RESUMO: O propósito deste artigo é guiar um estudo abordando os crimes virtuais, com uma perspectiva na prática do estupro no ambiente virtual. O objetivo é analisar se esse tipo de crime possui fundamento na legislação penal vigente, uma vez que, para que uma conduta seja considerada criminosa, é necessária uma disposição legal expressa que a defina, em conformidade com o princípio da legalidade que orienta o direito penal. Conclui-se que, embora essa forma de delito possua sustentação jurídica, é crucial que seja tipificada de maneira clara na legislação, a fim de evitar que aqueles que se valem do anonimato da internet escapem das consequências legais. Para a elaboração deste artigo, foram utilizadas fontes de pesquisa, como consulta bibliográfica, artigos científicos, análises jurisprudenciais e reportagens relacionadas a essa temática.
Palavras-chave: crimes virtuais; estupro virtual; princípio da legalidade.
INTRODUÇÃO
O presente artigo abordou a análise do estupro virtual e sua possível tipificação na legislação penal brasileira.
O estupro é um crime definido no artigo 213 do Código Penal, que criminaliza aquele que força alguém a ter relações sexuais ou a permitir que seja praticado outro ato sexual, através de violência ou ameaça grave.
No entanto, com o aumento da conectividade à internet e a ascensão dos crimes cibernéticos na sociedade, é fundamental compreender como a legislação lida com esse tema.
Ao longo deste artigo, investigou-se o estupro virtual, que se caracteriza como uma forma de exploração sexual através de chantagem ou coerção da vítima por meios tecnológicos, sem a necessidade de contato físico direto. Nesse contexto, a conjunção carnal não é essencial para configurar o estupro virtual.
O objetivo é explorar o motivo pelo qual o crime de estupro virtual é pouco divulgado, apesar da ampla disseminação da tecnologia nos dias atuais.
Observou-se que há poucos casos relatados publicamente e discutiu-se as interpretações adotadas na aplicação dessa tipificação criminal.
No que diz respeito a este artigo, se questiona se o estupro virtual possui uma base legal regular na legislação penal atual, tendo como referência o princípio da legalidade, que estabelece que todo ato deve estar claramente previsto em lei.
Para a análise do tema em questão, este artigo está estruturado da seguinte forma:
No primeiro capítulo, explora-se o princípio da legalidade no direito penal, que estabelece que nenhum ato pode ser considerado crime sem uma lei anterior que o defina.
O segundo capítulo tem como objetivo discutir a dignidade sexual e o crime de estupro, especialmente devido às mudanças introduzidas pela Lei 12.015/09, que demandam uma interpretação mais cuidadosa por parte dos profissionais do direito.
Finalmente, o terceiro capítulo tem como objetivo a apresentação do crime de estupro virtual, definindo-o de acordo com interpretações doutrinárias. Este capítulo também explora os aspectos relacionados à consumação desse crime, além de destacar as diferenças entre o estupro virtual, a vingança pornográfica e a sextorsão.
Nesse contexto, enfatiza-se a importância da tipificação desse delito para promover maior segurança jurídica às vítimas e para responsabilizar aqueles que se valem do anonimato proporcionado pelo ciberespaço para cometer crimes.
Em cada capítulo estudado, usou-se uma abordagem analítica, fundamentada em revisões bibliográficas e estudo de casos judiciais e jurisprudenciais relevantes, para facilitar uma visão ampla e atualizada sobre o tema discutido.
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO DIREITO
O princípio da legalidade, também conhecido como princípio da reserva legal, surgiu da necessidade de estabelecer um Estado de Direito genuíno, com o propósito de limitar o poder nas mãos de um único soberano e submeter a sociedade a um conjunto único de regras estabelecidas por meio de legislação.
