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A efetividade dos direitos fundamentais face à discricionariedade administrativa

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SUMÁRIO: 1-Introdução; 2-Noções de Direitos Fundamentais; 2.1-Aspectos Históricos; 2.2-Eficácia dos Direitos Fundamentais; 3-A Discricionariedade Administrativa; 3.1-Meios de Controle; 3.2-Limites; 4-Os Direitos Fundamentais como Parâmetro no Controle da Discricionariedade; 5-Conclusão; 6-Referências Bibliográficas.


RESUMO

Os direitos fundamentais, além sua concepção clássica de limitação ao poder estatal, apresentam a vocação iminente de impulsionador das ações governamentais, restringindo e delimitando o campo de liberdade e atuação do Estado.

Reconhece-se como direitos fundamentais o núcleo de direitos e garantias individuais e coletivas assegurado pela ordem constitucional de um Estado Democrático de Direito aos seus cidadãos.

Os direitos fundamentais foram paulatinamente sendo reivindicados e incorporados como direitos inerentes, indissociáveis da condição humana – concepção esta inspirada na doutrina jusnaturalista que reconheceria a existência de direitos naturais, inatos ao homem – ganhando contornos próprios de acordo com o momento histórico em que se insurgiam.

Cumpre examinar a "dupla-natureza" dos direitos fundamentais: objetivo-subjetiva. Se por um ângulo reveste-se do caráter de princípio objetivo da ordem constitucional, conforme acima referenciado, gerando uma "eficácia irradiante"16 para todo o ordenamento jurídico, de outro, demonstra a típica função de direito subjetivo público, garantia juridicamente reconhecida diante do Estado.

A discricionariedade ocorre quando a lei não prevê exatamente todos os elementos para a atuação do Administrador, reservando-lhe uma certa margem de liberdade. Há uma indeterminação normativa a que caberá o aplicador da lei ao caso concreto precisar.

Há, todavia, um certo grau de vinculação na atividade administrativa discricionária, a partir do qual o controle judicial pode ser exercido sem adentrar no exame dos critérios subjetivos da decisão do agente público.

Na hipótese, todavia, da limitação dos recursos disponíveis e havendo interesses colidentes, haverá a necessidade de determinação do interesse prevalecente. Nesse campo, a discricionariedade da Administração estará condicionada aos princípios constitucionais em conflito e a maximização dos direitos fundamentais envolvidos, em razão do seu caráter dirigente e vinculante.

Ao Poder Judiciário impõe-se a função de garantia dos direitos fundamentais contra a arbitrariedade e abusos da Administração, determinando os limites à sua atuação discricionária.

Para se alcançar a efetividade dos direitos fundamentais há, todavia, que se redefinir o conceito de cidadania, sendo indispensável a atuação direta dos indivíduos diretamente interessados para a concretização de seus direitos.

Destarte, deve-se fazer uso das garantias constitucionais e instrumentos jurídico-processuais reconhecidos por nossa Constituição, bem como o exercício do direito de petição junto aos órgãos internacionais que o permitem, quando o ordenamento interno se mostrar insuficiente à satisfação dos seus interesses.


1-INTRODUÇÃO

O reconhecimento dos direitos fundamentais como elemento indissociável do constitucionalismo pós-moderno revela, além de sua concepção clássica de limitação ao poder estatal, a vocação iminente de impulsionador das ações governamentais, restringindo e delimitando o campo de liberdade e atuação do Estado.

A efetiva implementação dos direitos fundamentais na sociedade impõe uma tomada de posição dos poderes constituídos, reconhecendo-os como valores inerentes ao ordenamento jurídico, principiológicos, norteadores de toda a atuação governamental, constituindo-se em limites constitucionais à discricionariedade administrativa.

Um maior grau de efetivação desses direitos será alcançado se a Administração pautar a sua atividade no respeito aos direitos e liberdades públicas, analisando sempre as possibilidades materiais de cada caso concreto, visando à máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos com a mínima restrição possível.¹

Questão relevante nessa seara é a dos direitos sociais, em que se discute se a execução de uma política pública efetivadora de tais direitos que tenha como barreira a ausência de recursos e vinculação ao orçamento (princípio do limite da reserva do possível), pode prevalecer diante do dever de garantia de um mínimo ético existencial para todos os administrados.²

Diante de tal problemática, buscar-se-á nesse trabalho, examinando-se a evolução do processo de reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais, bem como as bases principiológicas da discricionariedade administrativa, demonstrar a força conformadora que tais direitos podem exercer no atuar da Administração.


