Análise jurídica do crime de aborto no Brasil. Com ênfase no novo PL do Aborto

17/06/2024 às 20:12
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A vida é um bem a ser preservado a qualquer custo, mas, quando a vida se torna inviável, não é justo condenar a mãe a meses de sofrimento, de angústia, de desespero. (ADPF 54/2004)

RESUMO. Este texto tem por objetivo principal analisar sem efeito exauriente o crime de aborto na legislação brasileira e a proposta apresentada pelo PL 1904, de 2024, que visa modificar as penas em casos quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, inclusive, para penalizar os casos de aborto provenientes de crimes de estupro.

Palavra-Chave. Direito; penal; crime; aborto; majoração; pena.

1. INTRODUÇÃO

O Código Penal brasileiro define as modalidades do crime de aborto a partir do artigo 124, rotulando-o de crimes contra a pessoa, com detalhamento nos crimes contra vida.

Sendo o CP a Carta de Proteção dos bens jurídicos, a previsão do crime de aborto tutela a vida desde a concepção. As três principais modalidades de aborto previstas pelo Código Penal são o autoaborto, o aborto praticado com consentimento da gestante e aborto praticado sem o consentimento da gestante. A doutrina ainda conhece o aborto natural, o acidental, econômico-social, honoris causa, eugênico e o aborto criminoso. Assim, o presente ensaio também pretende abordar as modalidades de abortos permitidos no país, sendo o aborto terapêutico, aborto sentimental e o aborto permitido em razão da interpretação da ADPF nº 54/DF.

Por fim, pretende-se apresentar estudos acerca das modificações de penas do crime de aborto propostas pelo PL 1904, de 2024, o que tem sido objeto de acirradas discussões sociais em torno do assunto.

2 DA PROTEÇÃO LEGAL DO DIREITO À VIDA

2.1. O direito à vida em Tratados e Convenções Internacionais

A vida é um bem jurídico previsto no rol dos direitos humanos, e por isso, tem recebido proteção legal universal, em estatutos nacionais e internacionais, formando um verdadeiro sistema normativo internacional dos direitos humanos. A guisa de exemplos tem-se o Pacto de São José da Costa Rica de 1969, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto 678, de 92 e a Convenção Internacional de Direitos Políticos e Civis de 1966, ratificado pelo Brasil com advento do Decreto nº 592, de 92, cuja previsão se acham nos 4º e 6º, respectivamente. Dado a sua importância, torna-se imperiosa a sua reprodução, in totum:

Artigo 4º - Pacto de São José da Costa Rica - Direito à Vida

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.

2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente.

3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido.

4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada por delitos políticos, nem por delitos comuns conexos com delitos políticos.

5. Não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez.

6. Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente.

Artigo 6º - Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos

1.     O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.

2.     Nos países em que a pena de morte não tenha sido abolida, esta poderá ser imposta apenas nos casos de crimes mais graves, em conformidade com legislação vigente na época em que o crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do presente Pacto, nem com a Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio. Poder-se-á aplicar essa pena apenas em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente.

3.     Quando a privação da vida constituir crime de genocídio, entende-se que nenhuma disposição do presente artigo autorizará qualquer Estado Parte do presente Pacto a eximir-se, de modo algum, do cumprimento de qualquer das obrigações que tenham assumido em virtude das disposições da Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio.

4.     Qualquer condenado à morte terá o direito de pedir indulto ou comutação da pena. A anistia, o indulto ou a comutação da pena poderão ser concedidos em todos os casos.

5.     A pena de morte não deverá ser imposta em casos de crimes cometidos por pessoas menores de 18 anos, nem aplicada a mulheres em estado de gravidez.

6.     Não se poderá invocar disposição alguma do presente artigo para retardar ou impedir a abolição da pena de morte por um Estado Parte do presente Pacto.

2.2. A proteção à vida no Ordenamento jurídico interno

A Carta Magna de 1988, protege a vida no rol dos direitos fundamentais, artigo 5º, elevado à categoria de cláusula pétrea, e mais que isso, protege a dignidade da pessoa humana, como fundamento da República Federativa, artigo 1º, III, CF/88.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – (omissis);

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

3 DO ABORTO E SUAS MODALIDADES NO BRASIL

3.1 Conceito de aborto

Aborto é traduzido pela expressão ab-ortus, que induz a ideia de privação do nascimento. É a interrupção da gravidez por ato natural, acidental, ou voluntário, intrauterina, tendo por consequência morte do produto da concepção. Portanto, é a cessação da gravidez, antes do termo normal, causando a morte do feto.   

Há corrente que defende o termo de abortamento, que seria a ação, cujo resultado seria o aborto.

3.2. Modalidades de Aborto na doutrina brasileira

3.2.1. Do aborto natural

É aquele resultante de causas naturais como o próprio nome indica; é aquele que ocorre por motivos de causas patológicas. Trata-se de um indiferente penal.

3.2.2. Do aborto acidental

É aquele resultante de acidentes sofridos pela mulher grávida, como traumas em quebras. Também, trata-se de um indiferente penal.

3.2.3. Do aborto econômico-social

É aquele praticado tendo como motivo o fato de a mulher já possuir um grande número de filhos, e muitas das vezes trata-se de uma gravidez por descuido da mulher. E considerando questões de ordem econômica, como crise financeira, penúria social, inexistência de condições financeiras para sustentar o filho, resolve-se praticar o aborto.

Este tipo de comportamento é proibido no Brasil. Portanto, não se autoriza a prática dessa modalidade de aborto por questões econômicas financeiras.

3.2.4. Do aborto Honoris causa

É aquele praticado em decorrência de gravidez "extra-matrimonium". Assim, pode-se dizer que é aquele praticado com a finalidade de ocultar uma desonra da mulher ou do homem, como no caso de uma gravidez oriunda de um relacionamento amoroso, fruto de um caso extraconjugal de um ou ambos os envolvidos. Tem-se por exemplo, o caso de uma mulher casada que se envolva com um homem solteiro ou mesmo casado, que resulta de uma gravidez. A desonra pode ser de qualquer dos envolvidos, não necessariamente a desonra da mulher. Essa modalidade de aborto não tem permissão na legislação brasileira. Portanto, trata-se de comportamento altamente censurável e punível na forma do Código Penal.

3.2.5. Do aborto Eugênico ou Eugenésico.

É a interrupção da gravidez, causando a morte do feto, para evitar que a criança nasça com graves defeitos genéticos. Essa modalidade deve ter amparo e respaldo na ADFP nº 54/2004.