Inscrito na Constituição Federal, mais especificamente no artigo 5º, inciso XXXIX, e reafirmado no artigo 1º do Código Penal, esse princípio provém do
latim "Nullum Crimen Sine Pravia Lege," que pode ser traduzido como "Nenhum crime sem uma lei anterior que o defina." Em outras palavras, esse princípio estabelece que a criação das normas que definem crimes e suas respectivas penalidades é uma prerrogativa exclusiva da legislação (TOLEDO, 1994, p.21).
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.1988).
Este princípio estabelece que nenhuma conduta pode ser considerada criminosa a menos que haja uma lei prévia que a defina como tal, de modo que somente o poder legislativo tem a autoridade para criar normas que classifiquem ações como criminosas. Aqui surge a “necessidade de editarem-se proibições casuísticas, na esfera penal, o que, segundo o princípio em exame, compete exclusivamente à lei.” (TOLEDO, 1994, p. 22).
Segundo Alberto Silva Franco (1995, p.21):
A origem e o predominante sentido do princípio da legalidade foram fundamentalmente políticos, na medida em que, através da certeza jurídica própria do Estado de Direito, se cuidou de obter a segurança jurídica do cidadão. Assim, Sax acentua que o princípio do nullum crimen nulla poena sine lege é consequência imediata da inviolabilidade da dignidade humana, e Arthur Kauffmann o considera como um princípio concreto do Direito Natural, que se impõe em virtude de sua própria evidência.
Nesse sentido BONAVIDES citado por GRECO (2015, p.143) afirma
que:
O princípio da legalidade nasceu do anseio de estabelecer na sociedade humana regras permanentes e validas que fossem obras da razão, e pudesse abrigar os indivíduos de uma conduta arbitraria e imprevisível da parte de governantes.
Importa esclarecer que a abordagem da reserva legal, incorporada pelo princípio da legalidade, estabelece que apenas a lei em sentido estrito, a qual poderá ser “submetida aos rígidos processos de formulação legislativa constitucionalmente estabelecidos, com obediência de todos os ritos e fórmulas para a validade formal da
lei” (LOPES, 1994, p. 107), estabelecerá comportamentos criminosos e aplicar sanções penais correspondentes a eles. Portanto, medidas provisórias, decretos e outros instrumentos normativos não têm a autoridade para determinar o que constitui um crime.
Devido à necessidade de uma lei formal, a criação de uma Medida Provisória sobre esse assunto não é permitida, uma vez que a Constituição proíbe expressamente a edição de medidas provisórias relacionadas a matérias de Direito Penal, conforme estabelecido no artigo 62, §1°, I, "letra b" da Constituição Federal de 1988. Portanto, uma Medida Provisória não tem status de lei e, portanto, não pode criar um crime nem estabelecer uma pena.
Nos termos de Cezar Roberto Bitencourt (2015, p.51), esse princípio assume a seguinte definição:
Pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é a função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência deste fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente.
Dessa forma, esse princípio ressalta a importância crucial da lei formal na definição e especificação de um crime, bem como na determinação das penas ou sanções a serem aplicadas. Em outras palavras, a ação de um indivíduo só pode ser considerada criminosa se a conduta estiver tipificada em lei antes de sua prática.
Conforme destacado por GRECO (2015), a relevância desse princípio reside na garantia de segurança jurídica aos cidadãos, protegendo-os de serem incriminados e punidos arbitrariamente pelo Estado na ausência de uma previsão legal que estabeleça o tipo criminal.
Além disso, é fundamental incorporar à compreensão desse princípio a noção de anterioridade, que também deriva do artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal. Essa disposição estabelece que tanto o crime quanto a pena devem estar definidos em lei antes do ato pelo qual se busca a punição (MASSON, 2012, p.24).
Destaca-se ainda que o princípio da anterioridade assegura que a lei penal só pode retroagir em favor do réu, conforme previsto no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu."
Diante desse cenário, é evidente que o princípio da legalidade, também essencial para o garantismo penal, representa uma limitação concreta ao poder
punitivo do Estado, atuando como um escudo para garantir a segurança jurídica e a devida proteção dos direitos dos acusados.
