O encontro fortuito de provas nas interceptações das comunicações telefônicas

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10/06/2024 às 17:37
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“Mas o acaso, que é um deus e um diabo ao mesmo tempo...”

(Machado de Assis)

RESUMO

A presente monografia teve por fito a realização do estudo sobre a validade dos encontros fortuitos de provas no âmbito das interceptações das comunicações telefônicas – também denominado de princípio da serendipidade – especialmente na questão da validade e licitude do encontro fortuito de 1º grau (quando há conexão entre a situação objeto da investigação) e do encontro fortuito de 2º grau (quando ausente esta conexão). A pesquisa foi do tipo exploratória e contou com seleção bibliográfica e doutrinária nacional e estrangeira, além de consulta à legislação pertinente e à jurisprudência das Cortes Superiores de nosso País. Primeiramente, com a finalidade de entender o contexto geral que gravita na questão dos encontros fortuitos, foram revistas algumas importantes considerações envolvendo a teoria geral da prova no processo penal, rememorando alguns conceitos basilares, as classificações atinentes ao assunto da prova em matéria processual penal, e exposições acerca da inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos no processo penal. Em continuidade, o foco foi direcionado para a disciplina das interceptações das comunicações telefônicas, na Lei nº 9296/96, com o escopo de compreender os requisitos constitucionais e legais para a autorização judicial da medida, haja vista que a licitude da interceptação telefônica é um pressuposto inicial para a averiguação da admissibilidade dos encontros fortuitos de provas. No último capítulo, foi abordada a questão da validade dos encontros fortuitos no âmbito das interceptações telefônicas, inclusive demonstrando a omissão legislativa sobre a temática no Brasil. De forma sumária, também foi explorado como é feito o tratamento dos encontros fortuitos no direito estrangeiro (Alemanha e Portugal), bem como o tratamento pela doutrina nacional e na jurisprudência do STJ e do STF na validação dos encontros fortuitos de 1º e de 2º grau. Objetivou-se, assim, consolidar os fundamentos da jurisprudência utilizados para a validação do material colhido nessas condições, ora como prova ou como notícia de crime. A conclusão orienta-se no sentido de reforçar a validade e a licitude do material obtido ao acaso, desde que a investigação inicial esteja em consonância com o devido processo legal e não tenha ocorrido desvio de finalidade durante o curso da medida.

Palavras-chave: Validade dos encontros fortuitos. Princípio da serendipidade. Interceptações das comunicações telefônicas.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROVA NO PROCESSO PENAL

2.1 Conceito de Prova

2.2 Distinção entre prova e elementos informativos

2.3 Provas cautelares, não repetíveis e antecipadas

2.4 Fonte de prova, meios de prova e meios de obtenção de prova

2.5 Da Prova Ilegal

2.5.1 Provas ilegais: classificação e conceitos

2.5.2 Tratamento processual da prova ilícita e da ilegítima

3 A DISCIPLINA DAS INTERCEPTAÇÕES DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS PELA LEI Nº 9.296/1996

3.1 Conceituação e características gerais das interceptações telefônicas

3.2 Pressupostos legais para o cabimento da Interceptação

3.2.1 Parágrafo único: a delimitação da situação objeto da investigação e do sujeito passivo da interceptação telefônica

3.2.1.1 Delimitação fática e objetiva

3.2.1.2 A individualização passiva

4 O ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS NAS INTERCEPTAÇÕES DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS (TEORIA DA SERENDIPIDADE)

4.1 Considerações elementares acerca dos encontros fortuitos (Teoria da Serendipidade)

4.2 Omissão legislativa sobre o tema

4.3 Tratamento do encontro fortuito de provas no direito estrangeiro

4.3.1 Alemanha

4.3.2 Portugal

4.4 O tratamento do encontro fortuito de provas nas interceptações telefônicas no Brasil (Teoria da Serendipidade)

4.4.1 A validade do encontro fortuito (serendipidade de 1º grau)

4.4.2 A validade do encontro fortuito (serendipidade de 2º grau)

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo analisar a validade dos encontros fortuitos de provas, também denominado pela doutrina e jurisprudência de teoria da serendipidade, princípio da serendipidade, crime-achado, conhecimento fortuito ou desvio causal de provas, entre outras expressões. O fenômeno ocorre quando são encontrados, casualmente, elementos ou informações que inicialmente não estavam no escopo de determinada investigação.

Nesta obra, o estudo está delimitado pela pesquisa do encontro fortuito de provas durante a execução de uma interceptação telefônica legalmente autorizada. Dessarte, somente aqueles elementos informativos de importância penal obtidos ao acaso, no curso desse meio investigatório. serão objeto de análise quanto à licitude e validade no processo penal pátrio, ora como prova ou como notícia de crime.

O estudo acerca dos encontros fortuitos deu-se no âmbito das interceptações das comunicações telefônicas, meio de obtenção de prova regulado pela Lei nº 9296/96, por ser um cenário investigatório em que o fenômeno é recorrente, haja vista a natureza invasiva de privacidade e intimidade inerente à medida, que propicia, inclusive, atingir terceiros não envolvidos naquela conversação, além da descoberta de outros fatos criminosos cometidos pelos interlocutores, não previstos na origem da investigação.

A falta de regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro, relacionada à validade dos encontros fortuitos, é um ponto que fomenta debates doutrinários e jurisprudenciais sobre a temática, especialmente na questão da (i)licitude da prova obtida fortuitamente e seu uso no processo penal.

Ademais, ainda que o foco do trabalho não tenha visado uma pesquisa acerca dessas investigações, pode-se citar, à guisa de exemplo, algumas operações de grande vulto em nosso país, que tiveram a aplicação da teoria da serendipidade em algum momento da persecução penal: Operação Lava Jato1 (BRASIL, 2020a), Operação Anaconda (relacionada ao HC 84.224/DF- STF), Operação Cevada (relacionada ao Inquérito nº 424 - STJ). Isso reforça a relevância do assunto aos operadores do direito, aos integrantes da área de segurança pública, e aos pesquisadores com foco na investigação criminal.

A pesquisa é do tipo exploratória, empregando o método de abordagem hipotético-dedutivo, com seleção bibliográfica nacional e estrangeira, em meio físico e digital, além de consulta à legislação pertinente e à jurisprudência das Cortes Superiores de nosso País, representada pelo STF e STJ, voltada à análise da validade dos encontros fortuitos de provas em uma interceptação telefônica Com isso, identificamos os critérios utilizados por esses tribunais na aplicação do princípio da serendipidade em casos práticos.

Para tanto, a obra está organizada em cinco capítulos. Primeiramente, serão rememoradas algumas considerações essenciais sobre a teoria geral da prova no processo penal, visando compreender o que é tecnicamente prova; a distinção entre prova e elementos informativos coletados em procedimentos investigatórios; o contexto plural em que está inserida a medida de interceptação telefônica, ora como uma medida investigatória e classificada como meio de obtenção de prova, ou como fonte de prova, em relação ao resultado obtido do monitoramento.

No segundo capítulo, será explorado o tratamento da prova ilegal no direito pátrio, bem como o antigo debate sobre o conceito de provas ilícitas e ilegítimas, sempre com o intento de verificar se os ensinamentos doutrinários sobre as provas ilegais podem ou não se aplicar ao uso do conhecimento obtido fortuitamente.

No terceiro capítulo, o foco será direcionado à disciplina das interceptações de comunicações telefônicas pela Lei nº 9296/96, pois o pressuposto da validade do encontro fortuito de prova passa pela legalidade da intervenção. Isto significa que o procedimento deve ter sido autorizado judicialmente para fins criminais e não estar abarcado pelas hipóteses (a contrario sensu) incursas no art. 2º da retrocitada lei.

Ainda no terceiro capítulo, a importante questão dos direitos fundamentais da intimidade e privacidade será examinada em confronto com a complexidade investigatória que permeia grande parte dos crimes de maior lesividade (punidos com reclusão). Nessa perspectiva, por meio da análise dos requisitos constitucionais preconizados no art.5º, XII, da CRFB/1988 e os parâmetros legais do art.2º da Lei nº 9296/96, aliada aos ensinamentos doutrinários, serão minudenciadas as exigências legais para a deflagração da medida, assim como a importância da completa fundamentação da decisão que autorizará a interceptação, em respeito ao fiel cumprimento do devido processo legal e na mitigação da possibilidade de ilicitude probatória.

No quarto capítulo, seção fulcral de toda a pesquisa, aprofundar-se-á propriamente no estudo dos encontros fortuitos de prova no âmbito das interceptações telefônicas. Devido à miscelânea de conceitos e classificações atinentes ao tema, necessita-se estabelecer algumas considerações elementares sobre os encontros fortuitos, apresentando os seus diversos conceitos e abalizando o tema para o campo da interceptação.

Outro ponto que será abordado é o que tange à omissão do legislador brasileiro na regulamentação da serendipidade em lei. Por meio de uma análise histórica dos projetos de Lei relacionados ao tema de interceptações que surgiram após a CRFB/1988, buscar-se-á destacar quais destes projetos, na opinião de doutrinadores clássicos estariam melhor compatibilizados à luz do processo penal constitucional.

Neste capítulo, também buscaremos dialogar com o direito estrangeiro, ainda que de maneira sucinta, com a mera pretensão de entender como é realizado o tratamento dos encontros fortuitos no curso de um monitoramento telefônico em países como Alemanha, por representar a vanguarda no assunto em pesquisa, e em Portugal, por possuir uma legislação moderna sobre a regulamentação dos conhecimentos fortuitos.

No tópico 4.4 será elucidado o tratamento doutrinário e jurisprudencial em relação aos encontros fortuitos. Nesse estudo, por questões de padronização e organização, foram divididos os encontros fortuitos de 1º grau (quando há conexão com sujeitos ou fatos investigados) e os encontros fortuitos de 2º grau ( quando não há liame entre as informações encontradas e a situação objeto da investigação) Em seguida, empreenderemos análise doutrinária sobre os critérios de validação dos encontros fortuitos, apresentando posições majoritárias e minoritárias sobre a (i)licitude da serendipidade em ambas as classificações.

Concluída a fase de análise dogmática, buscaremos, com pesquisa na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, identificar quando o encontro fortuito é considerado lícito e válido no processo penal, quando em conexão ou não com a situação objeto da investigação, além de delimitar quais os critérios são utilizados pelo STF e pelo STJ na defesa de seus posicionamentos em relação a serendipidade no bojo de um monitoramento telefônico, em casos concretos.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROVA NO PROCESSO PENAL

Antes de iniciar propriamente a análise acerca da admissibilidade dos encontros fortuitos de provas no âmbito das interceptações telefônicas, é de vital importância um estudo sumário da teoria geral da prova no processo penal, visando identificar o que é a prova no processo penal, as suas variadas acepções, as distinções entre prova e elementos colhidos em sede de investigação criminal, as classificações das provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, os meios de obtenção de prova e a nuclear questão do tratamento da prova ilegal, para que assim seja possível dirimir inconsistências no aprofundamento da análise da admissibilidade ou não dos encontros fortuitos de provas na esfera criminal.

Com essas considerações sumárias, será estabelecido o suporte básico para o entendimento de pontos intrincados envolvendo a temática da admissibilidade dos elementos obtidos fortuitamente no cenário da interceptação de comunicações telefônicas.

Conceito de Prova

Da tradicional obra do Jurista Oscar Joseph de Plácido e Silva (2016, p. 2964), extraímos que:

Prova do latim (proba, probare), significa demonstrar, reconhecer, formar juízo de, entende-se, assim, no sentido jurídico, a demonstração, que se faz, pelos meios legais, da existência ou veracidade de um fato material ou de um ato jurídico, em virtude da qual se conclui pela existência do fato ou do ato demonstrado.

Na doutrina de Cintra, Grinover e Dinamarco (2006, p. 371), a prova no sentido processual, “constitui, pois, o instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo”.

Para Paulo Rangel (2015, p. 461-462), a prova tem por finalidade precípua atuar no convencimento do juiz que aquilo que é alegado nos autos é de fato verídico, conforme o direito que está sendo pleiteado ou acusação que recai sob determinado fato. A argumentação das partes na aceitação de determinada prova como verdade ou não é o que irá motivar o duplo grau de jurisdição, materializado primeiramente na tentativa de convencimento do juiz e secundariamente das partes envolvidas (RANGEL, 2015, p. 462). E designa também os meios, indicados em lei, para realização dessa demonstração, isto é, a soma de meios para constituição da própria prova, ou seja, para conclusão ou produção da certeza (RANGEL, 2015, p. 463).

Renato Brasileiro de Lima (2019, p. 605) escreve que a palavra prova possui 03 (três) acepções: como atividade probatória, como resultado e como meio. A prova como atividade probatória está relacionada à produção dos meios e atos durante a instrução processual, com o objetivo de convencer (ou não) o órgão julgador sobre determinada alegação de um fato que é preponderante na solução do caso (LIMA, 2019, p. 605). Trata-se de um direito das partes, um direito à prova, o que vai além de apenas propor ou de ver produzidos os meios de prova. Significa uma verdadeira atuação ativa das partes com o escopo de influenciar a tomada de decisão pelo juiz. Dessa forma, tanto a defesa como a acusação podem utilizar todos os recursos legais possíveis para provar suas alegações ou contestar as provas da parte contrária durante a instrução criminal (LIMA, 2019, p. 605).

Urge ressaltar que como não há direitos absolutos, tanto as partes envolvidas como o próprio julgador devem exercer seu direito à prova conforme as garantias fundamentais do devido processo legal, incluída a vedação da utilização de provas obtidas por meios ilícitos, previstos em nossa Constituição da República (Art. 5º, LIV e LVI).

A prova, como resultado, é o convencimento gerado no juiz, por meio da atividade probatória. Conforme explica o Professor Aury Lopes Junior (2014, p. 552):

O processo penal tem uma finalidade retrospectiva, em que, através das provas, pretende-se criar condições para a atividade recognitiva do juiz acerca de um fato passado, sendo que o saber decorrente do conhecimento desse fato legitimara o poder contido na sentença.

E nos ensinamentos do Professor Renato Brasileiro de Lima (2019, p. 606):

Por mais que não seja possível se atingir uma verdade irrefutável acerca dos acontecimentos ocorridos no passado, é possível atingir um conhecimento processualmente verdadeiro acerca dos fatos controversos inseridos no processo sempre que, por meio da atividade probatória desenvolvida, sejam obtidos elementos capazes de autorizar um determinado grau de certeza acerca da ocorrência daqueles mesmos fatos.

A prova como meio está relacionada aos instrumentos capazes de influenciar a formação da convicção do juiz sobre a veracidade dos fatos, acepção que será aplicada, com especial ênfase, no tópico 2.4 deste trabalho, considerando a sua importância na temática dos conhecimentos fortuitos obtidos na interceptação telefônica.

Distinção entre prova e elementos informativos

Após a entrada em vigor da Lei nº 11.690 de 2008, que reformou o CPP, percebe-se que no artigo 1552, o legislador, de forma expressa, delimitou o que seria reputado como prova no processo penal e o que seria considerado como elemento informativo.

Conforme aduz Renato Brasileiro de Lima (2019, p. 606), devemos ter por entendimento que quando nos referimos à palavra “prova” em um processo,

Só pode ser usada para se referir aos elementos de convicção produzidos, em regra, no curso do processo judicial, e, por conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório (ainda que diferido) e da ampla defesa.

Portanto, para que se possa considerar, por exemplo, a alegação de alguma das partes, um documento apresentado ou o relato de uma testemunha, como potenciais elementos idôneos a influenciar o órgão julgador, todos devem ser produzidos a lume do contraditório e da ampla defesa, para que sejam considerados como prova no processo judicial. Sem embargo, tais elementos de informação são coligidos geralmente no início das investigações, na fase inquisitorial do processo, sob o manto do sigilo, sem a dialeticidade das partes, e também sem o crivo da ampla defesa3 e do contraditório, pois nesta etapa ainda não há um acusado formal. Nada obstante, tais elementos informativos são de nuclear relevância para a persecução penal, porque podem subsidiar a decretação de medidas cautelares pelo órgão julgador, bem como auxiliar na formação da opinio delicti do Ministério Público. Surge então a importante questão sobre a possibilidade de o juiz condenar o réu utilizando exclusivamente esses elementos de informação, tendo em vista o seu desenvolvimento desacompanhado da ampla defesa e do contraditório.