4. O ABORTO E SUA TIPICIDADE PENAL

4.1. Do autoaborto

O artigo 124 do CP, traz a modalidade de aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento, consistente na conduta de provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque, com pena de detenção, de um a três anos. O chamado autoaborto se enquadra na primeira parte da descrição típica.

4.2. Do aborto praticado com consentimento da gestante

A conduta do aborto com o consentimento da gestante é prevista no artigo 126 do Código Penal, consistente em provocar aborto com o consentimento da gestante, com pena de reclusão, de um a quatro anos.

4.3. Do aborto praticado sem o consentimento da gestante

Por sua vez, o comportamento de aborto praticado sem o consentimento da gestante é previsto no artigo 125 do Código Penal e consiste em provocar aborto, sem o consentimento da gestante, cuja pena é de reclusão, de três a dez anos.

5. DO ABORTO PERMITIDO NO BRASIL

Atualmente, existem três modalidades de aborto permitidos pela legislação pátria, a saber.

5.1. Do aborto terapêutico

Também chamado de necessário é a interrupção da gravidez realizada por recomendação médica, a fim de salvar a vida da gestante. Trata-se de hipótese específica de estado de necessidade.

5.2. Do aborto sentimental

Aborto Sentimental ou humanitário: é a autorização legal para interromper a gravidez quando a mulher foi vítima de estupro.

5.3. Do aborto e a interpretação da ADPF nº 54/DF

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54/2004 garantiu, no Brasil, a interrupção terapêutica da gestação de feto anencéfalo. A ação relatada pelo ministro Marco Aurélio Mello, proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), foi julgada apenas oito anos depois, numa votação com a participação dos 11 ministros do STF durante os dias 11 e 12 de abril de 2012 e aprovado com placar de 8 votos a favor, e 2 votos contra.

O relator do processo, o ministro MARCO AURÉLIO MELLO votou, no primeiro dia do julgamento, 11 de abril de 2012, a favor da legalização do aborto de fetos anencéfalos. Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal.

ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgar procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal, nos termos do voto do relator e por maioria, em sessão presidida pelo Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas. Brasília, 12 de abril de 2012. MINISTRO MARCO AURÉLIO – RELATOR

6. DA PROPOSTA DE MODIFICAÇÃO DAS PENAS DO CRIME DE ABORTO PELO PL 1904, DE 2024.

Tramita-se no Congresso Nacional o PL 1904, de 2004, intitulado PL do Aborto, visando modificar as penas para o crime de aborto quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, mesmo em casos de gravidez oriunda de estupro.

O tema tem travado acirradas discussões no Parlamento e junto à sociedade brasileira. Senão vejamos o texto da proposta:

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta Lei altera o Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, a fim de acrescer dois parágrafos ao artigo 124, um parágrafo único ao artigo 125, acrescer um segundo parágrafo ao artigo 126, e acrescentar um parágrafo único ao artigo 128 do mesmo diploma legal.

Art.2º O art.124 do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940- Código Penal, passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos:

"Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: ...........................................................................................”

“§ 1 Quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples previsto no art. 121 deste Código”.

“§ 2 O juiz poderá mitigar a pena, conforme o exigirem as circunstâncias individuais de cada caso, ou poderá até mesmo deixar de aplicá-la, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.”

Art. 3º O art.125 do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940- Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

"Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: ........................................................................................”

Parágrafo único. Quando houver viabilidade fetal, presumida gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples previsto no art. 121 deste Código”.

Art. 4º Renumere-se o parágrafo único do art.126 do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, como parágrafo primeiro e acrescente-se o seguinte parágrafo segundo:

"Art. 126 ..............................................................”.

“§ 1º …...................................................................”

“§ 2º Quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples previsto no art. 121 deste Código”.

Art. 5º O art.128 do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940- Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

"Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: ...................................................................... ............”

“Parágrafo único. Se a gravidez resulta de estupro e houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, não se aplicará a excludente de punibilidade prevista neste artigo. ”

Art. 6º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

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O PL 1904, de 2024, apresenta consistente justificação, a saber:

“(....) Embora as Normas Técnicas do Ministério da Saúde estabeleçam que, nos casos de gravidez decorrente de estupro, o aborto somente deva ser realizado até a vigésima semana, tem sido divulgado nestes anos pós pandemia que tais normas devem ser interpretadas de acordo com as leis e que, neste sentido, como o Código Penal não estabelece limites máximos de idade gestacional para a realização da interrupção da gestação, o aborto poderia ser praticado em qualquer idade gestacional, mesmo quando o nascituro já seja viável. O Código Penal estabelece no seu artigo 128 que "não se pune o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante". Não é difícil perceber que, quando o Código Penal foi promulgado, se o legislador não colocou limites gestacionais ao aborto, não foi porque teria querido estender a prática até o nono mês da gestação. Basta recorrer às circunstâncias históricas da época. O Código data de 1940. Até o final do século XIX, a mortalidade materna das gestantes submetidas a uma intervenção cesariana era de 50%. Metade das mulheres que passavam por uma cesárea morreriam. Na primeira metade do século XX, quando realizada por equipes especializadas, a mortalidade de uma cesárea variava entre 10 e 20%, em todo o mundo civilizado. De cada cinco mulheres submetidas a uma cesárea, uma poderia enfrentar a morte. Por este mesmo motivo somente em casos extremos recorria-se a um parto cesáreo [1]. A segurança do parto cesáreo tornou-se uma realidade somente após o surgimento dos primeiros antibióticos, com a descoberta da penicilina. Embora a penicilina tivesse sido descoberta em 1928, somente se tornou disponível mundialmente durante a Segunda Guerra Mundial. Nestas condições, em 1940, quando foi promulgado o Código Penal, um aborto de último trimestre era uma realidade impensável e, se fosse possível, ninguém o chamaria de aborto, mas de homicídio ou infanticídio. Soma-se a estas considerações que, no Código Penal de 1940 o crime do aborto está incluído no Título I, "Dos Crimes Contra a Pessoa" e, dentro dele, no Capítulo I, "Dos Crimes contra a Vida". Ora, o Código pune o aborto até mesmo quando é praticado com o consentimento da própria gestante e, neste caso, não haveria sentido em se falar de delito contra a vida da gestante. É evidente, portanto, que a vida contra a qual o Código afirma que é cometido o crime de aborto é a vida do nascituro, e não a da gestante. Daí pode-se concluir que, se o aborto também está incluído debaixo do título "Dos Crimes contra a Pessoa", o legislador de 1940 entendeu que o nascituro era uma pessoa, no sentido jurídico do termo. Só por este motivo já não seria possível entender o artigo 128 como atribuindo à gestante um direito ao aborto em caso de estupro. Somente poderia ser uma excludente de punibilidade, o mesmo que o Código Penal faz ao declarar, em seu artigo 121 §5º:

"Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária."

