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Pontuais reflexões sobre o teletrabalho na legislação vigente

25/07/2024 às 16:54
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Refletimos sobre a inserção do teletrabalho no ordenamento jurídico brasileiro, enfatizando vantagens, desvantagens e riscos.

Introdução

É inegável que o Direito como um todo tende a acompanhar as modificações da sociedade, inclusive com os avanços tecnológicos, o que não seria diferente no tocante ao Direito do Trabalho.

Nessa perspectiva, o teletrabalho, comumente chamado de home office, foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro como forma de facilitar e acelerar as relações de trabalho, como uma espécie de “globalização do emprego”.

Por isso, a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) foi responsável por introduzir a nova modalidade contratual – que futuramente seria taxativamente utilizada por grandes setores da economia brasileira (e mundial) para assegurar os empregos e mitigar os danos ocasionados pela pandemia da Covid-19.

Evidente que o teletrabalho abarca uma série de vantagens, principalmente ao empregado. Em grandes capitais, trabalhar remotamente em casa pode significar menos trânsito, acordar mais tarde, estar em um ambiente mais relaxado, menos informal, perto da família em alguns casos, tudo isso entregando os mesmos níveis de produtividade e resultados.

Portanto, o presente artigo reconhece a importância e eficiência do home office ao redor do mundo, mas se preocupará em analisá-lo sob o aspecto do ordenamento jurídico brasileiro, tecendo algumas críticas pontuais a respeito da forma como a modalidade foi inserida na legislação trabalhista vigente.

Do teletrabalho na Reforma Trabalhista

De forma geral, o teletrabalho pode ser caracterizado como a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, utilizando tecnologias de informação e comunicação não constituídas como trabalho externo - inteligência do Art. 75-B da CLT.

Entrementes, o teletrabalho pode ser executado longe das dependências da empresa, até mesmo entre cidades e estados distintos, o que não acolhe apenas a residência do trabalhador, mas seu exercício em qualquer lugar com acesso à internet.

Contudo, o home office apresenta vantagens e desvantagens, algumas delas ocasionadas pela escassa e debilitada legislação sobre a matéria. De pronto podemos analisar a redução de custos para o trabalhador no que diz respeito à alimentação, transporte, vestuário ou combustível, além do tempo economizado no trajeto entre casa e local de trabalho – o que pode evidenciar menos acidentes de trajeto (PIMENTA; SILVA, 2020).

No entanto, alguns autores apontam o teletrabalho como responsável pelo isolamento social e profissional do empregado, maximizando, a depender de cada caso, o nível de estresse (OLIVEIRA JÚNIOR, 2013). Demais desvantagens giram em torno de conflitos familiares, conciliação de horários, alimentação, movimentos repetitivos sem pausas para descanso, acúmulo de trabalho, entre outros fatores.

Do ponto de vista patronal, o teletrabalho também acumula vantagens e desvantagens, tais como a redução de gastos, flexibilização, aumento dos lucros e produtividade, o que não pode inibir eventuais dificuldades na supervisão da equipe, conflitos organizacionais e, principalmente, o sigilo das informações em ambiente virtual, matéria rigorosamente importante em virtude da Lei Geral de Proteção de Dados (PIMENTA; SILVA, 2020).

Alguns autores defendem que a tendência em adotar o teletrabalho como regime principal ensejaria em um preocupante movimento de exclusão digital, alargando o desemprego, tendo em vista que grande parte da população brasileira não possui acesso às ferramentas adequadas para esse tipo de trabalho ou enfrentam obstáculos no ambiente familiar.

Por outro lado, delineia-se oportuno alertar sobre os riscos do dano existencial no teletrabalho e o direito à desconexão. Para tanto, o aludido direito está inserido em nosso ordenamento jurídico de forma implícita, sobretudo no que diz respeito ao trabalho, como ferramenta para limitar jornadas exaustivas e garantir o descanso, saúde, lazer, práticas religiosas, cidadania, segurança e demais atividades derivadas do princípio da dignidade da pessoa humana (SCALZILLI, 2020).