Na compreensão de Lopes Junior (2014, p. 322-323), os elementos obtidos durante a fase do inquérito policial servem somente para justificar medidas de natureza cautelar (interceptação telefônica, captação ambiental, infiltração de agentes) e, no momento da admissão da acusação, para dar início ao processo, caso a investigação não seja arquivada. Na mesma linha, Gomes Filho e Gustavo Badaró (2007, p. 08-10) entendem que a valoração exclusiva dos elementos de informação numa sentença condenatória seria uma verdadeira afronta à garantia constitucional do contraditório e deveria ter um tratamento semelhante ao da utilização de uma prova ilegítima pela mácula ao dogma processual do contraditório. Chegam a afirmar que se uma sentença condenatória estiver fundamentada, exclusivamente, em elementos de informação produzidos no inquérito policial, haverá um erro de julgamento, que poderá ser sanado em grau de recurso, demonstrando que a motivação da sentença não foi lastreada em provas propriamente ditas (GOMES FILHO; BADARÓ, 2007, p. 10).

Gomes Filho e Gustavo Badaró (2007) também apontam que nos julgamentos do tribunal do júri, os elementos colhidos em inquéritos policiais podem influenciar o deslinde do caso penal de forma mais grave do que no procedimento comum, pelo fato de não haver, no procedimento do júri, a possibilidade de aferir a motivação técnica dos jurados, que julgam com base em sua íntima opinião. Para eles, isso só seria evitado se os autos do procedimento investigatório não compusessem os autos da ação penal:

[...] única forma de se assegurar o respeito ao contraditório seria a determinação de exclusão do processo dos elementos de informação produzidos durante o inquérito policial. Todavia, na prática, tais elementos do inquérito policial permanecem nos autos e são lidos na sessão de julgamento, sem que se tenha notícia da anulação de qualquer julgamento por tal motivo (GOMES FILHO; BADARÓ, 2007, p. 10).

Lopes Júnior (2020) (em posição que parece ter influenciado o artigo 3º- C do CPP, com a redação que lhe deu a Lei n. 13.964/2019)4 segue a mesma linha de pensamento:

Ainda mais grave é a situação que se produz diariamente no Tribunal do Júri, em que os jurados julgam por livre convencimento, com base em qualquer elemento contido nos autos do processo (incluindo-se nele o inquérito), sem distinguir entre ato de investigação e ato de prova.

A situação é ainda mais preocupante se considerarmos que na grande maioria dos julgamentos não é produzida nenhuma prova em plenário, mas apenas é realizada a mera leitura de peças.

Então, o núcleo do problema está no fato de que os autos do inquérito são anexados ao processo e assim acabam influenciando direta ou indiretamente no convencimento do juiz.

Desde nossa tese doutoral em 1999 e depois em nosso primeiro livro (Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, 2001) sustentamos com veemência a necessidade de exclusão física dos autos do inquérito (ou de qualquer instrumento de investigação preliminar), permanecendo apenas as provas técnicas e as irrepetíveis.

Pois bem, finalmente na reforma de 2019/2020 o legislador brasileiro consagrou essa importante regra, não sem enfrentar imensa resistência de quem não compreendeu as distinções que fizemos anteriormente e a própria finalidade da investigação, além de contaminados pela cultura inquisitória (LOPES JUNIOR, 2020, p. 275-276).

Em corrente doutrinária intermediária, como a representada, por exemplo, por Renato Brasileiro de Lima (2019), defende-se a possibilidade da utilização dos elementos de informação em complemento de outras provas produzidas no processo:

[...] De fato, pudesse um decreto condenatório estar lastreado única e exclusivamente em elementos informativos colhidos na fase investigatória, sem a necessária observância do contraditório e da ampla defesa, haveria flagrante desrespeito ao preceito do art. 5º, LV, da Carta Magna.

No entanto, tais elementos podem ser usados de maneira subsidiária, complementando a prova produzida em juízo sob o crivo do contraditório. Como já se pronunciou a 2ª Turma do STF, os elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório em juízo.

A Lei n° 11.690/08, ao inserir o advérbio exclusivamente no corpo do art. 155 do CPP, acaba por confirmar a posição jurisprudencial que vinha prevalecendo. Destarte, pode-se dizer que, isoladamente considerados, elementos informativos não são idôneos para fundamentar uma condenação. Todavia, não devem ser completamente desprezados, podendo se somar à prova produzida em juízo e, assim, servir como mais um elemento na formação da convicção do órgão julgador (LIMA, 2019, p. 606-607, grifo nosso).

A propósito, o artigo 155 do CPP, com a redação que lhe deu a Lei n. 11.690, de 2008, bem ponderou a questão, ao considerar que também podem fundamentar a convicção judicial as “provas cautelares, não repetíveis e antecipadas” colhidas ainda na investigação. No entanto, com a inclusão, no CPP, do artigo 3º-B, por meio da Lei nº 13.964, de 2019, a dispor que o juiz das garantias deverá decidir “sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral” demonstra a intenção do legislador em priorizar o contraditório e a ampla defesa em detrimento da obtenção de provas urgentes e não repetíveis. Embora referido dispositivo encontre-se com vigência suspensão por decisão liminar do STF na Medida Cautelar da ADI nº 6298 MC/DF5, não soa razoável (sequer possível) que se adie a realização de típicas provas “irrepetíveis”, normalmente a cargo da polícia científica (por exemplo, perícias médico-legais, de engenharia legal, de odontologia forense) de forma a serem “assegurados o contraditório e a ampla defesa”. Em tais situações, a doutrina processual penal (FERNANDES, 2010, p. 63)6, de há muito desenvolveu o conceito de “contraditório diferido”.

Isto posto, embora o exercício do contraditório seja, em regra, essencial à legitimidade do uso da prova como elemento de convicção, pelo Juiz, a inevitabilidade de a persecução penal iniciar-se antes mesmo da ação penal, com certa legítima discricionariedade do Estado na apuração dos fatos, sem sofrer obstruções por parte do próprio investigado, pode trazer diferenciados desafios, à teoria e à prática penal, sobre como compatibilizar o princípio do contraditório com o direito à prova, que muitas vezes nasce antes mesmo do processo.

De qualquer forma, nada nos impede de conceituar como elementos de informação os dados, materiais, documentos, relatos, objetos que foram coletados em um procedimento de natureza administrativa, pré-processual, com a finalidade de apurar infrações penais e sua autoria (art. 4º CPP), e que podem ser produzidos tanto pela Polícia Judiciária quanto pelo Ministério Público, que, para legitimarem a convicção judicial, deverão estar sujeitos ao crivo do contraditório, ainda que este deva se dar de modo “diferido”.

Em suma, a utilização exclusiva dos elementos de informação numa condenação penal não é possível, em regra. Contudo, como já exposto nos parágrafos acima, se o juiz utilizar tais elementos de informação com a corroboração em outras provas produzidas durante o processo (ou com as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, sujeitas ao contraditório diferido), válida será a sentença, ante a necessidade de se compatibilizar as garantias constitucionais do processo com as especificidades do sistema penal.

Provas cautelares, não repetíveis e antecipadas

Como já explicado no tópico anterior, é permitida a utilização das provas cautelares, não repetíveis e antecipadas produzidas na fase pré-processual, conforme previsto no art.155 do CPP.

Por provas cautelares, entende-se aquelas que são produzidas na fase investigativa, pelo fato de correrem o risco de desaparecer pelo decurso do tempo ou para a obtenção de substratos probatórios com intuito de subsidiar uma ação penal futura. Em regra, necessitam de autorização judicial para serem válidas. São exemplos as provas decorrentes de medidas judicialmente autorizadas como a interceptação telefônica, a busca e apreensão, a captação ambiental, entre outras. Tais medidas têm por característica a necessidade do fator surpresa (“inaudita altera parte”) para atingirem seu objetivo, o que significa que o investigado só tomará ciência depois de concluídas as diligências. Como vimos, em tais casos, a garantia ao contraditório não ocorrerá no momento da produção da prova, mas sim, de maneira postergada ou diferida.

As provas não repetíveis são conhecidas por aquelas que podem vir a perecer, extinguir-se do mundo material ou perderem seu valor probatório intrínseco, se não colhidas logo em seguida ao seu surgimento. Tais provas, que pelo contexto fático em que surgem, podem ser impossíveis de ser produzidas em juízo em um momento posterior, em regra não necessitam de autorização judicial. O artigo 6º, inciso VII do CPP traz a possibilidade de a autoridade policial determinar o exame de corpo delito e outras perícias, quando tiver conhecimento da prática da infração penal, para tais provas não repetíveis. O contraditório será exercido em momento ulterior do processo (contraditório diferido), de forma análoga às provas cautelares, haja vista as características imanentes do periculum in mora e do fumus boni iuris que autorizam a sua coleta antes do início da instrução processual.

No que diz respeito às provas antecipadas, essas são produzidas perante o juiz, submetidas a contraditório prévio e, quanto ao momento da sua produção, podem se dar até na fase investigativa, pela situação de urgência e relevância. Devem ser autorizadas pela autoridade judicial, sob pena de nulidade processual.

No art. 225 do CPP, há a hipótese de colher depoimento antecipado de testemunhas que estejam assoladas por enfermidades ou por idade avançada, que podem vir a falecer se não inquiridas de forma antecipada. Tal ato é conhecido na doutrina como depoimento ad perpetuam rei memoriam7.

O art. 366 do CPP traz também a possibilidade de o juiz fundamentadamente determinar a produção de provas se entender que são urgentes para a elucidação do caso. Não basta, como assentado na súmula 450 do STJ (BRASIL, 2010a) alegar o simples transcurso do tempo ou o limite da memória humana para autorizar a antecipação da prova.

Fonte de prova, meios de prova e meios de obtenção de prova

É oportuno desenvolvermos uma breve diferenciação entre fonte de prova, meios de prova e os meios de obtenção de prova, porquanto não é incomum haver confusões conceituais sobre esses três institutos e, como será demonstrado nos parágrafos a seguir, tais institutos possuem singelas distinções, assim como as consequências no seu uso ilegal afetam o processo penal de forma peculiar.

As fontes de prova, no processo penal, basicamente classificam-se em fontes pessoais e fontes reais (por meio de objetos ou coisas), elementos que poderão auxiliar na construção daquela história dos fatos, tão importante para a solução do caso criminal. Em resumo, pode ser considerado como fontes de prova “tudo aquilo que possa servir para esclarecer a alguém da existência desse fato” (LIMA, 2019, p. 611). Esses elementos poderão ser levados em juízo, para que sejam introduzidos no processo por algum meio de prova lícito.

Os meios de prova, como ensina Paulo Rangel (2015, p. 463):

São todos aqueles que o juiz, direta ou indiretamente, utiliza para conhecer da verdade dos fatos, estejam eles previstos em Lei ou não. Em outras palavras, é o caminho utilizado pelo magistrado para formar a sua convicção acerca dos fatos ou coisas que as partes alegam.

Nas palavras de Badaró (2003, p.167):

Os meios de prova, enquanto instrumentos pelos quais as fontes de prova ingressam no processo e possibilitam o convencimento da veracidade ou falsidade das alegações fáticas, têm por destinatário o juiz. Em suma, as fontes destinam-se as partes e os meios ao juiz. Cabe as partes buscar as fontes e levá-las ao processo, enquanto o juiz deve receber e valorar os meios de prova para conhecer os fatos da causa.

Utilizando o escorreito pensamento da Professora Grinover na questão dos limites legais da admissão dos meios de prova:

Os meios de prova podem ser lícitos – que são admitidos pelo ordenamento jurídico – ou ilícitos – contrários ao ordenamento. Somente os primeiros devem ser levados em conta pelo juiz. Em relação aos meios ilícitos, é preciso destacar que eles abrangem não somente os que forem expressamente proibidos por lei, mas também os imorais, antiéticos, atentatórios à dignidade e à liberdade da pessoa humana e aos bons costumes, bem como os contrários aos princípios gerais de direito (GRINOVER apud NUCCI, 2014a, p. 310).

É válido lembrar que no CPP não há um rol taxativo de todos os meios de prova admissíveis no processo penal, conforme o apontamento do Professores Nestor Távora e Alencar. Pode-se, nessa toada, utilizar as provas nominadas, previstas nos arts. 158 a 250 do CPP e também as inominadas, não tipificadas em lei. O princípio da “verdade real”8 permite o uso de meios de prova não previstos em lei, desde que não colidam com outros diplomas normativos e sejam moralmente legítimos (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 627-628).

Complementando a questão das possibilidades de utilização de variados meios de prova, a taxatividade ou tipicidade dos meios de prova tem seu fundamento por analogia ao artigo 369 do CPC/2015 (o artigo 3º CPP autoriza tal analogia) que dispõe que:

As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz (BRASIL, 2015, art. 369).

Por essa razão, é permitido o uso de meios de prova atípicos, o que não significa a possibilidade de uso atípico de um meio de prova cujo procedimento esteja regulado no CPP.

Por seu turno, os meios de obtenção de prova ou meios de investigação de prova, podem ser conceituados como aqueles instrumentos que tem por objetivo buscar o material probante, na lição de Antônio Magalhães Gomes Filho (apud LOPES JUNIOR, 2020, p. 583) “[...] não são por si fontes de conhecimento, mas servem para adquirir coisas materiais, traços ou declarações dotadas de força probatória, e que também podem ter como destinatários a polícia judiciária”.

As interceptações de comunicações telefônicas, previstas pela Lei nº 9.296/96, a infiltração de agentes da Lei nº 11.343/06 (Art. 53, inciso I) quanto na Lei nº 12.850/13 (Arts. 10 a 14), são alguns exemplos de meios de investigação para obtenção de provas. Configuram-se como atividades necessárias para a investigação probatória. Sendo procedimentos realizados comumente em caráter extraprocessual, com a finalidade de conseguir provas materiais, essas atividades podem ser realizadas pela polícia judiciária assim como pela polícia administrativa e também pelo órgão acusador (LIMA, 2019, p. 612).

Em regra, os meios de obtenção de prova (ou investigação de prova) serão executados sob sigilo, com o uso do efeito surpresa, sem prévia comunicação da parte contrária. Na ocorrência de irregularidades na execução dessas atividades investigatórias probatórias, terão como consequência a sua inadmissibilidade processual, diante da violação das regras de obtenção previstas na Carta Magna de 1988 (artigo 5º, inciso LVI), devendo ser desentranhadas (retiradas, excluídas) dos autos do processo, conforme aponta o Artigo 157, caput, do CPP (LIMA, 2019, p. 612-613).

Da Prova Ilegal

Como elucidado nos tópicos anteriores, a busca pela verdade dos fatos no direito processual penal não está adstrita somente às hipóteses do CPP. Portanto, pode-se dizer que há um rol ilimitado de opções. Contudo, tal liberdade na produção probatória não deve ser confundida com o uso de meios espúrios, ilícitos ou ilegais para a sua obtenção.

Segundo nossa Carta Magna de 1988, nos termos do seu art. 5º, Inciso LVI, “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Percebe-se aí uma preocupação da nossa Lei Maior em não permitir o uso de meios não autorizados na busca de elementos probatórios, inclusive no que tange à disposição topográfica no Inciso LVI no rol dos direitos e garantias fundamentais do artigo 5º da CRFB.

Na importante lição de Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2015, p. 157):

A razão de ser da proibição inserida no art. 5º, LVI, da CF está na insuficiência de sancionar a prova ilícita apenas no plano do direito material. Para uma maior proteção dos direitos, é preciso negar eficácia a tais provas no processo.

Essa constatação, embora simples, é extremamente importante para a compreensão do tema das provas ilícitas. O art. 5º, LVI, da CF não vedou a violação do direito material para a obtenção de prova - pois isso já está proibido por outras normas-, mas proibiu que tais provas tenham eficácia no processo.

Os meios de obtenção de prova utilizados devem estar em consonância com os diplomas legais, e tais vedações devem ser respeitadas pelas partes, a começar pelo Estado, que é o responsável pela persecução penal. A proibição do uso da prova ilícita está diretamente coligada ao respeito ao devido processo legal ou due process of law, com sua origem no direito anglo-saxão.

Reforçando a relação do devido processo legal com as provas ilegais, na lúcida explicação do Ministro Celso de Mello, do STF:

A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do "due process of law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. [BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 90376/RJ. 2ª Turma. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em: 03/04/2007. Publicado no DJe: 17/05/2007a] (BRASIL, 2007a, p. 1).

Logo, para atingir o maior anseio do processo penal, materializado na descoberta dos fatos, é preciso também respeitar o investigado durante toda a marcha processual como um verdadeiro sujeito de direito, o que necessariamente reflete no estabelecimento de limites à atividade da persecutio criminis, principalmente sobre a disciplina de obtenção de provas que não devem descarrilar do trilho da legalidade sob pena de serem imprestáveis para o deslinde do caso penal.

