O Impacto da Inteligência Artificial nas Eleições: Desafios e Oportunidades para a Democracia

26/06/2024 às 10:05
Leia nesta página:

1 - Introdução

Em um mundo cada vez mais digital, a política não ficou imune às inovações tecnológicas. A Inteligência Artificial (IA) emergiu como uma ferramenta poderosa nas campanhas eleitorais, prometendo não apenas otimizar estratégias, mas também revolucionar a maneira como interagimos com o processo democrático. À medida que as possibilidades se expandem, os desafios éticos e jurídicos tornam-se cada vez mais complexos, exigindo uma reflexão profunda sobre os impactos dessa tecnologia nas eleições.

Desde deepfakes1 que colocam candidatos fazendo declarações e falas que jamais fariam, até a manipulações superestimando feitos e atos inexistentes, ilustram o potencial destrutivo destas tecnologias – que são capazes de produzir vídeos, áudios e imagens falsificadas de maneira extremamente realistas – gerando desinformação entre eleitores e o risco de manipulação da real vontade popular.

A preocupação com o Impacto da Inteligência Artificial nas eleições brasileiras é legítima e urgente. Diante de casos como os acima ilustrados, sendo utilizadas como arma de destruição de reputação de pretensos candidatos, o Tribunal Superior Eleitoral está implementando novas regras para regulamentar o uso dessas tecnologias em campanhas visando proteger a integridade do processo eleitoral, garantindo que o uso das IA`s sirvam para aprimorar, e não comprometer, a democracia.

2. O Papel da IA nas Eleições

2.1 - Evolução e Implementação da IA em Campanhas Eleitorais

A Inteligência Artificial (IA) começou a ser utilizada em campanhas políticas nos últimos anos, com um impacto crescente na forma como são conduzidas. Desde a criação de conteúdo altamente personalizado à análise de grandes volumes de dados, os candidatos passam a contar com estratégias facilitadas de microtargeting2 e otimização de recursos.

Um marco importante no uso da tecnologia de dados em campanhas deu-se na reeleição de Barack Obama em 20123, que utilizou técnicas de análise de dados para identificar e segmentar eleitores. No entanto, foi nas eleições subsequentes que a IA realmente começou a mostrar seu potencial, especialmente com o advento de ferramentas de aprendizado de máquina e algoritmos avançados.

2.2 - Exemplos e Casos de Utilização das IA`s em Campanhas Eleitorais pelo Mundo

Candidatos do mundo inteiro passaram a fazer uso de algoritmos e de IA como aliado indispensável em estratégias eleitorais, dos quais destacamos os seguintes:

- Estados Unidos: Durante a campanha presidencial de 2024, o Comitê Nacional Republicano (RNC) lançou um vídeo gerado inteiramente por IA logo após o anúncio da candidatura à reeleição de Joe Biden. O vídeo apresentava um cenário distópico de um futuro sob a liderança de Biden, destacando como a IA pode ser usada para criar respostas rápidas e impactantes sem a necessidade de extensas filmagens e edições4.

- Dinamarca: O Partido Sintético Dinamarquês é um exemplo inovador de como a IA pode ser usada para gerar posições políticas com base no sentimento público. Utilizando tecnologia de IA para analisar tendências globais e opiniões dos cidadãos, o partido busca criar uma representação "sintética" da vontade pública, destacando tanto as possibilidades quanto os desafios éticos desse tipo de abordagem5.

- Brasil: No Brasil, um caso investigado pela Polícia Federal envolveu um áudio falso atribuído ao prefeito de Manaus, criado por meio de IA. Este incidente destacou os riscos das deepfakes na política, onde conteúdo falsificado pode ser usado para manipular a opinião pública e influenciar resultados eleitorais6.

Esses exemplos ilustram a crescente influência da IA nas campanhas eleitorais globais, trazendo à tona tanto suas capacidades transformadoras quanto os riscos associados. A utilização de IA em campanhas políticas não apenas aprimora as estratégias de comunicação e engajamento, mas também levanta questões críticas sobre desinformação e integridade eleitoral.


3 - Benefícios da IA para as Campanhas Eleitorais

3.1 - Otimização de estratégias de campanha

As IA`s possuem como característica marcante a análise detalhada, em grande volume, e de forma precisa os dados dos eleitores. Com o uso de ferramentas avançadas de aprendizado de máquina, as campanhas podem segmentar audiências com maior precisão, garantindo que mensagens específicas atinjam os eleitores mais influenciáveis. Em 2024, a precisão do microtargeting tornou-se fundamental, permitindo que campanhas identifiquem pequenos grupos de eleitores indecisos e enviem mensagens personalizadas que aumentem as chances de conversão desses votos.

