Por Estela Riggio1
AÇÃO ANULATÓRIA
A Ação Anulatória de Débito Fiscal é uma ação que tem por objeto a anulação/invalidação do crédito tributário, com a consequente desconstituição do ato administrativo, que pode ser um ato de infração ou ato administrativo equivalente, ou seja, pressupõe a existência de um lançamento fiscal de tributo indevido.2
Esta ação tem caráter repressivo e corretivo, pois apesar de ter como fundo o direito material, ou seja, desconstituir uma cobrança, também serve para “corrigir a crise de ilegalidade que vicia o vínculo obrigacional tributário, antes que essa ilegalidade resulte efetivo dano ao patrimônio do sujeito passivo.”3
Está prevista legalmente no artigo 38 da Lei de Execuções Fiscais4, bem como no artigo 169 do CTN5. Também constitui uma ação de conhecimento pelo procedimento comum e, portanto, propicia ao contribuinte ampla discussão e produção probatória.
Os fundamentos da Ação Anulatória de Débito Fiscal podem ser diversos, dentre eles, não ocorrência do fato gerador, isenção tributária, crédito tributário indevido em razão da não-incidência, base de cálculo incorreta, erros formais de procedimentos administrativos, dentre outras situações tornem indevida a cobrança de determinado tributo.6
Assim como nas outras ações tributárias, o contribuinte que optar pelo ajuizamento da Ação Anulatória poderá efetuar o depósito do montante integral do débito que causará alguns efeitos materiais e processuais.
1.1 Condição prévia de ajuizamento
O mencionado art. 38 da Lei 6.830/80 estabelece como condição prévia de ajuizamento da Ação Anulatória o depósito do montante integral do crédito questionado. O dispositivo normativo em questão fomentou acalorada discussão sobre sua constitucionalidade. Logo de início fica claro que o conteúdo do referido artigo vai na contramão da Súmula Vinculante nº 28 do STF anteriormente mencionada.7
Felizmente, o Superior Tribunal de Justiça através do julgamento do Tema Repetitivo nº 241 (REsp 962838 / BA) fixou a tese de que:
O depósito prévio previsto no art. 38, da LEF, não constitui condição de procedibilidade da ação anulatória, mas mera faculdade do autor, para o efeito de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151 do CTN, inibindo, dessa forma, o ajuizamento da ação executiva fiscal.8
Machado Segundo (2023) assim se manifesta sobre a questão:
Insista-se que o depósito é uma faculdade do contribuinte que pretender a suspensão da exigibilidade do crédito tributário discutido em juízo. Não é uma imposição ao exercício do direito de ação, pois o artigo 38 da Lei de Execuções Fiscais, que determina a feitura do depósito do montante integral do débito tributário no âmbito da ação anulatória, deve ser interpretado conforme a Constituição. Não se pode vislumbrar em tal artigo um obstáculo à obtenção de uma prestação jurisdicional, ou uma condição da ação anulatória, “pois tal representaria uma dupla inconstitucionalidade: a consistente restrição de acesso aos tribunais, e a consistente em violação do princípio da igualdade, discriminando-se em relação a contribuintes com menores recursos.”9
O Supremo Tribunal Federal também tem manifestado entendimento neste mesmo sentido, reconhecendo a inconstitucionalidade de tal dispositivo e acabando, de uma vez por todas, com a absurda exigência normativa de impor ao contribuinte o prévio depósito como condição para a propositura da Ação Anulatória ou qualquer outra ação que tenha como escopo discutir a exigência tributária.
1.2 Suspensão da exigibilidade
Tendo optado o contribuinte pelo depósito, o efeito principal e primeiro é a suspensão da exigibilidade nos termos do artigo 151, inciso II do CTN. Mas para que isso ocorra independentemente da vontade e do entendimento do julgador, o depósito deve ser no valor integral do débito em discussão.
Assim, uma vez ajuizada a ação anulatória e realizado o depósito a doutrina tem entendimento pacificado no sentido de que a Fazenda não poderá inscrever o débito em dívida ativa e nem aforar a Execução Fiscal, sob pena de extinção desta, sem julgamento de mérito, conforme se verá melhor nos itens a seguir.
