Do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no código de processo civil

15/06/2024 às 19:16
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1     INTRODUÇÃO

 

Com o advento do Código de Processo Civil 2015, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é considerado uma das espécies de intervenção de terceiros, o que não era encontrado no código revogado, harmonizando este instituto com o princípio do contraditório, insculpido nos arts. 7º, 9º e 10 do CPC/15.

Isso se deve pelo fato de que tal instituto atinge bens de personalidades distintas, ou seja, ocorrendo a desconsideração da personalidade jurídica, os bens particulares dos sócios, por ordem judicial, são forçados a responder pelo cumprimento de obrigação atribuída, originariamente, à pessoa jurídica.

Do mesmo modo, permitiu o CPC/15, em seu art. 133, §2º, a desconsideração inversa da personalidade jurídica que em sentido inverso, permite que os bens da pessoa jurídica suportem a obrigação assumida por seus sócios ou administradores (particulares), desde que observados os pressupostos e procedimentos legais.

Antes prevista como criação jurisprudencial e doutrinária, a desconsideração da personalidade jurídica, como forma excepcional de imputar aos sócios a responsabilidade por dívidas contraídas pela sociedade, recebeu regulamentação legal, por meio do art. 50 do Código Civil de 2002.

Para o direito positivo atual, o abuso da personalidade jurídica permite que, por decisão judicial, “os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

Nesse norte por não haver nenhuma regulamentação de cunho processual no CPC/73, o Novo CPC, Lei 13.105 de 16 de março de 2015, normatizou a questão consoante artigos 133 a 137.

Frise-se que, não se criou novas hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, mas sim, a forma procedimental, pois as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica continuam intactas nos respectivos diplomas legislativos.

Cumpre destacar em razão do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa o procedimento é reforçado.

Nesse contexto, digno de aplausos, é a previsão no NOVO CPC de um incidente processualizado para a desconsideração da personalidade jurídica, pois a decisão judicial que a decreta interferirá de forma imperativa no patrimônio dos seus membros, o que na democracia só se legitima se houver a observância do Devido Processo Constitucional.

Nos termos do novo regramento (art. 134), o pedido de desconsideração não é uma ação autônoma, podendo ter seu começo nas fases de conhecimento, cumprimento de sentença e executiva, conforme entendimento jurisprudencial mais abalizado tendo a normatização empreendida pelo novo diploma o mérito de revestir de segurança jurídica a questão.

 

2    PESSOA JURÍDICA E PERSONALIDADE JURÍDICA

 

O conceito da pessoa jurídica surgiu no direito romano no final do século XVIII, entretanto seu aprofundamento e concretização foi no Direito Canônico, quando então passou se ter a concepção que pessoa jurídica é distinta de seus membros.

As pessoas jurídicas, denominadas pessoas coletivas, morais, fictícias ou abstratas, podem ser conceituadas como sendo conjuntos de pessoas ou de bens arrecadados, que adquirem personalidade jurídica própria por uma ficção legal.

Apesar do Código Civil não repetir a regra do art. 20 do CC/1916, a pessoa jurídica não se confunde com seus membros, sendo essa regra inerente à própria concepção da pessoa jurídica.

A origem da pessoa jurídica se deu em razão de idêntico tratamento do patrimônio das pessoas jurídicas e dos indivíduos.

Como dito acima no Direito Romano que a pessoa jurídica passou a ser de suma importância, embora não tenha havido nenhuma elaboração de uma teoria.

No Direito Romano podemos dividir a evolução da pessoa jurídica em três períodos: (i) pré-clássico; (ii) clássico; e (iii) pós-clássico.

No primeiro período, os romanos entendiam que, quando um patrimônio pertencia a várias pessoas, o titular dele não era uma entidade abstrata – a corporação –, mas sim os diferentes indivíduos que constituíam o conjunto, cada titular de parcela dos bens.

Não se pode negar que a pessoa jurídica possui vários direitos, tais como alguns relacionados com a personalidade (art. 52 do CC), com o direito das coisas (a pessoa jurídica pode ser proprietária ou possuidora), direitos obrigacionais gerais (tendo a liberdade plena de contratar como regra geral), direitos industriais quanto às marcas    e aos nomes (art. 5.º, XXIX, da CF/1988), e mesmo direitos sucessórios (a pessoa  jurídica pode adquirir bens mortis causa, por sucessão testamentária).

A respeito dos direitos da personalidade da pessoa jurídica, reconhecidos por equiparação, admite-se a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral, na esteira da Súmula 227 do STJ. O dano moral da pessoa jurídica atinge a sua honra objetiva (reputação social), mas nunca a sua honra subjetiva, eis que a pessoa jurídica não tem autoestima.

Repise-se que mesmo não havendo previsão expressa no Código Civil de 2002, permanece a regra que constava no art. 20 da codificação material anterior, pela qual “a pessoa jurídica tem existência distinta dos seus membros”.