3.2 - Democratização de recursos para campanhas com menor financiamento

Por outro lado, a Era das IA`s criou um impacto democratizante nas campanhas eleitorais, especialmente para aquelas com menos recursos financeiros. Essas ferramentas são frequentemente acessíveis e exigem pouco treinamento, permitindo que campanhas menores criem conteúdos de alta qualidade sem a necessidade de grandes equipes de marketing ou orçamentos elevados. Por exemplo, a utilização de plataformas como Google Gemini, ChatGPT-4 e GPT-4 Omni (agora em versão gratuita) possibilita a produção rápida conteúdo, vídeos, áudios e textos publicitários, nivelando o campo de jogo entre campanhas ricas e menos financiadas.

3.3 - Melhoria na criação e gerenciamento de conteúdo eleitoral

A capacidade da IA de gerar conteúdo eficaz e envolvente é uma das maiores vantagens nas campanhas eleitorais. Elas permitem criar anúncios, postagens em redes sociais, e-mails de campanha e outros materiais de comunicação de forma rápida e personalizada. Durante as eleições presidenciais de 2023 na Argentina, ambos os candidatos principais, Sergio Massa e Javier Milei, utilizaram IA extensivamente para criar imagens e vídeos que capturaram a atenção dos eleitores7. Massa, por exemplo, usou IA para se inserir em cenas de filmes e criar deepfakes satíricos, enquanto a campanha de Milei empregou IA para produzir uma variedade de conteúdo multimídia.

Essa capacidade de gerar conteúdo a partir de simples prompts permite que as campanhas mantenham uma presença constante e relevante nas plataformas digitais, adaptando rapidamente suas mensagens em resposta aos eventos e reações do público. A facilidade de incluir na operação de campanha a automação do gerenciamento e gestão das candidaturas, ajudando a otimizar a alocação de recursos e a coordenação de esforços entre diferentes equipes de campanha, adicionam elementos ainda mais preciosos e atraentes ao uso dessas ferramentas.

Esses benefícios destacam como a IA pode transformar as estratégias eleitorais, tornando-as mais eficientes, acessíveis e adaptáveis, enquanto também apresentam novos desafios éticos e de regulamentação que precisam ser cuidadosamente considerados.

4. Desafios e Riscos do Uso da IA

Infelizmente, o grande poder transformador das IA`s não trazem consigo apenas o uso benefíco e produtivo para as campanhas eleitorais. Os impressionantes avanços e evoluções dessas tecnologias traz consigo desafios sem precedentes como a ameaça de desinformação massiva. Deepfakes, ou vídeos e áudios falsificados, são uma das ferramentas mais poderosas e perigosas deste novo arsenal. Eles têm o potencial de enganar os eleitores de maneira tão convincente que podem alterar os resultados eleitorais e minar a confiança no processo democrático. É preciso entender casos e impactos já existentes, bem como compreender os desafios em detectá-los e a necessidade de regulamentações robustas para mitigar tais ameaças.

4.1. Deepfakes e Desinformação

O impacto dos deepfakes na decisão dos eleitores pode ser significativo. Deepfakes bem-feitos são capazes de enganar até os eleitores mais informados, comprometendo a integridade das eleições. Ao ouvir áudios ou assistir a vídeos falsos, os eleitores podem ser levados a acreditar em informações falsas, prejudicando a soberania de suas decisões eleitorais.

Estudos indicam que a polarização política pode agravar o impacto das deepfakes8. Em sociedades polarizadas, os eleitores tendem a confiar menos nas informações e são mais suscetíveis a acreditar em conteúdos que reforçam suas crenças preexistentes. Deepfakes podem, portanto, ser usados para mobilizar eleitores ou desmobilizar oponentes, afetando a participação eleitoral e a legitimidade do processo.

4.2. Desafios Tecnológicos

Um dos grandes desafios que se impõe é a dificuldade de detectar deepfakes. Embora existam tecnologias que tentam identificar conteúdos falsificados, muitas vezes elas não são suficientemente avançadas para acompanhar a sofisticação dessas manipulações. A ideia inicial de regulamentos internacionais de usar marcas d'água digitais para identificar deepfakes ainda não se concretizou de maneira eficaz, dificultando a distinção entre conteúdo real e falso9.

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Para enfrentar o problema dos deepfakes, é essencial desenvolver e implementar tecnologias mais avançadas de detecção. Isso inclui algoritmos de aprendizado de máquina capazes de identificar inconsistências sutis em vídeos e áudios falsificados. É crucial que as plataformas digitais adotem políticas rigorosas para rotular conteúdos gerados por IA, proporcionando aos usuários um nível adicional de transparência.