É dessa forma que diz Simone Rodrigues Costa Barreto (2020): “Ora, se o contribuinte se antecipou à cobrança judicial e propôs ação anulatória de débito fiscal visando justamente impedir o ajuizamento da execução fiscal, não pode o ente tributante credor ignorar a causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário.”10
Tal entendimento também foi manifestado pelo E. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema Repetitivo 271 (REsp 1140956 / SP), onde foi fixada a seguinte tese jurídica:
Os efeitos da suspensão da exigibilidade pela realização do depósito integral do crédito exequendo, quer no bojo de ação anulatória, quer no de ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária, ou mesmo no de mandado de segurança, desde que ajuizados anteriormente à execução fiscal, têm o condão de impedir a lavratura do auto de infração, assim como de coibir o ato de inscrição em dívida ativa e o ajuizamento da execução fiscal, a qual, acaso proposta, deverá ser extinta.11
O Ministro Luiz Fux, Relator do Voto proferido no noticiado caso, expõe que ao se concretizar a hipótese de incidência contida no antecedente da regra matriz de incidência tributária, vale dizer, a ocorrência do fato gerador, a autoridade fiscal ou o próprio contribuinte realizam ao lançamento, que constitui o crédito tributário, dando origem a outra norma geral e abstrata, qual seja, a “regra matriz de exigibilidade”. 12
Pode-se dizer, portanto, que em relação a exigibilidade do crédito tributário, há duas normas gerais e abstratas: a “regra matriz da exigibilidade” e a “regra matriz de suspensão da exigibilidade” – norma de estrutura prevista no art. 151 do CTN.
A “regra matriz de exigibilidade do crédito tributário”, portanto, em seu critério temporal, decorre obrigatoriamente da constituição do crédito tributário e do decurso do lapso temporal para seu vencimento. Ou seja, é o momento no qual o crédito tributário passa ser exigível pela Administração Pública.
A “regra matriz de suspensão da exigibilidade do crédito tributário”, por sua vez, quando verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 151 do CTN, inibe o critério temporal da “regra matriz de exigibilidade”.
Para o Ministro, isso significa dizer que as causas suspensivas da exigibilidade, como o depósito, aparecem como critérios negativos das hipóteses normativas das regras gerais e abstratas de exigibilidade, que, por isso, não podem ser aplicadas. É por essa razão, que o depósito do montante integral do débito, nos termos do artigo 151, inciso II, do CTN, suspende a exigibilidade do crédito tributário discutido na ação anulatória e impede o ajuizamento da Execução Fiscal por parte da Fazenda Pública.13
Contudo, não é assim que entendemos.
De acordo com a teoria do Constructivismo Lógico-Semântico, e conforme trazido no item 2.1.2 do presente trabalho, no ciclo de positivação da obrigação tributária, ocorrido o fato gerador previsto no antecedente da regra matriz de incidência tributária (norma geral e abstrata), a constituição do crédito tributário pela autoridade pública ou pelo contribuinte origina, obrigatoriamente, uma norma individual e concreta, onde os critérios da norma geral e abstrata são preenchidos com as informações que permitem identificar todos os elementos da obrigação (o vínculo jurídico, as partes e a prestação pecuniária a ser paga).
Uma vez existente a norma individual e concreta, a suspensão da exigibilidade viria como outra norma, mas inibidora daquela, afetando a procuração de seus efeitos, quais sejam, a inscrição do débito em dívida ativa e o ajuizamento da Execução Fiscal.
É por este motivo que o depósito na ação anulatória impede a Fazenda de praticar qualquer ato de constrição patrimonial.
1.3 Não incidência de juros moratórios
Quando pago a destempo, como se sabe, o valor do tributo devido sofre a incidência de alguns encargos legais, de forma que quando discutido na esfera judicial, será composto pelo valor principal, atualização monetária, juros e multa de mora.
Caso o contribuinte opte por realizar o depósito judicial, como dito, suspende-se a exigibilidade do crédito tributário. Consequentemente, estando suspensa a cobrança do débito, não há que se falar em atraso no pagamento, ou seja, o sujeito passivo não estaria em mora e por consequência não poderia incidir juros de mora sobre o valor principal ou multa moratória.
Apesar do objeto do presente estudo ser o depósito realizado no âmbito judicial, é interessante mencionar que o tema foi largamente discutido em esfera administrativa federal, gerando, inclusive a Súmula 5 do CARF que dispõe: “São devidos juros de mora sobre o crédito tributário não integralmente pago no vencimento, ainda que suspensa sua exigibilidade, salvo quando existir depósito no montante integral.”
