4.
Relevante função é atribuída aos direitos fundamentais no controle dos atos discricionários da administração, como ora intentaremos demonstrar.
Em sua concepção subjetiva, os direitos fundamentais conferem ao indivíduo posições jurídicas de vantagem como defesa frente ao Estado. Na objetiva, possuem um "privilégio concretizante", uma força normativa, uma intensa vinculatividade que obriga os poderes constituídos.22
Em primeiro plano, obriga o legislador, constitucional, ao optar pelo regime democrático de direito, dentro do qual o princípio da dignidade humana se sobreleva como seu próprio fundamento, sendo inconcebível a inexistência do reconhecimento dos direitos fundamentais, atingindo estes o grau de cláusulas pétreas, conforme art.60, §4º, da CF/88, não podendo ser suprimidos pelo poder constituinte reformador.
O legislador infraconstitucional deve respeitar os princípios insculpidos na Carta Maior e que vão nortear todo o ordenamento jurídico, devido à hierarquia entre as normas e a supremacia da Constituição Federal.
No segundo momento concretizador está o Poder Executivo na aplicação das normas, devendo sempre interpretá-las de acordo com os princípios basilares da ordem constitucional e visando a implementação de tais preceitos na realidade.
Na concretização de tais normas, há ainda o papel do Judiciário de fiscalizar a atuação do poder público e invalidar seus atos quando maculados de inconstitucionalidade.
Na efetivação dos direitos fundamentais as garantias constitucionais são importantes instrumentos processuais, notadamente quanto aos direitos civis e políticos, onde se exige um non facere estatal. Nesse particular, cite-se o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, a ação popular, as ações diretas de controle de constitucionalidade, dentre outras, amplamente utilizadas no país.
Cabe ao Poder Público aqui disponibilizar os meios materiais necessários ao exercício das liberdades públicas. Tal caráter provedor se mostra mais intensificadamente na efetivação das políticas sociais, em que se exige uma prestação estatal mais direta. No controle das omissões do Poder Público, há, portanto, um maior grau de discricionariedade.
O princípio da dignidade humana, base axiológica fundamentadora de grande parte dos direitos sociais, exige a conformação de um conteúdo mínimo de direitos sem os quais não há condições materiais de existência ao ser humano (mínimo ético existencial).
Para a efetiva implementação de tais direitos pelo Estado, é necessária a alocação de recursos públicos. A previsão orçamentária para certos direitos fundamentais, é inclusive constitucionalmente obrigatória, havendo até mesmo determinação de percentuais da receita a serem aplicados nesse âmbito, como no caso da saúde e educação.
Na hipótese, todavia, da limitação dos recursos disponíveis e havendo interesses colidentes, haverá a necessidade de determinação do interesse prevalecente. Nesse campo, a discricionariedade da Administração estará condicionada aos princípios constitucionais em conflito e a maximização dos direitos fundamentais envolvidos, em razão do seu caráter dirigente e vinculante.
Há que se ter em mente que não há antinomia entre as normas constitucionais, mas aparente conflito, que deve ser resolvido através da ponderação entre princípios, utilizando-se de critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
A Administração deverá sempre se utilizar dos meios adequados, necessários e proporcionais23, sendo aqueles com os quais se alcance o fim desejado, de forma menos restritiva ao direito fundamental em jogo e que traga mais vantagens ao interesse público.
Sob essa perspectiva, cabe à Administração alegar falta de recursos para a implementação de um direito fundamental? Em outras palavras, aplica-se o princípio do limite da reserva do possível?
Há de se examinar a situação concreta, a fim de se averiguar se já havia a previsão orçamentária para tanto, devendo o poder público comprovar a ausência de recursos, sob pena de ser coagido pelo Judiciário a prestar o direito exigido.
Em certos casos, todavia, há risco de se atingir o mínimo ético existencial, ou seja, aquelas prestações materiais indispensáveis à existência humana. Nessas situações, ainda se aplicaria tal princípio?
Essa é uma questão polêmica na atualidade, havendo posicionamentos divergentes. Há quem entenda deva sempre ser preservado esse mínimo existencial, sem o qual não se concebe a existência humana, perante o qual não prevalece o princípio da limitação da reserva do possível, sendo dever do Estado garantir esses direitos básicos e essenciais à concretização do princípio da dignidade humana.
Há, em contrapartida, o posicionamento segundo o qual a limitação de recursos é motivação suficiente para a não efetivação de uma política pública prestacional, vez que não existindo meios necessários, caberia à Administração Pública, no exercício da discricionariedade, executar a política pública que a seu juízo seja mais conveniente ao interesse público.