Utilizando as palavras do Professor Eugênio Pacelli (2018, p. 283) sobre a dupla função desse limite a produção da prova no processo penal:

Mais que uma afirmação de propósitos éticos no trato das questões do Direito, as aludidas normas, constitucional e legal, cumprem uma função ainda mais relevante, particularmente no que diz respeito ao processo penal, a saber: a vedação das provas ilícitas atua no controle da regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e desestimulando a adoção de práticas probatórias ilegais por parte de quem é o grande responsável pela sua produção. Nesse sentido, cumpre função eminentemente pedagógica, ao mesmo tempo que tutela determinados valores reconhecidos pela ordem jurídica (grifo nosso).

Por fim, Paulo Rangel (2015, p. 473) traz em sua obra que a limitação da prova ilegal está intrinsecamente relacionada ao estado democrático de direito, que não admite a punição do indivíduo a qualquer preço, pois quando se trata de direitos fundamentais indisponíveis os fins jamais poderão justificar os meios, concluindo que não se pode garantir a dignidade da pessoa humana admitindo uma prova obtida com violação às normas legais em vigor.

Provas ilegais: classificação e conceitos

Ultrapassado esse introito sobre a disciplina da prova ilícita em sentido genérico, analisaremos o que a doutrina discorre sobre a classificação e os conceitos de provas ilícitas e ilegítimas no processo penal, tendo em vista que na reforma do CPP em 2008, o artigo 157 do diploma processual penal acabou por amplificar o conceito de provas ilícitas, dispondo que, “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais” (BRASIL, 2008a, art. 157).

Nos parágrafos abaixo, foram sintetizadas as principais classificações e conceituações que encontram guarida na doutrina jurídica pátria, nas searas constitucional e processual penal visando robustecer o futuro arcabouço argumentativo que será necessário no estudo das provas fortuitas.

Guilherme Madeira Dezem (2016, p. 204) faz uma importante síntese de como funcionava a classificação e conceituação das provas vedadas antes de 2008:

No sistema anterior a 2008 a conceituação de prova ilícita era dada pela doutrina, baseada nas lições de Pietro Nuvolone.

Nuvolone distingue as provas ilícitas das provas ilegítimas. Ambas fazem parte do gênero prova vedada (também chamada de prova ilegal):

a) prova ilícita: é a obtida com violação das regras de direito material. Assim, o depoimento obtido mediante tortura é exemplo de hipótese que viola regra de direito material e, portanto, constitui prova ilícita.

b) prova ilegítima: é a obtida com violação de regras de direito processual. Assim, se for lido em Plenário documento que não tenha sido juntado com três dias de antecedência haverá nulidade da prova e não ilicitude (violação do art. 479 do CPP).

Como representantes da posição acima, cita-se Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes e Denilson Feitoza.

É importante que se observe que o direito material a ensejar o reconhecimento da ilicitude da prova deve ser direito fundamental constitucionalmente protegido.

Na mesma esteira, um trecho dos escritos de Antonio Scarance Fernandes (2010, p. 81-82), sobre a temática:

Com apoio em terminologia de Nuvolone, adotada por Ada Pellegrini Grinover, pode-se afirmar que a prova é vedada em sentido absoluto quando o direito proíbe em qualquer caso sua produção. Haverá prova vedada em sentido relativo quando, embora admitido o meio de prova, condiciona-se a sua legitimidade à observância de determinadas formalidades. A violação de uma vedação será sempre ilegal, mas a violação de uma proibição de natureza substancial torna o ato ilícito, enquanto a violação de impedimento de ordem processual faz com que o ato seja ilegítimo. Em síntese, a prova ilegal consiste em violação de qualquer vedação constante no ordenamento jurídico, separando-se em prova ilícita, quando é ofendida norma substancial, e prova ilegítima, quando não é atendido preceito processual.

[...]

A tendência atual é no sentido de vedar a produção da prova ilícita, vista como prova obtida com violação a garantia ou direito fundamental estabelecido na Constituição, mas há forte inclinação para se admitir a aplicação, no caso, concreto, e em circunstâncias especiais do princípio da proporcionalidade.

Paulo Rangel (2015, p. 474) propõe que a prova ilegal pode ser fixada em duas espécies, e doutrinariamente distinguem-se em: “Ilegítimas quando ocorrer ofensa aos dogmas processuais e ilícitas quando houver mácula ao direito material”.

O jurista também aventa uma terceira espécie de prova ilegal que seria a irregular, entendida como aquela que (ainda que não proibida pela lei processual) surge no descumprimento de determinadas formalidades legais existentes (RANGEL, 2015, p. 474).

O doutrinador cita exemplos da ocorrência de prova irregular durante a execução de uma busca domiciliar (meio de obtenção de prova), explica que o motivo e os fins da diligência necessitam estar descritos no mandado, e caso ocorra captação de elementos fora desse escopo, esses serão irregulares e, por conseguinte, poderão ensejar a nulidade do ato (RANGEL, 2015, p. 475).

Os professores Nestor Távora e Nelson Alencar (2017, p. 628), seguem também a classificação tradicional, baseada na doutrina de Ada Pellegrini Grinover. Em suma, elencam as provas vedadas, proibidas ou inadmissíveis, como gênero, e enquadram as provas ilícitas, ilegítimas e irregulares como espécies de provas proibidas.

Távora e Alencar (2017, p. 629) lançam críticas à espécie de “provas irregulares”, aventada na obra de Rangel, em suas palavras, “[...] ousamos discordar da utilidade dessa terceira classificação, afinal as provas ditas irregulares estariam, em última análise, violando normas de caráter processual, e logo seriam ilegítimas”.

A mesma classificação e conceituação, tradicionais, também são encontradas na obra do Ministro do STF, Alexandre de Moraes (2016, p. 190), em sua expressão, “provas ilegais seriam o gênero do qual as espécies são as provas ilícitas e as ilegítimas, pois configuram-se pela obtenção com violação de natureza material ou processual ao ordenamento jurídico”.

Nucci (2016, p. 59) discorda da classificação tradicional e desenvolve a ideia de inversão conceitual. Para ele, o gênero é a ilicitude, pois, alega que o termo “ilícito” foi inclusive utilizado pela própria Constituição da República em seu art. 5º, LVI.

Então, para Nucci (2016), a prova ilícita é o gênero e a prova ilegal e a ilegítima são espécies dessa. A ilegal atinge o direito material, os princípios gerais de direito e a ilícita infringe normas de ordem processual.

Guilherme Madeira Dezem (2016) aponta que, com a reforma de 2008, de que adveio a inserção do art. 157 no CPP, a jurisprudência mantém a distinção tradicional no tratamento entre provas ilícitas e ilegítimas, pelos seus efeitos peculiares no processo. Em seu raciocínio, explica que:

A jurisprudência no pós 2008 tem evitado o uso do termo prova ilegítima. No entanto, percebe-se claramente dos julgados do STJ e do STF que, embora não usem o termo prova ilegítima, acabam por aplicar as sanções de nulidade para os casos de prova obtida com violação a regras de direito processual (DEZEM, 2016, p. 206).

É fato que há uma grande dissensão doutrinária no que concerne à classificação das provas proibidas pela Lei e suas respectivas conceituações, ainda mais após a inserção do artigo 157 no CPP com a reforma de 2008. Em verdade, o tema das provas no processo penal sempre representou um dos tópicos de maior complexidade na seara processual. Por conseguinte, para que este modesto trabalho não adentre neste terreno hostil das classificações/conceituações e venha a correr o risco de desviar-se do seu objeto fulcral de estudo (análise dos encontros fortuitos), iremos nos filiar a classificação tradicional, denominando como gênero das provas proibidas pela lei, em sentido lato, como provas vedadas ou ilegais, e como espécies de provas ilegais:

a) Provas ilícitas, como aquelas que ofendem regras de direito constitucional/material ou Princípios Gerais do Direito; e

b) Provas ilegítimas, como aquelas que maculam dispositivos da lei processual.

Tratamento processual da prova ilícita e da ilegítima

Prosseguindo em nossa odisseia, neste ponto iremos abordar as consequências que porventura o uso das provas ilegais (ilícitas ou ilegítimas) podem acarretar na persecução penal. Como já explicado previamente, o tratamento é singular para as provas ilícitas e para as ilegítimas.

A questão sobre admitir ou não uma prova obtida ilicitamente recai sobre a descoberta da verdade real a qualquer custo, sobre os argumentos do interesse público da atividade persecutória do estado versus as garantias, já citadas, do due process of law, sobre a eticidade processual, ainda que em detrimento da apuração dos fatos (LIMA, 2019, p. 644).

Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2011, p. 127), por terem sido os precursores na análise da distinção conceitual das provas ilícitas e ilegítimas, desferem críticas à redação do art.157, após a reforma de 2008, em suas indagações sobre o correto tratamento para cada espécie:

[...] não parece ter sido a melhor a opção da Lei 11.690/2008, ao definir a prova ilícita como aquela “obtida em violação a normas constitucionais ou legais” (nova redação do art. 157 CPP). A falta de distinção entre a infringência da lei material ou processual pode levar a equívocos e confusões, fazendo crer, por exemplo, que a violação de regras processuais implica ilicitude da prova e, em consequência, o seu desentranhamento do processo. O não cumprimento da lei processual leva à nulidade do ato de formação da prova e impõe a sua renovação, nos termos do art. 573, caput, do CPP (GRINOVER; GOMES FILHO; FERNANDES, 2011, p. 127).

Pode-se afirmar que a admissão de uma prova ilícita traz como consequência a sua inadmissibilidade processual e implica na impossibilidade de renovação do ato. Já no que tange à categoria da prova ilegítima, a consequência de seu uso é a nulidade processual e, portanto, passível de renovação (cf. o art. 573 do Código de Processo Penal) (LOPES, 2013).

Na expressão de Renato Brasileiro de Lima (2019, p. 645):

Com a Constituição Federal de 1988, entre os direitos e garantias individuais, estabeleceu-se a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI). Logo, a sanção processual cominada para a ilicitude da prova é a sua inadmissibilidade. Não se trata de nulidade da prova, mas de sua não aceitação nos autos do processo. Nessa linha, aliás, consoante a nova redação dada ao art. 157, § 3º, do CPP, “preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente”. Esse direito de exclusão também se aplica às provas ilícitas e ilegítimas, simultaneamente.

Portanto, pode-se dizer que, no ordenamento pátrio, por mais relevantes que sejam os fatos apurados por meio de provas obtidas por meios ilícitos, estas não podem ser admitidas no processo. Se, mesmo assim, uma prova ilícita for juntada ao processo, surge o direito de exclusão, a ser materializado através do desentranhamento da referida prova dos autos.

Importante registrar que com a reforma advinda no CPP pela Lei 13.964/19, o art.157 do corrente código teve uma importante modificação com a adição do §5º, “O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão”.9 Essa mudança já havia sido tentada na reforma de 2008, contudo, foi vetada à época, doutrinariamente nunca foi bem quisto tal veto. Sobre a inovação legislativa, assim se manifesta Lopes Júnior (2020, p. 647):

Esse dispositivo representa uma grande evolução, rumo ao desvelamento do infantil (ou perverso?) cartesianismo vigente. O juiz, que teve contato com a prova ilícita, está contaminado e não pode julgar ou atuar no feito como juiz das garantias. Não basta desentranhar a prova; deve-se “desentranhar” o juiz!

A desconsideração de que se opera uma grave contaminação psicológica (consciente ou inconsciente) do julgador faz com que a discussão seja ainda mais reducionista. Esse conjunto de fatores psicológicos que afetam o ato de julgar deveria merecer atenção muito maior por parte dos juristas, especialmente dos tribunais, cuja postura até agora tem se pautado por uma visão positivista, cartesiana até, na medida em que separa emoção e razão, o que se revela absolutamente equivocado no atual nível de evolução do processo.

De fato, concordamos que assiste razão para tal mudança e a explicação vem da teoria da dissonância cognitiva10, oriunda dos estudos da psicologia social. Segundo essa teoria, ao tomar conhecimento da prova ilícita, surge uma grande possibilidade de o juiz não conseguir se desvincular, ainda que inconscientemente, dos fatos que outrora teve contato, afetando a imparcialidade do processo penal.

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No capítulo dedicado ao conhecimento fortuito de provas, será explanado sobre o devido tratamento para as provas obtidas ao acaso (Princípio da Serendipidade), tendo em vista ser um dos objetivos deste trabalho.

A DISCIPLINA DAS INTERCEPTAÇÕES DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS PELA LEI Nº 9.296/1996

O objetivo deste capítulo é realizar a exposição dos aspectos mais relevantes acerca da interceptação das comunicações telefônicas, uma importante medida de obtenção de provas, muito utilizada pelos órgãos persecutórios do Estado durante a investigação criminal e que, por conseguinte, mostra-se como um dos temas de maior complexidade processual, pois também abarca matérias de ordem constitucional, surgindo inúmeras e variadas discussões no campo doutrinário e jurisprudencial relacionadas à disciplina das interceptações telefônicas. Outrossim, representa o cenário mais comum da ocorrência do fenômeno do encontro fortuito de provas11.

A complexidade que gravita neste meio de obtenção de prova reside na necessidade de uma investigação criminal eficiente, contra os crimes de maior gravidade, executados por grupos criminosos estruturados versus o direito fundamental da privacidade das comunicações e da intimidade, hodiernamente entendido,

Como aquele âmbito de liberdade necessário para o pleno desenvolvimento da personalidade, que deve ficar preservado de ingerências ilegítimas e que constitui o pressuposto necessário para o exercício de outros direitos e para a participação do indivíduo na sociedade (PAVÓN apud GOMES; MACIEL, 2018, p. 24).

Insta ressaltar que não há pretensão de esgotar todas as discussões sobre a disciplina das interceptações telefônicas, pelo fato de a finalidade fulcral de nosso estudo consistir verdadeiramente na análise da admissibilidade do encontro fortuito neste contexto, e não no detalhamento de uma interceptação telefônica, haja vista – como será exposto mais adiante – que a análise da admissibilidade dos encontros fortuitos de provas, independente do cenário em observação, parte da premissa de que a intervenção realizada encontra-se dentro dos conformes legais.

A Constituição elenca como um dos direitos fundamentais do cidadão a intimidade e a privacidade das comunicações, conforme dispõe o art. 5º, inciso XII, nos seguintes termos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (Vide Lei nº 9.296, de 1996) (BRASIL, 1988, art. 5º).

Entretanto, como qualquer direito fundamental, a privacidade também encontra limitações, que resultam do próprio fato de se viver em comunidade e de outros valores de ordem constitucional (MENDES; BRANCO, 2017, p. 268-269). A Carta Política Brasileira, na parte final do retrocitado inciso, possibilita e condiciona a interceptação de comunicação telefônica, desde que respeitados determinadas balizas, conforme expressa Gomes e Maciel (2018, p. 25):

[...] a interceptação das comunicações estava prevista e autorizada pela Constituição de 1988, condicionada, porém, a três requisitos constitucionais:

a) lei regulamentadora, estabelecendo as hipóteses de cabimento e a forma de realização dessas interceptações;

b) utilização exclusivamente criminal das conversas interceptadas; e

c)ordem judicial.

O art. 5º, inciso XII, da CRFB/1988, representa o que a doutrina constitucional denomina de reserva legal qualificada, que ocorre:

Quando a Constituição não se limita a exigir que eventual restrição ao âmbito de proteção de determinado direito seja prevista em lei, estabelecendo, também, as condições especiais, os fins a serem perseguidos ou os meios a serem utilizados (MENDES; BRANCO, 2017, p. 205-206).

Dessarte, após o advento da Constituição Cidadã, somente seriam admitidas medidas de interceptação de comunicações telefônicas por intermédio de lei regulamentadora, de acordo com a contextualização histórica do tema, exposta por Gomes e Maciel (2018, p. 28):

As reiteradas decisões da Suprema Corte, sempre no sentido “garantista” e escorreitamente fiel à vontade do legislador constituinte, pelos rumores que passaram a provocar, levou o legislador infraconstitucional a dar prioridade ao assunto.

Após alguns anos de vácuo normativo, o Poder Político, finalmente, regulamentou o tema, por meio da presente Lei 9.296, de 24.07.1996, publicada em 25.07.1996, e o fez respeitando, em grande parte, o "conteúdo essencial" do direito fundamental ao sigilo das comunicações.

Cumpriu-se assim, um dos requisitos constitucionais exigido para as interceptações encerrando a insegurança jurídica que grassava até então.

Com a gênese da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal foi regulamentado, pacificando a questão da insegurança jurídica que pairava nas medidas de interceptação telefônica, antes de sua promulgação.

Conceituação e características gerais das interceptações telefônicas

Interceptação telefônica, no contexto da Lei 9.296/1996, tem o sentido de interferência entre os comunicadores com o propósito de obter informações relevantes para o deslinde processual (NUCCI, 2014b, p. 428). Na obra de Gomes e Maciel, a interceptação telefônica (ou interceptação em sentido estrito), é conceituada como “captação da comunicação telefônica por um terceiro, sem o conhecimento de nenhum dos comunicadores” (GOMES; MACIEL, 2018, p. 30).