Ou seja, no entendimento do Tribunal Administrativo, com exceção do depósito, as outras hipóteses de suspensão da exigibilidade não impedem a fluência dos juros de mora e incidência de multa moratória.
O Poder Judiciário caminhou na mesma direção ao proferir a decisão do REsp nº 1.122.017 / PR14:
TRIBUTÁRIO. FGTS. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. GARANTIA DO JUÍZO. VALOR DEPOSITADO. LEVANTAMENTO. ACRÉSCIMO DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. PARTE DEVEDORA. JUROS MORATÓRIOS INDEVIDOS.
1. Os depósitos judiciais vencem, em favor da parte vitoriosa a correção monetária e os juros referentes às contas correntes com rendimentos, como sói ocorrer com os valores custodiados judicialmente. Precedentes: AgRg no REsp 531887/MG, DJ 05.09.2005; EDcl no REsp 392879/RS, DJ 17.03.2003. 2. A doutrina do tema, obstando o bis in idem é uníssona em assentar que a mora não prospera porque o depósito integral do crédito elide a aplicação dos juros pela demora de pagar, bem como das penalidades dirigidas a sancionar o inadimplemento da obrigação tributária na data fixada em lei." (Sacha Calmon Navarro Coêlho. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9a ed. Editora Forense. p. 785). 3. In casu, tendo a CEF depositado integralmente o montante do débito, enquanto discutia judicialmente a cobrança da diferença de expurgos, e havendo, ao final, levantamento dos valores pelo autor, vencedor da lide, descabe a incidência de juros moratórios, devido a inexistência de inadimplência. 4. É que "O depósito integral para garantia do juízo, com vista à interposição de embargos à execução, afasta a incidência de juros moratórios a partir da efetivação do depósito". Precedentes: REsp 1107447/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, DJ. 04/05/2009; REsp 1097892/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJ. 29/06/2009. 5. Recurso especial provido.
O referido julgado deu origem ao Informativo nº 418 da Primeira Turma do STJ que diz:
Discute-se no REsp a incidência de juros moratórios nos valores depositados em garantia do juízo até a data do efetivo pagamento. Ressaltou o Min. Relator que, nos termos do art. 151, II, do CTN, o depósito integral suspende a exigibilidade de crédito tributário e, havendo o levantamento dos valores pelo autor vencedor da lide, não cabe a incidência de juros moratórios, porquanto não existe inadimplência. Outrossim, a instituição financeira depositária é responsável pelo pagamento da correção monetária (Súm. n. 179-STJ). Com esse entendimento, a Turma deu provimento ao recurso. Precedentes citados: REsp 1.097.892-PR, DJe 29/6/2009, e EDcl no REsp 392.879-RS, DJ 17/3/2003. REsp 1.122.017-PR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 3/12/2009.
Portanto, somente o depósito do montante integral permite ao sujeito passivo, desse modo, poder discutir o débito judicialmente sem maiores preocupações com relação à sua atualização, bem como aos juros de mora.
NA EXECUÇÃO FISCAL
Como visto anteriormente, após a constituição do crédito tributário pelo lançamento, e decorrido o prazo de vencimento do débito sem que o contribuinte o tenha recolhido aos cofres públicos, surge para a Fisco o direito de executá-lo.
Dito de outra forma, notificado o sujeito passivo do lançamento, esgotados os recursos na esfera administrativa e não realizado o pagamento do débito cobrado no prazo, o contribuinte estará na condição de inadimplente, e cabe então à Administração Pública prosseguir com as medidas legais indispensáveis.
Hugo de Brito Machado (2022) afirma: “Denomina-se execução fiscal a ação de que dispõe a Fazenda Pública para a cobrança de seus créditos, sem tributários ou não, desde que inscritos como Dívida Ativa.”15
É uma ação de execução por quantia certa, fundada em título extrajudicial, onde se busca a satisfação do direito já acertado e não adimplido, ou seja, procura obter justamente o pagamento do crédito tributário, devidamente constituído, exigível e exequível.16
A Lei nº 6.830/80 é a que regula esta ação, tanto na parte material quanto na processual, sendo que o CPC é aplicado apenas de forma subsidiária.
O Fisco, antes do ingresso no Poder Judiciário, inscreve o débito em dívida ativa, cujo conceito está previsto na primeira parte do parágrafo 2º do artigo 39 da Lei Orçamentária nº 4.320/64: “Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas (...).”