Essa concepção é inerente à própria identidade da pessoa jurídica. Mas tal regra pode ser afastada, nos casos de desvio de finalidade ou abuso da personalidade jurídica, situações em que merece aplicação o art. 50 do CC, que trata da desconsideração da personalidade jurídica. De imediato, pode-se afirmar que a desconsideração da personalidade jurídica nada mais é do que a desconsideração daquela antiga regra pela qual a pessoa jurídica não se confunde com os seus membros.

Em resumo as pessoas jurídicas são entidades que a lei disciplina e possuem atuação na vida jurídica diversa dos indivíduos que a compõem.

 

2.1        Natureza jurídica

 

A explicação para o instituto da pessoa jurídica foi algo que suscitou a formação de diversas correntes doutrinárias.

O saudoso doutrinador Miguel Real, que presidiu a comissão encarregada de elaborar o anteprojeto do Código Civil de 2002, ressaltou a importância da abordagem que foi dada pelo Novo Código.

As pessoas jurídicas, denominadas pessoas coletivas, morais, fictícias ou abstratas, podem ser conceituadas como sendo conjuntos de pessoas ou de bens arrecadados, que adquirem personalidade jurídica própria por uma ficção legal.

Apesar de o Código Civil não repetir a regra do art. 20 do CC/1916, a pessoa jurídica não se confunde com seus membros, sendo essa regra inerente à própria concepção da pessoa jurídica.

 

3     QUE É A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA?

 

Em razão do princípio da autonomia patrimonial, as sociedades empresarias podem ser utilizadas para fins escusos (fraude contra credores e abuso de direito).

Expressão oriunda do direito anglo-saxônico, a desconsideração é conhecida como disregard of legal entity ou disregard doctrine, expressões comumente utilizadas pela doutrina brasileira.

Nos países da Common Law, utilizam-se também expressões retóricas como levantar o véu da pessoa jurídica (piercing thecorporate veil).

No direito alemão fala-se em Durchgriff der juristichen Person, no direito itali- ano superamento della personalità giuridica, no direito argentino desestimácion de la personalidad.

No Brasil a expressão mais comumente utilizada é a desconsideração da personalidade jurídica, não se podendo falar em despersonalização, uma vez que, despersonalizar significa anular a personalidade por total, o que não ocorre na desconsideração, pois, nesta não se anula a personalidade, mas simples retirada momentânea de eficácia da personalidade.

Conforme já adiantado em linhas preterias a pessoa jurídica se apresenta como um importantíssimo instrumento para o exercício da atividade empresarial, no sentido de que sua personalidade deve ser voltada para propósitos legítimos.

Em sendo assim havendo desvirtuamento dos referidos propósitos deve haver a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e os seus membros.

Nesta linha de raciocínio a desconsideração é, pois, a forma de adequar a pessoa jurídica aos fins para os quais ela foi criada, ou seja, é a forma de limitar e  coibir o uso indevido deste privilégio que só se justifica quando a pessoa jurídica é usada adequadamente, o desvio da função faz com que deixe de existir razão para a separação patrimonial.

Trata-se, porém, de medida excepcionalíssima, uma vez que a pessoa jurídica não se destrói, continuando a existir sendo desconsiderada apenas no caso concreto, evitando-se que seja utilizada pelos sócios como forma de encobrir distorções em seu uso.

Não obstante, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça em sentido diverso, entendendo que, se não demonstrada à insolvência da pessoa jurídica, ainda que ela tenha sido dissolvida irregularmente, não caberia a sua desconsideração.

Contudo, o entendimento mais atualizado do STJ é pela desnecessidade de demonstração de insolvência da pessoa jurídica para decretação da sua desconsideração.

Ora, como visto, se a insolvência não é pressuposto para a decretação da desconsideração da personalidade jurídica, não pode ser considerada, por óbvio, pressuposto de instauração do incidente ou condição de seu regular processamento.

 

4.1        O incidente de desconsideração da personalidade jurídica

 

4.1.1         Natureza jurídica do incidente

 

Apesar de direito civil e direito empresarial serem ramos distintos e autônomos, em matéria processual não ocorre o mesmo, de modo que não há um Código de Processo Empresarial, tampouco leis processuais esparsas sobre processo empresarial que nos permitam afirmar a existência de um direito processual empresarial.

É verdade que, conforme dito no tópico anterior, o projeto de novo Código Comercial trata, de forma detalhada e específica, do que ele chama de “processo empresarial”, mas são poucos os procedimentos especiais previstos, além de haver regra expressa determinando a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

Enfim, as regras do CPC aplicam-se indistintamente aos litígios cíveis e empresariais, a despeito de haver ações e procedimentos que são próprios de cada regime.

Por exemplo: ação de divórcio é típica do regime jurídico civil, enquanto a ação de falência é típica do regime jurídico empresarial.

Embora o exemplo mencionado de ação típica do regime jurídico empresarial seja referente a uma ação regulada em lei própria, a Lei 11.101/2005, também há, no próprio Código de Processo Civil, ações, procedimentos e regras tipicamente empresariais.