Gomes e Maciel (2018) explicam que a Lei 9.296/1996, em seu art.1º12 refere-se à “interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza”, e identificam outras 05 situações distintas que podem ser objetos da referida lei:

[...]

b) escuta telefônica: é a captação da comunicação telefônica por terceiro, com o conhecimento de um dos comunicadores e desconhecimento do outro. Na escuta, como se vê, um dos comunicadores tem ciência da intromissão alheia na comunicação.

Como se vê, no sentido jurídico, existe uma sutil distinção entre “interceptação” e a escuta telefônica: aquela se concretiza sem o conhecimento dos comunicadores (nenhum deles sabe que o conteúdo da comunicação está sendo captado); a ofensa, portanto, endereça-se a todos eles; a intimidade de todos está sendo violada; na segunda, “um” dos comunicadores sabe da interceptação, da captação; logo, a ofensa acontece apenas contra um deles. Na interceptação, em síntese, nenhum dos comunicadores dela tem conhecimento. Na escuta, um dos comunicadores tem conhecimento da ingerência de um terceiro na comunicação. Nos casos de sequestro ou extorsão mediante sequestro, é frequente interceptação telefônica, sendo que a família da vítima comunicada dessa intervenção. Isso a rigor, é uma escuta (mas faz parte do sentido jurídico da palavra interceptação usada neste art. 1°, ora em destaque).

c) gravação telefônica ou gravação clandestina: é a gravação da comunicação telefônica por um dos comunicadores, ou seja, trata-se de uma gravação da própria comunicação. Normalmente é feita sem o conhecimento do outro comunicador, daí falar-se em gravação clandestina;

d) interceptação ambiental: é a captação de uma comunicação no próprio ambiente dela, por um terceiro, sem conhecimento dos comunicadores;

e) escuta ambiental: é a captação de uma comunicação, no ambiente dela, feita por terceiro, com o consentimento de um dos comunicadores;

f) gravação ambiental: é a captação no ambiente da comunicação feita por um dos comunicadores (ex.: gravador, câmeras ocultas etc.). Também denominada gravação clandestina (GOMES; MACIEL, 2018, p. 31).

O entendimento de Gomes e Maciel (2018, p. 31-32) é no sentido de que apenas a interceptação em sentido estrito e a escuta telefônica seriam objeto da Lei 9.296/1996, pois apenas nessas duas situações ocorre a comunicação telefônica com um terceiro interceptador. As demais situações estariam fora do regime da Lei das Interceptações Telefônicas. É imperioso lembrar que esta posição dos autores foi em 2018, antes da promulgação do chamado “pacote anticrime” (Lei 13.964/2019), que disciplinou a hipótese de captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos13.

Hodiernamente, a Lei nº 9.296/96 abarca as interceptações telefônicas, as escutas telefônicas e também a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos. No que concerne às gravações telefônicas, poderão ser validadas quando houver justa causa, consoante o pensamento de Renato Brasileiro de Lima (2019, p. 763):

[...] a gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem o conhecimento do outro. Fica esta hipótese fora do regime da lei, sendo considerada válida a gravação como prova quando houver justa causa, como ocorre em casos de sequestro. Nada impede que o juiz autorize a escuta, se vir a ser feito requerimento nesse sentido. Mas não é necessária a autorização judicial, pois se houver a gravação sem ela, mas estiver fundada em justa causa, a prova pode ser utilizada. Prevalece, então, o entendimento de que as gravações telefônicas não estão amparadas pelo art. 5º, XII, da Constituição Federal, devendo ser consideradas meios lícitos de prova, mesmo que realizadas sem ordem judicial prévia, pelo menos em regra.

Feita a exposição geral das possibilidades previstas pela Lei 9.296/96, a profundidade do estudo da presente obra será direcionada somente à hipótese de interceptação em sentido estrito, com o fito de no próximo capítulo realizar a análise detalhada do fenômeno da serendipidade durante a execução de operações de interceptação telefônica, a fim de verificar se os elementos encontrados fortuitamente podem ser valorados como prova no processo penal pátrio.

No tocante à natureza jurídica da medida de interceptação telefônica em sentido estrito, como vimos no tópico 2.4 supra, a operação da interceptação telefônica foi elencada como um meio de obtenção de prova – de per si, no sentido da execução da interceptação. Contudo, se faz mister também elucidar como a doutrina representada por Grinover, Fernandes e Gomes Filho (2011, p. 167) classifica a interceptação telefônica. Para os autores, a natureza jurídica seria de coação processual in re, sendo considerada um meio de apreensão imprópria, no sentido de por elas se apreenderem os elementos fonéticos que formam a conversa telefônica. O resultado da operação tem natureza jurídica de fonte de prova, e o documento (gravação e transcrição), a natureza de meio de prova.

Grinover, Fernandes e Gomes Filho (2011, 167) discorrem que:

A execução das interceptações exige, na maioria dos ordenamentos, ordem judiciária. O provimento que autoriza a interceptação tem natureza cautelar, visando a assegurar as provas pela fixação dos fatos, assim como se apresentam no momento da conversa. Por isso mesmo a operação só pode ser autorizada quando presentes os requisitos que justificam as medidas cautelares (fumus boni juris e periculum in mora) devendo ainda ser a ordem motivada.

Conclui-se que, a depender do conteúdo obtido e da finalidade, a medida de interceptação telefônica pode ter uma classificação tripartite (como meio de prova, meio de obtenção de prova ou fonte de prova), conforme os ensinamentos de Távora e Alencar (2017, p. 755-756):

(I) será meio de prova em face de que, na Constituição e na legislação, há menção específica a seu nomen juris e seu resultado pode servir, diretamente, à comprovação dos elementos típicos que constituem a infração penal. Exemplo: a interceptação telefônica flagra comunicação de delito permanente, cuja consumação se protrai no tempo (alguém comunica que está mantendo outrem em cativeiro ou o agente que informa que está cometendo homicídio naquele momento, deflagrando disparos audíveis pelo telefone interceptado. Nesses casos, o resultado da interceptação será o próprio meio de prova);

(2) será meio de obtenção de prova quando, através das informações obtidas com a interceptação, for possível chegar às provas que, diretamente, demonstram a materialidade de um delito, tal como quando se descobre onde se encontram documentos ou instrumentos que podem constituir a prova propriamente dita do delito;

(3) será fonte de prova quando for considerada a perspectiva de observação da estrutura técnica da interceptação que, por sua vez, viabiliza resultados que poderão ser úteis à produção probatória.

Pressupostos legais para o cabimento da Interceptação

A licitude de uma interceptação telefônica, além dos requisitos constitucionais14, exige também a presença, cumulativa, dos pressupostos do art. 2º da Lei 9.296/1996:

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada (BRASIL, 1996, art. 2º).

Os pressupostos do art. 2º são requisitos mínimos de garantia, ou seja, de que a interceptação telefônica não será utilizada para qualquer caso e sem critérios seguros (GOMES; MACIEL, 2018, p. 104).

Tendo em vista que a medida interceptação telefônica, conforme já explicado no tópico anterior, tem natureza cautelar, e sendo uma providência dessa natureza lhe são exigidos os requisitos básicos das medidas cautelares que são: o fumus boni iuris (aparência de um bom direito), que na esfera penal, pode ser entendido como fumus commissi delicti, e o periculum in mora (perigo ou risco da demora para se tomar alguma providência, na proteção de um direito ou interesse), que em matéria processual penal pode ser entendido como periculum in libertatis (GOMES; MACIEL, 2018, p. 104).

O legislador pátrio não utilizou a melhor técnica de redação na elaboração do art. 2º, exigindo assim uma interpretação a contrario sensu, sendo alvo de críticas doutrinárias15, pois enumera os casos em que ela não pode ser decretada em vez de indicar taxativamente os casos em que será ela possível (GRECO FILHO, 2015, p. 35). Na expressão de Vicente Greco Filho (2015, p. 35):

Lamentável, porque a redação negativa sempre dificulta a intelecção da vontade da lei e mais lamentável ainda porque pode dar a entender que a interceptação seja a regra, ao passo que, na verdade, a regra é o sigilo e aquela, a exceção.

O primeiro requisito, expresso no inciso I, dispõe que a medida não será admitida se “não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal”, o que representa a indispensável presença do fumus boni iuris ou fumus commissi delicti para que seja possível a deflagração da medida.

O requisito do fumus commissi delicti divide-se em duas exigências: 1ª) probabilidade de autoria ou participação em infração penal; 2ª) probabilidade da existência de uma infração penal (GOMES; MACIEL, 2018, p. 104). No ponto, Renato Brasileiro de Lima (2019, p. 783), afirma que:

[...] é necessária a presença de, no mínimo, algum elemento de prova, ainda que indireto ou de menor aptidão persuasiva, que possa autorizar pelo menos um juízo de probabilidade acerca da autoria ou da participação do agente no fato delituoso.

O segundo requisito expresso no inciso II dispõe que a medida não será admitida se “a prova puder ser feita por outros meios disponíveis”, o que representa a indispensabilidade do periculum in mora. Na lição de Gomes e Maciel (2018, p. 106), o periculum in mora16 “exprime o perigo ou risco para a salvaguarda de um direito ou interesse, caso haja demora, isto é, caso não seja tomada imediatamente uma providência”.

Além da urgência, o perigo da demora demanda uma análise da necessidade da interceptação (critério da necessidade17), ou seja, deve ser verificado no caso concreto se não existe outra forma menos invasiva e suficientemente apta para coletar às informações pretendidas.

Por se tratar de uma medida restritiva de direitos fundamentais, ao Estado cabe escolher a menos gravosa, pois a interceptação telefônica trata-se de uma ingerência na privacidade do indivíduo, além de afetar terceiros em conversação com o investigado. Sendo assim, a medida deve ser usada como medida de ultima ratio18 para se obter elementos que poderão ser usados como prova (LIMA, 2019, p. 784).

O inciso III dispõe que a medida não pode ser deflagrada se “o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção”, ou seja, a interceptação telefônica somente pode ser utilizada para investigar crimes punidos com reclusão.

O legislador pátrio, no intento de prestigiar o princípio da proporcionalidade na medida, elencou os crimes punidos com reclusão como os passíveis para a decretação da interceptação, ainda que, tal critério suscite inúmeras críticas doutrinárias (GOMES; MACIEL, 2018, p. 116), como veremos nos próximos parágrafos.

Damásio de Jesus critica o inciso III, pela sua extensão e limitação. No que concerne à extensão, considera que a gama de possibilidades de utilização da medida em todos os crimes punidos com reclusão pode constituir muitas das vezes em um exagero; em relação à limitação, considera a impossibilidade do uso da interceptação, principalmente em alguns crimes punidos com detenção, que por natureza (como por exemplo, o crime de ameaça, crimes contra honra) poderiam ser mais bem investigados com o uso deste meio de obtenção de prova (GOMES; MACIEL, 2018, p. 116).

Vicente Greco Filho (2015, p. 36), no mesmo sentido, leciona que:

A possibilidade de interceptação telefônica com relação a todos os crimes de reclusão precisa ser restringida, porque é muito ampla.

[...]

Há necessidade de se ponderar a respeito dos bens jurídicos envolvidos: não se pode sacrificar o bem jurídico da magnitude do sigilo das comunicações telefônicas para a investigação ou instrução de crime em que não estejam envolvidos bens jurídicos de maior valor.

Grinover, Fernandes e Gomes Filho (2011, p. 175) assinalam que a postura do legislador em abarcar a possibilidade de interceptação na investigação de todos os crimes punidos com reclusão estaria eivada de inconstitucionalidade, por não ter sido observado o princípio da proporcionalidade. Salientam também que o critério da proporcionalidade não está apenas adstrito ao legislador, mas também ao intérprete, devendo o julgador negar a ordem de interceptação “se o crime objeto da investigação ou do processo não se configurar como sendo de especial gravidade”.

Por fim, concordamos que o critério escolhido pelo legislador brasileiro – balizado somente pela pena abstrata do delito – de fato não expressa o melhor sentido da proporcionalidade que uma medida dessa natureza exige. A seleção de um catálogo de crimes graves (rol taxativo de crimes), semelhante ao utilizado em legislações estrangeiras19, poderia aperfeiçoar a disciplina das interceptações telefônicas, possibilitando a atuação dos órgãos de investigação criminal nos delitos de maior potencial ofensivo ou macrocriminalidade, coligado ao resguardo da intimidade e da privacidade do cidadão, de forma a concretizar o critério da proporcionalidade exigido para as medidas restritivas de direitos fundamentais.

Parágrafo único: a delimitação da situação objeto da investigação e do sujeito passivo da interceptação telefônica

O parágrafo único do art. 2º, disciplina que: “em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada”. Deste modo, para que uma interceptação telefônica esteja dentro dos raios da legalidade, torna-se imprescindível que a decisão autorizadora da interceptação indique de forma clara e precisa qual ou quais os crimes estão sendo apurados (delimitação fática e objetiva) e quais os supostos infratores (sujeito passivo). Gomes e Maciel aduzem que a exigência de fundamentação da medida irradia-se à autoridade policial que a representou ou ao membro do Parquet que a requisitou (GOMES; MACIEL, 2018, p. 119).

Delimitação fática e objetiva

A exigência da descrição da situação objeto da investigação20, ou seja, a delimitação fática e objetiva, mostra-se de elevada importância, pois, ainda que a medida de interceptação tenha natureza cautelar, estamos defronte de uma ingerência do Estado na intimidade alheia, que somente será permitida quando devidamente fundamentada de forma pormenorizada pela autoridade julgadora, como bem enfatizou Renato Brasileiro de Lima (2019, p. 782):

Não há mais espaço para decisões que se limitam a repetir os requisitos, nos moldes do que consta da lei. É indispensável que o magistrado aponte, de maneira concreta, as circunstâncias fáticas que apontam no sentido da adoção da medida cautelar, sob pena de manifesta ilegalidade do decisum, e, por consequência, ilicitude da prova assim obtida.

Ademais, a delimitação fática está inserida na fundamentação do juiz para justificar a autorização para a realização da interceptação, pois trata-se de uma garantia de status constitucional21, prevista no art. 93, inciso IX, da Lei das Leis, “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”.

Em suma, além dos requisitos já dissertados do art. 2º, a descrição detalhada22 da situação objeto da investigação, pela autoridade julgadora, trata-se de medida que também exerce a função de garantia contra a “interceptação de prospecção” denominada também de fishing expedition23. A delimitação da situação objeto da investigação tem importância capital na análise dos encontros fortuitos de prova e possibilita a solução de algumas indagações relacionadas a matéria (GOMES; MACIEL, 2018, p. 120), como veremos no próximo capítulo.

A individualização passiva

O parágrafo único do art. 2º, ademais da exigência da situação objeto da investigação, requer que esteja delimitado no momento da autorização da medida, a individualização do sujeito ou dos sujeitos passivos – representado por aqueles quem serão investigados por meio da interceptação – vinculado ao pressuposto da ocorrência de “indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal” (BRASIL, 1996, art. 2º, Inciso I).

Em relação a essa individualização passiva, tem se por objetivo que seja elaborada uma detalhada indicação e qualificação do investigado, como o nome, o apelido, o endereço, a filiação, a profissão, entre outras informações julgadas pertinentes. Entretanto, no “mundo fático”, nem sempre será possível que as autoridades interessadas na execução da medida tenham todas essas informações no momento do pedido, inclusive a própria lei permite uma certa flexibilidade na delimitação objetiva, conforme o disposto no trecho final do supracitado parágrafo único “salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada”. Se assim não fosse, provavelmente muitas interceptações sequer seriam iniciadas. É imperioso, nesse caso, que o juiz justifique as razões fáticas que o impossibilitam de qualificar plenamente o sujeito passivo (GOMES; MACIEL, 2018, p. 121).

Outrossim, exige-se que o magistrado delimite quais as linhas telefônicas serão interceptadas, indicando o respectivo número. A medida, destarte, estará delimitada ao número ou números apontados na decisão autorizadora, sendo defeso às autoridades envolvidas na execução da operação realizar interceptações para outras linhas, exceto, se houver autorização judicial (LIMA, 2019, p. 787).

Vicente Greco Filho (2015, p. 41), traz uma importante lição concernente a questão do titular da linha telefônica:

[...] parece-nos que o sujeito da interceptação é o interlocutor e não o titular formal ou legal do direito de uso, justificando-se a interceptação em face de alguém que se utiliza da linha ainda que não seja o seu titular. Daí a possibilidade de interceptação telefônica em linha pública, aberta ao público ou de entidade pública.