Não há, no artigo 121, que trata do homicídio, que se falar de um suposto direito ao homicídio culposo pelo fato do juiz poder deixar de aplicar a pena. Trata-se, novamente, apenas de uma excludente de punibilidade. Pode-se compreender a correção desta interpretação notando como, apesar do Código Penal datar de 1940, não existiram, até 1989, hospitais que oferecessem serviços de abortos em casos de estupro, assim como não houve, na doutrina jurídica, durante todo este tempo, uma única referência a uma suposta omissão da autoridade em fornecer este tipo de serviço, o que seria inimaginável se realmente o aborto em caso de estupro tivesse sido um direito e não uma excludente de punibilidade. Se o nascituro é uma pessoa, como foi reconhecido pelo legislador, jamais o legislador admitiria que houvesse um direito de matar uma pessoa inocente para resolver um problema de segunda pessoa, por mais grave que fosse, causado por uma terceira pessoa. De fato, os serviços de aborto em casos de estupro foram iniciados no Brasil, em 1989, não pela iniciativa de juristas interessados em corrigir uma lacuna já apontada e discutida pela doutrina, mas por iniciativa da militância a favor do aborto, que usou a ideia de que o aborto nestes casos seria um direito e que a autoridade pública havia se omitido, durante cinquenta anos, no oferecimento do serviço correspondente. De fato, como afirma o Dr. Osmar Colás, "Tudo começou por iniciativa do Movimento de Mulheres e outros grupos feministas, liderados por uma médica, a Dra. Maria José Araújo, que coordenava a Secretaria Especial da Mulher, órgão subordinado à Secretaria Municipal da Saúde do Município de São Paulo. Conseguiu-se sensibilizar a prefeita do município, na época a Sra. Luiza Erundina, que em junho de 1989 emitiu a portaria que determinava a obrigatoriedade da realização da interrupção da gestação nos casos previstos em lei pelos hospitais públicos do município de São Paulo. Em São Paulo, apesar da portaria determinando esse tipo de assistência, houve muitas peregrinações, por parte das organizações feministas e da própria Secretaria Municipal de Saúde, para definir um hospital para esse atendimento. A pessoa-chave para esse processo foi a Sra. Irotilde Gonçalves Pereira, assistente social do Hospital Jabaquara e vinculada ao movimento de mulheres, a qual com um trabalho muito bem elaborado, sensibilizou o chefe do setor de Ginecologia e Obstetrícia, Dr. Jorge Andalaft Neto. Assim, no dia 8 de março de 1989, foi criado o “Programa de Aborto Legal por Estupro” do Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Saboya, coordenado pelo chefe da clínica tocoginecológica, Dr. Jorge Andalaft Neto." [2] Para este primeiro serviço, o programa criado pelo Dr. Jorge Andalaft adotou como protocolo que o aborto seria oferecido a mulheres grávidas até o terceiro mês de gestação, e que apresentassem boletim de ocorrência e laudo do Instituto Médico Legal, comprovando a ocorrência do estupro. O protocolo foi publicado e passou a ser adotado nos hospitais que foram sendo abertos para oferecer o serviço à população. Dez anos mais tarde, em 1998, já havia 18 hospitais no Brasil que ofereciam a possibilidade de abortar em caso de estupro, seguindo o protocolo inaugurado pelo Dr. Jorge Andalaft. No final de setembro de 1998 os principais jornais do Brasil noticiaram o caso de uma menina de 10 anos de idade, vítima de estupro, grávida de quatro meses e meio, na cidade de Israelândia, no interior de Goiás. Suas iniciais foram veiculadas pela imprensa apenas como CBS, mas todos os demais detalhes dos acontecimentos foram descritos e amplamente divulgados. Os pais de CBS recorreram a diversos hospitais de vários estados que ofereciam serviços de aborto em casos de estupro, mas todos se recusaram a realizar o procedimento, alegando não apenas o protocolo, mas principalmente o risco de um aborto de uma menor naquela idade gestacional. O Dr. Jorge Andalaft, que não havia sido consultado, soube dos fatos pela imprensa e fez saber, também pela imprensa, que se a menina viesse para São Paulo, o Hospital do Jabaquara poderia fazer o aborto. Outra pessoa também se interessou em ajudar. Nos últimos dias de setembro, Carlos Massa, apresentador do Programa do Ratinho do SBT, acertou que pagaria a viagem e as demais despesas para trazer CBS a São Paulo. Chegando a São Paulo, antes da internação, CBS e sua família se apresentaram ao vivo no Programa do Ratinho, que atingiu picos de audiência. E, para espanto de seus colegas, no dia 4 de outubro, o Dr. Jorge Andalaft, diante de grande aparato midiático, realizou o aborto da menor de idade com 18 semanas de gestação. Os jornais noticiavam que, até aquela data, o Hospital do Jabaquara havia realizado um total de 111 abortos [3]. O fato ocorreu num momento propício. Em novembro de 1998, José Serra, Ministro da Saúde em exercício, publicava a Norma Técnica "Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes" [4], regulamentando os serviços de abortos em casos de estupro no Brasil. A norma, que tinha o Dr. Jorge Andalaft como seu principal autor, prescrevia agora que os abortos em casos de violência sexual poderiam ser realizados até a vigésima semana da gestação, mas não depois deste prazo. Além disso, dispensava-se a apresentação do laudo do Instituto Médico Legal, exigindo-se apenas o boletim de ocorrência, que não requeria apresentação de provas para ser emitido. Deste modo, a partir de novembro de 1998, todos os hospitais que ofereciam serviços de aborto em caso de violência sexual, - já não se falava mais em estupro -, realizavam o aborto até a vigésima semana de gestação, sem necessidade do laudo do Instituto Médico Legal, apenas mediante a apresentação de boletim de ocorrência. Todos, na verdade, menos o próprio Hospital do Jabaquara. Até o dia 4 de maio de 2004, segundo o site da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, o Hospital do Jabaquara exigia como documentos para a realização do aborto, "o consentimento da mulher ou, em caso de incapacidade, de seu representante legal, e cópia do Boletim de Ocorrência policial". Mas, a partir do dia 11 de maio de 2004, o mesmo Hospital passou a exigir, para a realização do aborto, apenas "o consentimento da mulher ou, em caso de incapacidade, de seu representante legal, e RG", e assim permaneceu durante todo o ano. O fato não foi divulgado pela imprensa. Tratava-se de uma experiência para uma nova mudança que haveria de ser realizada na Norma Técnica. De fato, no dia 15 de dezembro de 2004, o Ministro da Saúde Humberto Costa publicou uma nova Norma Técnica, intitulada "Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento", onde era declarado: "O Código Penal não exige qualquer documento para a prática do abortamento nesses casos e a mulher violentada sexualmente não tem o dever legal de noticiar o fato à polícia. Deve-se orientá-la a tomar as providências policiais e judiciais cabíveis, mas, caso ela não o faça, não lhe pode ser negado o abortamento" [5]. No mesmo mês, o Ministro Humberto Costa reeditou a Norma Técnica publicada em 1998 pelo então Ministro José Serra. A nova edição da norma, também denominada de "Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes", embora já tivesse entrado em vigor substituindo a anterior, não foi divulgada pelo Ministério da Saúde. Circulou apenas sigilosamente entre os hospitais que ofereciam os serviços de aborto em casos de violência, até que, finalmente, depois de seis meses, apareceu, em abril de 2005, não oficialmente e sem explicações, no site do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro. Segundo a nova norma, o aborto deveria ser oferecido até à vigésima semana de gestação, mas já não havia obrigação de apresentação do boletim de ocorrência. Bastaria a palavra da mulher, afirmando haver sofrido violência, para que o aborto não pudesse ser negado. Na página 16 da nova Norma Técnica podia ler-se que "O Boletim de Ocorrência Policial registra a violência para o conhecimento da autoridade policial, que determina a instauração do inquérito e da investigação. O laudo do IML é documento elaborado para fazer prova criminal. A exigência de apresentação destes documentos para atendimento nos serviços de saúde é incorreta e ilegal". E, na página 42 do mesmo documento, podia-se ler também: "O Código Penal afirma que a palavra da mulher que busca os serviços de saúde, afirmando ter sofrido violência, deve ter credibilidade, ética e legalmente, devendo ser recebida como presunção de veracidade" [6]. Passou o tempo e, em agosto de 2020, uma menina de 10 anos foi abusada e engravidou na cidade de São Mateus, no norte do Espírito Santo. Quando a gravidez foi descoberta, já estava na 23ª semana de gestação. Os médicos do hospital local, seguindo as recomendações da norma técnica do Ministério da Saúde, devido ao estado avançado da gestação, não quiseram realizar o aborto. A menina foi, por conseguinte, levada na sexta-feira, dia 14 de agosto, para Vitória, capital do Estado, ao Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes, onde havia um serviço especializado em abortos para vítimas de violência sexual. Mas os próprios médicos do serviço também se