2-NOÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Reconhece-se como direitos fundamentais o núcleo de direitos e garantias individuais e coletivas assegurado pela ordem constitucional de um Estado Democrático de Direito aos seus cidadãos. Encontram-se, ao lado das regras de organização da estrutura político-administrativa do Estado, como elementos essenciais à conformação do campo material da Constituição.

A incorporação de tais direitos no corpo dos textos constitucionais se deu com o fim de preservar e garantir aos indivíduos o respeito dos poderes públicos aos direitos essenciais a todo ser humano, direitos elementares como a vida e a liberdade, abrangendo atualmente além dos direitos civis e políticos, os econômicos, sociais e culturais.

Inicialmente, surgem como direitos e liberdades negativas³, no sentido de negar ao Estado a ingerência na vida privada dos cidadãos. Posteriormente, vêm a se concretizar como direitos que exigem uma atuação positiva do Estado, uma prestação aos administrados, como a educação, saúde, assistência social, em uma paulatina incorporação de valores e necessidades sociais que se colocam frente a mudanças estruturais ocorridas no mundo, como intentaremos demonstrar no próximo tópico.

Na nossa Constituição, há todo um título reservado aos direitos fundamentais, enumerando o art.5º diversos direitos e garantias individuais e coletivos e ampliando-os com uma norma de extensão no §2º, que alude aos direitos implícitos e aos decorrentes do regime e dos princípios adotados pela carta, além dos reconhecidos nos tratados internacionais firmados pelo nosso país.

Nesse sentido, cumpre assinalar que os direitos fundamentais, internacionalmente definidos como Direitos Humanos, hoje possuem um caráter universal, sendo reconhecidos como questão de interesse internacional, supranacional, não se admitindo qualquer agressão a tais direitos, seja na ordem interna de cada país ou externamente. 4

No corpo da Constituição vigente, os direitos humanos são erigidos como princípio da República Federativa do Brasil, norteador nas suas relações internacionais (art4º CF). Tal diretiva foi reforçada recentemente com o acréscimo dos §§ 3º e 4º no art.5º equiparando os tratados sobre direitos humanos a emendas constitucionais (quando submetidos ao mesmo procedimento específico de votação) e o reconhecimento da jurisdição do Tribunal Penal Internacional, revelando uma crescente preocupação do Estado brasileiro, em consonância com a tônica internacional, com o respeito e garantia aos direitos essenciais à humanidade5.

2.1.-ASPECTOS HISTÓRICOS

Os direitos fundamentais foram paulatinamente sendo reivindicados e incorporados como direitos inerentes, indissociáveis da condição humana – concepção esta inspirada na doutrina jusnaturalista6 que reconheceria a existência de direitos naturais, inatos ao homem – ganhando contornos próprios de acordo com o momento histórico em que se insurgiam.

Nesse ponto, é relevante esclarecer que se utiliza o termo incorporação, em razão de que a história dos direitos fundamentais se consolida a partir da idéia de um núcleo, um corpo de direitos que se reveste de uma especial proteção pelo ordenamento jurídico em face do Estado.

Confunde-se, então, o seu desenvolvimento com a própria consolidação do Estado de Direito e seus fundamentos: as idéias liberais de limitação do poder e do princípio da legalidade, o constitucionalismo e a positivação dos direitos do cidadão.

Essa fase se firmou como a primeira geração de direitos, embalada pelo anseio de liberdade e não-intervenção do Estado na autonomia privada, inspirados que foram pelo ideal burguês da Revolução Francesa e as idéias iluministas da época. São direitos que se caracterizam pela abstenção do Estado, "negativos", notadamente os direitos à vida, liberdade e propriedade.

O elenco desses direitos, representativos da atuação do indivíduo frente ao poder estatal, foi ampliado ao longo do tempo e redefinido, abrangendo hoje os direitos civis e políticos do cidadão, chamados ainda de "liberdades públicas".

No séc XIX, instaura-se toda uma conjuntura política e social que faz surgir uma nova gama de direitos condizentes com as necessidades da época. A Revolução Industrial e os graves problemas sociais desencadeados fazem eclodir reivindicações dos trabalhadores, demonstrando a premente necessidade de atuação do Estado como garantidor de melhorias na qualidade de vida do cidadão. São direitos que exigem, portanto, uma prestação social estatal, como os direitos à saúde, educação, trabalho, assistência social, girando em torno da concepção de igualdade material, já que a igualdade meramente formal não foi alcançada na realidade. 7

Em um terceiro momento, a partir do pós-guerra, em razão das atrocidades cometidas, instaura-se uma nova atmosfera, um senso comum de se proteger o homem enquanto ser humano, membro de dada coletividade, nação, sobreleva-se a noção de dignidade da pessoa humana. Tem-se, então, a terceira geração de direitos: à paz, a autodeterminação dos povos, ao meio ambiente e a uma sadia qualidade de vida, dentre outros, calcados no valor solidariedade.