Portanto, a Lei 13.105/2005, que instituiu em nosso país o novo CPC, com certeza terá impactos no direito empresarial. Nos capítulos seguintes, as alterações do novo CPC que exijam atualização da obra serão feitas. Abaixo, duas inovações importantes que atingem diretamente nossa matéria, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica e a ação de dissolução parcial de sociedade:

O Código de Processo Civil inclui, entre as modalidades de intervenção de terceiro, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Trata-se, na verdade, de um incidente processual que provoca uma intervenção forçada de terceiro (já que alguém estranho ao processo – o sócio ou a sociedade, conforme o caso será citado e passará a ser parte no processo, ao menos até que seja resolvido o incidente).

A desconsideração tem natureza constitutiva, considerando-se que por dela tem-se a criação de uma nova  situação jurídica. Sempre houve intenso doutrinário  a respeito da possibilidade da criação de uma nova situação de forma incidental no processo/fase de execução, ou se caberia ao interpor a propositura de uma ação incidental com esse propósito.

O Novo Código de Processo Civil prevê um incidente processual para a consideração da personalidade jurídica, finalmente regulamentando seu mento.

Tendo seus requisitos previstos em diversas normas legais (art.  50,  CC;  28,  CDC; art. 2“, 2”, da CLT, art. 135 do CTN, art. 4“ da Lei 9.605/98; art. 3”, da Lei 9.847/99; art. 34 da Lei 12.529/2011, arts. 117, 158, 245 e 246 da 6.404/76), faltava uma previsão processual a respeito do fenômeno jurídico, ser saudada tal iniciativa.

Caso se decida por não ser caso de desconsideração, aquele que foi citado por força do incidente será excluído do processo, encerrando-se assim sua participação.

Veja-se  a literalidade do  código:

 

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do

§ 2o.

§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

 

Antes da normatização abrangida pelo Novo Código de Processo Civil a doutrina era vacilante, uma vez que não se tinha um denominado comum, se a desconsideração da personalidade jurídica era obtida por meio de ação própria ou por meio de incidente processual.

Em razão desta enorme divergência pacificou o entendimento no STJ que era desnecessária o ingresso de ação autônoma, eis o entendimento:

 

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSO- NALIDADE JURÍDICA. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E MATERIAIS. OBSERVÂNCIA. CITAÇÃO DOS SÓCIOS EM PREJUÍZO DE QUEM FOI DE- CRETADA A DESCONSIDERAÇÃO. DESNECESSIDADE. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO GARANTIDOS COM A INTIMAÇÃO DA CONSTRIÇÃO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VIA ADEQUADA PARA A DISCUSSÃO ACERCA DO CABIMENTO DA DISREGARD. RELAÇÃO DE CONSUMO. ESPAÇO PRÓPRIO PARA A INCIDÊNCIA DA TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO. ART. 28, § 5º, CDC. PRECEDENTES.

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1.   A desconsideração da personalidade jurídica é instrumento afeito a situ- ações limítrofes, nas quais a má-fé, o abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial estão revelados, circunstâncias que reclamam, a toda evidência, providência expedita por parte do Judiciário. Com efeito, exigir o amplo e prévio contraditório em ação de conhecimento própria para tal mister, no mais das vezes, redundaria em esvaziamento do instituto nobre.

2.  A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual  e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos, dispensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa apresentada a posteriori, mediante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade.

3.  Assim, não prospera a tese segundo a qual não seria cabível, em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, a discussão acerca da validade

4.  da desconsideração da personalidade jurídica. Em realidade, se no caso concreto e no campo do direito material fosse descabida a aplicação da Disregard Doctrine, estar-se-ia diante de ilegitimidade passiva para responder pelo débito, insurgência apreciável na via da impugnação, consoante art. 475- L, inciso IV. Ainda que assim não fosse, poder-se-ia cogitar de oposição de exceção de pré-executividade, a qual, segundo entendimento de doutrina autorizada, não só foi mantida, como ganhou mais relevo a partir da Lei n. 11.232/2005.

5.  Portanto, não se havendo falar em prejuízo à ampla defesa e ao contraditório, em razão da ausência de citação ou de intimação para o pagamento da dívida (art. 475-J do CPC), e sob pena de tornar-se infrutuosa a desconsideração  da personalidade jurídica, afigura-se bastante - quando, no âmbito do direito material, forem detectados os pressupostos autorizadores da medida - a intimação superveniente da penhora dos bens dos ex-sócios, providência que, em concreto, foi realizada.

6.   No caso, percebe-se que a fundamentação para a desconsideração da pessoa jurídica está ancorada em “abuso da personalidade” e na “ausência de bens passíveis de penhora”, remetendo o voto condutor às provas e aos documentos carreados aos autos. Nessa circunstância, o entendimento a que chegou o Tribunal a quo, além de ostentar fundamentação consentânea com a jurisprudência da Casa, não pode ser revisto por força da Súmula 7/STJ.