Faz-se mister esclarecer que, naturalmente, ocorrerá a conversação do investigado com outras pessoas sem nenhum vínculo com a medida. Quanto a isso, não há nenhuma ilicitude, pois, como bem ensinam Gomes e Maciel (2018, p. 122), “seria ilógico sustentar que a interceptação só pudesse valer para as conversas entre interlocutores mencionados no pedido da interceptação telefônica”. Dessa forma, se houver captação de conversas entre a pessoa investigada com outras que não estavam previstas no pedido, a prova será válida para ambos os envolvidos.

A devida limitação dos sujeitos passivos envolvidos na interceptação ganha relevância essencial na solução da problemática relacionada aos encontros fortuitos de provas de outros envolvidos, como veremos no próximo capítulo.

O ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS NAS INTERCEPTAÇÕES DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS (TEORIA DA SERENDIPIDADE)

Neste importante capítulo, tem se por propósito apresentar o fenômeno do encontro fortuito de provas24 na conjuntura das interceptações das comunicações telefônicas.

Inicialmente, por meio dos ensinamentos doutrinários, pretende-se fixar considerações elementares sobre a temática, delimitando o tema para o objeto da pesquisa, haja vista que o fenômeno do encontro fortuito não está adstrito somente ao monitoramento telefônico. Serão abordadas, também, as variadas terminologias que circundam o assunto.

Aprofundando a análise da matéria – também no campo legislativo – procuramos demonstrar, mediante síntese histórica, que o legislador brasileiro foi omisso na regulamentação da matéria, fator que dificulta a solução dos problemas envolvendo a serendipidade nas interceptações telefônicas, gerando as críticas apontadas por alguns doutrinadores sobre a Lei 9296/96.

Também foram reunidos, ainda que de forma sintetizada, com o intuito de ampliar a visão sobre o tema, os aspectos mais relevantes acerca do tema, oriundos de estudos do processo penal germânico e lusitano, com a intenção de aprofundar a pesquisa em cotejo com a doutrina e jurisprudência nacional.

E, por fim, apresentaremos como o fenômeno é tratado no Brasil, tanto pela doutrina como pela jurisprudência pátria, especificamente no entendimento das Cortes Superiores de nosso país.

Considerações elementares acerca dos encontros fortuitos (Teoria da Serendipidade)

É necessário estabelecer, primeiramente, que todo o estudo sobre a teoria da serendipidade parte do pressuposto de que a medida processual em que tais elementos foram coletados foi legalmente autorizada pelo juiz competente, “sin existir lesión constitucional congénita” (CARBONE apud TREVISAN, 2013, p. 21). Do contrário, serão consideradas provas ilícitas por afrontarem garantias constitucionais.

Deste modo, toda a análise da validade do encontro fortuito de provas parte da premissa de legalidade do meio utilizado, delimitado neste trabalho pela análise no cenário da interceptação das comunicações telefônicas.

Antes de qualquer análise acerca do fenômeno da serendipidade, urge delimitar um conceito basilar – como alertado na introdução deste capítulo – pois o fenômeno do encontro fortuito possui diversas designações e variações, seja na doutrina estrangeira ou pátria. Por vezes é citado como gênero, outras como uma espécie de classificação. Por isso, neste tópico, iremos conceituá-lo de forma geral, e nos tópicos seguintes serão esmiuçadas as especificidades do tema.

O encontro fortuito de provas, é reconhecido também como princípio ou teoria da serendipidade, conforme leciona o Luiz Flávio Gomes:

O encontro fortuito pode ser denominado de serendipidade: trata-se de um neologismo que significa “algo como sair em busca de uma coisa e descobrir outra (ou outras), às vezes mais interessante e valiosa. Vem do inglês serendipty (de acordo com o Dicionário Houaiss), onde tem o sentido de descobrir coisas por acaso. Serendip era o antigo nome da ilha Ceilão (atual Sri Lanka). A palavra foi cunhada em 1974 pelo escritor inglês Horace Apole, no conto de fadas Os três príncipes de Serendip, que sempre faziam descobertas de coisas que não procuravam.

[...]

A doutrina denomina esse fenômeno de “encontro fortuito” (hallazgos fortuitos) ou descubrimientos casuales ou descubrimientos acidentales ou, como se diz na Alemanha, Zufallsfunden. Damásio E. de Jesus ainda menciona: conhecimento fortuito de outro crime, novação do objeto da interceptação ou resultado diverso do pretendido (GOMES; MACIEL, 2018, p. 122-123) .

Em sua obra, Alexandre de Moraes (2016, p. 140) designa os encontros fortuitos como “crime-achado”:

Não raras vezes, são decretadas interceptações telefônicas pela autoridade judicial competente para a investigação de fato certo, tipificado pela lei penal como crime apenado com reclusão, e, no curso de sua efetivação, outras infrações penais são descobertas (“crime-achado”), inclusive em relação a outros autores e partícipes, ou mesmo, acabam sendo produzidas provas em relação a outras investigações já em andamento.

Paulo Rangel (2015, p. 149) denomina como “caso fortuito”, enquanto Eugênio Pacelli (2018, p. 298) chama de “teoria do encontro fortuito de provas”.

Ainda na linha das questões ligadas à inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente, pode-se apontar também a teoria do encontro fortuito ou casual de provas como uma das hipóteses de aplicação do princípio. Fala-se em encontro fortuito quando a prova de determinada infração penal é obtida a partir da busca regularmente autorizada para a investigação de outro crime. A Lei nº 11.690/08, descendo a detalhes em tema de prova, perdeu boa oportunidade de regulamentar a matéria (PACELLI, 2018, p. 298).

Aury Lopes Junior (2020, p. 617-618), reconhece o encontro fortuito como um desvio causal de provas, já Renato Brasileiro de Lima (2019, p. 656-657) denomina como teoria do encontro fortuito ou casual de provas:

A teoria do encontro fortuito ou casual de provas é utilizada nos casos em que, no cumprimento de uma diligência relativa a um delito, a autoridade policial casualmente encontra provas pertinentes à outra infração penal (crime achado), que não estavam na linha de desdobramento normal da investigação. Fala-se em encontro fortuito de provas ou serendipidade quando a prova de determinada infração penal é obtida a partir de diligência regularmente autorizada para a investigação de outro crime.

Em resumo, o encontro fortuito ou teoria da serendipidade é um fenômeno que ocorre comumente durante algum meio de obtenção de prova, em que ali são encontrados elementos ou fatos penalmente relevantes, distintos da “situação objeto da investigação” (GOMES; MACIEL, 2018, p. 122). Nesta obra o estudo do encontro fortuito de provas está delimitado no cenário da interceptação telefônica.

Omissão legislativa sobre o tema

Na legislação nacional não há um dispositivo legal que regule a questão do encontro fortuito de prova no curso de uma interceptação telefônica.

No Brasil a Lei 9.296/96, responsável pela temática, não possui em seu bojo nenhum controle legal a respeito da admissibilidade dos encontros fortuitos de provas. A respeito da supracitada lei, pontua Flávia Trevizan (2013, p. 81):

Como exemplo de que a Lei em vigor não configura o projeto de que se originou a melhor proposta entre as oferecidas ao Congresso Nacional, destaca-se o Projeto de Lei nº 3.514/1989, conhecido como Projeto Miro Teixeira. O texto proposto trazia, em seu art.8º, a vedação do aproveitamento dos resultados das operações técnicas de interceptação lícita, para fins de instrução de processos ou investigações relativos a crimes diversos daqueles para os quais a autorização foi dada, salvo quando se tratasse de conhecimento fortuito de crime também constante do rol taxativo do art. 1º, o qual enumerava as hipóteses em que a quebra do sigilo seria admissível.

O Projeto Miro Teixeira (PL 3.514 de 1989), de acordo com sua justificativa, foi resultado de estudos na legislação estrangeira (Itália, Portugal e Alemanha), e com base doutrinária na obra Liberdades Públicas e Processo Penal: As interceptações telefônicas de Ada Pellegrini Grinover. O projeto de lei mostrava-se avançado para o combate à criminalidade, alinhado com os necessários cuidados em preservar os direitos fundamentais do investigado e no interesse social da investigação e representação dos crimes mais graves (BRASIL, 1989, p. 8-12). Todavia, o referido Projeto de Lei foi arquivado no Senado, por não ter sido apreciado no decorrer da legislatura, e somente com o advento da Lei 9.296, de 24 de julho de 1996 o vácuo legislativo foi colmatado (GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2011, p. 171).

Relevante, também, foi o Anteprojeto de Lei apresentando em 2003, pelo Ministro da Justiça, Dr. Márcio Thomaz Bastos, e tendo como uma das integrantes da comissão, a expoente Ada Pellegrini Grinover, no citado Anteprojeto, foram elencados os seguintes crimes no art.1º:

I – tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins; II – tráfico de seres humanos e subtração de incapazes; III -tráfico de armas, munições e explosivos; IV-tráficos de espécimes da fauna silvestre- lavagem de dinheiro; VI- contra o sistema financeiro nacional; VII-contra ordem econômica e tributária; VIII-contra a administração pública, desde que punidos com pena de reclusão; IX - falsificação de moeda ou a ela assimilados; X - roubo, extorsão simples, extorsão mediante sequestra e cárcere privado; XI - homicídio doloso, XII - ameaça quando cometida por telefone; XIII - decorrente de ações praticadas por organização criminosa; XIV – decorrente de ação de terrorismo (GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2011, p. 174).

Nesse Anteprojeto, foi sugerida a inserção do art. 19, como uma forma de solucionar a questão dos encontros fortuitos, in verbis:

Os resultados das operações técnicas realizadas nos termos desta lei não poderão ser utilizados para a instrução de processos ou investigações relativos a crimes diversos daqueles para os quais a autorização foi dada, salvo quando se tratar de crime conexo ou de outro crime constante do art. 1° desta lei [...] (GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2011, p. 177).

Como exposto acima, o Anteprojeto de 2003 criava um rol de crimes ou catálogo de crimes em que seria permitida a medida de interceptação telefônica (art.1º) e também criava uma forma legal de admissibilidade dos encontros fortuitos quando estivessem em conexão com os crimes do art. 1º ou de outro crime também previsto no catálogo de crimes (art. 19), porém o Anteprojeto não foi acolhido pelo legislador pátrio.

No ano de 2009, por meio do Projeto de Lei de Iniciativa do Senado Federal – PLS nº 156/200925, houve nova tentativa de regulamentar a admissibilidade dos encontros fortuitos no cenário das interceptações telefônicas, com a introdução do art. 250 no anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal. O art. 250, dispunha que:

Na hipótese de a interceptação das comunicações telefônicas revelar indícios de crime diverso daquele para o qual a autorização foi dada e que não lhe seja conexo, a autoridade deverá remeter ao Ministério Público os documentos necessários para as providências cabíveis (BRASIL, 2009b, p. 01).

Após a aprovação da redação final, o PLS nº 156/2009 foi remetido à Câmara dos Deputados em 21 de dezembro de 2010, e em 23 de março de 2011 passou a tramitar sob o Projeto de Lei nº 8.045/2010 (COUTINHO et al., 2019). Houve singelas mudanças durante a tramitação legislativa: o antigo art. 250 passou a constar como art. 26226 e foi substituída a palavra “autoridade” para “delegado de polícia”.

A última ação legislativa foi em 04 de dezembro de 2019. O Projeto de Lei nº 8.045/2010 aguarda para ser apresentado em plenário e, caso seja aprovado, acreditamos que pela leitura do art. 262 o indício de crime diverso encontrado poderá ser admitido no processo nos casos em que possua conexão com o crime que deu azo a interceptação, sejam achados indícios de crimes punidos com detenção ou com reclusão. Contudo, a celeuma sobre o encontro fortuito de crime punido com reclusão e que não esteja em conexão com o crime que permitiu a interceptação telefônica, permanecerá.

O PL 8.045/2010 tem por escopo a compatibilização do processo penal brasileiro com os valores democráticos da Constituição de 1988, em especial o princípio acusatório (COUTINHO et al., 2019). Não obstante, acreditamos que o cerne do problema envolvendo a regulamentação da admissibilidade dos achados fortuitos aponta também para a necessidade da atualização do diploma 9.296/96, corroborando a crítica da Professora Grinover:

A falta, na lei brasileira, de um rol taxativo de infrações em que se admite a interceptação dificulta a solução do problema. Mas o Juiz poderá guiar-se pelo mesmo critério indicado na alínea b supra (a gravidade da infração penal), para, também com base no direito comparado, adotá-lo para o aproveitamento do resultado da Interceptação em processo ou investigação diversos daquele para o qual a ordem foi dada, desde que atinente a crime de igual ou maior gravidade.

Mais uma vez, trata-se de interpretar a permissivo constitucional de intercepção à luz do princípio da proporcionalidade.

Outra questão que tem sido levantada diz respeito a possibilidade de aproveitamento da prova conseguida por meio da interceptação em relação a pessoa não mencionada na autorização judicial.

Aqui a solução deve ser no sentido de admissão de elementos obtidos, desde que ligados ao fato que está sendo investigado, até porque o mencionado parágrafo único do art. 2º admite a autorização mesmo nos casos em que não tenha sido possível a indicação e qualificação dos investigados (GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2011, p. 177) .

Ao término desta breve explanação sobre o que dispõe o ordenamento brasileiro concernente à importante questão da admissibilidade dos encontros fortuitos no meio de obtenção de prova, tem-se por conclusão que o legislador pátrio deveria optar pela regulamentação em lei acerca desse fenômeno, considerando que estão em pauta possíveis violações de direitos fundamentais, constitucionalmente garantidos, evidenciado uma clara dissonância legislativa brasileira em comparação a outros ordenamentos jurídicos ocidentais, a exemplo da Alemanha e de Portugal (TREVISAN, 2013, p. 85), como será desenvolvido nos tópicos 4.3.1 e 4.3.2.

Hodiernamente a tarefa de decidir acerca da validade de um encontro fortuito de prova nos meios de obtenção de prova, representado nesta obra, pela interceptação telefônica, recai sobre a jurisprudência brasileira, conforme será exposto nos tópicos 4.4.1 e 4.4.2.

Tratamento do encontro fortuito de provas no direito estrangeiro

Durante a fase inicial de pesquisas sobre o assunto dos encontros fortuitos, foi notada uma certa escassez de obras nacionais que debatessem o assunto de forma minudenciada, e quando encontradas, majoritariamente tinham como base teórica os dogmas provindos do velho continente, representado pelos estudos da Alemanha, de Portugal, da Espanha e da Itália.

O interesse no estudo do direito comparado, advém, também, da pesquisa jurisprudencial empregada nesse trabalho, pois fora notado que em alguns julgamentos a jurisprudência nacional recorreu aos estudos estrangeiros para corroborar a validade dos encontros fortuitos.27

Nesta parte da monografia, optou-se pela elaboração de uma síntese dos estudos baseados na Doutrina Germânica, por representar a vanguarda no debate do assunto, tendo positivado em seu diploma processual penal os “Zufallsfunden” como são denominados os encontros fortuitos ou achados aleatórios na Alemanha (GOMES; MACIEL, 2018, p. 122-123).

Também foram selecionados os estudos da dogmática portuguesa. Primeiro por ter uma regulamentação muito avançada sobre “conhecimentos fortuitos” − como são designadas as provas obtidas ao acaso em Portugal. Segundo, pela qualidade de algumas obras que podem ser coletadas livremente na rede mundial de computadores. Terceiro, pela facilidade de serem escritas no mesmo idioma pátrio, o que facilitou a compreensão do assunto.

De forma sumária, sem a pretensão de esgotar a celeuma acerca do tema no direito estrangeiro, até porque não é objetivo do trabalho, nos tópicos abaixo, serão expostas as ideias mais relevantes sobre o tema, com a mera intenção de complementar o entendimento do tema.

Alemanha

Na Alemanha os encontros fortuitos, também possuem regulamentação em Lei, desde o ano de 1992, com o advento da Lei de Combate Tráfico e ao Crime Organizado, que além de ampliar o catálogo de crimes da seção §100a, implementou no Código de Processo Penal Alemão (StPO), a seção § 100b (5)28, relacionado ao cenário das “Vigilância de Telecomunicações”29, dispondo que:

As informações pessoais obtidas apenas podem ser usadas como prova em outros processos criminais na medida em que delas resultem informações necessárias para o esclarecimento de uma infração criminal prevista no § 100a (tradução livre) (GERMAN LAW ARCHIVE, 1987, p. 1).

Conforme explica o jurista português, Manuel Monteiro Valente, o Bundesgerichtshof – BGH30, em decisão de março de 1998, adotou a regra da valoração dos conhecimentos fortuitos relativamente aos delitos do §100a da StPO, afastando a priori a valoração de conhecimentos fortuitos de crimes não catalogados, salvo quando em conexão com o delito do catálogo legitimador da interceptação telefônica (TREVISAN, 2013, p. 67).

