivistas / repressivistas e os movimentos não intervencionistas. O movimento punitivista tinha a ideia de ampliar o controle do estado, com um uso excessivo do direito penal, propondo a criminalização de novas condutas, punição mais rigorosa para os crimes, prisão como pena etc.61
Já os pertencentes a ideologia não intervencionista, sustentam a diminuição ou eliminação da punição pela via estatal, acreditando na resolução de conflitos por meios informais, seguindo a linha do direito penal mínimo ou do abolicionismo penal. De forma geral, vão propor a descriminalização de condutas, a diminuição da taxa prisional, diversificação de modelos de respostas ao conflito.62
3.2.1. Processos de criminalização
Processo por meio do qual se determina quais condutas deverão ser reconhecidas como crime e quais não devem. É um processo político. Essa ideologia de construção de condutas criminosas está ligada a corrente punitivista, com viés determinados pela teoria da Lei e ordem, estudada na criminologia. O contrário disto, seria a descriminalização, que retira o caráter de fato típico a determinada conduta criminosa.
É complexo tratar da descriminalização de condutas em uma sociedade que é induzida cada vez mais a punição do criminoso de forma proporcional (ou não) ao mal causado. Cada vez mais, utiliza-se do direito penal de emergência, dando uma falsa percepção para a população de que determinadas condutas, que agora, de forma urgente, são previstas como crime, tornam a sociedade mais segura. A opinião pública, a mídia, a falsa sensação de segurança leva governantes e legisladores a empregar uma aparente solução, produzindo mais normas punitivas, em vez de efetivamente punir.
Já no que diz respeito a penalização, ou seja, a penas de prisão ou penas mais rigorosas, no Brasil existe um meio termo. Ao mesmo tempo em que não se admite prisão perpétua e nem a pena de morte (salvo nos casos de guerra declarada), também é possível aplicar penas restritivas de direito em caráter substitutivo, além de haver previsão das medidas despenalizadoras da lei 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais, acreditando em uma resolução de conflitos cada vez mais consensual. Mas, isso não significa que houve uma descriminalização de determinada conduta, o que significa que é o ordenamento jurídico brasileiro passa por um sutil processo de despenalização.
É o que acontece com o art. 28. da lei 11.343/06 – Lei de drogas. O indivíduo que é encontrado portando substância entorpecente de forma ilícita, desde que para uso próprio, não será levado a prisão. Não será atribuída uma pena privativa de liberdade, e sim, as penas previstas no art. 28, que nada mais são do que penas educativas. Mesmo diante de uma possível reincidência neste tipo penal, o sujeito ativo não será levado à prisão, terá apenas um aumento do tempo de pena a ser cumprido, como por exemplo, frequentar cursos sobre os malefícios do uso de drogas ou reuniões de grupo que ajudem a tratar do vício. Esse é o processo de despenalização, ou seja, a conduta ainda é prevista como crime, mas não se atribui a ela uma pena privativa de liberdade, sendo atribuída uma pena mais branda.
Diante desta explanação, é certo que o processo de criminalização muito influencia na visão do direito penal atual, que passa por profundas transformações, sendo um direito penal do equilíbrio, fruto das tendências punitivistas, porém, que ainda busca meios de punir o infrator, sem necessariamente prendê-lo. Porém, apesar de haver essa tendência ao equilíbrio, é possível notar que cada vez mais há novas condutas criminosas surgindo na legislação brasileira, muito também, por causa do avanço tecnológico e pelo surgimento de novas maneiras de cometimento de crimes, além de ocorrer alterações significativas na lei penal, ocasionando um maior rigor repressivo em relação aos crimes clássicos, abrindo espaço para o direito penal de emergência.
Também é perceptível, que o avanço das políticas criminais trouxe uma expansão do direito penal, pautado pela insegurança, pelo medo, pelo processo de globalização, o que implica diretamente no aumento das penas e na inovação de métodos de investigação, como o surgimento da técnica de agentes infiltrados, privatização de segurança, interceptação telefônica, captação ambiental etc.
3.2.2. Integração entre política criminal, direito penal e estudos criminológicos
Se a criminologia estuda o crime e suas nuances, e dos seus estudos derivam dados para que a Política Criminal possa trabalhar, e esta, por sua vez, dá base para que o Direito
penal possa existir, é certo que as três ciências estão mais do que interligadas, podemos dizer que verdadeiramente trabalham em perfeita simbiose.
Essa interligação entre as ciências funciona como uma “escada de conhecimento”, pois, sem a base da criminologia, não há os próximos passos, assim como, havendo criminologia e não havendo política criminal, não há como passar para o degrau seguinte. Imagine que a criminologia é a base de uma construção, é o alicerce da obra, que será toda a estrutura de sustentação para que a obra possa acontecer. Depois, temos a Política criminal, com as paredes da construção, unindo o alicerce ao passo seguinte, que neste caso, seria o Direito penal, dando o acabamento nas paredes construídas.
Ademais, ainda podemos incluir após as reivindicações dos estudos de política criminal e sua transformação em lei, a ciência do Processo penal, aplicando o direito de punir e respeitando os direitos constitucionalmente previstos, principalmente o processo legal e também a fase de execução da pena, através de um procedimento de segregação do criminoso da convivência social, porém, com foco na ressocialização e na retribuição do crime.