recusaram a realizar o aborto, devido ao estado avançado da gestação, sugerindo que a menor permanecesse hospedada no Hospital Universitário até o momento do parto. Entretanto, durante a madrugada do sábado para domingo, no dia 16 de agosto de 2020, uma viatura da polícia estacionou junto ao hospital, obteve a alta da menina e a conduziu ao aeroporto, onde um jato particular a esperava para conduzi-la à cidade de Recife, onde foi recebida pelo serviço de abortos para casos de violência sexual do Centro Integrado de Saúde Amauri de Medeiros (CISAM). Segundo declarado em coletiva de imprensa, na tarde da segunda-feira, dia 17 de agosto, o acordo para a transferência da menina havia sido formalizado no sábado à noite, dia 15 de agosto, entre o Secretário da Saúde do Estado do Espírito Santo, Nésio Fernandes, e o Dr. Olímpio Barbosa de Moraes Filho, na época ex-Diretor Médico do CISAM. Para a surpresa dos que haviam organizado a transferência, os médicos dos diversos plantões do serviço de aborto do CISAM também se recusaram a realizar o procedimento, devido ao estado avançado da gravidez. O Dr. Olímpio de Moraes, então, dirigiu-se pessoalmente ao CISAM e, tomando a si a menina para exame, aplicou uma injeção de cloreto de potássio no coração do nascituro, causando-lhe morte instantânea por assistolia. Em seguida, disse aos colegas: "O concepto já está morto. Não há mais o que discutir. Podem realizar o aborto". Tal como ocorrido em Israelândia, em 1998, um novo precedente havia sido introduzido sob os holofotes da mídia. Um aborto de mais de 23 semanas de gestação havia sido realizado, apesar da negativa de todos os profissionais consultados, e todo o desenrolar dos acontecimentos havia sido amplamente noticiado pela internet, pela imprensa escrita e pelas redes de televisão. Foi este precedente que fez com que, dois anos depois, um acontecimento viesse a desenrolar-se de modo atípico. Em 4 de maio de 2022, uma menina de 11 anos, grávida de mais de 22 semanas, foi encaminhada para a realização de um aborto no Hospital Universitário em Florianópolis, em Santa Catarina. A equipe do hospital, embora especializada neste tipo de procedimento, recusou-se a efetuar o aborto, alegando o estado avançado da gestação. Cinco dias depois, a menina foi ouvida pela juíza Joana Ribeiro Zimmer que, percebendo o estado avançado da gestação, perguntou à menina se aceitaria seguir com a gravidez por mais duas ou três semanas, para que o bebê tivesse mais chances de sobreviver fora do útero. A menina concordou com a proposta. Alguns dias mais tarde, após receber as conclusões de investigações policiais mostrando que o estuprador poderia estar em sua residência, acobertado pela família, a magistrada determinou o encaminhamento da menina para uma casa de acolhimento. Quase dois meses depois, no dia 20 de junho de 2022, quando a menina já estava com quase sete meses ou 29 semanas de gestação, a imprensa passou a noticiar sobre a "desumanidade de uma juiza que havia induzido uma menina de 11 anos a desistir do aborto". Os áudios contendo a audiência, onde encontra-se o diálogo da magistrada, que pergunta à menina se aceitaria seguir com a gravidez, por mais duas ou três semanas, e a menina concorda com a proposta, apesar de submetidos ao segredo de justiça, foram amplamente divulgados pela imprensa. Em entrevista ao Diário Catarinense, a magistrada se defendeu dizendo não ser contra o aborto, porém o caso que lhe havia sido apresentado não se tratava mais de um aborto, mas de um "homicídio". Segundo as palavras da Magistrada, "a palavra aborto tem um conceito, e esse conceito é de até 22 semanas. Esse conceito é o da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde". E ela tinha razão. A Norma Técnica do Aborto em casos de Violência do Ministro Humberto Costa de 2005, levemente modificada em 2012, declara o seguinte: "Abortamento é a interrupção da gravidez até a 20ª ou 22ª semana de gestação, e com produto da concepção pesando menos que 500g. Aborto é o produto da concepção eliminado pelo abortamento". Este também era o entendimento do Dr. Jorge Andalaft, o iniciador dos serviços de aborto em casos de violência no Brasil. O governo havia encaminhado, em 2005, ao Poder Legislativo, o substitutivo do PL 1135/91, que pretendia legalizar o aborto no país. O projeto declarava, nos seus primeiros artigos, pretender legalizar o aborto até as doze semanas de gestação, mas seu último artigo estabelecia "revogar os arts. 124, 126, 127 e 128 do Código Penal". Estes artigos eram, nada mais, nada menos, que todos os artigos do Código Penal que tipificam o aborto como crime, exceto o que mantinha como crime provocar o aborto sem o consentimento da gestante. Muitos opositores denunciaram publicamente a iniciativa, acusando-a de, na realidade, pretender liberar o aborto durante todos os nove meses da gestação, e não apenas nas doze primeiras semanas, como expressavam seus primeiros artigos. Foi nesta ocasião que o Dr. Jorge Andalaft compareceu várias vezes diante das câmeras de televisão para explicar que a acusação não somente era infundada, como também seria produto de ignorância, já que, após a viabilidade do concepto, não se podia mais falar de aborto, e nisto, segundo o médico, todos estavam de acordo. O próprio Andalaft não podia pensar diferente, pois ele mesmo havia sido um dos redatores da Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, de 2005, onde se afirmava que "abortamento é a interrupção da gravidez até a 20ª ou 22ª semana de gestação, e com produto da concepção pesando menos que 500g." A juíza, ademais, não havia feito nada mais além do que seguir a própria Norma Técnica publicada pelo Ministro Humberto Costa, quando esta dizia: "Não se recomenda a interrupção da gravidez após 20 semanas de idade gestacional. A mulher deve ser informada da impossibilidade de atender à solicitação e aconselhada ao acompanhamento pré-natal especializado, facilitando-se o acesso aos procedimentos de adoção, se assim o desejar." Esta, ademais, era a prática de todos os profissionais dos serviços de aborto no Brasil, como pode ser visto pelas recusas, em 2020, dos vários serviços consultados, de realizarem o procedimento na menina de 23 semanas de gestação de São Mateus, até que o Dr. Olímpio de Moraes, por iniciativa pessoal, veio a criar um precedente midiático ao matar um nascituro por assistolia. Teria sido interessante que na controvérsia de Santa Catarina tivéssemos ouvido a opinião do Dr. Jorge Andalaft. Ele, porém, nada mais podia opinar. Já havia falecido. Mas, na esteira do precedente criado pelo Dr. Olímpio, dois dias após a juíza haver sido denunciada pela imprensa, o Ministério Público Federal em Santa Catarina dirigiu-se ao Hospital Universitário através de uma recomendação em que exigia que o estabelecimento "garantisse, às pacientes que procurassem o serviço de saúde, a realização de procedimentos de interrupção da gestação nas hipóteses de aborto legal, independentemente da idade gestacional e peso fetal, sendo desnecessária qualquer autorização judicial ou comunicação policial". O documento do Ministério ainda afirmava ao Hospital que "a negativa de realização do aborto ou exigência de requisitos não previstos em lei" configurava "hipótese de violência psicológica" e de "violência institucional". O documento terminava exigindo que, "Em razão da urgência que o caso requer, fixo prazo até amanhã, dia 23 de junho, às 12h, para que sejam remetidas a esta Procuradoria da República informações sobre o acatamento desta Recomendação" [7]. Deste modo, devido à pressão do Ministério Público, o aborto foi realizado na noite do dia 22 de junho. A juíza atualmente está enfrentando um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra a mesma, após o corregedor nacional de Justiça ter afirmado que suas decisões teriam sido responsáveis por "violência institucional" e "revitimizado" a menina. Mas a juíza já havia declarado à imprensa estar entre aqueles que eram favoráveis à prática do aborto. O que ela havia feito era exatamente o que todos os principais profissionais e promotores do aborto no Brasil, com exceção do Dr. Olímpio de Moraes, estiveram fazendo desde 1989, a mesma prática que um Ministério da Saúde favorável ao aborto havia consagrado como norma técnica, sem nunca haverem sido molestados por ninguém por este motivo. Um ano depois, em junho de 2023, o Ministério Público de Santa Catarina publicou uma "Cartilha de Atenção Humanizada às Meninas e Mulheres em Situação de Interrupção Legal da Gravidez em Santa Catarina", dirigida desta vez não apenas ao Hospital Universitário, mas a todos os profissionais da saúde do Estado, onde redefinia-se o que é aborto e não se estabelecia qualquer limite de idade gestacional ou de peso do nascituro para a sua realização: "A Interrupção Legal da Gravidez (ILG) consiste na interrupção proposital de uma gestação sem a intenção de produzir um neonato vivo, nas situações em que a legislação brasileira o permite. De acordo com as Normas Técnicas do Ministério da Saúde, nos casos de gravidez decorrentes do estupro, a recomendação é que a interrupção aconteça entre 20-22 semanas. No entanto, importa evidenciar que as