Em 2005, o Bundesverfassungsgericht – BVerfG31, proferiu uma interessante decisão reconhecendo a constitucionalidade do uso do conhecimento fortuito para início de novas investigações quando os elementos colhidos na vigilância telefônica não estivessem coligados a crimes do catálogo, um excerto desse acordão:

[...] o conhecimento eventual de uma medida legalmente implementada nos termos da Seção 100 a do Código de Processo Penal pode ser a base para investigações adicionais em outro processo contra o reclamante por causa de um crime não catalogado, não é arbitrário nem viola o direito constitucional. A decisão impugnada corresponde a um ponto de vista difundido na jurisprudência e na literatura. (cf. Schäfer, em: Löwe-Rosenberg, StPO, 25ª edição, § 100a, parágrafo 93; Meyer-Goßner, StPO, 48ª edição, § 100a, marginal 19 mwN; BGHSt 27, 355 <357>). De acordo com isso, o conhecimento aleatório obtido legalmente que não se relaciona a atos de catálogo não pode ser usado para fins de evidência; no entanto, eles podem dar origem a novas investigações sobre a aquisição de novas evidências (ver também BGH NStZ 1998, p. 426 <427>). Por um lado, está jurisprudência leva em consideração a proteção do direito fundamental nos termos do artigo 10 GG, na medida em que novas investigações só são admissíveis nos casos em que a medida era legal nos termos do artigo 100 a StPO; por outro lado, isso leva em consideração o interesse em uma administração efetiva da justiça criminal. Em qualquer caso, um efeito preventivo para evitar procedimentos oficiais errôneos para o futuro não pode ser alcançado em nenhum caso, porque o arranjo da vigilância por telefone em si não é censurável (ALEMANHA, 2005, p. 01, tradução livre).

Algumas explicações devem ser desenvolvidas para fins de maior entendimento nessa possibilidade de uso.

Primeiro, o uso do achado aleatório não está adstrito somente àquele processo em que foi colhido, ou seja, pode ser usado como prova emprestada em outro processo de natureza criminal (LOPES, 2013, p. 170).

Segundo a seção § 100b (5), que disciplinava o uso de informações obtidas tem por finalidade a “necessidade da informação para o esclarecimento de uma infração criminal”. Assim, se descobertas infrações de origem administrativa, em tese, não poderão ser validados como prova (LOPES, 2013, p. 170).

Terceiro, somente poderia ser valorado como prova se os elementos obtidos fortuitamente se reportassem aos crimes de catálogo dispostos na seção § 100a, parágrafo 2º, do StPO32.

Após a leitura dos requisitos pode-se inferir que não seriam admitidos elementos colhidos que não tivessem dispostos no catálogo de crimes. Contudo, conforme explica Lopes (2013, p. 170):

[...] a jurisprudência tem feito uma leitura no sentido de que apenas podem ser usadas como prova as informações relativas a crimes do catálogo “em outros processos criminais”, ou seja, há uma proibição de valoração dos conhecimentos fortuitos relativos a crimes excluídos do catálogo somente quanto a outros processos criminais, de modo que tal proibição de valoração não é aplicável ao processo no qual a informação foi gerada. Em síntese, não há proibição de valoração dos conhecimentos fortuitos que não se reportem a crimes do catálogo quando eles forem utilizados no mesmo processo em que surgiram.

Observe-se que a valoração do conhecimento fortuito de crime não incluído no catálogo do § 100a, do Código de Processo Penal alemão, tem sido feita pela jurisprudência a partir de um critério de conexão em sentido processual.

Por derradeiro, é possível afirmar que durante um monitoramento telefônico, os conhecimentos fortuitos obtidos poderão ser valorados como provas quando estiverem em conexão com o delito do catálogo – sendo eles do catálogo ou não – e poderão também ser valorados como prova na situação em que eles fazem parte do rol de crimes de catálogo mesmo não possuindo conexão com o suposto crime que deu início a vigilância telefônica33. E na situação em que forem obtidos conhecimentos fortuitos relativos a crimes fora do catálogo que não possuam conexão com o crime investigado, eles poderão ser utilizados para dar azo a uma nova investigação apartada, conforme jurisprudência do Bundesverfassungsgericht – BVerfG.

Em que pese atualmente não mais constar no StPO, um dispositivo semelhante à antiga seção § 100b, que permitia expressamente em lei o uso dos achados aleatórios nas medidas de vigilância telefônicas, a jurisprudência permanece com o mesmo entendimento nessa questão, conforme extrato dessa decisão de 2019 do 3º Senado Penal do Kammergericht – denominado KG, Tribunal Estadual de Berlim:

Usabilidade do conhecimento de uma vigilância de telecomunicações legalmente ordenada se, no decorrer da investigação, o mesmo ato processual for dirigido contra uma pessoa que ainda era desconhecida no momento da ordem, de acordo com a Seção 100a (3) StPO.

Princípio orientador

1. Se a vigilância de telecomunicações for legalmente ordenada, o conhecimento adquirido sobre ela poderá ser utilizado, mesmo que o mesmo ato processual no curso da investigação seja apenas um “ato não catalogado”, de acordo com a Seção 100a (2) do Código de Processo Penal e a ordem original não deva mais ter sido emitida.

2. Na medida em que esteja envolvido o mesmo ato processual, o conhecimento adquirido com o monitoramento também poderá ser utilizado em relação a outras formas de participação no ato do catálogo adotado inicialmente e em relação a outras pessoas envolvidas no ato.

3. O mesmo se aplica se, no momento em que a vigilância das telecomunicações foi ordenada, o réu não pertencia ao grupo de pessoas contra quem a ordem foi dirigida, de acordo com a Seção 100a (3) do Código de Processo Penal.

4. Nesse caso, a seção 477 (2) da sentença 2 do StPO não se aplica porque não é outro procedimento criminal na acepção deste regulamento (ALEMANHA, 2019, p. 1, tradução livre).

Concluindo a sumária explanação sobre o tratamento germânico no cenário da vigilância telefônica, é oportuno lembrar que o Código de Processo Penal Germânico (StPO) passou por uma importante reforma no ano de 2017, com a intenção de transformar a persecução penal mais eficaz e prática, e tal mudança afetou potencialmente os meios de vigilância/monitoramento em geral, incluindo outras formas mais invasivas de investigação e aumentando o rol dos crimes de catálogo da seção § 100a, parágrafo 2º.

Portugal

A doutrina lusitana traz uma importante distinção na temática das provas obtidas fortuitamente: os conhecimentos fortuitos e os denominados conhecimentos da investigação, basicamente tendo como núcleo da diferenciação o critério da conexão, ou não, do material encontrado com os fatos que determinaram a medida investigatória. A distinção é interessante pela possibilidade do manejo processual correto quanto a admissibilidade do material encontrado ao acaso.

O jurista português Francisco Aguilar conceitua os conhecimentos de investigação como:

Os factos, obtidos através de uma escuta telefónica legalmente efectuada, que se reportam ou ao crime cuja investigação legitimou a realização daquela ou a um outro delito (pertencente ou não ao catálogo legal) que esteja baseado na mesma situação histórica da vida daquele (AGUILAR apud RODRIGUES, 2018, p. 30).

Em que pese o conceito estar no âmbito das interceptações telefônicas, vale também para a busca domiciliar.

A expressão “situação histórica de vida” utilizada pelo doutrinador português, pode ser entendida como a conexão ou continência (Arts. 76 e 77 do CPP), critério usado pela doutrina pátria para classificar o encontro fortuito ou serendipidade de 1º grau, que será explanada futuramente no tópico 4.4.1.

Já os conhecimentos fortuitos seriam identificados de forma residual, sendo todos os elementos obtidos na investigação que não possuam nenhum tipo de liame com os fatos que deram causa a investigação, sejam conexão objetiva (em relação a outro delito) ou subjetiva (em relação a outro sujeito) (RODRIGUES, 2018, p. 30).

No país lusitano, os conhecimentos fortuitos possuem regulamentação em Lei, quando obtidas no cenário das interceptações e gravações das comunicações telefônicas34.

A importância dada pelo legislador português em relação a essa temática tornou a admissibilidade dos conhecimentos fortuitos positivada, por meio da Lei nº 48, de 29 de agosto de 2007, inovando na regulamentação legal da disciplina das provas achadas e alterando diversos dispositivos, dentre eles os que tratam da medida de interceptação e gravação das comunicações telefônicas para fins de obtenção de prova penal no CPP de Portugal (LOPES, 2013, p. 180).

A inovação veio com a inserção do nº 7, no artigo 187 no CPP Português, que discorre que: Sem prejuízo do disposto no artigo 248.º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1.35

Dessa forma, pode-se afirmar que no direito processual penal português o uso dos conhecimentos fortuitos é admissível, desde que as provas encontradas estejam relacionadas às pessoas indicadas no nº 4 (catálogo de alvos) do art. 187 do CPP Português, e quando se refiram aos crimes relativamente aos quais a escuta telefônica é legalmente autorizada, elencados no nº 1 (catálogo de crimes) (TREVISAN, 2013, p. 71).

E quando esses conhecimentos fortuitos não puderem ser aproveitados por não preencherem os requisitos subjetivos (catálogo de alvos) e objetivos (catálogo de crimes), poderão ser usados na forma que disciplina o art. 248 do CPP Português36, como notícia de crime por parte dos órgãos de polícia. Conforme explica Lopes (2013, p. 181), “portanto, vê-se que independentemente da possibilidade de valoração dos conhecimentos fortuitos em outros processos, eles poderão ser utilizados como notícia-crime para deflagrar novas investigações”.

O tratamento do encontro fortuito de provas nas interceptações telefônicas no Brasil (Teoria da Serendipidade)

No desenvolvimento de uma investigação por meio da interceptação telefônica não é incomum que surjam outros fatos penalmente relevantes, e que não estavam no escopo da situação objeto da investigação. Tais fatos podem envolver o próprio investigado ou outras pessoas. Conforme averbam Gomes e Maciel (2018, p. 122-123):

[...] De outro lado, podem aparecer outros envolvidos com o mesmo fato investigado ou com outros fatos diferentes do que motivou a decretação da interceptação. E nisso que reside o fenômeno da serendipidade que significa procurar algo e encontrar coisa distinta (buscar uma coisa e descobrir outra, estar em busca de um fato ou uma pessoa e descobrir outro ou outra por acaso).

[...]

Duas circunstâncias marcam o "encontro fortuito": a) razões técnicas – durante a execução da interceptação não há como distinguir a priori o que versa sobre o objeto da investigação e o que lhe é distinto; b) ocorre sem autorização judicial específica, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, justamente por tratar-se de restrição a direito fundamental.

Na obra de Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel (2018, p. 124), os autores utilizam o critério da conexão para classificar o encontro fortuito ou serendipidade em primeiro grau ou de segundo grau. Os doutrinadores apontam que “o “critério da conexão” (que conduz ao reconhecimento do encontro fortuito de primeiro grau) é perfeitamente válido em nosso ius positum” (GOMES; MACIEL, 2018, p. 124). Por meio desse critério de conexão, é feito a separação dos fatos fortuitos que poderão ser validados como prova e os que não podem ser admitidos como prova no processo penal, mas que podem ser utilizados como notícia de crime em uma outra investigação distinta.

O encontro fortuito de 1º grau consiste no encontro de elementos casuais de fatos que fazem parte da mesma situação histórica de vida do delito investigado (GOMES; MACIEL, 2018, p. 124). Conforme exposto no estudo do direito estrangeiro (ver item 4.3.2), o denominado encontro fortuito de primeiro grau seria equivalente ao conhecimento de investigação da doutrina lusitana.

O encontro fortuito de 2º grau, por sua vez, seriam os conhecimentos de fatos não conexos), isto é, elementos que não estão coligados na mesma situação histórica do crime investigado (GOMES; MACIEL, 2018, p. 124). Por seu turno (ver item 4.3.2), o encontro fortuito de segundo grau, é reconhecido como conhecimento fortuito pela doutrina portuguesa.

Percebe-se que o ponto nervoso da discussão da validade desses elementos como prova, em sede doutrinária, paira na constatação da conexão entre os elementos obtidos ao acaso em comparação com o fato ou o sujeito investigado durante a interceptação telefônica.

Em razão disso, nos tópicos a seguir, objetiva-se expor os entendimentos mais relevantes da doutrina e da jurisprudência brasileira sobre esse intrincado tema, em especial os julgamentos das Cortes Superiores de nosso país, a fim de identificar qual o critério utilizado nessas decisões.

A validade do encontro fortuito (serendipidade de 1º grau)

Na doutrina pátria há um entendimento majoritário quanto à validade dos encontros fortuitos de 1º grau como prova, como será demonstrado nos parágrafos abaixo.

Gomes e Maciel (2018, p. 124), apontam que “se o fato objeto do “encontro fortuito” é conexo ou tem relação de continência (concurso formal) com o fato investigado é válida a interceptação telefônica como meio probatório”. Entendem que se é descoberto o envolvimento de outros sujeitos com o mesmo crime investigado, os elementos obtidos também são válidos como meio probatório. Por conseguinte, as provas colhidas nessas hipóteses têm valor jurídico e devem ser admitidas no processo, podendo conduzir a uma condenação penal (GOMES; MACIEL, 2018, p. 124).

Em suma, para Gomes e Maciel (2018), somente o encontro fortuito de primeiro grau teria validade como prova em processo penal. O critério da conexão abarca o descobrimento de novos crimes ou novas pessoas que não estavam sendo investigadas.

Greco Filho (2015, p. 45) em entendimento similar ao de Gomes e Maciel (2018), indica que o elemento fortuito poderá ser utilizado como prova, desde que não viole os requisitos do art.2º da Lei nº 9.296/96, somado à condição de relação com o fato em investigação, em situação de concurso de crimes, continência ou conexão.

O fundamento utilizado por Greco Filho (2015, p. 46) na defesa da validade desses elementos, reside no certo grau de incerteza e abrangência que orbitam toda a investigação, em sua exposição:

É fato notório que a atividade criminosa, especialmente a organizada, não se limita a uma especialidade, ramificando-se do tráfico de entorpecentes para o sequestro, o contrabando de armas etc. E seria uma limitação excessiva não se permitir que, uma vez autorizada legitimamente a interceptação, não pudesse abranger toda a atividade criminosa dos interceptados [...] (GRECO FILHO, 2015, p. 46).

Fernandes (2010, p. 98) aponta que uma interpretação mais rigorosa da lei não autorizaria o uso da prova obtida de forma casual, pois não estaria inserida no âmbito da investigação, ocorrendo assim ilicitude por desvio do objeto da interceptação, entretanto, pondera que nem toda prova obtida nessas condições seria ilícita, em seus termos, “o critério para afirmação da licitude deve ser o da existência de nexo entre o crime descoberto e o investigado”.

Avolio (2010, p. 230-231) entende que devem ser válidos os elementos estranhos a investigação, apenas quando envolver hipótese de conexão e continência entre os fatos encontrados.

Convém também apresentarmos a posição de Aury Lopes Junior (2020, p. 621-622) sobre o tema, o autor demostra uma forte restrição ao aproveitamento da prova colhida fortuitamente ou em situação de “desvio causal”. A crítica do jurista é pela amplitude do critério da conexão, que vem apoiado pela sistemática do CPP na definição da competência criminal, incursos no Art. 76 (conexão) e Art. 77 (continência), e pelos possíveis abusos de poder investigatório que podem ser convalidados sob o argumento da conexão. Em seu arremate:

Em suma, há que se atentar para a vinculação causal da prova como forma de evitar-se o substancialismo inquisitório e as investigações genéricas, verdadeiros “arrastões” sem qualquer vinculação com a causa que os originou. Todo ato judicial que autoriza, por exemplo, a obtenção de informações bancárias, fiscais ou telefônicas – com o sacrifício do direito fundamental respectivo – é plenamente vinculado e limitado. As regras da conexão podem ser admitidas como forma de relativizar o princípio da especialidade da prova, mas exigem sempre uma leitura restritiva desse conceito, bem como a demonstração da real existência dos elementos que a compõem. O que não se pode tolerar é a fraude de etiquetas, em que a conexão é engendrada para permitir o desvio da vinculação causal imposta pelo princípio da especialidade (LOPES JUNIOR, 2020, p. 622).

Portanto, para Lopes Junior (2020), somente poderá ser validado o material obtido de forma fortuita quando demonstrada cabalmente a conexão entre os fatos e o objeto da medida de interceptação, não obstante a esse posicionamento, o jurista desfere críticas contundentes contra os argumentos utilizados pela doutrina e pela jurisprudência nacional nessa matéria.

