Palavras-chave: Comércio de subsistência. Comércio exterior. Receita Federal. Aduana. Fiscalização Aduaneira. Contrabando. Descaminho. Pena de perdimento.
Resumo: A porosidade e falta de fiscalização das fronteiras nacionais permitem um extenso rol de crimes a serem cometidos. A Receita Federal tem competência para fiscalizar a entrada e saída de mercadorias no País, porém o “comércio formiga”, realidade de diversas localidades afastadas dos grandes centros, é um fato que conta com pouco destaque, sendo o tópico tratado nesta peça.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo versa sobre comércio de subsistência nas fronteiras nacionais e atuação da Receita Federal do Brasil (RFB) acerca do tema, com suas competências, atribuições e desafios.
Inicialmente, a atividade comercial precede às presentes delimitações dos Estados nacionais. Isso posto, percebe-se a dimensão da tarefa incumbida à RFB e demais órgãos, especialmente de segurança, na coibição de atividades que desemboquem em crimes de contrabando e de descaminho (respectivamente, arts. 334 e 334-A do Código Penal). Esses crimes envolvem mais do que a simples transposição de mercadorias de um país a outro, pois além de fomentar a concorrência desleal, envolvem amiúde sonegação de tributos, exploração de menores, trabalho escravo, danos ambientais, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, dentre outros.
Dado que a formação territorial nacional deu-se em sentido leste-oeste (costa atlântica em direção ao interior) e que a maioria da população vive há poucas centenas de quilômetros do litoral, os municípios fronteiriços brasileiros têm uma infraestrutura comprovadamente mais precária em relação aos grandes centros litorâneos, desde o acesso a bens de consumo a serviços básico da cidadania.
2. CIDADES GÊMEAS E ATUAÇÃO DA RFB
À RFB, segundo o art. nº 2 da Lei nº 9.003/1995, competem “os assuntos relativos à política e administração tributária e aduaneira, à fiscalização e arrecadação de tributos e contribuições, bem assim os previstos em legislação específica”. Apenas de fronteira terrestre, o País conta com 16.885,7 km e, em 2022, apenas 252 servidores da RFB nas unidades instaladas na faixa de fronteira (150 km de largura, conforme estabelece a Carta Magna em seu art. 20, § 2º), perfazendo uma redução de mais de 50% em uma década (dados de entidade sindical de servidores da RFB). Sobre a faixa de fronteira, é importante consignar que sua área corresponde a mais de um quarto do território nacional e conta com 10 milhões de habitantes.
Quanto ao comércio de subsistência transfronteiriço em si, sua principal característica é dar-se primordialmente entre cidades gêmeas brasileiras e estrangeiras, estas muitas vezes indistinguíveis daquelas. O conceito de cidade gêmea é dado pela Portaria nº 2.507, de 5 de outubro de 2021, do Ministério do Desenvolvimento Regional. Esta Portaria também elenca os municípios abarcados pelo conceito.
“Art. 1º Serão considerados cidades gêmeas os Municípios cortados pela linha de fronteira, seja essa seca ou fluvial, articulada ou não por obra de infraestrutura, que apresentem grande potencial de integração econômica e cultural, podendo ou não apresentar uma conurbação ou semi-conurbação com uma localidade do país vizinho, assim como manifestações "condensadas" dos problemas característicos da fronteira, que aí adquirem maior densidade, com efeitos diretos sobre o desenvolvimento regional e a cidadania.”
O comércio de subsistência é, em linhas gerais, um comércio informal e de bens básicos, pois não envolve participação formal da RFB ativamente, em especial no uso do Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior, plataforma para registro das transações do País com o exterior). O que se nota ao longo das fronteiras é uma verdadeira porosidade destas, com pouca fiscalização tanto de munícipes como de viajantes internacionais, tanto no âmbito alfandegário (competência da RFB) quanto no âmbito migratório (competência da Polícia Federal).
As cidades gêmeas podem unir-se por pontes (caso de Uruguaiana/RS e Paso de Los Libres/Argentina) ou não (caso de Santa Rosa do Purus/AC com Palestina/Peru), ou ainda contarem com fronteira seca (caso de Pacaraima/RR e Santa Elena de Uairén/Venezuela).
Em geral, as condições de vida das populações são melhores do lado brasileiro do que na outra cidade-gêmea, devido ao melhor desenvolvimento econômico do Brasil em relação aos países limítrofes, especialmente os que fazem fronteira com os estados da Região Norte. Esse ponto é relevante para este artigo, pois o Brasil, tendo economia mais pujante, torna-se destino dessas mercadorias, sendo destino de toda a sorte delas, de alho originário da China a cigarros contrabandeados paraguaios, para citar algumas. Ademais, os países limítrofes com frequência fazem uso da proximidade do Brasil para estabelecer em suas cidades gêmeas zonas francas isentas de tributos (Ciudad del Este no Paraguai como maior exemplo), o que atrai nacionais e estrangeiros para movimentar mercadorias em direção do Brasil.
