Editais podem ser divulgados ou vamos parar em decorrência das eleições? 

21/08/2024 às 14:37
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Em ano eleitoral, a continuidade das políticas públicas enfrenta desafios como mudanças de gestão, cortes orçamentários e incertezas políticas. A descontinuidade dessas políticas pode prejudicar de maneira significativa a produção e o acesso à cultura. No atual contexto, uma das principais dúvidas recai sobre a execução dos recursos e projetos oriundos da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022) e do Plano Nacional Aldir Blanc (Lei nº 14.399/2022). 

 Para contribuir com este debate o Ministério da Cultura realizou, inclusive, um seminário em que aborda muitos destes elementos. Para efeitos deste nosso artigo, restringiremos a análise sobre a divulgação dos Editais e dos pagamentos destes recursos no período de defeso eleitoral.   

 Inicialmente sugerimos dois parâmetros que devem balizar qualquer análise sobre as normas de direito eleitoral no caso concreto: i. Não impossibilitar o exercício dos direitos culturais (podendo haver certas restrições) e; ii.  proibir qualquer forma de ação/ato que possa beneficiar (de maneira direta ou indireta) qualquer candidato.  

 Dado este parâmetro iremos analisar três pontos. O primeiro – é possível a publicação de editais de concursos públicos, licitações e editais de fomento à cultura e os resultados desses processos? E a resposta pode impressionar – Sim! Estes podem e devem ser publicados, mas sem nenhum tipo de conotação propagandista, mas trazer a informação do serviço público.  

 Deste modo, podem ser publicados na imprensa oficial editais e no site oficial – de maneira “sóbria e sem alardes”. A publicação de contratos públicos e demais atos comuns ao funcionamento ordinário da administração pública não está sujeita à vedação durante o período eleitoral (art. 73, VI, b, da Lei das Eleições [1]) por não se enquadrar no conceito de atos de caráter publicitário. A ideia da Lei das Eleições é mitigar as possibilidades de um gestor beneficiar candidatos de maneira direta e indireta por meio de publicidade oficial (com recursos públicos).  

 Também não há proibição de uso das redes sociais (embora esta questão merecesse maiores explicações). Todavia, não pode haver nos editais e nos meios oficiais as logomarcas ou slogans do município durante o período de defeso eleitoral, a fim de que não se vincule o ato à determinada gestão. Deste modo, há algumas exceções ao uso dos símbolos previstos no § 1º e § 2º do art. 13 da Constituição Federal como o exemplo do brasão do município. Atenção, se a divulgação do edital se der antes do período vedado, mas tiver de continuar neste, deve haver a exclusão de qualquer símbolo que se relacione com gestões, inclusive, logomarcas.   

 Outro ponto que tem preocupado muitos gestores é a possibilidade legal de realizar os valores referentes aos editais já lançados por haver confusão sobre a impossibilidade de realização de transferências voluntárias, previstas no art. 73, VI, a, da Lei nº 9.504/97 [2]. Ocorre que transferências voluntárias são repasses de maneira não obrigatória, ou seja, que dependem de convênios, acordos, ajustes ou outros instrumentos jurídicos entre os entes federativos.  

 Todavia, as transferências da União aos Estados, Distrito Federal e Municípios por meio da PNAB e da LPG são transferências obrigatórias. Da mesma forma, o repasse destes entes para agentes culturais ou instituições culturais são repasses obrigatórios e não estão vedados pela norma em questão que diz respeito às transferências entre entes federativos [3].  

 Ou seja, é permitido pagar os valores referentes aos editais já lançados, desde que as obrigações assumidas estejam dentro das normas e procedimentos administrativos regulares e que não configurem promoção pessoal ou eleitoral. 

 Por fim, a realização de atividades culturais também é permitida. Podemos observar em cada caso, que não pode haver impedimento do livre exercício de expressão artística, mas há restrição quanto ao beneficiamento de eventual candidato, razão pela qual os showmícios são proibidos, assim como os eventos (com apresentações artísticas) para lançar obras, projetos ou serviços em plena campanha. A realização e divulgação de atividades culturais devem observar a finalidade e a forma de divulgação. Festejos de um calendário anual, como festas de padroeira e festas típicas que sempre são realizadas em dado período, podem ser divulgadas, desde que a publicidade seja impessoal, ou seja, não favoreça nenhum candidato ou figura política de maneira direta ou indireta.  

 Como podemos observar, reafirmamos - i. Não pode haver impedimento ao livre exercício dos direitos culturais (podendo haver certas restrições) e; ii.  Em nenhuma hipótese pode-se beneficiar (de maneira direta ou indireta) qualquer candidato. Os casos concretos precisam ser analisados dentro de um contexto social, cultural e político a partir do que se busca garantir como direito no período eleitoral.  

*André Brayner é mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor), com atuação científico-jurídica preponderante nos campos relacionados ao Direito Internacional, direitos culturais e terceiro setor, professor de Direito e presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) 

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Notas: 

[1] São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: VI - nos três meses que antecedem o pleito:  b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral 

[2] Art. 73. São proibidas [...]: VI - nos três meses que antecedem o pleito:  a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública; 

 [3] Transferências para entidades privadas: a autorização de repasse de recursos a Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos (EPSFL), aí compreendidas as Organizações Não Governamentais (ONGs) e outras entidades do terceiro setor, embora não sejam vedadas (ARCL nº 266, Relator Ministro Carlos Velloso, julgado em 09/12/2004; RESPE nº 16.040, Relator Ministro Costa Porto, julgado em 11/11/1999), comporta a verificação prévia, caso a caso, se a transferência de recursos não afeta a igualdade entre os candidatos ao pleito eleitoral, sob pena de poder ser considerada ilícita, o que sujeitaria o ato administrativo e o agente público às sanções prescritas no art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990. 

 

 

Sobre o autor
André Brayner

Mestre em Direito Constitucional pela Unifor, com atuação científico-jurídica preponderante nos campos relacionados ao Direito Internacional, Direitos Culturais e Terceiro Setor, professor de Direito e Presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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