normas técnicas devem ser interpretadas à luz das leis e das evidências científicas. Sendo assim, por não haver previsão de limite no Código Penal brasileiro, também não há limite máximo de idade gestacional para a realização da interrupção da gestação. Quando há viabilidade fetal, orienta-se que seja realizado o procedimento de indução de assistolia fetal previamente à indução do parto, cabendo aos serviços organizarem-se para que este procedimento seja garantido" [8]. Os Ministérios Públicos, em todo o Brasil, provavelmente se unirão para forçar os hospitais que realizam procedimentos de aborto a seguirem estas recomendações. Qualquer gestante poderá realizar um aborto, em qualquer idade gestacional, bastando afirmar haver sido vítima de violência, sem necessidade de apresentar provas ou documentos. Que poderia acontecer, depois disto, nesta sequência? O próximo passo já desponta no horizonte, através da ADPF 442, que tramita no Supremo Tribunal Federal, para a qual a então Ministra Relatora Rosa Weber já apresentou o seu voto, no final de 2023. Segundo o voto da Relatora, não há mais que se falar em direitos fundamentais nem, portanto, em direito à vida, antes do nascimento, independentemente se estivermos tratando de uma gestação que seja fruto de violência. A Constituição, neste ponto, sustenta a Ministra, é clara: "De acordo com o artigo quinto da Constituição Federal, 'Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade'. [...] [Esta] regra constitucional [...] diz respeito à titularidade dos direitos fundamentais. De forma expressa, a regra prescreve que são assegurados direitos aos brasileiros e aos estrangeiros residentes. Indaga-se: quem são os brasileiros referidos no texto? A Constituição define como brasileiros os nascidos no Brasil, [...] ou os que nasceram no estrangeiro de pai ou mãe brasileiros a serviço do Estado brasileiro. Aos [já] nascidos, então, [que] é atribuída a titularidade dos direitos fundamentais. Esta conclusão é mais evidente quando se observa que não há referência em qualquer passagem do texto constitucional aos não nascidos, seja na condição de embrião ou de feto. [...] Tais inferências interpretativas permitem afirmar o propósito do texto constitucional em afastar qualquer compromisso com a tese do direito à vida desde a concepção. [...] A norma inscrita no artigo 5º, caput, não prescreve o feto como [...] sujeito titular de direitos fundamentais. [...] Da análise da questão da interrupção voluntária da gravidez, a premissa de uma contraposição entre os direitos fundamentais do feto e da mulher gestante [...] é equivocada e coloca a discussão do problema como insolúvel. [...] Não há que se falar em direito fundamental à vida do embrião ou do feto" [9]. Segundo Rosa Weber, portanto, a ausência de um limite máximo de idade gestacional para a realização da interrupção da gestação não se daria apenas em casos de violência sexual e porque o artigo 128 do Código Penal não estabelece qualquer previsão de limite, mas porque a Constituição brasileira não reconhece nenhum direito fundamental à vida senão após o nascimento, não importando se a gestação tenha sido, ou não, produto de violência. Esta argumentação não é originária da Ministra. Iniciou-se em 1973, com a decisão Roe x Wade, revogada pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 2022, onde foi utilizada pela primira vez, e tem sido repetidamente usada pelos promotores do aborto nos vários países onde as constituições têm algum dispositivo semelhante. É uma argumentação falaciosa, mas isto parece não importar aos seus promotores. Há uma agenda a cumprir e, para os argumentos, basta uma aparência de verdade. O erro do argumento procede do pressuposto de que o direito à vida emana da Constituição e não que seja algo próprio do homem. Mas, que o direito à vida é inerente ao ser humano e não depende de reconhecimento legal, é o pressuposto do qual derivam as democracias modernas. Foi o pressuposto de todos os movimentos que extinguiram a escravatura, que perpassaram o mundo durante o século XIX. Foi também o pressuposto da Declaração Universal de Direitos Humanos promulgada pela ONU em 1948. A Declaração de Direitos Humanos foi propositalmente construída sobre os julgamentos do Tribunal de Nuremberg. A Declaração foi promulgada para que não mais surgisse outro regime nazista que decidisse, pela lei, quem fossem os titulares dos direitos humanos, entre os quais está o direito à vida. A Declaração diz ainda que este é "o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo", e que foi "o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homem que conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade". No entanto, apesar das evidências, a argumentação exposta pressupõe, ao contrário, que os brasileiros e os residentes no Brasil somente têm direito à vida porque os constituintes, em 1988, assim o estabeleceram. E que, se assim não o tivessem feito, nem os brasileiros, nem os residentes no país, teriam direito à vida. Trata-se de uma tese que, na verdade, é contrária à ordem constitucional vigente. As constituições do mundo moderno derivam da primeira de todas as constituições que foi promulgada em 1787 nos Estados Unidos. Todas as demais constituições se baseiam, em última análise, nos mesmos primeiros princípios daquela. Porém a Constituição de 1787, por sua vez, baseia-se na Declaração de Independência dos Estados Unidos de 1776. É nesta declaração que encontramos os pilares da democracia e do estado de direito moderno. Diz a Declaração: "Quando, no curso dos acontecimentos humanos, torna se necessário que um povo dissolva os laços políticos que os unem a outro, o decente respeito devido às opiniões da humanidade exige que estes declarem as causas que os forçaram à separação. Nós sustentamos que estas verdades são auto evidentes, que todos os seres humanos são criados iguais, e que eles são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. É para assegurar estes direitos que os governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados. Quando qualquer forma de governo se torna destruidora destes fins, é direito do povo modificá-los ou aboli-los, e instituir novos governos que coloquem tais fundamentos entre seus princípios". A Declaração diz que o estado de direito se estabeleceu quando se fez auto-evidente que o direito à vida e outros direitos fundamentais são inerentes aos seres humanos e não instituídos por lei ou por uma constituição. As constituições são elaboradas para proteger tais direitos, não para criá-los, nem para estabelecê-los. Sustentar o contrário seria destruir as próprias bases sobre as quais foi construída a civilização. Tanto é assim que a Constituição brasileira reconhece como titulares de direitos fundamentais os brasileiros e os residentes em território brasileiro, mas não menciona em momento algum os turistas e os cidadãos de outros países que estejam em trânsito pelo território nacional, os quais não são nem brasileiros, nem residentes no Brasil. No entanto, não lhes negaríamos o direito à vida apenas porque a Constituição não os menciona. Tais direitos são inerentes aos seres humanos e não uma concessão da Constituição. Não precisam ser mencionados para existirem. O dever das constituições é o de protegê-los, não o de dar-lhes a existência. Existiriam ainda que as constituições não existissem. Mas, para conceder às mulheres o direito de interromperem a gestação, independentemente da idade gestacional, e qualquer que seja o peso do nascituro, foi preciso subverter os princípios básicos do Estado de Direito, os mesmos que deram origem à Independência Americana e à democracia moderna. Deste modo, supondo que cheguemos ao término deste processo, quando as mulheres tiverem conquistado este direito, já teremos iniciado outro novo processo que irá se estender para muito além da questão do aborto. O voto da então Relatora da ADPF 442 dá indicações claras a este respeito, embora não forneça exemplos, já que o pedido da ação era apenas a despenalização do aborto. Porém, já que os direitos fundamentais são entendidos como concedidos pelo texto constitucional e não inerentes aos seres humanos, deve-se seguir daí que eles somente existirão conforme forem descritos, ou não descritos, pela própria Constituição. Assim é que, por exemplo, embora o artigo quinto da Constituição mencione o direito à vida, em nenhum momento a Constituição determina o conteúdo do que seja este direito. Só por este motivo o direito à vida já não poderia ter um caráter absoluto, ou inalienável, como dizia a Declaração de Independência Americana. Pois, se um direito não é inerente ao ser humano, seu conteúdo só poderá ser entendido como as palavras da Constituição o concederem. Diz, pois, o voto da Ministra Relatora: "[...] o argumento do caráter absoluto do direito à vida frente a outros direitos fundamentais, no sentido de que não possa ser confrontado ou ter o seu âmbito de proteção restringido, não tem estrutura institucional no constitucionalismo [...]. Primeiro, [porque] o texto constitucional não definiu o conteúdo do direito à vida prescrito no artigo 5º, tampouco identificou explicitamente qual o seu âmbito de proteção.