Noutro giro, passaremos a analisar como é realizado o manejo do encontro fortuito de provas (serendipidade de 1º grau) pelas Cortes Superiores de nosso país, representado nesta obra pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ e Supremo Tribunal Federal – STF.

O STJ no julgamento do HC 33.553/CE (BRASIL, 2005a, p. 1) em 2005, entendeu como lícita a prova de crime diverso obtida ao longo da interceptação, de terceiro não mencionado na autorização judicial, contanto que estivesse relacionada com o injusto penal que deu azo a interceptação telefônica. No acórdão, a Ministra Relatora Laurita Vaz fundamentou seu voto pela licitude da prova fortuita referenciando os argumentos da doutrina de Grinover e de Lenio Luiz Streck, substanciados na conexão com os fatos, na permissibilidade legal do parágrafo único do art. 2º da Lei 9.296/96 e na impossibilidade fática de que sejam especificadas todas as situações atinentes às investigações, especialmente quando se tratam de grandes quadrilhas.

E esse entendimento pela validade do elemento fortuito pretérito, quando em conexão com sujeitos ou fatos investigados, está pacificado na Corte Cidadã, como se vê abaixo nos excertos de alguns julgamentos selecionados:

[...]

4. É lícita a prova de crime diverso, obtida por meio de interceptação de ligações telefônicas de terceiro não mencionado na autorização judicial de escuta, desde que relacionada com o fato criminoso objeto da investigação. Precedentes. [Habeas Corpus nº 33.462/DF, 5ª Turma, Relatora Min. Laurita Vaz, julgado em 27/09/2005, publicado no DJe de 07/11/2005] (BRASIL, 2005b, p. 1).

[...]

4. A descoberta de fatos novos advindos do monitoramento judicialmente autorizado pode resultar na identificação de pessoas inicialmente não relacionadas no pedido da medida probatória, mas que possuem estreita ligação com o objeto da investigação. Tal circunstância não invalida a utilização das provas colhidas contra esses terceiros (Fenômeno da Serendipidade). Precedentes. [Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 28.794/RJ, 5ª Turma, Relatora Min. Laurita Vaz, julgado em 06/12/2012, publicado no DJe de 13/12/2012 (BRASIL, 2012a, p. 1).

[...]

1. A interceptação telefônica vale não apenas para o crime ou indiciado objeto do pedido, mas também para outros crimes ou pessoas, até então não identificados, que vierem a se relacionar com as práticas ilícitas. A autoridade policial ao formular o pedido de representação pela quebra do sigilo telefônico não pode antecipar ou adivinhar tudo o que está por vir. Desse modo, se a escuta foi autorizada judicialmente, ela é lícita e, como tal, captará licitamente toda a conversa. 2. Durante a interceptação das conversas telefônicas, pode a autoridade policial divisar novos fatos, diversos daqueles que ensejaram o pedido de quebra do sigilo. Esses novos fatos, por sua vez, podem envolver terceiros inicialmente não investigados, mas que guardam relação com o sujeito objeto inicial do monitoramento. Fenômeno da serendipidade. [Habeas Corpus nº 144.137/ES, 5ª Turma, Relator Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 15/05/2012, publicado no DJe de 31/08/2012] (BRASIL, 2012b, p. 1).

[...]

2. Este Superior Tribunal consolidou a orientação de que a descoberta, em interceptação telefônica judicialmente autorizada, do envolvimento de pessoas diferentes daquelas inicialmente investigadas - o denominado encontro fortuito de provas (serendipidade) - é fato legítimo, não gerando irregularidade do inquérito policial, tampouco ilegalidade na instauração da ação penal. [Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 81.964/RS, 6ª Turma, Relator Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 09/05/2017, publicado no DJe 15/05/2017] (BRASIL, 2017a, p. 1).

No ano de 2007, no julgamento do HC 69.552/PR, a 5ª Turma do STJ decidiu que no caso de ocorrência da serendipidade envolvendo notícia de prática futura de crime, seria desnecessária a correlação entre os fatos ou sujeitos investigados, conforme o extrato da ementa do acórdão:

I - Em princípio, havendo o encontro fortuito de notícia da prática futura de conduta delituosa, durante a realização de interceptação telefônica devidamente autorizada pela autoridade competente, não se deve exigir a demonstração da conexão entre o fato investigado e aquele descoberto, a uma, porque a própria Lei nº 9.296/96 não a exige, a duas, pois o Estado não pode se quedar inerte diante da ciência de que um crime vai ser praticado e, a três, tendo em vista que se por um lado o Estado, por seus órgãos investigatórios, violou a intimidade de alguém, o fez com respaldo constitucional e legal, motivo pelo qual a prova se consolidou lícita. II - A discussão a respeito da conexão entre o fato investigado e o fato encontrado fortuitamente só se coloca em se tratando de infração penal pretérita, porquanto no que concerne as infrações futuras o cerne da controvérsia se dará quanto a licitude ou não do meio de prova utilizado e a partir do qual se tomou conhecimento de tal conduta criminosa. Habeas corpus denegado. [Habeas Corpus nº 69.552/PR, 5ª Turma, Relator Min. Felix Fischer, julgado em 06/02/2007, publicado no DJe de 14/05/2007] (BRASIL, 2007b, p. 1).

Em suma, para o STJ a teoria da serendipidade ou encontro fortuito de provas de 1º grau, é plenamente aceita e pode ser utilizado como prova, desde o ano de 2005 até o presente momento. E o cerne da argumentação em prol da sua validade, consiste na inteligência do parágrafo único do art.2º da Lei 9.296/96 somado a impossibilidade prática de especificar todas as situações atinentes às investigações.

O Supremo Tribunal Federal – STF, também, em diversos julgamentos reconheceu a validade do encontro fortuito de provas de 1º grau no bojo das interceptações telefônicas como será demonstrado a seguir.

No ano de 2004, a Corte julgou o HC 83.515/RS e firmou o entendimento pela validade da descoberta casual de prova, inclusive, para aqueles crimes punidos com detenção e conexos ao objeto da investigação, isto é, delitos que, isoladamente, não poderiam ser investigados por esse meio de obtenção de prova, conforme esse trecho da ementa:

[...]

5. Uma vez realizada a interceptação telefônica de forma fundamentada, legal e legítima, as informações e provas coletas dessa diligência podem subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação.

Do contrário, a interpretação do art. 2º, III, da L. 9.296/96 levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade de interceptação para investigar crimes apenados com reclusão quando forem estes conexos com crimes punidos com detenção. [Habeas Corpus nº 83.515/RS, Tribunal Pleno do STF, Relator Min. Nelson Jobim, julgado em 16/09/2004, publicado no DJe de 04/03/2005] (BRASIL, 2005c, p. 1).

No caso em voga, a investigação originária fora deflagrada para apurar crimes de crimes de formação de quadrilha, evasão de divisas, lavagem de dinheiro praticadas por organização criminosa. No entanto, durante a execução da interceptação telefônica, também foram descobertos indícios de cometimento de crimes punidos com detenção, em conexão com os delitos que suscitaram a medida, como venda de substância nociva à saúde, sonegação fiscal, fornecimento de substância medicinal em desacordo receita médica e usura. Os réus foram denunciados por todos esses crimes.

A defesa alegou que as provas obtidas eram ilícitas, em descompasso ao previsto no inciso III, do art. 2 da Lei 9296/96, aduzindo que há clara vedação legal para o uso da vigilância telefônica contra crimes punidos com detenção. Entretanto, o Min. Nelson Jobim, relator do acórdão, rechaçou esse argumento, e em seu voto, dissertou que a intenção do inciso III, do art. 2 da Lei 9296/96, deve ser entendido como a evitar a banalização do monitoramento telefônico fundado inicialmente para apurar crimes de menor gravidade. Contudo, se a medida ocorreu dentro dos raios da legalidade, no bojo de um procedimento legal e legítimo, e foram captadas informações de crimes punidos com detenção, conexas ao objeto inicial, estas podem e devem ser valoradas como prova. Se não fosse entendido dessa forma, seria impossível investigar crimes apenados com reclusão quando estivessem no mesmo contexto dos crimes punidos com detenção (BRASIL, 2005c).

Este entendimento prevaleceu ao longo do tempo37. Em 2019, em decisão colegiada mais recente sobre o assunto – encontrada no acervo jurisprudencial do STF, a 1ª Turma da Corte Suprema ratificou o mesmo entendimento de outrora, no julgamento do Embargo de Declaração no Agravo Regimental no HC 167.550/PR. O Relator do Acórdão, Min. Luiz Fux, utilizou em seu voto os mesmos fundamentos do HC 106.152/MS e HC 129.678/SP (precedentes da Suprema Corte – ver tópico 4.4.2), para validar o “crime achado” e refutar o argumento de que seriam provas ilícitas:

[...] há precedente desta Suprema Corte no sentido de que o “crime achado” em interceptação telefônica devidamente autorizada não constitui prova ilícita se o meio de obtenção de prova foi legitimamente determinado, mormente se, consoante sucede na hipótese sub examine, o crime é apenado com pena de reclusão, além de não se ter comprovado desvio de finalidade, bem como as infrações descobertas estavam relacionadas aos fatos que motivaram a prévia quebra do sigilo telefônico. [Embargo de Declaração no Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 167.550/PR, 1ª Turma, Relator Min. Luiz Fux, julgado em 25/10/2019, publicado no DJe de 12/11/2019] (BRASIL, 2019, p. 1).

Na última década, o STF vem demonstrando maior flexibilidade acerca da adoção do princípio da serendipidade, pois vem admitindo a validade dos encontros fortuitos como prova, estejam estes conexos ou não com o objeto da investigação, punidos com reclusão ou detenção, desde que não tenha ocorrido nenhuma ilegalidade na origem da interceptação, como será desenvolvido no tópico a seguir.

A validade do encontro fortuito (serendipidade de 2º grau)

Em relação a validade do encontro fortuito ou serendipidade de 2º grau, parte da doutrina pátria entende que podem ensejar uma nova investigação, ou seja, podem ser usados como notícia de crime, mas há certa restrição ao seu uso como prova processual como veremos a seguir.

Gomes e Maciel (2018, p. 124), entendem que o encontro fortuito ou serendipidade de 2º grau não pode ser validado como prova, o fundamento dos autores reside no respeito ao princípio da identidade, ou seja, na expectativa de haja congruência entre fato e o sujeito passivo indicados na decisão que autorizou a medida em comparação com os fatos e sujeitos investigados na prática.

Portanto, na situação em que não haja conexão, o encontro fortuito de prova de 2º grau não pode ser valorado pelo juiz (como prova válida na mesma ação penal), e teria apenas o valor de uma notitia criminis, propiciando a instauração de nova investigação ou até mesmo uma nova interceptação, contudo apartada da investigação inicial (GOMES; MACIEL, 2018, p. 124).

Greco Filho (2015, p. 44) defende que a proteção constitucional ao sigilo das comunicações telefônicas dos interlocutores, não permite a utilização da prova fortuita não relacionada com o fato que a justificou aos sujeitos não envolvidos na investigação inicial.

Em relação a novos fatos criminosos e que estejam desvinculados com a situação histórica da investigação, Greco Filho aponta que a prova teria origem ilícita, e não poderia ser utilizada, não sendo adequado a sua ratificação ou extensão, pelo juiz (GRECO FILHO, 2015, p. 46).

Avolio (2010, p. 230-231) tem o entendimento de que no encontro de provas relacionadas a outros sujeitos fora do objeto inicial, a prova somente reputaria como válida se estivesse relacionada a mesma prática ilícita que fundamentou a medida de interceptação.

O doutrinador elucida que a utilização dessas informações fortuitas somente seria justificada nos casos em que a notícia-crime servisse para efetuar a prisão em flagrante do sujeito ou impedimento da concretização de um crime de maior gravidade, com base no critério da proporcionalidade, fora dessas exceções a medida poderia caracterizar como uma interceptação em prospectiva (AVOLIO, 2010, p. 231).

Grinover, Fernandes e Gomes Filho (2011, p. 177), na obra As nulidades no processo penal, apontam que o aproveitamento do conhecimento fortuito, em relação à fato diverso, deve-se guiar pela gravidade da infração penal, semelhante ao que ocorre no direito estrangeiro, desde que os fatos encontrados sejam de igual ou maior gravidade que o crime em investigação, “trata-se de interpretar a permissão constitucional de interceptação à luz do princípio da proporcionalidade”.

Em se tratando de sujeitos alheios, não mencionados na autorização judicial, Grinover, Fernandes e Gomes Filho (2011, p. 177) explicam que a solução deve ser pelo critério da conexão ao fato investigado, com fundamento no parágrafo único do Art.2º da Lei 9.296/96, pois o dispositivo permite realizar a interceptação na hipótese em que não tenha sido possível a indicação e a qualificação dos investigados.

E em relação ao entendimento jurisprudencial, de forma complementar ao já exposto no tópico anterior, será demonstrado como o STJ e o STF realizam o manejo dos encontros fortuitos de 2º grau.

No ano de 2005, a Corte Especial do STJ julgou a Ação Penal nº 425/ES, processo em que se apuravam possíveis crimes de estelionato, falsidade ideológica, uso de documento falso, exploração de prestígio, entre outros, cometidos no âmbito da Justiça Federal do Espírito Santo, envolvendo dois magistrados, um procurador federal e três advogados que militavam em ações de competência desse juízo pleiteando benefícios tributários espúrios.

Uma das teses de defesa utilizadas pelos advogados foi a de que as captações de conversas alheias ao objeto investigado eram ilegais e abusivas, pois haviam sido emprestadas de outra investigação do STJ (Inquérito nº 424), o que por sua vez, tornariam elas imprestáveis para fundamentar a denúncia contra os investigados.

O Ministro Relator José Arnaldo da Fonseca, em seu voto, dissertou que:

[...] Com efeito, o importante acerca do conteúdo dos elementos aclarados com a interceptação é que eles mantenham-se fiéis à legalidade do meio autorizado, independentemente de ter ou não ampliado o que inicialmente se propunha com a medida assecuratória.

Por outro lado, se a captação, dentro dos padrões legais, mostrou uma realidade nova em torno dos envolvidos e terceiros até então não identificados, e sobre fatos diversos por extensão, nada impede que estes possam sustentar uma persecução autônoma, porque, repita-se, o que importa é considerar as interceptações telefônicas condizentes com os ditames do artigo 5°, inciso XII, da Constituição Federal, bem assim, da Lei n° 9.296, de 24 de julho de 1996. [Ação Penal 425/ES, Corte Especial do STJ, Relator Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado em 16/11/2005, publicado no DJe de 15/05/2006] (BRASIL, 2006, p. 1, grifo nosso).

Portanto, restou evidenciado que o encontro fortuito de 2º grau obtido em outra investigação, foi o alicerce para iniciar uma nova investigação autônoma, o que na visão da Corte Especial, por meio do voto do supracitado relator, não acarreta qualquer ilegalidade quanto ao seu uso. Nesse caso, a serendipidade de 2º graus possibilitou uma ação penal através da nova investigação, e o argumento de sua validade foi na análise da legalidade do meio utilizado e não na conexão entre fatos ou sujeitos.

O STJ, no julgamento, em 2007, do HC 69.552/PR da 5ª Turma do STJ, já havia reconhecido a possibilidade do uso do encontro fortuito de 2º grau quando houvesse notícia de prática futura de crime (ver item 4.4.1). E este entendimento prevalece nas decisões dessa Corte Superior, inclusive para a validade da serendipidade de 2º grau de crimes pretéritos, demonstrando que seu uso como prova não gera ilicitude alguma, conforme julgados mais recentes, expostos nos parágrafos abaixo.

No julgamento do Recurso Especial nº 1.465.966/PE, em 2017, pela 6ª Turma do STJ, ficou estabelecido que não havia ilicitude na ocasião da utilização dos elementos fortuitos de 2º grau, ainda que réu não estivesse relacionado como investigado na interceptação, conforme exposto nesse trecho do voto vencedor do Min. Relator Sebastião Reis Junior:

[...]

Ora, a orientação jurisprudencial desta Corte Superior é que não há ilicitude no encontro fortuito de prova em interceptação telefônica, sendo possível o uso do elemento probatório colhido, ainda que o réu não figure como investigado na diligência efetivada e que o crime descoberto não guarde elemento de conexão com aquele que motivou a interceptação. [Recurso Especial nº 1.465.966/PE, 6ª Turma, Relator Min. Sebastião Reis Junior, julgado em 10/10/2017, publicado no DJe de 19/10/2017] (BRASIL, 2017b, p. 1).

No caso em tela, a Polícia Civil do Sergipe investigava uma quadrilha especializada no furto de joias na região de Aracaju-SE e outras grandes capitais. A quadrilha foi presa na cidade de São Paulo-SP, por um delegado da Polícia Civil de Pernambuco, que também estava investigando a mesma organização criminosa pelos mesmos delitos.