DA DIGNIDADE SEXUAL
Em primeiro lugar, é importante esclarecer que o conceito de dignidade sexual está intrinsecamente ligado à intimidade e à vida privada de cada indivíduo, abrangendo eventos e situações que não requerem intervenção do Estado, a menos que seja para coibir ações violentas.
Assim Ingo Wolfgang Sarlet citado por Greco (2011) preceitua que:
A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.(SARLET, GRECO,2011).
Assim, a Lei 12.015 de 2009 promoveu modificações no título do Capítulo VI do Código Penal, que trata dos Crimes Contra os Costumes, passando a contemplar os Crimes Contra a Dignidade Sexual. Isso resultou em uma ampliação do escopo de ações sujeitas a controle que lesam a dignidade da pessoa humana.
Sobre a alteração legislativa, Guilherme Nucci (NUCCI,2014, p. 18)
observa:
Por outro lado, a alteração do Título VI foi positiva, passando a constar “Dos crimes contra a dignidade sexual”. Dignidade fornece a noção de decência, compostura, respeitabilidade, enfim, algo vinculado à honra. A sua associação ao termo sexual insere-a no contexto dos atos tendentes à satisfação da sensualidade ou da volúpia. Considerando-se o direito à intimidade, à vida privada e à honra, constitucionalmente assegurados (art. 5.º, X, CF), além do que a atividade sexual é, não somente um prazer material, mas uma necessidade fisiológica para muitos, possui pertinência a tutela penal da dignidade sexual. Em outros termos, busca-se proteger respeitabilidade do ser humano em matéria sexual, garantindo-lhe a liberdade de escolha e opção nesse cenário, sem qualquer forma de exploração, especialmente quando envolver formas de violência. Do mesmo modo, volta- se particular atenção ao desenvolvimento sexual do menor de 18 anos e, com maior zelo ainda, do menor de 14 anos. A dignidade da pessoa humana (art.1.º, III, CF) envolve, por óbvio, a dignidade sexual.
Em observação a estas alterações, Fernando Capez (2010, p. 20) fez um apontamento, de modo a preceituar:
Mudou-se, portanto o foco da proteção jurídica. Não se tem em vista, agora, em primeiro plano, a moral média da sociedade, o resguardo dos bons costumes, isto é, o interesse de terceiros, como bem mais relevante a ser protegido, mas a tutela da dignidade do indivíduo, sob o ponto de vista sexual. (CAPEZ, 2010, p.20).
Nesse contexto, é evidente que a dignidade individual está sendo abordada de maneira mais abrangente no contexto sexual, de acordo com os novos padrões da sociedade e sua evolução ao longo do tempo. Isso contribui para a harmonização dos princípios consagrados pela Constituição, uma vez que a dignidade sexual diz respeito à autoestima do ser humano, representando uma parte essencial de sua intimidade na esfera privada, que merece respeito e liberdade.
Observa-se que a dignidade sexual está intimamente relacionada à esfera de privacidade íntima e à honra de cada ser humano, sem que haja interferência do Estado, a menos que o indivíduo se sinta lesado, possibilitando, assim, que o Estado desempenhe seu papel na proteção do bem jurídico da dignidade sexual da vítima.
Do crime de estupro
Entre os crimes que afetam a dignidade sexual, o estupro merece destaque devido à sua natureza violenta, contra a qual o Estado atua de maneira incisiva para prevenir e reprimir.
Nesse contexto, a Lei 12.015/09 consolidou o estupro e o atentado violento ao pudor em um tipo alternativo misto. De acordo com o ensinamento de Rogério Sanches (2016, p.470):
Antes da Lei 12.015/2009 o ato sexual com pessoa vulnerável configurava, a depender do caso, estupro (art. 213) ou atentado violento ao pudor (art. 214), mesmo que praticado sem violência física ou moral, pois presumida (de forma absoluta de acordo com a maioria) no art. 224 do CP.