A Certidão de Dívida Ativa, portanto, como dito, é um título extrajudicial que, segundo Dalla Pria (2020):
“(...) é o documento responsável pela constituição da relação jurídica em sua máxima potência, viabilizando o avanço do credor sobre o patrimônio do sujeito passivo inadimplente e dando amparo jurídico à prática de constrição e expropriação patrimoniais a serem realizados, ordinariamente por intermédio o competente poder executivo fiscal.17
O objeto da Execução Fiscal, portanto, não é, como no caso das ações antiexacionais, a (des) constituição ou declaração de direito, mas a efetivação deste, que se presume como líquido e certo, por força de lei.
Pois bem. Aforada a Execução pela Fazenda Pública, o contribuinte será citado nos termos do artigo 8º da Lei de Execuções Fiscais para que, no prazo de 5 dias, pague a dívida com os juros, multa de mora e encargos indicados na CDA, ou apresente garantia.
As garantias aceitas estão previstas no artigo 9º da LEF, que dispõe:
Art. 9º - Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:
I - efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária;
II - oferecer fiança bancária;
II - oferecer fiança bancária ou seguro garantia;
III - nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11;
IV - indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.
Para os fins do presente estudo, focaremos no inciso I do artigo acima transcrito que é depósito em dinheiro e no montante integral da dívida.
2.1 Suspensão da exigibilidade e suspensão do processo executivo
Caso o contribuinte apresente o depósito judicial como garantia do processo executivo, dar-se-á início ao prazo para oposição dos Embargos à Execução Fiscal, em 30 dias, conforme previsto no artigo 16 da LEF, onde este poderá alegar toda matéria de mérito para desconstituição da cobrança.
Esta forma de garantia, diferentemente das outras que exigem decisão judicial autorizadora, atribui automaticamente ao referidos Embargos o efeito suspensivo. Isso porque o levantamento da quantia depositada só pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença dos Embargos, ou seja, na fase satisfativa da execução, conforme interpretação do art. 32, § 2º18, e do art. 19 da LEF.
Ora é de decorrência lógica, que se o depósito em dinheiro não suspendesse o processo executivo, o Fisco poderia levantá-lo a qualquer momento, extinguindo imediatamente o crédito exequendo e esvaziando a própria razão de ser dos Embargos à Execução Fiscal.19
Verifica-se, portanto, que o depósito nesta fase, não tem o mesmo efeito de suspensão de exigibilidade que tem quando realizado nas ações antiexacionais.
Os efeitos da suspensão da Execução Fiscal, ocasionados pelo depósito, dependem da existência de Embargos à Execução Fiscal. De forma diversa, nas ações de iniciativa do contribuinte, o depósito implica a suspensão vinculada ao próprio processo em que realizado, impedindo a atuação constritiva do Fisco. Por essa razão, se realizado o depósito no bojo de uma ação tributária ordinária, eventual Execução Fiscal ajuizada deve ser imediatamente extinta sem resolução do mérito, na forma do art. 485 do CPC. Isso porque a Certidão de Dívida Ativa que gerou o ajuizamento da ação não está revestida de exigibilidade para o regular processamento do executivo fiscal, violando frontalmente o art. 3º da LEF.20
Contudo, alguns autores defendem que a suspensão do feito pelo depósito, por força da interpretação sistemática da legislação, implica indiretamente na suspensão da exigibilidade do crédito tributário.21
Entendemos que na Execução Fiscal o depósito possui um caráter dúplice: (i) suspensão processual; (ii) suspensão material.
A suspensão processual é o efeito atribuído aos Embargos opostos de forma automática. O depósito evita que o processo da EF avance em qualquer sentido.
Já a suspensão material seria a de impedir que a Fazenda, dentro ou fora do processo executivo pratique qualquer ato de constrição patrimonial do contribuinte, como penhora ou protesto.
2.2 Não incidência de juros moratórios
Assim como acontece na Ação Anulatória, o depósito realizado no curso de uma Execução Fiscal tem também o condão de impedir a fluência dos juros moratórios.
Estando suspensa a exigibilidade do crédito, não há que se falar em incidência de juros em razão do não pagamento do débito. Portanto, enquanto o depósito permanecer em uma conta judicial vinculada à Execução Fiscal, ao valor do tributo não podem ser acrescentado tal encargo.
2.3 Possibilitar a oposição de Embargos à Execução Fiscal
Como dito, após o aforamento da Execução Fiscal pela Administração Pública, o contribuinte poderá, após a citação, pagar o débito, ou oferecer bens para garantir o juízo para manejar sua defesa contra a exigência tributária, nomeada de Embargos à Execução Fiscal.
