REFLEXÕES FINAIS
O juiz poderá mitigar a pena, conforme o exigirem as circunstâncias individuais de cada caso, ou poderá até mesmo deixar de aplicá-la, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. (PL 1904/2024)
Algumas afirmações são unânimes numa sociedade onde se define com primazia a prevalência dos direitos humanos. Assim, a vida é um bem jurídico por excelência. Preservar a vida é dever de todas as nações. O ordenamento jurídico brasileiro protege a vida desde o Código Civil, que em seu artigo 2º, assegura o direito de personalidade civil da pessoa, estabelecendo que esta começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Por sua vez a Carta Magna prevê no artigo 5º a proteção da vida, reforçado com a previsão no artigo 4º do Pacto de São José da Costa Rica que define que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
O Código Penal de 1940 define as condutas criminosas de homicídio e aborto nos artigos 121, 123, 124, 125 e 126, todos classificados como crimes contra a vida, e quando dolosos, tentados ou consumados, são de competência e julgamento do egrégio Tribunal do Júri. Especificamente sobre o aborto, a legislação brasileira considera aborto permitido o terapêutico e o sentimental ou humanitário, e o STF estendeu a permissão para os casos de anencefalia nos moldes da ADPF 54, de 2004.
Acontece que vivemos numa sociedade multifacetada, e nesse aspecto surgem grandes divergências acerca da apresentação do PL 1904, de 2024, onde a proposta pretende equiparar a pena do aborto em casos de gestações acima de 22 semanas ao crime de homicídio simples, ou seja, reclusão de 06 a 20 anos, mesmo naqueles casos de vítimas de estupro.
Nesse ponto específico, uma enxurrada de conflitos surge nas redes sociais, numa sociedade polarizada em extremidades doentias, a meu sentir, nesse caso específico, movida por deslizes e equívocos da proposta oriunda do PL do aborto que propõe pena maior, o que pode chegar a uma pena de 20 anos de prisão, para a mulher que venha a praticar um aborto de uma gestação acima de 22 semanas, mesmo nos casos de gravidez oriundos de estupro. Imagina-se um caso hipotético, onde o autor Caio prática um estupro contra a vítima Mévia, que após 23 semanas de gravidez prática aborto em si, restando provada a capacidade intelectual dos dois autores. Nesse caso, o autor do estupro seria punido com pena de 6 a 10 anos de reclusão e a autora do aborto seria punida a pena de 6 a 20 anos de reclusão.
Nesse ponto de flagrante desproporcionalidade penal, surgem as verborrágicas sociais, as diatribes pontiagudas que povoam as redes sociais. Todo mundo buscando holofotes e seguidores. Uma doença grave que destila a peçonha do ódio, da mentira e do desamor. Movimentos políticos de pura militância, gente extremista de lados opostos defendendo políticos com unhas e dentes, às vezes, gente hipocritamente reconhecida, muitos roedores do erário público; confusões intrafamiliares, acirradas divisões no setor público, no sistema de segurança e de justiça, decisões carregadas de fúria política e colorido ideológico.
O que mais importa nesse momento é sempre lutar pela inexorável defesa dos interesses da vida, dos direitos da mulher, da igualdade formal e material e dos ditames da justiça.
O criminoso deve ter a certeza da punição. O direito à liberdade e a vida não deve servir de palco de oportunistas de plantão, narcisistas, vaidosos e sanguessugas de ocasião. Proteger a vida e dignidade das mulheres e do produto da concepção é dever inarredável e inexorável de toda a coletividade. Por derradeiro, tem-se que o modelo atual de repressão ao crime de aborto atende aos anseios sociais. O aborto necessário ou terapêutico, bem assim, o aborto sentimental ou humanitário, neste caso, com a sólida implantação de um Programa de acolhimento humanizado a mulher, respeitando a sua particular condição, é medida que se impõe em favor da vida e dignidade da mulher. Destarte, advoga-se a majoração da pena para 30 anos de reclusão para estupradores, permanência do atual modelo normativo e enfrentamento ao crime de aborto.
O país necessita de mais profissionais comprometidos com a intransigente defesa da sociedade, de seus valores, da moral comum, das famílias, do respeito às Instituições, sem intervenções e sem usurpações de funções, e menos oportunistas, extremistas, fundamentalistas, políticos corrosivos que vivem às custas da desgraça social.
Decisões tomadas com espírito de revanche, qualquer que seja o lado eleito é medida burra e desarrazoada. A sociedade não pode assumir o ônus das disputas meramente filosóficas e subitamente políticas de um Parlamento belicoso e oneroso. O parlamentar é muito bem pago para servir ao povo e o interesse da coletividade e não para utilizarem-se de suas funções para fomentar disputar por questões meramente ideológicas.
O Código Penal de 1940 não criminaliza a interrupção gestacional para gestação decorrente de estupro e caso haja risco à vida da mulher. Por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), interrupção em caso de anencefalia fetal também não é punida. Até o momento, nunca foi definido em lei um prazo para realização do procedimento. Somente agora, o Parlamento quer falar em viabilidade fetal, com o surgimento do PL do aborto que deseja definir um teto de 22 semanas, ou viabilidade fetal, para a realização do aborto legal nesse caso.
Para gestante ou profissional que realizar o procedimento após o teto, o projeto prevê condenação por homicídio simples com pena podendo chegar a 20 anos, mesmo nos casos de gravidez por estupro, reprimenda maior que a pena do autor do estupro, situação esdrúxula própria de quem não possui conhecimento técnico e profissionalismo capaz de oferecer segurança à sociedade.
Por derradeiro, nasce a necessidade premente de se respeitar os direitos humanos, com o rótulo da irrenunciabilidade, universalidade, inalienabilidade, a exemplo da igualdade, integridade física, a vida e honra da pessoas, homens e mulheres, para construção de uma sociedade melhor para se viver, longe da violência, do desperdício do dinheiro público, do amadorismo sistêmico, do estelionato funcional; é preciso amar o ser humano, se armar com o espírito de fraternidade e solidariedade, acabar com a guerra de vaidade, dissipar as contendas meramente políticas e filosóficas, restaurar os valores cívicos da sociedade, restabelecer o sentido humanitário petrarquiano, fazendo nascer uma onda renovatória embrulhada, carinhosamente, com o néctar do amor e da solidariedade.
DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em Constituição (planalto.gov.br). Acesso em 17 de junho de 2024.
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Disponível em DEL2848compilado (planalto.gov.br). Acesso em 17 de junho de 2024.
BRASIL. Projeto de Lei nº 1904, de 2024. Disponível em prop_mostrarintegra (camara.leg.br). Acesso em 17 de junho de 2024.
BRASIL. Pacto de São José da Costa Rica. Disponível em D678 (planalto.gov.br). Acesso em 17 de junho de 2024.
BRASIL. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Disponível em D0592 (planalto.gov.br). Acesso em 17 de junho de 2024.
BRASIL. Ação de Descumprimento de Preceito Constitucional nº 54/2004. Disponível em downloadPeca.asp (stf.jus.br). Acesso em 17 de junho de 2024.