Sobreleva-se nesse ponto a relevância do controle judicial da atuação administrativa. A claúsula da reserva do possível deve ser excepcionalmente aplicada, com a comprovação da ausência de recursos, "não pode ser invocada para se exonerar de cumprir obrigação constitucional sob pena de aniquilação dos direitos fundamentais".24
Questiona-se, contudo, a legitimação do Poder Judiciário para a implementação de políticas públicas, vez que não é um poder de representatividade popular, devendo sua atuação ficar adstrita à invalidação dos atos da Administração, tornando qualquer determinação concreta para que esta efetive direito, ilegítima. O princípio da inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito, parece, todavia, ser perfeitamente aplicável ao caso.
Destarte, demonstrada a vocação dos direitos fundamentais como princípios éticos inspiradores da ação do poder público25, cumpre tecer breves considerações sobre a repressão aos abusos em nível internacional e a sua colaboração à implementação dos direitos fundamentais.
A adesão do Brasil a diversos tratados de direitos humanos, bem como à sujeição à Corte Interamericana de Direitos Humanos, Corte Internacional de Justiça e ao Tribunal Penal Internacional, vêm reforçar o sistema de proteção dos direitos fundamentais.
Havendo falhas e omissões no sistema interno de implementação desses direitos, pode-se recorrer às instituições internacionais, sendo o país responsabilizado por sua ineficiência no cumprimento dos tratados firmados.
5. CONCLUSÃO
Os direitos fundamentais possuem uma eficácia dirigente, vinculante da atuação da Administração Pública, impondo limites ao exercício da discricionariedade, que deve sempre ter como parâmetro a maximização desses direitos com a menor restrição possível.
No exame das circunstâncias materiais do caso concreto, deve o agente administrativo efetuar uma ponderação de interesses, fazendo prevalecer o bem de maior relevância jurídica, segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
Ao Poder Judiciário impõe-se a função de garantia dos direitos fundamentais contra a arbitrariedade e abusos da Administração, determinando os limites à sua atuação discricionária.
Para se alcançar a efetividade dos direitos fundamentais há, todavia, que se redefinir o conceito de cidadania, sendo indispensável a atuação direta dos indivíduos diretamente interessados para a concretização de seus direitos.26
Destarte, deve-se fazer uso das garantias constitucionais e instrumentos jurídico-processuais reconhecidos por nossa Constituição, bem como o exercício do direito de petição junto aos órgãos internacionais que o permitem, quando o ordenamento interno se mostrar insuficiente à satisfação dos seus interesses.
Ademais, a organização social com fins a realização de movimentos populares reivindicatórios de uma atuação mais concreta dos poderes constituídos surgiriam um efeito direto frente a limitação da discricionariedade administrativa.
6.BIBLIOGRAFIA
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Notas
1- Cf. Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, p.441.
2- Supremo Tribunal Federal, AI 564035/SP, Min. Carmem Lúcia; RE 472707 SP, Min. Celso de Mello
3- Georg JellineK, citado por Dimitri Dimoulis, Elementos e Problemas da Dogmática dos Direitos Fundamentais
4- Cf. Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional
5- Idem
6- Cf. Walber Moura Agra, Curso de Direito Constitucional
7- Apud Ingo Wolfgang Sarlet, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p.97
8- Cf. Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional
9- Idem
10- Cf. André RamosTavares, Curso de Direito Constitucional, p.395.
11- Cf. Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional
12- Robert Alexy, citado por Dimitri Dimoulis, Elementos e...
13-Cf Dimitri Dimoulis, Elementos e... 14- Manoel Jorge e Silva Neto, Curso de Direito Constitucional
14- Manoel Jorge e Silva Neto, Curso de Direito Constitucional
15- Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia...
16- Cf. André RamosTavares, Curso de Direito Constitucional
17- Cf. Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p.890
18- Idem
19- Cf. José dos S. Carvalho Filho, Manual de Dieito Administrativo, ob. cit. p. 40
20- Maria Sylvia Zanella di Pietro, Direito Administrativo
21- Cf. José dos Santos Carvalho Filho, Manual...
22-J.J.Gomes Canotilho, citado por Walber Moura Agra, Curso de Direito Constitucional
23-Cf. Dirley da Cunha Júnior, Curso de Direito Administrativo
24- STF, ADPF 45/DF, Ministro Celso de Mello
25- Vicente Ráo, O direito e a vida dos direitos
26- Flávia Piovesan, Direitos Humanos...