Hoje, discute-se a utilização do termo "geração", parecendo mais adequado falar-se em "dimensão", vez que a primeira expressão traria ínsita a idéia de superação de uma classe pela outra, o que em verdade não ocorre, havendo uma incorporação de novos direitos, ampliando os já existentes. Assim, ainda que aqui se tenha optado por utilizá-la, há que se fazer essa ressalva. 8

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Além das três clássicas gerações/dimensões apontadas, há quem reconheça a existência de uma quarta fase9 abrangendo os direitos discutidos atualmente em torno dos avanços tecnológicos, científicos ou da globalização econômica, não sendo, contudo, pacífica a sua adoção. Ademais, a divisão em três classes reflete a tríade de valores propugnados pela Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade, como consagrado doutrinariamente.

Registre-se, nesse ponto da narrativa, a relevância das Declarações de Direitos que eclodiram em períodos anteriores a institucionalização do constitucionalismo, mas que inegavelmente tiveram um importante papel na consolidação das idéias e universalização dos direitos fundamentais.

Grande marco histórico no contexto ora abordado é a Magna Charta Libertatum, documento datado de 1215 na Inglaterra. Ao que pese sua vocação individualista, concessiva de privilégios a uma determinada classe, trouxe expressões amplas que puderam posteriormente ser adaptadas ao cunho universal que se empresta aos direitos dos homens. 10

Some-se a esse documento, na Inglaterra, o Habeas Corpus Act, de 1679, o Petition of Rights, de 1628 e o Bill of Rights, de 1689. Nos EUA, a Declaração de Direitos da Virgínia e na França, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão.

Há ainda que se delinear o contexto em que ocorreu a internacionalização de tais direitos e os reflexos daí advindos. O Direito Internacional até a 2ª Guerra Mundial caracterizava-se por ser um direito regulatório das relações comerciais, econômicas e dos conflitos políticos entre os Estados envolvidos. Contudo, as atrocidades cometidas durante a guerra, como a exterminação de vidas por motivos vis e com uma crueldade sem igual, provocaram uma reação global no sentido de proteção dos direitos inerentes à pessoa humana em nível internacional, além da regulação interna de cada país. 11

Com a criação da ONU (Organização das Nações Unidas) e os esforços conjugados de seus membros em reconstrução, não só das estruturas urbanas devastadas com o conflito, mas dos próprios valores éticos, erigiu-se parâmetros mínimos de atuação dos Estados no sentido de proporcionar o bem-estar econômico e social de todos os indivíduos.

Para garantir a aplicabilidade de tais preceitos, foram firmados tratados e convenções internacionais, comprometendo-se os Estados a incorporar esses valores no âmbito de sua legislação interna, de forma que hoje não há como não reconhecer o caráter universal dos direitos humanos, gerando, inclusive, responsabilização internacional o seu não-atendimento, como no próximo ponto será demonstrado.

Oportuna nesse momento a referência ao nosso país e a forma em que aqui se efetivou tal incorporação. O ambiente propício à discussão de tais direitos em âmbito nacional só se verificou com o fim da ditadura militar e o processo de redemocratização que daí se originou.

A instabilidade da transição foi refletida nas discussões da Assembléia Constituinte e se instaurou a certeza de que era preciso reinserir o País no meio internacional, adotando no texto constitucional o modelo preservacionista e democrático que se impunha mundialmente.

Destarte, ocorreu a reprodução pelo legislador constituinte de dispositivos de convenções e declarações internacionais, denunciando a inspiração que o movia, bem como de mecanismos de implementação dos direitos e garantias frente ao Estado, tudo conforme explicitaremos a seguir.

2.2.-EFICÁCIA

A orientação protecionista do constituinte de 1988 fica evidenciada já no preâmbulo e nos primeiros artigos, nos quais se destaca a preocupação com o reconhecimento de direitos e princípios democráticos, objetivando a inserção do Brasil no cenário mundial e a sua sedimentação como nação soberana e igualitária.

Nesse sentido, o art. 1º confere-lhe o título de "Estado Democrático de Direito" e coloca como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, bem como no art. 3º põe-se como objetivo fundamental "construir uma sociedade livre, justa e solidária", além de trazer a "prevalência dos direitos humanos" como princípio regedor de sua atuação internacional.