Vale dizer que os Embargos à Execução têm natureza de ação autônoma e não de “contestação” à Execução Fiscal, pois tem procedimento próprio e demanda o pagamento de custas iniciais. Nesta oportunidade, o contribuinte exporá sua defesa e terá ampla oportunidade de produção de provas, sempre buscando a desconstituição da cobrança consubstanciada na Certidão de Dívida Ativa.
O parágrafo 1º do artigo 16 da Lei de Execuções Fiscais22 afirma que a oposição dos referidos Embargos à Execução está condicionada à apresentação das garantias previstas nos incisos do artigo 9º do mesmo diploma legal23. O depósito, em razão da sua liquidez, vem disposto no inciso I.
Assim, uma vez apresentada garantia pelo contribuinte, e opostos os Embargos à Execução, poderá a este ser atribuído efeito suspensivo, paralisando a Execução Fiscal enquanto perdurar a discussão de mérito da cobrança. No caso do depósito, como já mencionado no item 4.2.1 deste capítulo, esta suspensão é obrigatória e automática.
Sobre esta questão, comenta Dalla Pria (2020):
A garantia realizada mediante depósito do montante integral do débito exequendo, dada a força suspensiva da exigibilidade do crédito tributário que lhe atribui o art. 151, inciso II do CTN, implica a retirara de um dos requisitos de exequibilidade do título (CDA) que aparelha a pretensão executiva, obstaculizando a continuidade do processo executivo fiscal. Em tais circunstâncias, a inexequibilidade provisória do débito perdurará até o trânsito em julgado da decisão que vier a julgar os embargos do executado.
A consolidação do estado de suspensão do processo executivo, todavia, submete-se à concreta oposição dos embargos, cujo ajuizamento é pressuposto de manutenção da suspensão de exigibilidade do crédito tributário, operada pelo depósito. Decorrido in albis o prazo para oposição dos embargos, o valor depositado estará fadado à conversão em renda da Fazenda Pública exequente.24
Outra questão que vale a pena levantar é se o depósito parcial do débito, ou seja, insuficiente, teria o condão de possibilitar a oposição dos Embargos à Execução.
Se estivermos diante de uma situação onde o contribuinte não possui capacidade econômica para depositar o valor integral da dívida, estará ele impedido de exercer seu direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa?
O Poder Judiciário, em diversos julgados, dirimiu essa questão decidindo pela prescindibilidade de garantia integral para recebimento dos Embargos, por não estar escrito no texto da LEF a expressão “integral”, exigindo-se, tão somente, a existência de garantia.25
Contudo, infelizmente a realidade dos tribunais inferiores não é essa. O que se vê frequentemente é a negativa de recebimento dos Embargos à Execução e da atribuição de efeito suspensivo em razão da insuficiência da penhora.26
Nesta situação, também não é incomum que os juízos de primeiro grau recebam os Embargos à Execução opostos pelo contribuinte, condicionando o prosseguimento destes à complementação da garantia, sob pena de extinção dos mesmos sem julgamento de mérito.
Dalla Pria e Tófoli, afirmam de modo categórico e correto que:
Ora, se: (1) os requisitos para oposição dos embargos foram cumpridos; (2) dívida está garantida, ainda que parcialmente, (3) as partes são legítimas; (4) a defesa é tempestiva; (5) o juízo é competente e, (6) os demais requisitos formais da petição estão preenchidos; os embargos devem não apenas ser recebidos, mas processados regularmente e julgados em seu mérito.27
Assim, entendemos que os Embargos à Execução devem ser recebidos pelo Juízo competente, mesmo que a garantia apresentada não seja no valor total do débito cobrado pela Fazenda Pública.
Tal prática, além de preservar os princípios do contraditório e da ampla defesa que são direitos inegociáveis do contribuinte, também observa a capacidade econômica deste que, muitas das vezes, não guarda relação ou proporcionalidade com o valor supostamente devido. Determinar a complementação da garantia ou até penhora do valor faltante pode causar enorme prejuízo ao contribuinte.
AÇÃO ANULATÓRIA X EXECUÇÃO FISCAL (CONEXÃO, CONTINÊNCIA, PREJUDICIALIDADE E LITISPENDÊNCIA)
Apesar das claras diferenças existentes entre a Ação Anulatória e os Embargos à Execução, não se pode deixar de mencionar que em determinadas situações as duas medidas podem vir a convergir, ambas tratando da mesma relação tributária. Nestes casos, urge abordar o tratamento adequado que se deve dar a cada uma delas, dentro do contexto do presente estudo.
