Da poesia política à indignação popular: como o sistema penal brasileiro criminaliza a pobreza e a negritude

28/08/2024 às 14:43
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Resumo: O sistema de justiça brasileiro é frequentemente criticado por sua lentidão, seletividade e ineficácia, especialmente ao lidar com indivíduos poderosos e influentes. Casos como o de Pablo Marçal, que evitou punição através de manobras legais, destacam como o sistema pode ser manipulado por aqueles com recursos financeiros. Em contraste, os pobres e marginalizados frequentemente sofrem nas prisões, como exemplificado pela trágica história de Nazareno Antônio de Sousa, um homem que morreu na prisão após ser mantido por 24 anos sem julgamento. Essa injustiça é ainda mais evidente no caso de Naji Nahas, um empresário rico que, apesar de condenado por crimes financeiros, nunca cumpriu sua pena. Esses exemplos expõem a profunda desigualdade no sistema penal brasileiro, onde pobreza e raça muitas vezes determinam o destino de uma pessoa. O artigo argumenta que essa justiça seletiva mina a democracia e enfraquece a confiança nas instituições legais, perpetuando divisões sociais. Ele clama por reformas significativas, incluindo processos legais mais rápidos, acesso igualitário à defesa para todos os cidadãos e a promoção de uma cultura de legalidade e direitos humanos. Em última análise, a luta por justiça no Brasil não é apenas uma batalha legal, mas também uma questão moral, social e política.

Palavras-chave: injustiça, justiça seletiva, Brasil, sistema penal

Abstract: The Brazilian justice system is often criticized for its slowness, selectivity, and inefficiency, particularly when dealing with powerful and influential individuals. Cases like Pablo Marçal, who evaded punishment through legal delays, highlight how the system can be manipulated by those with financial resources. In contrast, the poor and marginalized are frequently left to suffer in prisons, as exemplified by the tragic story of Nazareno Antônio de Sousa, a man who died in prison after being held for 24 years without trial. This injustice is further illustrated by the case of Naji Nahas, a wealthy businessman who, despite being convicted of financial crimes, never served his sentence. These examples expose the profound inequality in Brazil's penal system, where poverty and race often determine one's fate. The article argues that this selective justice undermines democracy and erodes trust in legal institutions, perpetuating social divisions. It calls for significant reforms, including faster legal processes, equal access to defense for all citizens, and the promotion of a culture of legality and human rights. Ultimately, the fight for justice in Brazil is not just a legal battle, but a moral, social, and political one.

Keywords: injustice, selective justice, Brazil, penal system

Desigualdade e Seletividade no Sistema de Justiça Brasileiro: Entre Impunidade e Exclusão

No Brasil, a justiça é frequentemente percebida como lenta, seletiva e ineficaz, especialmente quando se trata de processar indivíduos poderosos e influentes. Pablo Marçal, que já foi acusado de crimes eleitorais1, exemplifica como as elites conseguem manipular o sistema em seu favor, seu caso, que se arrastou por oito anos até prescrever2, ilustra a forma como o sistema judicial brasileiro pode ser complacente com aqueles que têm recursos financeiros e políticos. Se ele fosse um cidadão comum, sem o respaldo financeiro ou influência, é provável que o Ministério Público3 tivesse feito de tudo para garantir que ele fosse mais um número nas estatísticas de encarceramento em massa que assolam o Brasil.

A disparidade no tratamento judicial entre ricos e pobres no Brasil não é apenas uma questão de falhas individuais, mas um reflexo de uma sociedade profundamente desigual. Essa desigualdade se manifesta de forma trágica na história de Nazareno Antônio de Sousa, um homem pobre que passou 24 anos na prisão sem jamais ter sido julgado4. Preso desde os anos 90, Sousa deveria ter sido libertado há pelo menos quatro anos, quando a acusação contra ele prescreveu, no entanto, ele permaneceu encarcerado até ser encontrado morto em um hospital penitenciário em Teresina, Piauí. Sua história é um testemunho angustiante da injustiça que permeia o sistema carcerário brasileiro, onde a pobreza se torna sinônimo de esquecimento e abandono.

Enquanto pessoas como Nazareno Sousa são esquecidas nas prisões, sem julgamento e sem esperança, o sistema parece funcionar de maneira muito diferente para aqueles que detêm poder e riqueza. Naji Nahas, um dos homens mais ricos do Brasil, condenado por manipulação do mercado financeiro durante o colapso da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 1989, nunca cumpriu sua pena, apesar de ter sido condenado há 24 anos5. Essa disparidade entre o tratamento de Nahas e Sousa é emblemática de um sistema que pune os pobres e protege os ricos.