7.  Não fosse por isso, cuidando-se de vínculo de índole consumerista, admite- se, a título de exceção, a utilização da chamada “teoria menor” da desconsideração da personalidade jurídica, a qual se contenta com o estado de insolvência do fornecedor somado à má administração da empresa, ou, ainda, com o fato de a personalidade jurídica representar um “obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”, mercê da parte final do caput do art. 28, e seu § 5º, do Código de Defesa do Consumidor.

8.   A investigação acerca da natureza da verba bloqueada nas contas do recorrente encontra óbice na Súmula 7/STJ.

9.  Recurso especial não provido.

(REsp 1096604/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,

julgado em 02/08/2012, DJe 16/10/2012)

 

Em razão de entendimento já consolidado o Novo Código de Processo Civil encerrou a discussão, pois, estabeleceu que o incidente de desconsideração da perso- nalidade jurídica, no capítulo referente à intervenção de terceiros (arts. 133 e ss. do CPC), entretanto, podendo ser postulada na petição inicial, conforme previsão contida no art. 134, § 2°do CPC.

Apesar da previsão do art. 795, § 4º, do Novo CPC, a criação de um processual não será sempre necessária, pois, nos termos do art. 134, § 2º do CPC, a instauração do incidente será dispensada se o pedido de desconsideração for requerido na petição inicial, hipótese em que será citado jurídica.

Nesse caso, o Enunciado 248 do Fórum Permanente de processualistas civis (FPPC) indica que:

 

“incumbe ao sócio ou à pessoa jurídica, é impugnar não somente a própria desconsideração, mas também os pontos da causa”


 

4.1.2         Legitimidade para instauração do incidente

 

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica não pode ser insta rado de ofício, dependendo sempre de provocação da parte interessada ou do Ministério Público (art. 133 do NCPC), na causas onde couber sua intervenção hipóteses do art. 178.

Entrementes, o novel CPC corrigiu referida injustiça jurisprudencial criando o Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica estabelecido nos arts. 133, e seguintes do NCPC, como uma forma de intervenção de terceiros, tratando-se de litisconsórcio passivo facultativo (FPPC, Enunciado 125).

Isso está em plena consonância com o que dispõe o art. 50 do Código Civil, que expressamente exige provocação da parte (ou do Ministério Público) para a desconsideração da personalidade jurídica, mas vem eliminar o risco de que, nas causas regidas pela legislação consumerista, se desse ao art. 28 do CDC (que é silente sobre o ponto) interpretação no sentido de que ali seria possível desconsiderar-se ex officio a personalidade jurídica.

Nesse sentido é o FPPC Enunciado 123:

 

É desnecessária a intervenção do Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, salvo nos casos em que deva intervir obrigatoriamente, previstos no art. 178.

 

Fica claro, então, que a desconsideração da personalidade jurídica jamais

poderá ser decretada de ofício, dependendo, sempre, de provocação.

 

4.1.3         Hipóteses de cabimento

 

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode instaurar-se em qualquer tipo de processo, cognitivo ou executivo, seja qual for o procedimento observado, comum ou especial.

Aceita-se ainda, instaurar-se em qualquer fase do desenvolvimento processual, inclusive na fase executiva que o processo civil brasileiro designa por “cumprimento de sentença” (art.134).

É possível, inclusive, que o incidente se instaure perante os tribunais, seja  nos processos de competência originária, seja em grau de recurso, como se extrai do disposto no parágrafo único do art. 136, que prevê a possibilidade de decisão do incidente por relator.

Na hipótese de que se instaure no curso de um processo cognitivo (ou na fase de conhecimento de um processo), e vindo a ser proferida decisão que desconsidere a personalidade jurídica, o sócio (ou a sociedade, no caso de desconsideração inversa) passará a integrar o processo como demandado.

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) aprovou o Enunciado 53 em que entende ser inaplicável o incidente nas execuções fiscais, cujo texto in literis “redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC/2015”, posição que vem sendo adotada pela jurisprudência.

No âmbito da justiça do trabalho, por força do art. 15, do NCPC, que prevê a aplicação das normas processuais civis de forma supletiva e subsidiariamente junto  à justiça laboral, sobretudo em razão da IN 39/16, do TST,  em específico o art. 6°,     in verbis: “aplica-se ao Processo do Trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado no CPC (arts. 133 a 137), assegurada a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de execução (CLT, art. 878)”.

Ainda, no processo do trabalho, da decisão que resolve o incidente de desconsideração da personalidade jurídica na fase de execução cabe agravo de petição, dispensado o preparo (Enunciado nº 126, FPPC).

No processo falimentar, segundo o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), nos termos do enunciado 247, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é aplicável.

Será dispensável a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida logo na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica, não havendo suspensão. Nesse caso incumbe ao sócio ou a pessoa jurídica, na contestação, impugnar não somente a própria desconsideração, mas também os demais pontos do processo (Enunciado nº 248, FPPC).