5. Regulamentação e Medidas Jurídicas

O TSE do Brasil aprovou um conjunto de resoluções inovadoras para regulamentar o uso da Inteligência Artificial (IA) nas eleições municipais de 2024. Entre as principais diretrizes está a proibição do uso de deepfakes em campanhas eleitorais10. As novas regras exigem que todo conteúdo criado ou editado com IA seja identificado de maneira explícita. Isso inclui inserir um aviso ou símbolo que informe os eleitores sobre a utilização da tecnologia, para evitar a manipulação e garantir que os eleitores possam distinguir entre conteúdos autênticos e manipulados

Aqueles que descumprirem essas normas podem enfrentar severas penalidades, incluindo a cassação do registro de candidatura ou do mandato, caso eleitos.

Essas regulamentações prevem a responsabilização solidária11 das plataformas digitais e provedores de internet. Essas entidades serão obrigadas a remover imediatamente conteúdos falsos, antidemocráticos ou de discurso de ódio, sob pena de sanções civis e administrativas, tudo sob a missão teleológica de se combater a disseminação de fake news e garantir um ambiente eleitoral mais limpo e justo.

As resoluções preveem a criação de um repositório obrigatório onde serão armazenadas e expostas decisões judiciais relacionadas à remoção de conteúdos falsos. Esse repositório servirá como uma referência tanto para os eleitores quanto para as plataformas, ajudando a orientar decisões futuras e a manter um registro das intervenções feitas para combater a desinformação.

Quanto as punições elas estão rigorosas, e podem gerar a cassação do registro de candidatura ou do mandato de candidatos que utilizarem deepfakes ou outras formas de IA para disseminar desinformação ou manipular eleitores.

E quanto aos conteúdos com uso permitido de IA, deverão os candidatos e partidos políticos identificar explicitamente o conteúdo gerado ou editado, independentemente de sua natureza. O não cumprimento dessa exigência pode resultar em severas penalidades, incluindo multas e a exclusão do candidato da disputa eleitoral.

6 - Conclusão

Manter a confiança pública nas eleições é fundamental para a saúde democrática. O uso indevido de IA pode minar essa confiança, levando os eleitores a questionarem a legitimidade do processo eleitoral. A transparência no uso de tecnologias emergentes é essencial para preservar essa confiança. Quando os eleitores sabem que estão recebendo informações precisas e não manipuladas, a credibilidade do sistema eleitoral é reforçada.

A aplicação rigorosa das regulamentações pelo TSE e outras autoridades eleitorais ajuda a garantir que as campanhas sejam conduzidas de maneira justa e transparente. A imposição de penalidades severas para o uso inadequado de IA envia uma mensagem clara de que a desinformação não será tolerada, protegendo a integridade do processo eleitoral e a confiança dos eleitores.

O desafio será equilibrar a inovação tecnológica com a integridade democrática, garantindo que o uso da IA seja transparente, ético e regulamentado de maneira eficaz.


  1. Deepfake é uma técnica que utiliza recursos de inteligência artificial para substituir rostos em vídeos e imagens com o propósito de chegar o mais próximo possível da realidade. O termo é uma mistura das expressões deep learning e fake e significa o emprego da IA para criar uma situação falsa.

  2. Microtargeting é uma estratégia de marketing que utiliza dados das pessoas para segmentá-las em pequenos grupos altamente definidos para entrega de conteúdo.

  3. https://www.uppertools.com.br/blog/a-campanha-de-big-data-que-deu-a-vitoria-ao-obama/

  4. https://mashable.com/video/republican-attack-ad-biden-reelection-ai

  5. https://fortune.com/2022/10/14/ai-chatbot-leader-lars-the-synthetic-party-discord-russia-ukraine-crimea-policy/

  6. https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/pf-de-manaus-faz-operacao-para-investigar-deepfake-contra-prefeito

  7. https://www.estadao.com.br/internacional/a-eleicao-argentina-e-a-primeira-a-empregar-ia/

  8. https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/5773

  9. https://www.pindrop.com/blog/does-watermarking-protect-against-deepfake-attacks

  10. https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Fevereiro/tse-proibe-uso-de-inteligencia-artificial-para-criar-e-propagar-conteudos-falsos-nas-eleicoes

  11. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/tse-proibe-deep-fakes-nas-eleicoes-e-amplia-responsabilidade-de-big-techs/

Sobre o autor
Cleylton Mendes Passos

Advogado, OAB/ES 13.595 Sócio da Mendes Advocacia Sócio da Léxicon Registro de Marcas Advogado / Consultor / Palestrante Especialista em Direito Digital pela EBRADI Especialista em Direito Empresarial pela FGV/MMurad

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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