Comentário jurídico sobre o decreto presidencial nº 11.150/2022, que regulamenta a preservação e o não comprometimento do mínimo existencial em situações de superendividamento

08/09/2024 às 12:49
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Introdução

O superendividamento é um fenômeno mundial resultante da maneira como o mercado de consumo opera atualmente, no Brasil, essa situação se agravou durante a pandemia.

De acordo com o Mapa de Inadimplência elaborado pelo Serasa, em maio de 2023, mais de 70 milhões de pessoas estavam inadimplentes, acumulando um total de R$ 334,5 bilhões.

Esse cenário levou à promulgação da Lei 14.181/2021 (Lei do Superendividamento) há três anos, com o objetivo de aperfeiçoar a disciplina sobre a oferta de crédito ao consumidor e estabelecer diretrizes para a prevenção e tratamento do superendividamento.

O superendividamento é uma realidade que afeta milhões de consumidores em todo o mundo, constituindo-se como um desafio complexo tanto para os indivíduos quanto para as políticas públicas e o sistema jurídico.

No contexto brasileiro, a Lei nº 14.181/2021 representou um marco importante ao estabelecer medidas para prevenir e tratar o superendividamento, reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor em situações de endividamento excessivo.

No entanto, a regulamentação e a aplicação efetiva dessa lei ainda são questões em debate, especialmente diante da necessidade de conciliar os direitos dos consumidores com os interesses dos credores e a estabilidade do sistema financeiro.

Neste contexto, este artigo tem como objetivo analisar os dispositivos do Decreto Presidencial nº 11.150/2022, que regulamentou alguns dispositivos da Lei do Superendividamento, destacando suas principais disposições, implicações jurídicas e desafios na sua aplicação.

Inconstitucionalidade do Decreto 11.150/2022: Análise Jurídica

O decreto presidencial gerou diversas reações, levando membros do Ministério Público e da Defensoria Pública a ajuizarem as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) nºs 1005 e 1006 perante o Supremo Tribunal Federal. Essas ações contestam a fixação do percentual de 25% do salário mínimo como valor estimado para que uma pessoa possa pagar suas despesas.

As entidades argumentam a inconstitucionalidade de trechos do Decreto Presidencial nº 11.150/2022, que regulamenta a Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021).

O cerne da questão é que, ao definir o mínimo existencial — valor mínimo da renda de uma pessoa destinado ao pagamento de despesas básicas e que não pode ser utilizado para quitar dívidas — em 25% do salário mínimo, atualmente correspondente a R$ 303,00 (trezentos e três reais) na época da edição do decreto, os dispositivos fragilizam as condições adequadas e mínimas de existência digna do consumidor.

Destaca-se também o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 306/22, que busca anular os efeitos do decreto federal que fixa em 25% do salário mínimo (hoje, R$ 303,00) o percentual da renda do trabalhador que não pode ser comprometido com dívidas de consumo. A proposta está em análise na Câmara dos Deputados.

O autor do projeto, deputado Gustavo Fruet (PDT-PR), avalia que, ao definir o mínimo existencial em 25% do salário mínimo, o decreto presidencial acaba favorecendo o aumento do endividamento dos consumidores, transferindo ainda mais recursos dos cidadãos para os credores. O aumento do crédito à população pobre não deve desconsiderar a vulnerabilidade e a hipervulnerabilidade, como no caso de idosos, para sua concessão.

Nesse contexto, a Coordenação Geral de Estudos e Monitoramento de Mercado da Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, emitiu a Nota Técnica nº 11/2023 com severas críticas ao Decreto nº 11.150/2022.

No referido documento, conclui-se que:

"O Decreto nº 11.150/2022, em seu todo, não é uma tentativa de regulamentar o mínimo existencial apresentado pela Lei nº 14.181/2021, inserido no ordenamento jurídico brasileiro pelo Código de Defesa do Consumidor.

Trata-se de uma manobra para esvaziar a proteção aos consumidores superendividados, um ato que nega o dever constitucional do Estado de proteger os consumidores, configurando uma ordem atípica, descomprometida com a constitucionalidade e com as normas-princípios estruturadas, demonstrando uma evidente ilegalidade."

Atualmente, o Decreto Presidencial nº 11.150/2022, que regulamentava a lei e fixava o valor de 25% do salário mínimo, perdeu sua eficácia.