O crime de estupro é caracterizado pelo ato de forçar alguém, por meio de violência ou grave ameaça, a manter relação sexual ou a praticar ou consentir em outro ato de natureza sexual, conforme previsto no artigo 213 do Código Penal.
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (CODIGO PENAL, 1940).
Portanto, na contemporaneidade, o artigo 213, após a alteração, passou a conceituar o estupro como qualquer ato de caráter sexual forçado, envolvendo coerção da vítima por meio de violência ou grave ameaça.
Conforme a explicação de Pedro Prata (2019), o estupro é um crime caracterizado pela imposição de atos sexuais ou comportamentos libidinosos a uma pessoa, mediante o uso de violência ou grave ameaça.
Nesse mesmo sentido, Bitencourt compreende que “não é necessário que a força empregada seja irresistível: basta que seja idônea para coagir a vítima a permitir que o sujeito ativo realize seu intento”. (BITENCOURT,2012, p. 919).
Assim, compreende-se que o estupro geralmente envolve contato físico, como o contato das genitálias ou penetração. No entanto, ocasionalmente, esse crime pode ocorrer sem a necessidade de contato físico, como destacado por Nucci:
“Eventualmente, a consumação do estupro pode dar-se sem o contato físico, mas desde que exista a presença física. Ilustrando, o agente determina, sob ameaça de arma de fogo, à vítima que fique nua, para que ele se masturbe. Trata-se de ato libidinoso, sem contato físico direto, apto a configurar o crime de estupro. (NUCCI, 2012, p.41).
Importante salientar que, anteriormente, o crime de estupro tinha como autor exclusivo o sexo masculino e a vítima apenas do sexo feminino. No entanto, com a promulgação da Lei 12.015/09, tanto homens quanto mulheres podem agora ser autores ou vítimas do estupro, transformando esse delito de um crime específico em um crime comum.
De acordo com os ensinamentos de Nucci (2020, p.1153), quando os verbos descritos no tipo penal são praticados no mesmo contexto, configura-se um único crime, ou seja, o estupro.
É relevante ressaltar que, com a nova redação do artigo 213 introduzida pela Lei 12.015/09, a interpretação do crime de estupro se tornou mais aberta, uma vez que a consumação do delito não requer necessariamente a conjunção carnal.
Esse crime pode ocorrer por diversas outras formas, envolvendo o uso de violência ou grave ameaça para coagir a vítima com o objetivo de satisfazer o desejo sexual.
Para consumação do delito segundo Nucci (2020, p.1154):
Basta a introdução, ainda que incompleta, do pênis na vagina, independentemente de ejaculação ou satisfação efetiva do prazer sexual, sob um aspecto; e com a prática de qualquer ato libidinoso, independentemente de ejaculação ou satisfação efetiva do prazer sexual em outro prisma.
A tentativa é aceitável, uma vez que estamos lidando com um crime plurissubsistente, no qual a ação pode ser decomposta em diversos atos. Conforme esclarece Damásio (2020, p.134), "a tentativa estará configurada quando for evidenciada a intenção do agente de violar a dignidade da vítima".
Nesse sentido, em um julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça determinou que o agente cometeu o crime de estupro consumado ao tocar os seios da vítima por baixo da roupa e acariciar a região genital por cima das vestes, como evidenciado no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 2018/0176650-1 MS.
Frente ao exposto, o estupro é consumado com a prática de qualquer ato libidinoso que atente contra a dignidade sexual da vítima. Isso se deve ao fato de que a conjunção carnal não é um requisito necessário para a caracterização desse delito. Além disso, os danos causados às vítimas de atos libidinosos são comparáveis aos danos sofridos por vítimas de conjunção carnal não consensual.
ESTUPRO VIRTUAL
A conclusão é necessária e obrigatória. Não é mero resumo do trabalho, devendo apresentar reflexões decorrentes da problemática proposta. Com a crescente expansão do acesso à internet, esse ambiente também tem sido explorado para a prática de crimes, conhecidos como crimes virtuais. Esses crimes podem ser definidos como atividades delituosas nas quais meios virtuais, como a internet, são utilizados como ferramentas para sua realização.