Nas palavras de Jorge Luiz Souto Maior:

Os períodos de repouso são, tipicamente, a expressão do direito à desconexão do trabalho. Por isto, no que se refere a estes períodos, há de se ter em mente que descanso é pausa no trabalho e, portanto, somente será cumprido, devidamente, quando haja a desvinculação plena do trabalho (SOUTO MAIOR, 2003).

Em suma, o ócio constitui fundamental período de desenvolvimento da personalidade de qualquer ser humano, possibilitando, inclusive, práticas de inserção na sociedade, atividades de cunho cultural, esportivo, religioso, do convívio com familiares e, principalmente, da evolução pessoal e patrimonial.

Pelas considerações de Almiro Eduardo de Almeida e Valdete Souto Severo:

A limitação do tempo de trabalho e, portanto, sob a perspectiva inversa, o respeito ao direito à desconexão, é garantia tanto para quem trabalha, quanto para quem emprega a força de trabalho, ou mesmo para a própria sociedade. Uma sociedade de homens que trabalham em tempo integral e não conseguem ler, passear, brincar, amar, é uma sociedade doente. É uma sociedade sem perspectivas de verdadeira melhoria das condições sociais (ALMEIDA; SEVERO, 2016).

A propósito, a possibilidade de contratar teletrabalhadores por produção ou tarefa, o que consequentemente torna legítima a ausência do controle de jornada nos termos do Art. 62, III da Consolidação das Leis do Trabalho, pode ser uma brecha jurídica para que empregadores explorem seus empregados por meio de jornadas exaustivas de trabalho, implicando, em última análise, na mitigação dos projetos pessoais do colaborador – caracterizando a violação do direito à desconexão e o consequente surgimento do direito de indenização por dano existencial (SCALZILLI, 2020).

Do aspecto prático, algumas empresas podem mascarar o regular trabalho por jornada sob a forma de produção ou tarefa justamente para se desincumbir do pagamento de horas extras, controle dos intervalos intrajornada e interjornada, descansos remunerados, et cetera (TORRE, 2022).

Pelo entendimento jurisprudencial:

RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N. 13.015/2014. 1. DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTENUANTE. NÃO CONHECIMENTO. I. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que a submissão do empregado a jornada extenuante que “subtraia do trabalhador o direito de usufruir de seus períodos de descanso, de lazer, bem como das oportunidades destinadas ao relacionamento familiar, ao longo da vigência do pacto contratual” configura dano existencial. II. Tendo a Corte Regional concluído que “da jornada descrita, denota-se claramente a falta de preservação do convívio familiar, bem como relaxamento, lazer, direitos estes inerentes a qualquer trabalhador”, a decisão regional está de acordo com a iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, o que inviabiliza o processamento do recurso de revista, conforme os óbices do art. 896, § 7º, da CLT e da Súmula n. 333 do TST. III. Recurso de revista de que não se conhece. […] (RR-1001084-55.2013.5.02.0463, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 22.11.2019.).

Tal disposição implica, ainda que indiretamente, no repasse dos custos e riscos da atividade econômica ao empregado em dada medida, além de potencialmente atingir sua saúde, segurança, privacidade e lazer. Isso, pois, a produção ou tarefa pode ser estimulada em grande volume – ocasionando jornadas de trabalho exaustivas (ROCHA, 2022).

Nos dizeres de Leda Maria Messias da Silva e Marice Taques Pereira:

Ainda, com o avanço tecnológico, principalmente com o surgimento da conhecida rede internacional de comunicações via computador – internet, mudou o controle da relação entre tempo de trabalho e tempo livre. A invenção do telefone móvel, a comunicação por e-mail, os chats de conversa em tempo real, os smartphones etc., aumentaram sensivelmente a velocidade da comunicação. Esta forma rápida e fácil de informação transmitida por esses novos aparelhos gerou uma dependência maior do empregado, fazendo com que este tivesse uma grande dificuldade de conseguir se desconectar de suas atividades (SILVA; PEREIRA, 2013).

Não obstante, o legislador permitiu que as disposições do teletrabalho fossem implantadas mediante acordo individual entre empregado e empregador, sem qualquer intervenção sindical ou instrumento coletivo para entabular limites à exploração exacerbada da atividade econômica.