 

De outro lado, quando não requerida a desconsideração da personalidade jurídica na inicial ocorrerá a suspensão do processo. Não nos parece adequada a prática de suspensão de todo o processo para o debate apenas da desconsideração adotada pelo NCPC, vez que eventual execução, por exemplo, poderia continuar tramitando em busca de outros bens do devedor originário.

Como consequência é que a sentença poderá afirmar sua condição de responsável pela obrigação, o que tornará possível fazer com que a execução atinja seu patrimônio, nos termos do art. 790, VI.

Cumpre ainda registrar que, não tendo sido instaurado o incidente durante   o processo de conhecimento, sempre será possível postular a desconsideração da personalidade jurídica na fase de cumprimento da sentença.

Uma vez instaurado o incidente, deverá o juiz determinar a anotação, no cartório do distribuidor, dos dados relativos não só ao fato de que o incidente foi instaurado mas, também, o registro de quem são o requerente e o requerido (art. 134, § 1o).

Entretanto, reafirmando o caráter excepcional da medida e possibilitando o verdadeiro exercício do contraditório, o Novo Código de Processo Civil positivou novas regras para a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

 

4.1.4         Requisitos para a concessão

 

Conforme o art. 133, § 1°, do CPC, “o pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei”.

Consoante se observa do novo incidente é que o rito processual não prevê os requisitos para a concessão do incidente, então podemos chegar a conclusão de que, os pressupostos estão dispostos no direito material, e variam conforme a natureza do direito discutido no caso concreto (art. 133, § 1°, CPC).

 

4.1.5         Procedimento

 

Os requisitos legais para parte interessada ou o Ministério Público ingressar com o pedido são: o pedido, a causa de pedir e os meios de prova que se pretende utilizar.

Quanto a causa de pedir, deverá haver a demonstração cabal dos pressupostos legais específicos (arts. 133, § 1° e 134, § 4°), devendo descrever quais hipóteses estão descritas no direito material.

No ato de requerimento de desconsideração da personalidade jurídica, incumbirá ao requerente apresentar elementos mínimos de prova de que estão presentes os requisitos para a desconsideração (os quais, como visto, serão os estabelecidos na lei


 

substancial). É preciso, então, que sejam fornecidos elementos de prova que permitam ao juiz a formação de um juízo de probabilidade acerca da presença de tais requisitos.

Após analisar o preenchimento ou não dos requisitos, o juiz (ou o relator, em sede de recurso ou em casos de competência originária) poderá indeferir o incidente de plano ou recebê-lo. Neste caso, o incidente será instaurado.

Cumpre afirmar que, a medida também é aplicável no âmbito dos processos que tramitam perante os Juizados Especiais Cíveis, nos termos no atual art. 1.062.

Uma vez instaurado o incidente, deverá o cartório de distribuição de ações ser imediatamente comunicado, para efetuar o registro da demanda incidental contra o suscitado (art. 134, § 1°, do CPC).

Deverá também, ser determinada a citação do sócio ou da pessoa jurídica, para que apresentem manifestação no prazo de 15 (quinze) dias, junto com as provas que entenderem necessárias (art. 135 do CPC), pretendendo evitar a constrição judicial dos bens do sócio (ou da pessoa jurídica, na hipótese de desconsideração inversa) sem qualquer possibilidade de defesa.

Frise-se que, instaurado o incidente, o processo principal ficará suspenso até o julgamento daquele (art. 134, § 3°, do CPC).

Regularmente citado, o suscitado (o sócio, na desconsideração propriamente dita, ou a pessoa jurídica, na desconsideração inversa) terá o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar defesa, sob pena de revelia, havendo necessidade de instrução proba- tória, ela será desenvolvida no próprio procedimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Concluída a instrução, o juiz (ou o relator, em sede de recurso ou em casos de competência originária) decidirá o incidente.

 

4.1.6         Decisão que resolve o incidente

 

A decisão que acolhe ou denega o pedido é de natureza interlocutória (art. 136, caput, CPC). Se for proferida por juiz de primeiro grau, contra ela caberá agravo de instrumento (art. 1015, IV, do CPC), Vale ressaltar, porém, a importância de a lei expressamente afirmar o cabimento do agravo de instrumento, já que pelo sistema recursal inaugurado pelo Código de Processo Civil só são agraváveis as decisões interlocutórias expressamente indicadas por lei (art. 1.015), uma vez que, o cabimento de agravo de instrumento contra a decisão que resolve o incidente de desconsideração da personalidade jurídica vem expressamente afirmado no art. 1.015, IV.

Mas, se for decretada pelo relator, em sede de recurso, ou em ações de competência originária do tribunal, caberá agravo interno (art. 136, § único, do CPC), da


 

decisão do órgão colegiado, nos Tribunais de Justiça ou nos TRF’s, caberá recurso especial.