[...] Segundo, [porque] [...] a estrutura lógica da norma do direito fundamental à vida, composta por propriedades indeterminadas, [...] exige atividade interpretativa posterior do seu âmbito de proteção. [...] Equivocado, portanto, supor a nota da superioridade intangível do direito à vida em face de outros direitos". [10] Mas a Relatora não diz apenas isto. Embora o direito à vida seja mencionado no artigo quinto da Constituição para definir quais são os titulares deste direito, é no artigo primeiro, e não no artigo quinto, onde se apresentam "os fundamentos do Estado Democrático de Direito". E ali, no artigo primeiro, entre os fundamentos do Estado de Direito, diversamente da Declaração de Independência, não se menciona o direito à vida entre os fundamentos da democracia, mas "a dignidade da pessoa humana". Isto significaria, portanto, que segundo a nossa Constituição, a dignidade da pessoa humana teria clara precedência sobre o direito à vida: "O marco constitucional [...] do direito à vida possui, portanto, um conteúdo que tem a dignidade da pessoa humana como vetor normativo. Noutro modo de dizer, não basta ter a vida, ela tem que ser digna em suas variadas dimensões. [...] Neste cenário argumentativo, [embora] o conceito de vida deva ser entendido, no âmbito do Direito Constitucional, como direito atribuído [somente] às pessoas nascidas, [mesmo para os já nascidos], a sua proteção [não será absoluta, mas] incremental, dependendo da relação com outros direitos" [11]. A Ministra não quis dar exemplos, porque o objeto da ação era apenas a despenalização do aborto, mas já está assentando os princípios do que virá depois. O que estas palavras significam é que se o direito à vida de uma pessoa já nascida (saliento, de uma pessoa já nascida, como faz também a Ministra, pois os nascituros, pela Constituição, não teriam direito algum à vida) colidir com o direito à dignidade de outra pessoa já nascida, a dignidade da vida da segunda pessoa terá precedência sobre o direito à vida da primeira pessoa. Como o conceito da dignidade da pessoa também não é determinado pela Constituição, mas deverá ser determinado pela legislação posterior e sempre sujeito ao controle da interpretação judiciária, o direito à vida se tornará, pouco a pouco, com o desenvolvimento da legislação e da jurisprudência, "incremental", ou "gradual". Uma pessoa poderá ter mais ou menos direito à vida, dependendo da dignidade alcançada por ela e por comparação com outras que tenham maior ou menor dignidade. Deste modo, em um mundo assim juridicamente ordenado, um maior direito à vida poderá ser conquistado e ser objeto de investimento, como também poderá ser perdido imediatamente em seu todo, ou em partes e gradualmente. Expusemos o desenvolvimento de um largo processo. Parte deste processo já se realizou e pertence ao passado, parte está sendo realizada e pertence ao presente, parte ainda diz respeito a um futuro próximo. Mas tudo se encadeia como fazendo parte de um único e mesmo processo. A realidade do passado e do presente permite conjecturar que, a não ser que compreendamos o que está acontecendo, o futuro se fará presente e, quando tal acontecer, aquele novo presente despontará já com novos horizontes que hoje ainda não vemos. Em outras palavras, o processo não se concluirá naquele futuro que terá se tornado presente. O que, no princípio, parecia ser apenas a defesa ao direito ao aborto em determinadas circunstâncias, termina se revelando como um processo que conduz à desconstrução dos fundamentos do Estado de Direito, da liberdade e da civilização moderna.