O caso de Pablo Marçal, a impunidade de Naji Nahas e a tragédia de Nazareno Sousa expõem a seletividade da justiça brasileira, onde a prisão parece ser um destino quase exclusivo para os pobres, negros e periféricos. Estudos indicam que a maioria dos encarcerados no Brasil pertence a grupos socioeconômicos mais baixos6, e uma vez dentro do sistema carcerário, esses indivíduos enfrentam obstáculos quase intransponíveis para acessar a justiça. Em contraste, aqueles que têm recursos financeiros podem contratar advogados caros, explorar brechas legais e, em muitos casos, evitar a prisão completamente.

O sistema de justiça brasileiro, ao invés de ser um instrumento de equidade, muitas vezes age como um mecanismo de exclusão social, a criminalização de atos associados à pobreza, como pequenos furtos ou o uso de drogas, contrasta fortemente com a impunidade que prevalece em casos de crimes financeiros ou corrupção cometidos por membros das elites. Essa justiça seletiva não apenas perpetua a desigualdade, mas também desmoraliza o próprio conceito de justiça, minando a fé nas instituições que deveriam proteger todos os cidadãos, independentemente de sua classe social.

A ascensão da extrema-direita no Brasil, com figuras como Jair Bolsonaro, exacerba ainda mais essa desigualdade, o discurso de "lei e ordem" promovido por esses líderes não visa criar um sistema mais justo, mas sim reforçar as estruturas que garantem a impunidade dos poderosos, o caso de Bolsonaro, que apesar das inúmeras acusações e investigações nunca foi preso, é emblemático7. Sua impunidade não só desmoraliza o sistema de justiça, como também envia uma mensagem perigosa para a sociedade: de que a lei não é para todos e que aqueles no poder podem agir sem consequências.

A impunidade é um veneno para a democracia, quando os cidadãos percebem que a justiça não é aplicada de forma equitativa, a confiança nas instituições se desgasta, a percepção de que a justiça favorece os ricos e poderosos deslegitima o sistema judicial e mina a coesão social. Em uma democracia saudável, o sistema de justiça deve atuar como um equilíbrio contra o abuso de poder, no entanto, quando a justiça se torna seletiva, ela falha em proteger os direitos de todos os cidadãos, e em vez disso, protege os interesses daqueles que estão no topo da pirâmide social.

Para que o Brasil possa superar essas desigualdades e construir um sistema de justiça verdadeiramente justo, várias reformas são necessárias, a primeira e talvez mais crucial é a reforma do sistema de justiça, com foco na aceleração dos processos judiciais e na garantia de que todos os cidadãos, independentemente de sua classe social, tenham acesso a uma defesa justa e adequada. Também é fundamental fortalecer as instituições democráticas, garantindo que elas sejam capazes de atuar de forma independente e eficaz contra abusos de poder. É necessário promover uma cultura de legalidade e direitos humanos, onde todos os cidadãos sejam tratados com dignidade e respeito, e onde a justiça não seja vista como um privilégio dos ricos, mas como um direito de todos.

Conclusão

O sistema de justiça brasileiro enfrenta um profundo problema de desigualdade, revelado através de casos como o de Pablo Marçal, que evita punição devido a manobras legais e ao status financeiro; a tragédia de Nazareno Antônio de Sousa, que passou décadas na prisão sem julgamento; e a impunidade de Naji Nahas, um empresário rico que nunca cumpriu sua condenação. Esses exemplos não são exceções, mas sim manifestações de um sistema penal que frequentemente falha em oferecer justiça equitativa. A discrepância entre o tratamento de pessoas com recursos financeiros e os mais pobres evidencia uma crise na aplicação da justiça, que se torna cada vez mais seletiva e menos capaz de proteger os direitos dos cidadãos e garantir a equidade.

O sistema de justiça brasileiro, como um todo, precisa definitivamente ser Erga Omnis8 e não uma questão de "veja bem" quando se trata do tratamento não isonômico entre pobres e ricos. O caso de Pablo Marçal, a história de Nazareno Sousa e a impunidade de Naji Nahas não são aberrações, mas sintomas de um sistema profundamente desigual, a justiça, quando seletiva, deixa de cumprir seu papel fundamental de proteger a sociedade e garantir a equidade; em vez disso, perpetua as divisões sociais e mina a fé nas instituições democráticas.

Como sociedade, devemos questionar essas desigualdades e exigir um sistema de justiça que seja verdadeiramente igualitário. A luta por justiça no Brasil não é apenas uma luta legal, mas uma luta moral, social e política, um apelo para que todos nós, como cidadãos, não aceitemos mais a injustiça como norma e trabalhemos juntos para construir um país onde a justiça seja para todos.