Instaurando-se o incidente originariamente perante um tribunal, incumbirá ao relator processá-lo e decidi-lo monocraticamente. Há, aliás, expressa disposição neste sentido (art. 932, VI). Atuará, pois, o relator, nesses casos, exatamente como o faria   um juiz singular de primeira instância, a ele cabendo exercer o juízo preliminar de admissibilidade do incidente e, caso seja este positivo, determinar sua anotação nos registros do distribuidor, declarar (impropriamente) suspenso o processo e ordenar a citação do requerido. Caberá, ainda, ao relator conduzir toda a instrução probatória (art. 932, I), não obstante seja possível a expedição de carta de ordem para que um juízo     de primeira instância colha alguma prova (art. 69, IV, combinado com o art. 69, § 2o, II, do CPC).

Concluída a instrução probatória que se faça necessária, incumbirá ao relator decidir, monocraticamente, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. De tal decisão caberá agravo interno (art. 136, parágrafo único, combinado com o art. 1.021).

No entanto, se o pedido for aduzido junto com a petição inicial, neste caso, se o pedido de desconsideração for apreciado somente no dispositivo da sentença, o recurso cabível será a apelação.

 

4.1.7         Efeitos do acolhimento do incidente

 

Na hipótese de acolhimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica nos exatos termos do artigo 137 do Código de Processo Civil, a eventual alienação de bens será tida como ineficaz em relação ao requerente.

A referida disposição normativa, deve ser alinhada com o artigo 792, § 3o, que apresenta a seguinte previsão:

 

“nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execu- ção verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”. Buscou, por conseguinte, esse dispositivo estabelecer o termo inicial a partir do qual eventual alienação ou oneração de bens ocorreria em fraude à execução.

 

Alguns autores vêm interpretando a disposição em comento no sentido de que o NCPC teria estabelecido que o marco inicial para a fraude à execução seria a citação do sócio (ou da pessoa jurídica, no caso de desconsideração inversa) para participar do incidente

Assim, o marco inicial que se considerará fraude de execução a alienação ou oneração de bens pelo sócio (ou pela sociedade, no caso de desconsideração inversa) não é propriamente o momento da instauração do incidente (que é, como visto anteriormente, o momento em que proferida a decisão que o admite), mas o momento da citação do responsável.

Com o julgamento de procedência da desconsideração, podem ser considerados em fraude à execução (a depender da presença dos demais pressupostos) todos os atos de alienação ou oneração de bens praticados pelo sócio ou sociedade desde sua citação no incidente (arts. 137 e 792, § 3.º, do CPC/2015).

 

Mas a configuração da fraude à execução depende da presunção de que o terceiro adquirente do bem (ou beneficiário de sua oneração) tinha ou podia razoavelmente ter conhecimento da pendência da demanda. Por isso, o registro da instauração do incidente no cartório distribuidor é importante (art. 134, § 1.º, do CPC/2015).

A regra visou a assegurar ao terceiro, que adquire o bem de um sujeito atingido pela desconsideração, que só poderia ser considerada em fraude à execução a aquisição feita depois de o sujeito atingido pela desconsideração já estar citado na demanda de desconsideração (principal ou incidental), pois, antes disso, o terceiro não teria como objetivamente conhecer a demanda.

O NCPC, entretanto, mitigou a presunção de boa-fé do terceiro e passou a exigir que, no caso de aquisição de bem não sujeito a registro, terá ele o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem (art. 792, § 2o).

Nesse diapasão, tem-se que, atualmente, o NCPC exige que o terceiro adquirente demonstre a sua boa-fé, na aquisição de bem não sujeito a registro, por meio da obtenção e apresentação de certidões que comprovem, notadamente, a saúde financeira do alienante e o desconhecimento da existência de ação capaz de reduzir o executado à insolvência.

A partir daí, qualquer ato de alienação ou oneração de seus bens será tida como frauda à execução se estiverem presentes os requisitos estabelecidos pelo art. 792 do CPC

Observa-se que a decisão de acolhimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica produz dois efeitos processuais, sendo que o principal efeito é a extensão extensão da responsabilidade patrimonial.

Em resumo a atividade executiva alcançará o patrimônio dos sócios ou administrador, e nos casos de desconsideração inversa, os bens da pessoa jurídica.

Tal normatização está prevista no art. 790, incisos II e VII e art. 795, ambos do novo Código de Processo Civil:

 

Art. 790. São sujeitos à execução os bens:

(. . . )

II - do sócio, nos termos da lei; (. . . )

VII - do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 795. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei”.

 

O segundo efeito é a ineficácia da alienação ou oneração de bens, havidos em fraude à execução, in verbis:

 

“Art. 137, do CPC. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente”.

 

Em razão da ineficácia, os bens desviados poderão ser penhorados, ainda que o terceiro adquirente esteja de boa-fé. Entretanto, ele poderá ingressar com ação de regresso para ser ressarcido.