Entre os delitos cometidos no ambiente virtual, surge a questão do estupro virtual, que pode ser compreendido como a conduta criminosa em que o
agente, com o objetivo de satisfazer suas impulsões sexuais, emprega a internet para coagir a vítima a realizar atos contra sua vontade.
Conceito
Inicialmente, é importante esclarecer que o artigo 213 do Código Penal define o estupro como a ação de forçar alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter relações sexuais ou a praticar ou permitir que se realize qualquer ato libidinoso.
Nesse contexto, a forma de coagir alguém através de violência ou grave ameaça, no que diz respeito à satisfação das próprias tendências sexuais do agente, levanta algumas questões à medida que a tecnologia avança. Isso suscita dúvidas sobre a possibilidade de o estupro ocorrer no ciberespaço, ou seja, sem a necessidade de contato físico.
Ressalta-se que o termo "estupro virtual," embora pouco conhecido pela sociedade em geral, surgiu devido à evolução das últimas décadas da internet, à medida que condutas criminosas no ambiente virtual se tornam mais frequentes.
Como apontado por Sampaio (2019, p.1), "No Brasil, a legislação nacional precisa ser atualizada, uma vez que o Código Penal não foi elaborado considerando as novas plataformas digitais".
Dessa forma, os crimes cibernéticos podem ser definidos como “toda conduta, definida em lei como crime, em que o computador tiver sido utilizado como instrumento de sua perpetração ou consistir em seu objeto material” (ROQUE, 2007, p. 25).
Por outro lado, o estupro virtual continua a ser um tópico de discussão, pois é uma modalidade relativamente nova de crime aos olhos da sociedade. No entanto, apesar das novas manifestações, o cibercrime é igual ao que a sociedade está acostumada.
Além disso, é importante notar que, embora o artigo 213 do Código Penal não mencione explicitamente o estupro virtual, a Lei 12.015 de 2009 ampliou a definição do estupro. Agora, o estupro não se limita mais à conjunção carnal, abrangendo qualquer ato libidinoso que vise satisfazer o desejo sexual do agente. Isso abriu um leque de possibilidades para a consumação do crime de estupro.
Nesse sentido, uma parcela significativa da doutrina, sustenta que o contato físico não é necessário para que um ato seja considerado estupro:
Entendemos não ser necessário o contato físico entre o agente e a vítima para efeitos de reconhecimento do delito de estupro, quando a conduta do agente for dirigida no sentido de fazer com que a própria vítima pratique o ato libidinoso, a exemplo do que ocorre quando o agente mediante grave ameaça, a obriga a se masturbar (GRECO, 2015, p.162).
Nesse contexto, não é necessário haver contato físico entre agressor e vítima, uma vez que a ofensa à dignidade sexual não se limita apenas a lesões de natureza física.
Fica evidente que, para a caracterização do crime de estupro, é suficiente que o agente aja mediante grave ameaça, privando a vítima de sua liberdade de escolha e vontade, com o propósito de satisfazer seu desejo sexual. Vale ressaltar que os crimes cometidos no ambiente virtual podem ser perpetrados independentemente do uso da internet como meio para atingir seus objetivos, já que a internet é apenas uma ferramenta que facilita a prática desses delitos.
É importante destacar que os crimes virtuais não podem permanecer impunes ou ser punidos de forma branda, pois isso apenas contribuiria para que essa forma de violência contra as mulheres no ambiente virtual não seja devidamente coibida e levada a sério (DANIEL; MORAES; VENTURINI, 2017).