Normativamente, há duas instruções normativas (IN) que dispõem sobre o comércio de subsistência: a IN SRF 104/84 (que trata do “comércio formiga”) e a IN SRF 1.413/13 (que trata do controle aduaneiro relativo ao comércio de subsistência em localidades fronteiriças onde não há pontos de fronteira alfandegários).
A leitura em conjunto das INs acima permite depreender que a circulação de mercadorias é isenta tanto de impostos de importação como de exportação e que as mercadorias devem ser para as necessidades básicas do quotidiano (devendo ser de origem do País ou do estado limítrofe), passíveis de serem alvo de pena de perdimento caso sejam comercializadas.
Paulsen afirma acerca da pena de perdimento:
“A pena de perdimento é aplicada na hipótese de irregularidades graves na importação de bens. É que a realização de importação exige o cumprimento do rito próprio (obtenção da guia de importação, realização do contrato de câmbio etc.), pagamento dos respectivos impostos (IPI, II, ICMS, PIS-Importação, Cofins-Importação) e idoneidade da documentação que a subsidia no que diz respeito à origem, autenticidade e compatibilidade da declaração com os bens verdadeiramente internalizados. Eventual importação irregular enseja autuação e apreensão por parte da Inspetoria da Receita Federal, com subsequente aplicação da pena de perdimento, nos termos dos arts. 104 e 105 do Decreto-Lei n. 37/66, 23 e 27 do Decreto-Lei n. 1.455/76 e 675 e seguintes do Decreto n. 6.759/2009. Também as mercadorias internalizadas pelas fronteiras terrestres, sem declaração e pagamento dos tributos sobre o que supera a quota isenta, estão sujeitas ao perdimento.”
Outro ponto relevante é que há ainda a faculdade de o Superintendente da respectiva Região Fiscal jurisdicionada disciplinar o respectivo comércio, estabelecendo: periodicidade nas aquisições, limites de valor ou quantidade e outras restrições ou exigências julgadas necessárias.
Aos contribuintes, há ainda a possibilidade de, mediante a apresentação da nota fiscal à fiscalização, poderem levar consigo as mercadorias do território nacional sem as formalidades do Siscomex, contanto que obedeçam ao limite de valor equivalente a US$ 2.000 (dois mil dólares estadunidenses) - se em valor superior, não revelem destinação comercial -, que não estejam sujeitas a controles específicos de outros órgãos da Administração Pública e cuja exportação não se subordine ao regime de cota ou contingenciamento.
3. CONCLUSÃO
Dado o exposto neste artigo, conclui-se que informalidade é a regra nas fronteiras quanto ao comércio de subsistência entre localidades fronteiriças do País. A distância dos grandes centros torna o acesso a bens nacionais dispendioso aos residentes fronteiriços, o que favorece a aquisição de bens estrangeiros nas cidades gêmeas. Devido à pouca fiscalização e do baixo efetivo de servidores, levam-se a esses residentes fronteiriços mercadorias sem qualquer procedência confiável ou qualidade garantida.
Referências:
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_______. Lei nº 9.003, de 16 de março de 1995. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9003.htm. Acesso em: 13 ago. 2024.
_______. Ministério da Integração Nacional. Faixa de Fronteira. Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira - PDFF. Disponível em: https://antigo.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNPU/Biblioteca/publicacoes/cartilha-faixa-de-fronteira.pdf. Acesso em: 13 ago. 2024.
_______. Ministério do Desenvolvimento Regional. Portaria n. 2.507, de 05 de outubro de 2021. Estabelece o conceito de cidades-gêmeas nacionais, os critérios adotados para essa definição e lista todas as cidades brasileiras por estado que se enquadram nesta condição. Diário Oficial da União: ed. 190, sec. 1, p. 29, 06 de out. 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.507-de-5-de-outubro-de-2021-350617155. Acesso em: 13 ago. 2024.
_______. Instrução Normativa RFB nº 1.413/2013. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=48162. Acesso em: 13 ago. 2024.
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LIMA, Y. W. B. Efetivo de servidores da Receita Federal que realiza o controle de fronteiras terrestres é menos da metade de uma década atrás. Disponível em: https://sindireceita.org.br/noticias/aduana/151367-efetivo-de-servidores-da-receita-federal-que-realiza-o-controle-de-fronteiras-terrestres-e-menos-da-metade-de-uma-decada-atras. Acesso em: 13 ago. 2024.
PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 13. ed. São Paulo. Saraiva Jur. Kindle Edition, 2022. 268 p.