No tocante à redação do art. 137, preleciona Humberto Theodoro Júnior:

 

“Por acolhimento, a lei não quer dizer decisão de procedência do incidente, mas simplesmente o deferimento do processamento do pedido de desconsideração. Ou seja, antes mesmo que se verifique a penhora, os credores serão acautelados com a presunção legal de fraude, caso ocorram alienações ou desvios de bens pelas pessoas corresponsabilizadas. Como a penhora só será viável depois da decisão do incidente, a medida do art. 137 resguarda, desde logo, a garantia extraordinária que se pretende alcançar por meio de desconsideração Da mesma forma que se passa om a fraude cometida dentroda execução ordinária, a presunção legal de fraude do art. 137 pressupõe que o sujeito passivo da desconsideração da personalidade jurídica já tenha sido citado para o incidente quando praticar o ato de disposição (art. 792, § 3°). Justifica-se a fixação desse termo a quo pela circunstância de que o sujeito passivo do processo só se integra a ele por meio de citação. Portanto, só pode fraudar a execução quem dela já faça parte” (p. 405 e 406, 2016).

 

4.1.8         Desconsideração da personalidade jurídica e subcapitalização

 

O fenômeno da subcapitalização quando uma sociedade tem capital social claramente incompatível com o seu objeto social. Isso seria, por si só, fundamento para decretação da desconsideração da personalidade jurídica? Para alguns doutrinadores, sim.

Também é possível encontrar julgados que citam a subcapitalização como fundamento para a decretação da desconsideração da personalidade jurídica.

4.1.9         Prescrição/decadência do pedido de desconsideração

 

Em qualquer modalidade, seja na tradicional seja na inversa, o pedido de desconsideração pode surgir muito tempo depois do nascimento da obrigação.

Nesta perspectiva, indagasse se haveria um prazo de prescrição ou de decadência do pedido de desconsideração. Ocorre que tal pedido não confunde com a cobrança da dívida, sendo um direito unilateral de requerer a extensão da responsabilidade. Assim sendo, estamos diante de um direito potestativo do requerente.

Os direitos potestativos são direitos que se caracterizam por advir de um ato unilateral do titular, consistem em um poder de produzir efeitos jurídicos mediante declaração unilateral de vontade do titular, ou decisão judicial.

Como direito potestativo o que haveria seria um prazo decadencial, o qual porém não foi fixado pela nossa legislação, nem de forma específica, nem de forma geral.

Assim sendo, deve prevalecer a ideia de que não há prazo para o requerimento da desconsideração da personalidade, não podendo ser usados nem analogicamente os prazos dos artigos 1.003, 1.032 e 1.057 que dizem respeito a obrigações para com a sociedade.

Com efeito, conclui-se facilmente que, tratando-se de pretensões de direito subjetivo, a prescritibilidade é a regra e a imprescritibilidade a exceção.

 

Todavia, tal não ocorre com os direitos potestativos, sujeitos à decadência.

O fato é que o Código Civil de 1916, malgrado tenha baralhado as hipóteses de prescrição e decadência, previu para a decadência a tipicidade das situações sujeitas a tal fenômeno.

O mesmo se diga para o Código Civil de 2002, que não possui, como para        a prescrição, um prazo geral e amplo de decadência (salvo o contido no art. 179, específico para anulação de ato jurídico), fazendo a opção de elencar, de forma esparsa e sem excluir outros diplomas, os direitos potestativos cujo exercício está sujeito a prazo decadencial, seguindo a mesma linha da tipicidade até então existente.

Relativamente a prazos decadenciais, colhem-se, a título de exemplos, as seguintes hipóteses previstas no Código Civil de 2002: anulação dos atos constitutivos da pessoa jurídica (art. 45, § único, e 48, § único); anulação de negócio jurídico celebrado pelo representante em conflito de interesses com o representado (art. 119); anulação de negócio jurídico viciado (art. 178); direito de redibição ou abatimento de preço (art. 445); ação ex empto ou ex vendito (art. 501); direito de retrovenda (art. 505); exercício do direito de preferência de compra (arts. 513 e 516); revogação de doação por ingratidão (art. 555-558); anulação de deliberações tomadas em assembleia de sócios (art. 1.078, § 4º); anulação de casamento (arts. 1.555 e 1.560); impugnação de paternidade pelo filho menor (art. 1.614); anulação de negócio jurídico realizado à mingua de outorga uxória (art. 1.649); anulação de partilha (art. 2.027, § único).

Em suma, se não há regra específica conferindo prazo decadencial para o exercício de determinado direito potestativo (salvo as hipóteses de prazos subsidiários, como é o caso do art. 179 do CC⁄02), tal exercício não estará sujeito a prazo algum.

Esse é o magistério de Agnelo Amorim Filho - um dos primeiros a sistematizar o estudo da prescrição e da decadência do direito brasileiro -, no sentido de que, em relação aos direitos potestativos para cujo exercício a lei não vislumbrou necessidade de prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não-uso.

Com base nessas premissas, (. . . ) os direitos potestativos sem prazo fixado em lei são perpétuos, podendo, desse modo, ser exercidos a qualquer tempo, seja por meio de simples declaração de vontade, seja via ação constitutiva.6

Ademais, a simples possibilidade de haver decadência extra legem, aquela acertada entre as partes convencionalmente (art. 211 do Código Civil de 2002), revela que pode haver, ao menos em tese, situações a envolver direitos potestativos não reguladas em lei, ficando a cargo dos particulares o estabelecimento dos prazos decadenciais que lhes melhor convier.