Contudo, a Criminologia não é apenas a base de tudo, essa correlação é cíclica, ela não se encerra apenas com a construção do alicerce de tudo. É certo que a partir do momento que o Direito penal é elaborado e aplicado há uma resposta social a isso, e esta resposta social volta a ser objeto de estudo da criminologia. Estuda-se se houve redução dos efeitos criminogênicos, se houve redução da violência, se não houve, de que forma isso afetou o controle social e como a sociedade se comportou diante desta resposta criminosa. E ai, novamente, num novo contexto deste estudo de respostas, volta-se à política criminal, que com o conhecimento empírico da criminalidade, causas e níveis, transforma em estratégias para um novo controle da criminalidade que servirá de modelo para o direito de punir do Estado.63
3.2.3. Políticas de controle da criminalidade
Muito se discute sobre o termo criminalidade e o que ele representa. O termo encunhado pode representar tanto uma macro criminalidade e também, uma micro criminalidade. O primeiro, é a relação da criminalidade com o crime organizado, crimes onde a sociedade é o principal sujeito passivo ou que tratem de um conceito globalizado de crime. Já a micro, é também chamada de criminalidade imediata, e são os delitos comuns, ou seja, os hediondos, os de menor potencial ofensivo, as contravenções etc. Em síntese, a criminalidade é a ocorrência de condutas contrárias aos preceitos legais inibidores da violência, podendo ser uma desobediência direta ou indireta da lei penal. 64
Neste ponto, é importante também conceituar o que é “violência”, pois, para a população comum, que não lida com o saber jurídico, violência e criminalidade são sinônimos. Na verdade, a violência é a violação de um contrato humano de comportamento adequado, aceitável pelo senso comum, ou seja, têm-se violência quando há uma violação da incolumidade aceitada pela maioria, que por sua vez, é positivada no ordenamento jurídico.65
Esclarecido estes dois conceitos, deve-se ter em mente que as políticas públicas são voltadas para diminuição da criminalidade, redução da taxa de crime em si, sendo a diminuição da violência um reflexo dos resultados das políticas públicas.
Ambos são um problema social, pois afetam a todos os seguimentos da sociedade, ainda que de forma desigual. No Brasil, não há exatamente um programa de política pública definido e bem estruturado, pois ainda se discute visões teóricas de como esses dados podem ser melhorados.
De um lado, há quem acredite que políticas públicas de assistencialismo social e educação, com estabelecimento de padrões de comportamento e valores seria uma forma de evitar e prevenir a violência. E de outro, há quem acredite que apenas o endurecimento das penas, fortalecimento da repressão policial e aumento da capacidade de prender seja a solução. 66
É certo que cada setor da sociedade se comporta de uma forma. Na periferia, o acesso ao crime acaba sendo muito mais fácil, pois, diante da pobreza, do descaso, da falta de estrutura, as pessoas não veem saída e acabam aceitando qualquer trabalho que lhe seja oferecido, inclusive, o crime. Então, de fato, não basta apenas um policiamento ostensivo ou repressivo, não basta educação, precisa-se de uma estrutura familiar, social, com condição de uma vida digna, oportunidades de trabalho etc. Dessa forma, estudos demonstram que a forma mais eficaz seria um programa voltado para articulação entre o Estado e a sociedade.
Não é, necessariamente, apenas uma política de bom governo, é reconhecer e saber que determinada área precisa de mais atenção, saber que em determinado setor da população, a facilidade de “entrar para o crime” é maior e precisa de uma forte presença do Estado e do controle social informal. 67
Realmente, no Brasil, as políticas contra criminalidade são mais voltadas para um viés repressivo, preocupando-se muito mais com os fatos posteriores ao cometimento do crime, e esquecendo-se que é possível preveni-lo. Por óbvio, é importante que o Estado tenha uma polícia atuante, um judiciário forte e mais, que tenha um sistema prisional que funcione, que realmente seja voltado para a ressocialização do indivíduo, para que depois que ele sair do cárcere, seja reinserido na sociedade e não volte mais a cometer crimes. Definitivamente, isso não acontece no nosso país.
Os presídios brasileiros são a escola do crime. Em 2020, a taxa de reincidência ficava por volta de 42,5% no sistema prisional e 23,9% no que tange aos menores infratores. Esses números são de uma pesquisa divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça. Diante deste cenário, é cada vez mais evidente que somente prender o criminoso, não será o caminho para melhora na taxa de criminalidade. É preciso ter um projeto para ele, que faça parte da sua reabilitação.
Desde o início dos estudos sobre o criminoso – estudos criminológicos- já se sabe que há aqueles criminosos incorrigíveis, que o sentimento da criminalidade está encrustado na sua personalidade. Para essas pessoas também deve haver um programa de punição adequado, assim como um posterior monitoramento de suas condutas após sua liberação, já que no Brasil não se admite prisão perpétua e nem pena de morte, o que faz com que até mesmo o mais cruel dos criminosos voltem a conviver na sociedade, caso ele saia vivo do sistema prisional.
Pois bem, diante do já explanado, só resta, por hora, entender como uma política pública preventiva funcionaria, pois, a repressiva já ficou evidente que apresenta atos falhos. Políticas públicas preventivas não apenas aquelas direcionadas diretamente para a ação criminosa, também se enquadra neste conceito as políticas indiretas, como por exemplo, as medidas de assistência social, que servem para inclusão populacional, retirando pessoas da extrema miséria.
Segundo estudiosos, as políticas públicas preventivas devem ter aspectos essenciais para garantir sua eficiência, utilizando-se de diagnósticos locais, gestão participativa, circunscrição territorial, autoridade política e articulação intersetorial.68 São situações de médio e longo prazo, que consideram o problema como multidimensional, com participação integrativa entre Estado, sociedade e órgãos de controle.
Resta evidente que não adianta apenas políticas de assistência social, de educação, ou apenas políticas voltadas para repressão do crime, é preciso uma complementariedade entre elas, não cabendo apenas ao Estado como ente federativo, mas sim, a todos os entes estaduais, municipais, distritais, em conjunto com o controle social informal, apoiado em medidas diretas e indiretas de prevenção ao crime e de repressão, voltada para uma ressocialização e reinserção social.