A Ação Anulatória de débito fiscal tem como causa de pedir a existência de lançamento pelo Fisco, bem como de algum vício que torna inexigível o tributo. Busca-se a invalidade do lançamento tributário. Assim, o pedido formulado pelo autor será a anulação/desconstituição do lançamento.
Já nos Embargos à Execução Fiscal, a causa de pedir consiste na existência da inscrição em dívida ativa de débito fiscal. Segundo os parágrafos 2° e 3° do artigo 16 da Lei nº 6.830 de 198028, permite-se que, nesta oportunidade seja alegada toda a matéria defesa, inclusive vícios relacionados ao processo de execução, como inexistência de citação. Como consequência, o pedido formulado deverá ser para que o título executivo seja considerado insubsistente, motivo pelo qual a Execução Fiscal deve ser extinta. O que se busca é a declaração de inexistência de relação jurídica que permita o prosseguimento da Execução Fiscal.
Dessa forma, grande parte da doutrina entende que a ação anulatória de débito fiscal e execução fiscal, aí abrangendo-se os respectivos embargos, tem causa de pedir e pedido diversos, mas similares, razão pela qual são consideramo-las conexas nos termos do art. 55 do Código de Processo Civil29.
Porém, importante observar, como diz Dalla Pria;
O reconhecimento da conexão e a reunião das ações anulatória e executiva para processamento e julgamento conjunto, no entanto, estão condicionados a dois requisitos expressamente prescritos na legislação processual, quais sejam: 1) que as competências para julgamento dos referidos processos sejam relativas (artigo 54 do CPC); e 2) que nenhum dos processos haja sido sentenciado (artigo 55, §1º, in fine, do CPC).
Verificados os requisitos legais, a reunião dos autos para julgamento conjunto dar-se-á em favor do juízo prevento (artigo 58 do CPC) — isto é, do juízo no qual o registro/distribuição da petição inicial haja sido efetuado em primeiro lugar (artigo 59 do CPC). 30
Também pode-se dizer que há presença de continência entre ambas as ações, uma vez que, assim como prevê o artigo 56 do CPC31, o objeto de uma pode ser mais amplo que o da outra, abrangendo-o, e vice e versa.
Para melhor visualizar a razão de serem tais medidas processuais conexas e/ou continentes, elaboramos a tabela abaixo:
Ação Anulatória |
Embargos à Execução Fiscal |
|
|---|---|---|
Partes |
Fisco e contribuinte |
Fisco e contribuinte |
Causa de pedir |
Próxima: vício no crédito Remota: obrigação |
Próxima: existência de CDA Remota: obrigação |
Pedido |
Imediato: declaração de inexistência Mediato: desconstituição do crédito |
Imediato: CDA insubsistente Mediato: inexistência da relação jurídica |
Robson Junio de Castro Leandro e Renan Clemente acertadamente afirmam que:
Existe uma clara conexão entre a causa de pedir remota da ação ordinária antiexacional e da ação executiva, pois versam sobre o mesmo fato jurídico tributário que deu azo à existência do correspondente crédito tributário, cuja exigência pode se dar pelo mesmo título executivo (CDA), razão pela qual se faz necessário reunir os feitos para que se evitem julgamentos contraditórios.32
Assim, verificados os requisitos para reunião de ambas ações, a Execução Fiscal deverá ser suspensa em razão prejudicialidade das decisões divergentes, conforme determina o artigo 313, V, alínea “a” do CPC. Caso a Ação Anulatória seja julgada procedente, é medida de rigor a extinção da dita Execução Fiscal. Contudo, há que se levar em conta a questão da competência. Conforme dito acima: a Ação Anulatória deve ser distribuída nas varas cíveis federais, estaduais ou municipais, e a Execução Fiscal será direcionada às varas especializadas de execuções fiscais.33
Dentro deste contexto, ainda poderá ocorrer a hipótese de existirem simultaneamente Ação Anulatória e Execução Fiscal/Embargos, onde há total identidade entre ambas (partes, causa de pedir e pedido). Neste caso, estar-se-á diante de litispendência, que acarretará obrigatoriamente na extinção de uma das ações, conforme determina o artigo 485, inciso V, do CPC.34