Dessa maneira, a tipificação do crime em questão teria um impacto positivo, reduzindo até mesmo as discussões em torno do tema do crime de estupro virtual, uma vez que o crime pode se manifestar de diversas formas por meio da interpretação da lei. De modo que o Estado tem como dever conter as condutas criminosas e os legisladores ter um conhecimento abrangente das variáveis formas de praticar um crime. Portanto, a configuração do crime de estupro se baseia na conduta do agente, envolvendo grave ameaça, a fim de satisfazer seus desejos sexuais, independentemente do contato físico, e na privação da liberdade de escolha e vontade da vítima.
É importante enfatizar que os crimes cometidos no ambiente virtual podem ser perpetrados sem depender exclusivamente do uso da internet como meio para atingir seus objetivos, uma vez que a internet é apenas um dos vários mecanismos disponíveis para a prática desses delitos.
Notório que os crimes virtuais “não podem subsistir impunes ou sob a aplicação de penas brandas, do contrário colaborar-se-á para que essa nova forma de violência contra a mulher no meio virtual não seja devidamente reprimida e levada a sério” (DANIEL; MORAES; VENTURINI, 2017).
Portanto, é evidente que a tipificação do crime em questão teria impactos positivos, pois contribuiria para reduzir as diversas discussões geradas em torno do tema. Além disso, estabeleceria uma base legal sólida para abordar essa forma de crime, evitando interpretações dúbias e incertezas decorrentes da analogia da lei.
O caso apresentado abaixo, trata-se da prisão de um pedófilo brasileiro por abusar de um menino de apenas 10(dez) anos de idade através da plataforma virtual chamada “Omegle”, sendo considerado a primeira condenação que fez menção ao termo “estupro virtual” no Brasil, de acordo com o Instituto Direito Penal Brasileiro. O abuso se deu início quando o menino entrou na plataforma e conheceu o rapaz de 27 anos. No entanto, o pai da criança descobriu o abuso e o Ministério Público do Rio Grande do Sul junto com a polícia Federal, conseguiu apreender as supostas evidências para a realização do crime, incluindo mais de 6(seis) mil imagens de pornografia infantil.
Apesar das penas serem inicialmente leves, a equipe de investigação colocou a legislação sobre estupro de vulnerável, que considera qualquer ato libidinoso com menores de 14 anos como estupro.
Este caso chamou a atenção e em seu julgamento HC 478.310/PA teve a condenação atribuída por meio de “estupro virtual”, tratando-se de uma abordagem legal cuja a mesma reconhecera que o abuso sexual contra menores pode ser praticada em ambientes virtuais. O autor do crime foi devidamente condenado a 12 anos e 9 meses de reclusão, instituindo um precedente para casos semelhantes.
Por todos os motivos expostos e considerando o princípio da legalidade o mais importante em nosso ordenamento jurídico brasileiro, faz-se necessário uma atenção maior por parte dos legisladores para que esse tipo de crime não passe abatido e não fique impune.
A conduta do agente no estupro virtual
Com a promulgação da Lei 12.015 de 2009, o estupro passou por uma reformulação em seu aspecto legislativo, expandindo suas formas de caracterização além da conjunção carnal. De acordo com Caramigo (2016), atos libidinosos englobam todas as atividades que visam satisfazer desejos sexuais.
Conforme a definição de Fernando Capez (2019, p.88), atos libidinosos
são:
Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido. Não se incluem nesse conceito as palavras, os escritos com conteúdo erótico, pois a lei se refere ao ato, ou seja, a uma realização física concreta.
Nesse contexto, é importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RHC 70.976-MS, de relatoria do Ministro Joel Ilan Paciornik, determinou que, para a configuração do crime de estupro, não é necessário haver contato físico entre o agressor e a vítima.