O desequilíbrio natural da relação trabalhista, cuja parte mais vulnerável reside na figura do trabalhador, culmina na própria restrição à autonomia de vontade da parte mais frágil – que se vê obrigada, ou pressionada, a aceitar as condições apresentadas pela empresa para garantir a própria subsistência, ainda que o regramento afete substancialmente as condições de trabalho (ROCHA, 2022).

Em mesmo sentido disserta Matheus Ribeiro Woloswki:

Como o ritmo global tem se intensificado, juntamente com as ameaças de desemprego e a garantia de emprego cada vez menor, o trabalhador se sujeita a essas questões e se silencia para garantir o seu sustento e de seus familiares. Além de doenças a sua saúde, a vítima do assédio moral por excesso de trabalho pode sofrer com divórcios, má educação dos filhos e a perda da relação de amigos, já que a sua ausência no seio familiar e social foi consequência do excesso de trabalho exigido reiteradamente pelo tomador de serviços (WOLOWSKI, 2018).

Portanto, a adoção do teletrabalho deve ser bastante cautelosa, pois há uma linha tênue entre o trabalho remoto e a manutenção da vida pessoal, do lazer e da desconexão.

De outro norte, o acidente de trabalho foi contemplado pela legislação quando da regulamentação do teletrabalho - visando proteger o trabalhador acidentado mesmo fora das dependências da empresa. Para tanto, permanecem sendo de responsabilidade do empregador as garantias de segurança e fiscalização do trabalho, nos termos do Art. 157 da Consolidação das Leis do Trabalho e Art. 7º, XXII da Constituição Federal.

Por derivação lógica, o mesmo raciocínio jurídico de proteção ao trabalhador é estendido às doenças caracterizadas como ocupacionais também no teletrabalho, isto é, fora das dependências físicas do empregador, como as Lesões por Esforço Repetitivo (LER).

Nesse sentido, o Art. 75-E da CLT é claro ao exigir do empregador a necessidade de instruir os empregados em teletrabalho sobre a prevenção de doenças e acidentes de trabalho. Ainda que a legislação não apresente um regramento claro sobre a responsabilidade civil do empregador nos acidentes de trabalho em regime remoto, isso não significa que tal dever indenizatório não possa existir na análise de cada caso concreto (PIMENTA; SILVA, 2020).

Não obstante, a legislação trabalhista vigente tocou em um ponto bastante sensível sobre o home office: a responsabilidade pelas despesas com a prestação de serviço no que tange às contas de energia e internet, manutenção dos equipamentos, insumos, estruturas, et cetera.

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Atualmente, tais regramentos podem ser acordados no ato do contrato de trabalho, restando-se uníssono a qual parte caberá a provisão e manutenção das estruturas e equipamentos tecnológicos para o custeio da atividade exercida, nos termos do Art. 75-D da Consolidação das Leis do Trabalho.

Evidente que tal disposição possibilita ao empregador repassar ao empregado os custos e despesas da atividade econômica por ele explorada sem qualquer represália, inclusive respaldado pela própria legislação, ainda que de forma contrária ao Art. 2º da CLT – que dispõe sobre a responsabilidade do empregador em assumir os riscos da atividade exercida.

A alteração configura mais um retrocesso aos direitos trabalhistas, agora no âmbito do trabalho remoto, sendo certo que o entendimento jurisprudencial e doutrinário a respeito da matéria não é uniforme.

Por outro lado, a principal diferença do conceito de teletrabalho introduzido pelo Art. 75-B da CLT em relação ao trabalho tradicional reside no local da prestação de serviços e às ferramentas utilizadas para tanto.

Em outras palavras, o home office tal como apresentado permite a coexistência de trabalhadores presenciais e remotos que exercem os mesmos serviços, transmitindo-os com a mesma qualidade, ainda que a legislação trabalhista vigente disponha de tratamento diferenciado para ambos, a exemplo do controle de jornada ou despesas com o trabalho remoto à deriva de um ajuste individual fomentado pela disparidade econômica dos polos da relação trabalhista.

De certa forma, essa distinção esbarra no princípio constitucional da isonomia e do não retrocesso social. A própria Constituição Federal veda a distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos (Art. 7º, XXXII).