A serendipidade de 2º grau ocorreu quando a Polícia do Sergipe solicitou a inclusão de outros terminais telefônicos para serem interceptados, de terceiros não conhecidos, que se comunicavam com outros membros dessa organização criminosa.

Nas comunicações entre esses novos terminais e os criminosos, fora descoberto o envolvimento desta autoridade policial de Pernambuco, em corrupção passiva, e dos advogados dos criminosos, em corrupção ativa, por ocasião do acerto para o pagamento de quantias vultuosas de dinheiro pelos Advogados dos indiciados, com o objetivo de que a autoridade policial omitisse informações primordiais no inquérito policial, em benefício dos seus clientes.

Ambas as defesas arguiram ilicitude de provas, aduzindo que a denúncia do Ministério Público de Pernambuco foi lastreada nessa interceptação telefônica, e que esta era nula por ofensa ao art. 2º da Lei 9296/96, pela questão de os réus jamais terem figurados como investigados na ação penal que originou a interceptação em suas linhas telefônicas. Tais argumentos que não foram acatados pela 6ª Turma do STJ, em consonância com a aplicação da teoria da serendipidade. Esse mesmo entendimento também já havia sido exposto no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.174.858/SP (BRASIL, 2016a) em 2016, e continua sendo ratificado em diversos julgados desta Corte Superior, como no HC 376.927/ES (BRASIL, 2017c) de 2017, entre outros.

Por fim, no julgamento colegiado mais recente, encontrado no sítio do STJ, o Agravo Regimental no Recurso Especial 1.752.564/SP, tendo como Relator o Min. Ribeiro Dantas, a aplicação da teoria da serendipidade permanece sólida, conforme excerto da emenda, oriunda do voto do aludido Min.:

[...]

5. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da adoção da teoria do encontro fortuito ou casual de provas (serendipidade). Segundo essa teoria, independentemente da ocorrência da identidade de investigados ou réus, consideram-se válidas as provas encontradas casualmente pelos agentes da persecução penal, relativas à infração penal até então desconhecida, por ocasião do cumprimento de medidas de obtenção de prova de outro delito regularmente autorizadas, ainda que inexista conexão ou continência com o crime supervenientemente encontrado e este não cumpra os requisitos autorizadores da medida probatória, desde que não haja desvio de finalidade na execução do meio de obtenção de prova. [ Agravo Regimental no Recurso Especial 1.752.564/SP, 5ª Turma, Relator Min. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 17/11/2020, publicado no DJe de 23/11/2020] (BRASIL, 2020b, p. 1).

Dessarte, pode-se constatar que está cristalizado na jurisprudência dessa Corte o reconhecimento da validade do encontro fortuito de 2º grau, podendo este material ser utilizado como notícia de crime e ensejando uma nova investigação à parte, ou como prova criminal, estribado no critério da legalidade da interceptação anterior e na ausência de desvio de finalidade na execução do meio de obtenção de prova, não suscitando qualquer irregularidade na investigação ou ilegalidade na ação criminal.

O STF tem também posição bem consolidada na temática dos encontros fortuitos de 2º grau, e vem reconhecendo sua plena legalidade como apresentaremos nos próximos parágrafos.

Em 2016, no HC 106.152/MS, a defesa sustentava o trancamento da ação penal, lançando como um dos seus argumentos a tese de que a interceptação tinha como escopo a autorização para apuração de crimes tributários e não de outros casualmente encontrados. Todavia, a 1ª Turma do STF entendeu que são plenamente válidos os encontros fortuitos de prova, com substrato no cumprimento do devido processo legal, bem como na expectativa probatória que envolve uma investigação, conforme o seguinte trecho do elogiável voto da Relatora, Min. Rosa Weber:

É importante ter presente que, no início de uma investigação, há uma expectativa probatória que pode ou não se confirmar no curso do procedimento. A validade da investigação não está condicionada ao resultado, mas sim à observância do devido processo legal. Se o emprego de método especial de investigação, como a interceptação, foi validamente autorizado, a descoberta fortuita de outros crimes que não os de início previstos não padece de vício, sendo as provas respectivas passíveis de ser consideradas e valoradas no processo penal. Na hipótese sub judice, as provas dos crimes de corrupção fortuitamente colhidas no curso da interceptação não parecem se revestir de ilicitude, pelo menos no exame que comportam nesta via estreita do habeas corpus, independentemente da sorte dos crimes contra a ordem tributária que motivaram em um primeiro momento a investigação. Não cabe cogitar, portanto, da concessão da ordem de ofício a respeito. [Habeas Corpus nº 106.152/MS, 1ª Turma, Relatora Min. Rosa Weber, julgado em 29/03/2016, publicado no DJe de 24/05/2016] (BRASIL, 2016b, p. 1, grifo nosso).

No ano de 2017, a 1ª Turma do STF, reconheceu e denegou, por maioria, o HC 129.678/SP (BRASIL, 2017d), em que a defesa pleiteava o trancamento de uma Ação Penal, invocando a ilicitude de provas pelo fato da denúncia estar lastreada em provas fortuitamente apanhadas em interceptação telefônica, que fora deflagrada inicialmente para investigar crimes de tráfico de entorpecentes, sendo que no desdobramento da investigação também foram obtidos elementos fortuitos relacionados ao crime de homicídio. Cabe ressaltar que, diversamente de julgados anteriores, a 1ª Turma da Corte Suprema não adentrou o mérito da conexão entre os crimes. Apenas asseverou que, pelo fato de ser prova fortuita de um suposto homicídio, e este ser punido com reclusão, descoberto durante uma interceptação telefônica judicialmente autorizada, não suscitaria nenhum óbice ao seu aproveitamento, visto que estaria em alinho aos requisitos constitucionais da Lei 9296/96, conforme se extrai dos votos do Relator, Min. Marco Aurélio e do Redator do Acordão, Min. Alexandre de Moraes, respectivamente:

[...] O fato de os dados terem sido coletados em interceptação telefônica que não tinha por finalidade a descoberta do homicídio é insuficiente a concluir-se pela nulidade. O que importa é ter-se interceptação autorizada na forma da lei. Surgindo notícia de prática criminosa, ainda que estranha ao objetivo inicial da interceptação, cumpre dar sequência às investigações e, se for o caso, chegar-se à apresentação de denúncia. [HC 129.678/SP, 1ª Turma, julgado em 13/06/2017, publicado no DJe de 17/08/2017] (BRASIL, 2017d, p. 1).

[...] Assim, o “crime achado” - ou seja, a infração penal desconhecida e, portanto, até aquele momento não investigada - sempre deve ser cuidadosamente analisado para que não se relativize em excesso o inciso XII do art. 5º da Constituição (“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”). Apesar de não haver dados nos autos que atestem se há ou não conexão entre os crimes, a prova obtida mediante interceptação telefônica quanto a essa infração penal diversa da investigada deve ser considerada lícita, pois presentes os requisitos constitucionais e legais: a interceptação foi autorizada por ordem judicial e o crime é apenado com reclusão. Só poderia ser afastada a prova se verificássemos - o que não é o caso - alguma hipótese de desvio de finalidade. Lamentavelmente, às vezes, isso ocorre nas investigações. Faz-se uma fraude para a obtenção da interceptação, para se investigar ilicitamente terceiros. Contudo, na espécie, trata-se do típico “crime achado”, que não constitui prova ilícita - havia autorização judicial, é bom repetir. [HC 129.678/SP, 1ª Turma, julgado em 13/06/2017, publicado no DJe de 17/08/2017] (BRASIL, 2017d, p. 1).

Os julgados acima tornaram-se precedentes do STF nessa temática, conforme análise dos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no HC 167.550/PR (decisão colegiada mais recente sobre o tema), exposto no tópico anterior.

Portanto, hodiernamente, de acordo com o entendimento jurisprudencial apresentado acima, pode-se concluir que os encontros fortuitos de 2º grau também são válidos como provas para o Pretório excelso, sob os fundamentos do cumprimento do devido processo legal, aliado a expectativa probatória inerente às investigações criminais, expresso no julgamento do HC 106.152/MS, e também, na análise se a medida foi autorizada na forma da lei e não tenha ocorrido desvio de finalidade no decorrer da investigação, expostos na fundamentação do HC 129.678/SP.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de toda essa pesquisa, foram reunidos os principais referenciais dogmáticos, legais e jurisprudenciais concernentes ao estudo do fenômeno do encontro fortuito de provas no processo penal, especialmente quanto à análise de sua validade no cenário de uma interceptação telefônica autorizada judicialmente.

Cabe repisar que não houve a pretensão de esgotar a temática, tendo em vista que a serendipidade se mostra como um dos assuntos mais intrincados da seara processual penal, interligando-se tanto com institutos da fase investigatória criminal e posteriormente da ação penal, fomentando uma gama de debates que vão além do objeto desta monografia acadêmica.

No segundo capítulo, em que se abordou sumariamente acerca da teoria geral da prova, identificamos que os elementos informativos captados em uma interceptação telefônica, devem passar pelo crivo do contraditório, ainda que diferido, para ser considerado efetivamente como prova em um processo penal, situando-se na classificação das provas cautelares, conhecidas por aquelas que necessitam do fator surpresa para o atingimento do seu fim além da exigência de autorização judicial para serem executadas.

Ainda nesse capítulo, extraiu-se o que seria uma prova ilegal, em suas espécies tradicionais, como provas ilícitas, reconhecidas por aquelas que ofendem dogmas constitucionais ou princípios gerais do direito, e as provas ilegítimas, como aquelas que maculam regras processuais, bem como o tratamento no direito pátrio para tais provas, visando robustecer o referencial teórico para a análise da licitude e validade da prova fortuita.

No terceiro capítulo, foram observados os requisitos constitucionais e legais para a realização de um monitoramento telefônico, pois como já alertado no introito da obra, o estudo da serendipidade parte da premissa de legalidade do meio investigatório. Extrai-se dessa seção que se observados os regramentos constitucionais do art. 5º, XII da CRFB/88 e os requisitos legais do art. 2º da Lei nº 9296/96, desde a origem da interceptação até o momento em que se depara com elementos estranhos a investigação, estes poderão ser valorados no processo penal, seja como prova ou como starter para uma nova investigação à parte.

No quarto capítulo, em que se tinha por objetivo principal avaliar o tratamento dos encontros fortuitos no processo penal pátrio, foi inicialmente explanado o conceito de encontro fortuito, além de suas diversas nomenclaturas e classificações doutrinárias, identificando o conceito básico do fenômeno, que se consubstancia quando são encontrados elementos informativos estranhos ao objeto investigatório inicial, e que podem estar relacionados a outros sujeitos ou a novos fatos.

Ainda nesse capítulo, a questão da omissão legislativa foi aventada, pois a Lei nº 9296/96 – que regula as interceptações das comunicações telefônicas - não possui em seu bojo nenhum dispositivo sobre a admissibilidade ou validade dos encontros fortuitos, o que é um fato gerador de intensos debates sobre a possibilidade da aplicação da teoria da serendipidade.

Por meio de um estudo histórico, observou-se que surgiram alguns Projetos de Lei em nosso país, de grande relevância como por exemplo a Lei nº 3.514/1989 (Projeto Miro Teixeira), que se mostrava um regramento mais alinhado à luz do processo penal constitucional do que a Lei 9296/96, pois utilizava critérios de proporcionalidade na escolha dos crimes de maior gravidade que pudessem ensejar a medida e também havia regulamentação da admissibilidade dos encontros fortuitos para os “crimes de catálogo”, todavia, tal projeto não foi o escolhido pelos legisladores.

Identificamos, também, que está em tramitação o Projeto de Lei nº 8.045/2010, que visa implementar reformas no Código de Processo Penal, o aludido projeto aguarda para ser apresentado em plenário e, caso seja aprovado, acredita-se que pela leitura do seu art.262, o indício de crime diverso encontrado poderá ser admitido no processo nos casos em que possua conexão com o crime que deu azo a interceptação, sejam achados indícios de crimes punidos com detenção ou com reclusão. Contudo, a celeuma sobre o encontro fortuito de crime punido com reclusão e que não esteja em conexão com o crime que permitiu a interceptação telefônica, continuará a ser decidido pela interpretação dos tribunais brasileiros.

Nos diálogos com sistemas processuais estrangeiros, Alemanha e Portugal, conclui-se que a problemática da admissibilidade e validade dos encontros fortuitos em monitoramento telefônico, é em grande parte solucionada pela própria lei.

Percebeu-se que nesses países a legislação atinente as interceptações possuem um rol delimitado de crimes de maior gravidade que podem ser investigados por meio de monitoramento telefônico, denominados como “crimes de catálogo”. O achado fortuito poderá ser valorado como prova quando for encontrado informações relacionadas aos crimes de catálogo, independente de conexão com o objeto investigatório. Quando o achado fortuito não pertencer aos crimes de catálogo, mas estiver em conexão com algum deles, também serão valorados como prova. E na situação em que forem encontrados fortuitamente elementos que não sejam dos crimes de catálogo e também não esteja presente nenhum tipo de liame entre estes e o objeto da investigação, poderão servir como subsídios para uma nova investigação.

Em relação ao tratamento pátrio acerca da admissibilidade e validade dos encontros fortuitos, constatou-se que a serendipidade de 1º grau é aceita como prova de forma majoritária pela doutrina. E na análise jurisprudencial, por meio de acórdãos do STJ e do STF, conclui-se que o encontro fortuito de provas de 1º grau, é plenamente lícito e valorado como prova.

O STJ, pelo menos desde o ano de 2005 até o presente momento, demonstra que está consolidada em seu entendimento a validade dos encontros fortuitos de 1º grau, e o cerne da argumentação utilizada pelo Corte em prol da sua validade, consiste na inteligência do parágrafo único do art.2º da Lei 9.296/96, e na impossibilidade fática de especificar todas as situações atinentes às investigações.

Pelos julgados do STF, foi observada a cristalização da jurisprudência em relação a admissibilidade e validade dos encontros fortuitos. O Pretório Excelso, vem desde o ano de 2004, decidindo pela licitude e validade probatória dos encontros fortuitos de 1º grau, sob os fundamentos da legitimidade e da legalidade do meio de obtenção de prova, isto é, se foi autorizado judicialmente para investigar crimes punidos com reclusão, e também não tenha ocorrido qualquer desvio de finalidade no curso investigatório.

No que tange aos encontros fortuitos de 2º grau, percebe-se que grande parte da doutrina nacional admite como notitia criminis, mas há certa restrição na sua validade como prova no processo.

Em relação ao entendimento jurisprudencial, entende-se que para o STJ, os encontros fortuitos de 2º grau são considerados lícitos e podem ensejar uma investigação à parte, ou seja, não há mácula no uso como notícia de crime. Entretanto, fora notado que a Corte Cidadã nos últimos cinco anos vem flexibilizando tal posicionamento e reconhecendo como prova os achados casuais sem conexão com os sujeitos ou crimes investigados, sob o critério da legalidade da interceptação anterior e na ausência de desvio de finalidade na execução do meio de obtenção de prova.

E para o STF, a serendipidade de 2º grau, é lícita e válida como prova, sob os fundamentos do cumprimento do devido processo legal, aliado a expectativa probatório inerente à natureza das investigações criminais, e também, e na ausência de desvio de finalidade no decorrer da investigação.

Conclui-se que os fundamentos utilizados tanto pelo STJ e STF, no reconhecimento da licitude dos encontros fortuitos sejam de 1º ou de 2º grau, recai sobre o cumprimento do devido processo legal na origem da medida e na ausência de desvio de finalidade pelos órgãos responsáveis pela investigação criminal. Isto é, o encontro fortuito deve ser de fato casual e não forjado pelas autoridades, verificando que não houve nenhum abuso investigatório poderão ser valorados como notícia de crime, propiciando uma nova investigação ou até como prova, como fora demonstrado pela flexibilização do entendimento dessas Cortes Superiores nos últimos cinco anos.

A problemática poderia ser resolvida em parte, se houvesse uma regulamentação legal acerca dos encontros fortuitos quando coligado ao objeto da investigação, no entanto, existe um hiato na lei, que propicia debates sobre o tema, e que aumenta em relação aos encontros fortuitos de 2º grau.

Considerando que a resposta que esta monografia pretende responder está consubstanciada na validade e na licitude nos encontros fortuitos no cerne da interceptação telefônica, chega-se à conclusão de que a teoria da serendipidade vem sendo plenamente aplicada tanto pelo STJ como pelo STF.

REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Felipe Alexandre da Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Pós-graduado em Direito Militar – Faculdade Gran Cursos Online.︎ Pós-graduando em Direito Constitucional - Faculdade Focus

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