DIREITO PENAL. DESNECESSIDADE DE CONTATO FÍSICO PARA DEFLAGRAÇÃO DE AÇÃO PENAL POR CRIME DE
ESTUPRO DE VULNERÁVEL. A conduta de contemplar lascivamente, sem contato físico, mediante pagamento, menor de 14 anos desnuda em motel pode permitir a deflagração da ação penal para a apuração do delito de estupro de vulnerável. A maior parte da doutrina penalista pátria orienta no sentido de que a contemplação lasciva configura o ato libidinoso constitutivo dos tipos dos arts. 213 e 217-A do CP, sendo irrelevante, para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido. No caso, cumpre ainda ressaltar que o delito imputado se encontra em capítulo inserto no Título VI do CP, que tutela a dignidade sexual. Com efeito, a dignidade sexual não se ofende somente com lesões de natureza física. A maior ou menor gravidade do ato libidinoso praticado, em decorrência a adição de lesões físicas ao transtorno psíquico que a conduta supostamente praticada enseja na vítima, constitui matéria afeta à dosimetria da pena. (RHC 70.976-MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 2/8/2016, DJe 10/8/2016) (Informativo nº 587).
O elemento fundamental para a consumação do crime é a conduta lasciva, independentemente da existência de tal contato. Portanto, pode-se afirmar que a contemplação lasciva envolve o ato de satisfazer a própria libido, mesmo que indiretamente e sem tocar na vítima. Quando essa conduta é combinada com ações de constrangimento à vítima, configura-se o delito relacionado à violação da liberdade sexual.
Neste contexto, é crucial ressaltar que, ao utilizar a expressão "prática de ato libidinoso" no artigo 213 do Código Penal, o legislador estabelece esse ato como uma forma típica de estupro, permitindo, assim, a sua criminalização mesmo na ausência de conjunção carnal.
Diante do exposto e da decisão mencionada anteriormente, sustenta-se a argumentação de que o contato físico não é essencial para a caracterização do estupro virtual, considerando que o mesmo se trata de uma conduta envolvendo os meios virtuais, para forçar uma pessoa a se envolver em atividades sexuais sem o mero consentimento. Isso levanta a necessidade de uma legislação específica que trate dessa modalidade ou uma modificação no Código Penal que elimine qualquer ambiguidade a esse respeito.
CONCLUSÃO
Em conclusão, este trabalho evidencia a limitação do Código Penal em vigor nos dias de hoje, que foi criado na década de 1940, uma época em que a tecnologia não desempenhava um papel central na sociedade. Contrariamente ao cenário daquela época, a sociedade atual experimenta um avanço tecnológico significativo por meio das comunicações virtuais, trazendo benefícios substanciais, mas também dando origem a novas formas de crimes.
Assim, com as inovações introduzidas pela Lei 12.015 de 2009, houve uma ampliação da definição de estupro, não limitando-o mais à conjunção carnal, mas abrangendo outros atos libidinosos praticados com a intenção de satisfazer o desejo sexual do agente por meio da coação da vítima.
No entanto, apesar dos avanços tecnológicos que permeiam a sociedade, a divulgação desse tipo de crime ainda é insuficiente, o que leva a uma compreensão equivocada de sua configuração. É importante destacar que, no Brasil, há poucas decisões sobre o tema, mas esses poucos posicionamentos recentes confirmaram a viabilidade da tipificação do estupro virtual, permitindo assim a devida punição daqueles que exploram o anonimato proporcionado pela internet para cometer esses tipos de delito.
Por fim, conclui-se que há fundamentos jurídicos sólidos que fundamentam o reconhecimento e a aplicação do crime de estupro virtual, dispondo perfeitamente com o texto do dispositivo legal e, portanto, respeitando os princípios constitucionais. Não é necessária a ocorrência de contato físico para a sua configuração.
No entanto, é fundamental realizar uma análise criteriosa na aplicação da tipificação a esses casos, a fim de obter uma compreensão mais precisa de sua
caracterização. É essencial que fique comprovada a intenção lasciva do agente para a consumação do delito.
A tipificação desse ato delituoso é precisa, de forma que os crimes virtuais não podem permanecer impunes. A internet não pode ser considerada um espaço sem regras, permitindo que criminosos tenham um ambiente vasto e disponível para a prática de novos delitos, contribuindo assim para o aumento da violência no âmbito virtual.
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