Referências

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ALVES, Renato. Pablo Marçal admite que já foi preso pela PF; condenado, não cumpriu pena porque caso prescreveu. Jornal O Tempo, 27 ago. 2024, 09:56. Disponível em: https://www.otempo.com.br/eleicoes/2024/prefeitos/2024/8/27/pablo-marcal-admite-que-ja-foi-preso-pela-pf--condenado--nao-cum. Acesso em: 28 ago. 2024.

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NINJA. Com tantas provas, o que falta para Bolsonaro ser preso? Midia Ninja, 17 jul. 2024, 12:21. Disponível em: https://midianinja.org/com-tantas-provas-o-que-falta-para-bolsonaro-ser-preso/. Acesso em: 28 ago. 2024.


  1. Relembre acusações contra Marçal; candidato à Prefeitura em SP é associado ao crime por adversários. São Paulo (SP), 26 ago. 2024. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2024/08/26/relembre-acusacoes-contra-marcal-candidato-a-prefeitura-em-sp-e-associado-ao-crime-por-adversarios. Acesso em 28 de agosto. 2024.

  2. Pablo Marçal admite que já foi preso pela PF; condenado, não cumpriu pena porque caso prescreveu. Jornal O Tempo, 27 ago. 2024, 09:56. Disponível em: https://www.otempo.com.br/eleicoes/2024/prefeitos/2024/8/27/pablo-marcal-admite-que-ja-foi-preso-pela-pf--condenado--nao-cum. Acesso em 28 de agosto.2024.

  3. Ministério Público como carrasco medieval. Justificando, 6 dez. 2018. Disponível em: http://www.justificando.com/2018/12/06/ministerio-publico-como-carrasco-medieval/. Acesso em 28 de agosto. 2024.

  4. Após 24 anos preso sem julgamento, homem morre em hospital penitenciário. Jusbrasil, [s.d.]. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/apos-24-anos-preso-sem-julgamento-homem-morre-em-hospital-penitenciario/308532788. Acesso em: 28 ago. 2024.

  5. Pela sentença, ex-megainvestidor não pode recorrer em liberdade; ex-presidente da Bovespa pega 9 anos. Nahas é condenado a 24 anos de prisão. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 out. 1997. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi141002.htm. Acesso em: 28 de agosto. 2024.

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  7. Com tantas provas, o que falta para Bolsonaro ser preso? Midia Ninja, 17 jul. 2024, 12:21. Disponível em: https://midianinja.org/com-tantas-provas-o-que-falta-para-bolsonaro-ser-preso/. Acesso em: 28 ago. 2024.

  8. Erga Omnis é uma expressão latina que significa "em relação a todos" ou "para todos". No contexto jurídico, refere-se a normas ou obrigações que têm eficácia universal, ou seja, que se aplicam a todos, sem exceção, e não apenas a indivíduos específicos ou partes envolvidas em um caso particular. Em outras palavras, uma norma ou princípio erga omnis é uma regra que deve ser respeitada por toda a sociedade e não apenas por um grupo ou pessoa específica. Esse conceito é frequentemente utilizado para reforçar a ideia de que certos direitos ou obrigações são fundamentais e devem ser garantidos igualmente a todos os cidadãos.

Sobre o autor
Vinicius Viana Gonçalves

Possui Bacharelado em Direito pela Faculdade Anhanguera do Rio Grande (FARG), Pós-Graduação em Ciências Políticas pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), Pós-Graduação em Ensino de Sociologia pela Faculdade Única de Ipatinga (FUNIP), Pós-Graduação em Educação em Direitos Humanos e Mestrado em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Também possui formação como Técnico em Comércio Exterior pela Escola Técnica Estadual Getúlio Vargas (Rio Grande/RS), Tecnologia em Logística pela Faculdade de Tecnologia (FATEC/UNINTER). Como pesquisador, foi membro do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (NUPEDH) e do Grupo de Pesquisa Direito, Gênero e Identidades Plurais (DIGIPLUS), ambos vinculados ao PPGDJS/FURG. Também atuou como pesquisador vinculado ao Programa Educación para la Paz No Violencia y los Derechos Humanos, no Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (Centro de Investigación y Extensión en Derechos Humanos) da Facultad de Derecho da Universidad Nacional de Rosario (Argentina), sob coordenação do Professor Dr. Julio Cesar Llanán Nogueira, com financiamento da PROPESP-FURG/CAPES.

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