Resta clara, portanto, a opção do legislador constituinte que assim se manifesta em todo o texto constitucional. No Título II da Constituição Federal de 1988, são relacionados os direitos e garantias fundamentais, iniciando-se com os individuais e coletivos no art. 5º, enumerando-se os direitos sociais no segundo capítulo, em especial no art.7º e findando-se com os direitos políticos, além dos espalhados por todo o texto.

O elenco de direitos, contudo, não se limita a estes, uma vez que o § 2º do artigo 5º, conforme já referido acima, amplia a configuração a outros decorrentes do regime e dos princípios adotados, bem como dos tratados internacionais firmados pelo Estado brasileiro.

O art. 5º, §1º consagra aos direitos fundamentais aplicabilidade imediata, do que resulta dizer que as normas constitucionais que os veiculam geram efeitos jurídicos independentemente de uma concretização por parte do legislador infraconstitucional, tendo ampla força normativa.

A conferência de aplicabilidade imediata, todavia, não significa a adoção irrestrita de práticas efetivadoras de tais direitos, vez que tais normas se encontram inseridas dentro de um sistema jurídico que precisa se manter harmônico para concretizar os seus fins e interesses.

Sendo assim, a tal norma deve ser conferido o caráter de norteadora das ações estatais (eficácia vertical) e fundamento da atuação, inclusive, dos particulares (eficácia direta ou horizontal) 12, observado como limite de exercício de seus direitos o respeito aos direitos dos demais indivíduos.

Aqui nos interessa a primeira perspectiva, estando assente a noção de que os direitos fundamentais não são absolutos e podem sofrer restrições por parte do legislador, bem como dos aplicadores do Direito, seja o Judiciário, ou mesmo, a Administração Pública. É a teoria dos limites imanentes dos Direitos Fundamentais.13

A partir dessa concepção, entende-se que o legislador, ao positivar tais direitos, estaria limitado pelas demais normas constitucionais, não podendo restringir além do permitido pela carta política14, devendo observar os princípios e regras co-relacionados.

Contudo, o legislador não teria como prever todas as situações existentes, não havendo como engessar as normas veiculadoras dos direitos fundamentais, delegando ao intérprete o papel de, diante do caso concreto, examinar as possibilidades de agir e optar pela via mais adequada.

Ademais, dentro do rol do art. 5º, há normas de eficácia limitada, sem aptidão para serem aplicadas de imediato, necessitando de lei definidora de sua abrangência. Como conciliar, então, com a característica conferida pelo §2º?

Distinção necessária se faz quanto à natureza da norma em questão, de cunho notadamente principiológico, no sentido de reconhecer a eficácia dirigente dos direitos fundamentais, vinculando a atuação dos poderes estatais, impondo-lhes o dever de reconhecer e implementar tais direitos.15 No tocante a forma de implementação, teceremos breves comentários no tópico específico.

Cumpre examinar a "dupla-natureza" dos direitos fundamentais: objetivo-subjetiva. Se por um ângulo reveste-se do caráter de princípio objetivo da ordem constitucional, conforme acima referenciado, gerando uma "eficácia irradiante"16 para todo o ordenamento jurídico, de outro, demonstra a típica função de direito subjetivo público, garantia juridicamente reconhecida diante do Estado.


3- A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA

A Administração Pública, como todos os integrantes do Estado de Direito, subordinam-se à lei. Contudo, enquanto para os particulares há a liberdade de agir salvo proibição legal, para a Administração, tal preceito se reveste de caráter positivo, devendo agir conforme determinado em lei.17

Destarte, a lei poderá conter uma regra de atuação bem delimitada, impondo à Administração uma única forma de proceder diante de dada situação prevista. Nesse caso, diz-se que há vinculação, ou ainda que o ato é vinculado, pois ao Administrador não foi dado opção de agir, havendo tão somente uma única possibilidade de concretizar a norma.

Ocorre, todavia, que há casos em que a lei não prevê exatamente todos os elementos para a atuação do Administrador, reservando-lhe uma certa margem de liberdade em sua atuação. Há uma indeterminação normativa a que caberá o aplicador da lei ao caso concreto precisar.18Adentramos, então, no campo da discricionariedade administrativa.

Cabe ao agente administrativo, diante de dada situação fática, utilizando-se de um juízo de valor, examinar as condutas que lhe são possíveis e juridicamente permitidas praticar e escolher dentre elas a mais adequada, a que melhor traduz a conveniência e oportunidade para o interesse público.