REFERÊNCIAS [1] Low, James: Caesarean Section - Past and Present, Journal of Obstetrics and Gynaecology Canada, Volume 31, Issue 12, 2009, Pages 1131-1136. Há uma ampla bibliografia sobre o tema. [2] Colás OR, Rosas CF, Pereira IG: Resgate histórico do primeiro programa público de interrupção da gestação por estupro no Brasil. Femina. 2021;49(3):183-6. [3] Reportagem Local: "Hospital já Realizou 111 Abortos Legais", Folha da Tarde, São Paulo, 01/10/1998 [4] Ministério da Saúde: Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, Norma Técnica, 1ª Edição, Brasília, 1998. [5] Ministério da Saúde: Norma Técnica Atenção Humanizada Ao Abortamento, Brasília, 2005. [6] Ministério da Saúde: Norma Técnica Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra Mulheres e Adolescentes, 2ª edição, Brasília, 2005 [7] Ministério Público Federal - Procuradoria da República- Santa Catarina, 7º Ofício Da Cidadania: Recomendação nº 19/2022– GABDCE – PR/SC – MPF. Procedimento nº 1.33.000.001253/2022-18. [8] Cartilha de Atenção Humanizada às Meninas e Mulheres em Situação de Interrupção Legal da Gravidez em Santa Catarina [recurso eletronico] / [coordenação Douglas Roberto Martins; Anna Carolina Machado do Espírito Santo ... et al.] - Florianópolis: MPSC, 2023, disponível em www.mpsc.mp.br [9] STF - ADPF 442, Voto da Ministra Relatora Rosa Weber, itens 37, 48 e 51, j. 22/09/2023. [10] STF - ADPF 442, Voto da Ministra Relatora Rosa Weber, item 39, j. 22/09/2023. [11] STF - ADPF 442, Voto da Ministra Relatora Rosa Weber, itens 39 e 47, j. 22/09/2023.(...)”

