CONCLUSÃO
Assim, a alienação fiduciária sobre bens imóveis tem natureza jurídica de direito real de garantia, assim como a hipoteca, o penhor e a anticrese. Todos esses direitos reais, são atos solenes e necessitam da escritura pública para sua constituição, conforme determina o artigo 108 do Código Civil Brasileiro. A exceção a essa regra, ou seja, o instrumento particular com força de escritura pública como forma, é aplicadas apenas aos microssistemas específicos, ou seja, em operações de desenvolvimento econômico nacional, como no setor imobiliário para aquisição da casa própria – por meio do Sistema Financeiro de Habitação ou Sistema Financeiro Imobiliário; no setor agropecuário – por meio do Decreto 167 de 1967; no setor industrial – por meio do Decreto – Lei 413 de 1969; entre outros, como as Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, altera o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969, as Leis nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, nº 4.728, de 14 de julho de 1965. Nesses casos, os agentes são instituições que financiam ou intermediam recursos com pessoas físicas ou jurídicas que atuam nos respectivos nichos de desenvolvimento econômico, razão pela qual, que, em sua compreensão, buscou-se facilitar e desburocratizar, tais institutos.
Em todos esses casos, o que existe é a constituição do direito real de garantia por instrumento particular com força de escritura pública, mas os direitos reais previstos, são os mesmos existentes na legislação geral do Código Civil Brasileiro, mais precisamente em seu artigo 1.225. Tais direitos reais, quando interpretados em seu microssistema, tem suas peculiaridades e características específicas. Como exemplo, pode-se citar a hipoteca existente na cédula rural hipotecária prevista no Decreto 167/67. Ela possui as mesmas características da hipoteca prevista no artigo 1.225, IX, do Código Civil Brasileiro, e tem ainda um complemento para incentivar o desenvolvimento agrícola, como: podem ser constituídas por instrumento particular com força de escritura pública, geram inalienabilidade e impenhorabilidade do bem, dependem de anuência do credor para alienação e desmembramento, dentre outros adjetivos, que não são aplicados à hipoteca convencional.
Portanto, a Lei de Alienação fiduciária de bens imóveis, disciplina dois institutos distintos, conforme se percebe na sua ementa:
No primeiro caso ela dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, específico para integrantes desses sistemas;
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No segundo momento, ela institui um novo direito real de garantia de coisa imóvel que pode ter como sujeitos pessoas físicas ou jurídicas, integrantes do sistema financeiro de habitação, imobiliário, agropecuário ou industrial ou não.
A especificidade da referida Lei é o processo pelo qual a garantia será excutida em caso de inadimplemento. Assim, uma vez constituída, por qualquer sujeito, ela não precisará bater às portas do judiciário para satisfação do crédito do credor.
Porém, quanto a sua constituição, mister se faz o apoio da teoria do diálogo das fontes, de modo que, somente poderá ser constituída através de escritura pública, sendo, portanto, um ato um ato solene, devendo obediência ao artigo 108, do Código Civil Brasileiro, quando constituída por pessoas físicas ou jurídicas, não integrantes ao Sistema de Financiamento Imobiliário.
ABSTRACT
This article discusses the issue of fiduciary alienation of real estate in the Brazilian legal context. The main thesis of the article is that when this form of guarantee is established by individuals or legal entities that are not part of the Real Estate Financing System, its formalization must occur through a public deed, in accordance with Article 108 of the Brazilian Civil Code. The emphasis is on the importance of following solemn procedures to ensure the validity of contracts and avoid nullities, in line with the goal of promoting legal certainty and reducing the burden on the judicial system through the use of extrajudicial methods.
The text also mentions that four Brazilian states - Minas Gerais, Paraíba, Pará, and Bahia - have already established administrative regulations that establish connections between the fiduciary alienation of real estate and provisions of the Civil Code. This context led to the initiation of a procedure at the National Council of Justice (CNJ) to clarify this issue at the federal level. The conclusion is that in many cases, the formalization of fiduciary alienation must take place through a public deed, unless the entity involved is part of the Real Estate Financing System.
Additionally, the article examines legislative changes over time that have influenced the interpretation of the fiduciary alienation law and argues that the public deed is a crucial element to ensure legal certainty and protect consumers. Hypothetical examples are also presented to illustrate the implications of the interpretation of the law.
In summary, the article emphasizes that the fiduciary alienation of real estate is a real right of guarantee and highlights the need to follow the appropriate legal procedures to ensure the validity of contracts, prevent fraud, and protect consumers.
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