À ausência de acerto nessa seara, as situações jurídicas quedam-se não regu- ladas, no tocante a eventual prazo de exercício de direitos.

À míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer momento.

E o próprio projeto do novo Código de Processo Civil, que de forma inédita disciplina um incidente para a medida, parece ter mantido a mesma lógica e não prevê qualquer prazo para o exercício do pedido.

Ao contrário, enuncia que a medida “é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título executivo extrajudicial” (art. 77, parágrafo único, inc. II, do PL n. 166⁄2010).

No entanto, o STJ já decidiu que a regra do art. 1.032 do CC não tem aplicação quando se trata de desconsideração da personalidade jurídica.

 

Correspondendo a direito potestativo, sujeito a prazo decadencial, para cujo exercício a lei não previu prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não uso.

Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer tempo.

Descabe, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, trazer para a desconsideração da personalidade jurídica os prazos prescricionais previstos para os casos de retirada de sócio da sociedade (arts. 1003, 1.032 e 1.057 do Código Civil), uma vez que institutos diversos.

 

5   CONCLUSÃO

  

A par de todas as considerações acima, temos que, o Novo Código de Processo Civil, trouxe procedimento processual próprio na Desconsideração da Personalidade Jurídica principalmente com o reforço ao princípio do contraditório nas hipóteses em que houver o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, seja este feito por meio da petição inicial ou através do incidente de desconsideração.

Cumpre ainda registrar que, a Lei 13.105/2015, não abarcou nenhuma nova hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, mas sim a sua normatização no aspecto processual.

Isto quer dizer que, as regras viabilizadoras da desconsideração da personalidade jurídica, continuarão sendo aquelas previstas nas mais diversas leis materiais, tais como o art. 50 do Código Civil, o art. 28, do Código de Defesa do Consumidor, o art. 4.°, da Lei 9.605/98, o art. 34, da Lei 12.529/2011 e também a regra do art. 14, da Lei 12.846/2013, que autoriza a desconsideração no bojo de um processo administrativo.

Assim o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica é tratado, como uma nova modalidade de Intervenção de Terceiros.

Foi salutar a nova normatização, pois, há anos haviam diversas celeumas em razão de ausência de um norte legal.

O CPC/2015 inovou no assunto prevendo e regulamentando procedimento próprio para a operacionalização do instituto de inquestionável relevância social e instrumental, que colabora com a recuperação de crédito, combate à fraude, fortalecendo a segurança do mercado, em razão do acréscimo de garantias aos credores, apresentando como modalidade de intervenção de terceiros (arts. 133 a 137) 3. Nos termos do novo regramento, o pedido de desconsideração não inaugura ação autônoma, mas se instaura incidentalmente, podendo ter início nas fases de conhecimento, cumprimento de sentença e executiva, opção, inclusive, há muito admitida pela jurisprudência, tendo a normatização empreendida pelo novo diploma o mérito de revestir de segurança jurídica a questão.


 6   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

1 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. 2a ed.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. P. 205;]

2. CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

3.   NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil. 2a ed. São Paulo: Método. 2015. P. 145

4.   RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Desconsideração da personalidade jurídica e processo. São Paulo: Malheiros, 2016. P. 335

5.   AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. P. 213

6.   BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 3a ed. São Paulo: Saraiva, 2017. P. 186

9.   RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Desconsideração da personalidade jurídica e processo. São Paulo: Malheiros, 2016. P. 214-215

10.  Vide BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 3a ed. São Paulo: Saraiva, 2017. P. 185

11.  TOMAZETTE, Marlon. A desconsideração da personalidade jurídica: a teoria, o CDC e o novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7,

n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/3104>. Acesso em: 14 jun. 2018.

12.   REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine). In: Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977.

13.  DIDIER. Fredie. Fórum Permanente de Processualistas Civis

14.   MEDINA. José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015

15.  NEVES. Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8ª ed. Ed. Juspodvm: Salvador, 2016.

16.  MASSON. Cleber. Interesses difusos e coletivos esquematizado. 5ª ver. São Paulo: Método 2016.

17.   https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/395467082/o-incidente-de- desconsideracao-da-personalidade-juridica-e-a-fraude-a-execucao-no-ncpc

18.  KÜMPEL, Vitor Frederico. A desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Registralhas/98,MI218182,81 042-A+desconsideracao+da+personalidade+Juridica+no+novo+CPC>. Acesso em: 19 fev. 2016

19.                      http://genjuridico.com.br/2016/01/19/o-incidente-de-desconsideracao-da-per sonalidade-juridica-do-novo-cpc/

Sobre o autor
Rodrigo Almeida Chaves

Defensor Público do Estado do Acre, desde o ano de 2007 atualmente lotado no Subnúcleo do Superendividamento e Ações do Consumidor.

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