Esses são os dois elementos do mérito do ato administrativo: o juízo de conveniência e de oportunidade, traduzindo o primeiro as condições nas quais deve o agente praticar o ato e o último, o momento em que deve agir.19

3.1.CONTROLE

Tendo em vista o fim público a ser perseguido pelo Estado, há limitações que lhe são impostas pelo ordenamento jurídico e a previsão de controle no âmbito interno da estrutura do Poder Executivo, através do exercício da autotutela sobre seus órgãos e agentes e o controle externo a ser exercido pelo Legislativo e Judiciário.

Existe, assim, o dever da Administração rever os seus próprios atos, invalidando-os quando ilegais e os revogando se inconvenientes ou inoportunos. Para o Judiciário, só haveria a possibilidade de anular os atos quando maculados estes de vícios relativos à legalidade.

Por estar o controle judicial adstrito a razões de legalidade, difundiu-se inicialmente a idéia de que o mérito dos atos administrativos dotados de decisões discricionárias não poderia ser apreciado pelo Judiciário.

Essa visão, contudo, encontra-se ultrapassada, uma vez que assente hoje na doutrina e jurisprudência pátrias a possibilidade de o Judiciário examinar a legitimidade das decisões tomadas pelo Administrador, segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade, a fim de investigar sua conformidade à lei, conforme discorreremos mais à frente.

Ademais, há a restrição ao exame judicial dos atos interna corporis, sendo aqueles praticados no âmbito do próprio órgão administrativo, com reflexos restritos ao interesse interno da Administração, salvo na hipótese de lesão a direitos fundamentais. Quanto aos atos normativos, sua revisão pelo Judiciário somente seria possível através de ação direta de inconstitucionalidade.20

No atinente ao controle externo pelo legislativo, ora se reveste de cunho eminentemente político, nas hipóteses taxativamente previstas na Constituição, como nos arts. 49, 52 e 58, §3º; ora se resume ao controle financeiro, estipulado nos arts. 70 a 75 da CF/88. Limitamo-nos a uma abordagem superficial da questão, vez que de importância secundária quanto ao tema ora discutido.

3.2.LIMITES

A Administração Pública, em sua atuação enquanto poder constituído, sujeita-se ao regime jurídico-administrativo, estando sempre limitada pelos princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público.

O primeiro princípio traz ínsita a idéia de que deve o Estado sempre perseguir o interesse público. A finalidade administrativa é a consecução do bem estar coletivo, do bem comum, entendido este como o interesse supra-individual dos indivíduos na qualidade de membros da sociedade. Assim, diz-se que o interesse público tem supremacia sobre o individual.

Já o segundo, incorpora a noção de interesse coletivo, fora do âmbito de disponibilidade, apropriação particular de quem quer que seja, inclusive do Estado, vez que só lhe foi deferida a representação da coletividade na consecução do fim público.

Assentes tais pressupostos, fica clara a vinculação da Administração aos ditames legais, resultando lógica a conclusão de que, mesmo no exercício da discricionariedade, encontra-se esta sujeita aos parâmetros impostos pela lei, em especial quanto à finalidade e ao motivo do ato.21

No que tange à finalidade, traz a lei expressa ou implicitamente o fim desejado e a conduta adequada à prescrição legal será aquela suficiente a alcançar tal desiderato.

Ainda que se utilize o legislador de termos imprecisos e vagos, sempre haverá um mínimo de referenciais normativos ou fáticos suficientes à delimitação do sentido e alcance da lei pelo intérprete.

O motivo refere-se aos fundamentos de fato inspiradores da conduta do agente administrativo. Deve sempre o motivo ser apto, nas condições postas, a embasar o ato e a atingir determinado interesse protegido pela norma.

Depreende-se, assim, a existência de um certo grau de vinculação na atividade administrativa discricionária, a partir do qual o controle judicial pode ser exercido sem adentrar no exame dos critérios subjetivos da decisão do agente público.

Há, portanto, que se ter cautela na ampliação do controle judicial para se não chegar ao extremo de se atribuir ao julgador o poder de substituir a vontade do agente administrativo, vez que somente a este foi conferida constitucionalmente a legitimidade para agir nesses casos.

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Sobre a autora
Semiana Silva de Oliveira Cardoso

servidora estadual do TJBA no exercício do cargo de secretária de juizado especial cível e pós-graduanda em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Ufba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Semiana Silva Oliveira. A efetividade dos direitos fundamentais face à discricionariedade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1718, 15 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11058. Acesso em: 29 mar. 2024.

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