Namorávamos há cinco anos (inclusive com contrato de namoro) mas meu namorado faleceu. E agora? Tenho parte na herança?

10/06/2024 às 15:48
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NÃO RECEBE HERANÇA quem quer, mas apenas quem a Lei autoriza, dentro das complexas regras tratadas pelo chamado "Direito das Sucessões". O referido ramo - intimamente ligado ao "Direito das Famílias" - vai disciplinar a transmissão patrimonial que deve ser iniciada a partir do momento do falecimento do titular dos bens, cuidando de diversos aspectos, dentre eles um importantíssimo que diz respeito à "ordem de vocação hereditária", tratado atualmente no art. 1.829 do Código Civil. É importante sempre recordar que temos nesse momento, em vias de tramitação no Senado, um anteprojeto elaborado por uma consagrada Comissão de Juristas que busca a ATUALIZAÇÃO do Código Civil atual, Lei Federal 10.406, promulgada em 2002, que atingirá principalmente o polêmico artigo 1.829.

Pelas regras atuais, poderá ter direito à herança tanto o cônjuge supérstite (viúvo/viúva) quanto o (a) companheiro (a), ou seja, aquele que era vinculado (a) ao (à) falecido (a) por União Estável reconhecida judicial ou extrajudicialmente: sim, é necessário destacar que a sucessão que contemple companheiro (a) oriundo de União Estável pode ser resolvida inteiramente na via extrajudicial (em Cartório) com base em artigo da Resolução 35/2007 do CNJ que disciplina a aplicação da Lei 11.441/2007. A redação atual dos artigos 18 e 19 da regulamentação asseguram:

"Art. 18. O (A) companheiro (a) que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável.

Art. 19. A meação de companheiro (a) pode ser reconhecida na escritura pública, desde que todos os herdeiros e interessados na herança, absolutamente capazes, estejam de acordo".

Importa recordar também que na hipótese de divergência sobre o fato de ter sido ou não a "relação" uma UNIÃO ESTÁVEL (ou um mero namoro) a via extrajudicial não será o palco para a solução do caso, devendo nessa hipótese os interessados se socorrerem da VIA JUDICIAL. É necessário também recordar que de acordo com o Código Civil não é requisito a existência de um CONTRATO para que a União Estável se configure. Na verdade o relacionamento restará caracterizado se os requisitos do artigo 1.723 do Código estiverem presentes. Reza o referido dipositivo:

"Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

O "CONTRATO" escrito tem seu lugar de importância na União Estável para afastar a presunção da aplicação do regime da comunhão parcial de bens, nos moldes do artigo 1.725, senão vejamos:

"Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens".

No cotidiano se mostra, de toda forma, muito útil a lavratura de instrumentos como o "CONTRATO DE UNIÃO ESTÁVEL", a "ESCRITURA DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL", o "CONTRATO DE NAMORO" e também a "ESCRITURA DE NAMORO". Como já tratamos em outras passagens, nossa opção será sempre pela realização desses "pactos" através da Escritura Pública (e com a importante assistência de Advogado Especialista) já que além dos benefícios do artigo 215 5 do Código Civil l o documento se encontrará ETERNAMENTE disponível no acervo cartorário para serem expedidas certidões conforme a necessidade dos interessados, nos termos do art. 217 7, de modo que isso por si só já representa uma importante vantagem frente aos instrumentos particulares. Ainda assim, é preciso ficar claro que pelo menos até o presente momento, somente as relações vivenciadas sob o prisma da UNIÃO ESTÁVEL terão o condão de conferir os direitos patrimoniais e sucessórios garantidos por Lei, de modo que as relações (ainda que públicas e duradouras) que não reúnam os requisitos da União Estável - como os namoros - não terão acesso a direitos hereditários. A doutrina abalizada, assinada pelo ilustre Desembargador do TJSP, MILTON PAULO DE CARVALHO FILHO ( Código Civil Comentado. 2021) esclarece:

"(...) não é qualquer relação amorosa que caracteriza a união estável. Mesmo que celebrada em CONTRATO ESCRITO, pública e duradoura, com relações sexuais, com prole, e, até mesmo, com certo compartilhamento de teto, pode não estar presente o elemento fundamental consistente em desejar constituir família. Assim, o namoro aberto, a 'amizade colorida', o noivado não constituem união estável. É indispensável esse elemento subjetivo para a configuração da união estável. Para ZENO VELOSO (op. cit.) é absolutamente necessário que entre os conviventes, emoldurando sua relação de afeto, haja esse elemento espiritual, essa affectio maritalis, a deliberação, a vontade, a determinação, o propósito, enfim, o compromisso pessoal e mútuo de constituir família. A presença ou não deste elemento subjetivo será definida pelo juiz, diante das circunstâncias peculiares de cada caso concreto. Embora tenha o legislador imposto como elemento caracterizador da união estável a mera intenção de constituir família, o certo é que ela só será reconhecida como tal quando, além de os requisitos a) e b) anteriores forem atendidos, a família vier a ser efetivamente constituída - não mediante celebração solene, como se faz no casamento, ou diante do mero objetivo de constituição de família, pois, neste último caso, até mesmo o noivado poderia se enquadrar".

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Efetivamente se mesmo com contrato escrito não restarem cabalmente comprovados os requisitos da União Estável (o que é indispensável), nem mesmo um longo namoro terá o condão de conferir direitos hereditários àquele que fica, face ao passamento do outro, como reconhece com acerto a jurisprudência do TJGO onde mesmo com a assinatura de ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL não restaram caracterizados os elementos da União Estável levando com isso ao insucesso da pretensão pela herança deixada pelo falecido:

"TJGO. 03754847820138090029. J. em: 28/09/2018. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. ELEMENTOS CARACTERIZADORES. ÔNUS DA PROVA. 1. Nos termos da legislação civil, diversamente do casamento, que se comprova com a respectiva certidão, a declaração judicial da união estável, por se trata de estado de fato, depende de PROVA PLENA e convincente de seus elementos caracterizadores, vale dizer, a convivência estável, duradoura, pública e notória, e o desejo de constituição de família, ainda que sem prole, cujo ônus de produzi-la compete a quem alega, ao teor do art. 373, inciso I, do CPC. ESCRITURA PÚBLICA DE DECLARAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. VALOR PROBANTE RELATIVO. CONTEÚDO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. INEXISTÊNCIA. 2. A escritura pública de declaração, embora dotada de fé pública, faz prova de sua formação e dos fatos presenciados pelo tabelião que a lavrou, mas NÃO DO CONTEÚDO DECLARADO pelas partes, conforme emana do art. 405, do CPC. 3. A existência de escritura pública não afasta a necessidade de comprovação em juízo da alegada união estável, por outros meios de prova, quando contestada. CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE PROVAS DO INTUITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. NAMORO QUALIFICADO PELA COABITAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MANUTENÇÃO. 4. O simples fato de as partes coabitarem por determinado período não induz, inexoravelmente, à configuração da união estável, consoante entendimento consolidado no STJ. 5. O que distingue a união estável de outras relações em que há afetividade, intimidade e duração prolongada no tempo é o intuito de constituir uma vida em família (affectio societatis familiar), assim entendida como um projeto de convivência estreita e diuturna com compartilhamento de todas as questões no âmbito social, comunitário e familiar. 6. Na hipótese em que o conjunto probatório dos autos não é capaz de atestar a existência da comunhão de vidas semelhante ao casamento, com laço afetivo duradouro, público e contínuo entre os conviventes, mister a ratificação da sentença que julgou improcedente a pretensão de reconhecimento da união estável, porquanto não preenchidos seus requisitos fundamentais. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO".

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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