REFLEXÕES FINAIS

O juiz poderá mitigar a pena, conforme o exigirem as circunstâncias individuais de cada caso, ou poderá até mesmo deixar de aplicá-la, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. (PL 1904/2024)

Algumas afirmações são unânimes numa sociedade onde se define com primazia a prevalência dos direitos humanos. Assim, a vida é um bem jurídico por excelência. Preservar a vida é dever de todas as nações. O ordenamento jurídico brasileiro protege a vida desde o Código Civil, que em seu artigo 2º, assegura o direito de personalidade civil da pessoa, estabelecendo que esta começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Por sua vez a Carta Magna prevê no artigo 5º a proteção da vida, reforçado com a previsão no artigo 4º do Pacto de São José da Costa Rica que define que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.

O Código Penal de 1940 define as condutas criminosas de homicídio e aborto nos artigos 121, 123, 124, 125 e 126, todos classificados como crimes contra a vida, e quando dolosos, tentados ou consumados, são de competência e julgamento do egrégio Tribunal do Júri. Especificamente sobre o aborto, a legislação brasileira considera aborto permitido o terapêutico e o sentimental ou humanitário, e o STF estendeu a permissão para os casos de anencefalia nos moldes da ADPF 54, de 2004.

Acontece que vivemos numa sociedade multifacetada, e nesse aspecto surgem grandes divergências acerca da apresentação do PL 1904, de 2024, onde a proposta pretende equiparar a pena do aborto em casos de gestações acima de 22 semanas ao crime de homicídio simples, ou seja, reclusão de 06 a 20 anos, mesmo naqueles casos de vítimas de estupro.

Nesse ponto específico, uma enxurrada de conflitos surge nas redes sociais, numa sociedade polarizada em extremidades doentias, a meu sentir, nesse caso específico, movida por deslizes e equívocos da proposta oriunda do PL do aborto que propõe pena maior, o que pode chegar a uma pena de 20 anos de prisão, para a mulher que venha a praticar um aborto de uma gestação acima de 22 semanas, mesmo nos casos de gravidez oriundos de estupro. Imagina-se um caso hipotético, onde o autor Caio prática um estupro contra a vítima Mévia, que após 23 semanas de gravidez prática aborto em si, restando provada a capacidade intelectual dos dois autores. Nesse caso, o autor do estupro seria punido com pena de 6 a 10 anos de reclusão e a autora do aborto seria punida a pena de 6 a 20 anos de reclusão.

Nesse ponto de flagrante desproporcionalidade penal, surgem as verborrágicas sociais, as diatribes pontiagudas que povoam as redes sociais. Todo mundo buscando holofotes e seguidores. Uma doença grave que destila a peçonha do ódio, da mentira e do desamor. Movimentos políticos de pura militância, gente extremista de lados opostos defendendo políticos com unhas e dentes, às vezes, gente hipocritamente reconhecida, muitos roedores do erário público; confusões intrafamiliares, acirradas divisões no setor público, no sistema de segurança e de justiça, decisões carregadas de fúria política e colorido ideológico.

O que mais importa nesse momento é sempre lutar pela inexorável defesa dos interesses da vida, dos direitos da mulher, da igualdade formal e material e dos ditames da justiça.

O criminoso deve ter a certeza da punição. O direito à liberdade e a vida não deve servir de palco de oportunistas de plantão, narcisistas, vaidosos e sanguessugas de ocasião. Proteger a vida e dignidade das mulheres e do produto da concepção é dever inarredável e inexorável de toda a coletividade. Por derradeiro, tem-se que o modelo atual de repressão ao crime de aborto atende aos anseios sociais. O aborto necessário ou terapêutico, bem assim, o aborto sentimental ou humanitário, neste caso, com a sólida implantação de um Programa de acolhimento humanizado a mulher, respeitando a sua particular condição, é medida que se impõe em favor da vida e dignidade da mulher. Destarte, advoga-se a majoração da pena para 30 anos de reclusão para estupradores, permanência do atual modelo normativo e enfrentamento ao crime de aborto.

O país necessita de mais profissionais comprometidos com a intransigente defesa da sociedade, de seus valores, da moral comum, das famílias, do respeito às Instituições, sem intervenções e sem usurpações de funções, e menos oportunistas, extremistas, fundamentalistas, políticos corrosivos que vivem às custas da desgraça social.

Decisões tomadas com espírito de revanche, qualquer que seja o lado eleito é medida burra e desarrazoada. A sociedade não pode assumir o ônus das disputas meramente filosóficas e subitamente políticas de um Parlamento belicoso e oneroso. O parlamentar é muito bem pago para servir ao povo e o interesse da coletividade e não para utilizarem-se de suas funções para fomentar disputar por questões meramente ideológicas.

O Código Penal de 1940 não criminaliza a interrupção gestacional para gestação decorrente de estupro e caso haja risco à vida da mulher. Por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), interrupção em caso de anencefalia fetal também não é punida. Até o momento, nunca foi definido em lei um prazo para realização do procedimento. Somente agora, o Parlamento quer falar em viabilidade fetal, com o surgimento do PL do aborto que deseja definir um teto de 22 semanas, ou viabilidade fetal, para a realização do aborto legal nesse caso.

Para gestante ou profissional que realizar o procedimento após o teto, o projeto prevê condenação por homicídio simples com pena podendo chegar a 20 anos, mesmo nos casos de gravidez por estupro, reprimenda maior que a pena do autor do estupro, situação esdrúxula própria de quem não possui conhecimento técnico e profissionalismo capaz de oferecer segurança à sociedade.

Por derradeiro, nasce a necessidade premente de se respeitar os direitos humanos, com o rótulo da irrenunciabilidade, universalidade, inalienabilidade, a exemplo da igualdade, integridade física, a vida e honra da pessoas, homens e mulheres, para construção de uma sociedade melhor para se viver, longe da violência, do desperdício do dinheiro público, do amadorismo sistêmico, do estelionato funcional; é preciso amar o ser humano, se armar com o espírito de fraternidade e solidariedade, acabar com a guerra de vaidade, dissipar as contendas meramente políticas e filosóficas, restaurar os valores cívicos da sociedade, restabelecer o sentido humanitário petrarquiano, fazendo nascer uma onda renovatória embrulhada, carinhosamente, com o néctar do amor e da solidariedade.


DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em Constituição (planalto.gov.br). Acesso em 17 de junho de 2024.

BRASIL. Código Penal Brasileiro. Disponível em DEL2848compilado (planalto.gov.br). Acesso em 17 de junho de 2024.

BRASIL. Projeto de Lei nº 1904, de 2024. Disponível em prop_mostrarintegra (camara.leg.br). Acesso em 17 de junho de 2024.

BRASIL. Pacto de São José da Costa Rica. Disponível em D678 (planalto.gov.br). Acesso em 17 de junho de 2024.

BRASIL. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Disponível em D0592 (planalto.gov.br). Acesso em 17 de junho de 2024.

BRASIL. Ação de Descumprimento de Preceito Constitucional nº 54/2004. Disponível em downloadPeca.asp (stf.jus.br). Acesso em 17 de junho de 2024.

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

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