Portanto, o teletrabalho deve ser interpretado e aplicado ao caso concreto com base em princípios constitucionais e do próprio Direito do Trabalho - que sejam capazes de assegurar o direito à desconexão, privacidade e intimidade da parte mais vulnerável.

Conclusão

Ante o exposto, conclui-se que o teletrabalho, também conhecido como home office, apresenta diversas vantagens, tanto para os empregados quanto para os empregadores, tais como a redução de custos, flexibilidade e incremento da produtividade.

Contudo, sua má implementação pode apontar para questões preocupantes como o isolamento social, aumento do estresse, problemas familiares, entre outros.

Além disso, a legislação trabalhista vigente impactou diretamente a questão da autonomia de vontade do empregado, a importância da desconexão e do direito ao descanso, bem como a responsabilidade do empregador em garantir a segurança e prevenção de acidentes mesmo em trabalho remoto.

A conclusão final a ser extraída do texto é a necessidade de uma abordagem cautelosa na adoção do teletrabalho, equilibrando a produtividade e a vida pessoal dos trabalhadores. É importante ressaltar a importância de garantir os direitos e a saúde dos empregados, protegendo-os de possíveis abusos e garantindo um ambiente de trabalho saudável, ainda que remotamente, em conformidade com os princípios constitucionais e do Direito do Trabalho.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, Almiro Eduardo de; SEVERO, Valdete Souto. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2016.

GALUCCI, Bruno. As novas regras e as lacunas do teletrabalho. [S. l.]: Consultor Jurídico, 19 ago. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-ago-19/bruno-gallucci-novas-regras-lacunas-teletrabalho/. Acesso em: 11 jul. 2024.

PIMENTA, Beatriz Rodrigues; SILVA, Yan Keve Ferreira. Teletrabalho e Reforma Trabalhista. [S. l.], 2020. Disponível em: https://www.unirv.edu.br/conteudos/fckfiles/files/Beatriz%20Rodrigues%20Pimenta(1).pdf. Acesso em: 19 jul. 2024.

SANTOS, Edson Antonio dos. A REALIDADE DO TELETRABALHO: UMA ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O INSTITUTO DO TELETRABALHO INTRODUZIDO PELA REFORMA TRABALHISTA E AS DIFICULDADES QUE INVIABILIZAM A SUA APLICABILIDADE PRÁTICA. 2019. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social) - Centro Universitário Toledo, [S. l.], 2019. Disponível em: https://www.sobratt.org.br/site2015/wp-content/uploads/2019/10/TCC_Oficial_Pos_Unitoledo_EADS_V1.pdf. Acesso em: 9 jul. 2024.

SCALZILLI, Roberta. O direito à desconexão: uma análise crítica do instituto do teletrabalho brasileiro frente ao dano existencial como consequência da jornada excessiva de trabalho em tempos de pandemia. [S. l.], 2020. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/180776/2020_scalzilli_roberta_direito_desconexao.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 10 jul. 2024.

SILVA, Leda Maria Messias da; PEREIRA, Marice Taques. Docência (in)digna: o meio ambiente laboral do professor e as consequências em seus direitos da personalidade. São Paulo: LTr, 2013.

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Do direito à desconexão do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, SP, n. 23, jul./dez. 2003.

TORRE, Ricardo Della. MP do Teletrabalho: avanço e retrocesso?. [S. l.], 8 abr. 2022. Disponível em: https://claudiozalaf.com.br/mp-do-teletrabalho-avanco-e-retrocesso/. Acesso em: 12 jul. 2024.

WOLOWSKI, Matheus Ribeiro de Oliveira. O assédio moral por excesso de trabalho: uma abordagem teórica e empírica. São Paulo: LTr, 2018.

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Sobre o autor
Matheus de Paiva Mucin

Servidor público, advogado, especialista em ações trabalhistas bancárias e pós-graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela instituição Damásio Educacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MUCIN, Matheus Paiva. Pontuais reflexões sobre o teletrabalho na legislação vigente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7694, 25 jul. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110334. Acesso em: 21 nov. 2024.

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