Posteriormente, o Decreto Presidencial nº 11.567/2023 estipulou que o mínimo a ser protegido deve corresponder a R$ 600 (seiscentos reais).

Entretanto, entende-se que o decreto quer inclusive alterou o valor é, em parte, inconstitucional e ilegal, pelos seguintes motivos.

Inicialmente, no contexto do controle difuso de constitucionalidade, é possível distinguir duas formas de decretos como atos normativos emitidos pelo chefe do Poder Executivo: o autônomo (CF, art. 84, VI) e o regulamentar (CF, art. 84, IV).

A ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), a forma pela qual está sendo questionado o referido decreto, é um instrumento previsto na Constituição Federal de 1988 que visa o controle de constitucionalidade. Tem como objetivo evitar ou reparar lesões causadas por atos que desrespeitem preceitos fundamentais da CF/88 resultantes do poder público.

Portanto, conclui-se que, ao contrário do decreto autônomo, o controle do decreto regulamentar, como no caso presente, deve se restringir à legalidade, não sendo passível de controle de constitucionalidade por nenhum dos métodos (difuso ou concentrado).

Isso significa que eventuais problemas de constitucionalidade devem ser resolvidos conforme o que está estabelecido na legislação que o regulamenta.

Se o decreto ultrapassar os limites dessa legislação, isso configurará ilegalidade, não inconstitucionalidade.

Além disso, considerando que o decreto é uma norma de cumprimento obrigatório, o Poder Judiciário não pode criar normas individuais e concretas. Qualquer ajuste necessário ao conteúdo do ato normativo secundário deve ser realizado dentro dos parâmetros estabelecidos, respeitando o princípio da separação dos poderes.

De qualquer forma, o conceito de mínimo existencial não se confunde com o valor necessário para manter o padrão de vida da parte antes (ou durante) o superendividamento. Não existe qualquer direito subjetivo que garanta tal manutenção, e, evidentemente, esse não é o objetivo da lei.

A sobrevivência digna não pode ser confundida com benefícios ou privilégios adquiridos em uma época de melhores condições financeiras. O que se busca preservar, reiterando, é a subsistência digna, e não o padrão de vida anterior, que inevitavelmente deve ser ajustado devido à crise financeira enfrentada.

Os precedentes dos Tribunais, a despeito desses argumentos, entenderam que não é possível o controle de constitucionalidade.

Além disso, ainda que fosse viável, não haveria qualquer invasão do poder regulamentar do Presidente da República. Destaco, a seguir, alguns exemplos relevantes:

INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CÍVEL. ART. 3º DO DECRETO FEDERAL Nº 11.150/2022. LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO. DECRETO PRESIDENCIAL QUE REGULAMENTA A PRESERVAÇÃO E O NÃO COMPROMETIMENTO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. ATO NORMATIVO SECUNDÁRIO. FEIÇÃO AUTÔNOMA AUSENTE. NÃO SUJEIÇÃO A CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO SUSCITADA DE OFÍCIO. 1. Como regra, somente os atos normativos primários podem ser objeto de controle de constitucionalidade, eis que retiram a sua validade diretamente da Constituição. Por consequência, atos normativos secundários - a exemplo de decretos regulamentares -, incorrem antes em vício de legalidade e, somente reflexamente, em afronta ao texto constitucional. 2. Excepcionalmente, mostra-se possível o controle de constitucionalidade de atos normativos secundários que possuam expressão jurídica de abstração e autonomia típicas de atos normativos primários, pois, a despeito de se intitularem formalmente como secundários, possuem feição autônoma e invadem esfera reservada à lei - sujeitando-se, portanto, à fiscalização constitucional. 3. Evidenciada a natureza de ato regulamentar secundário do artigo 3º do Decreto nº 11.150/2022, este retira sua validade diretamente de lei infraconstitucional (ato normativo primário), sujeitando-se ao plano do controle de legalidade. Ofensa reflexa e indireta ao texto constitucional. Inadmissibilidade do presente incidente de arguição de inconstitucionalidade. Preliminar suscitada de ofício. 4. Incidente não conhecido.

(TJ-DF 0730591-60.2022.8.07.0001 1820051, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, Data de Julgamento: 20/02/2024, Conselho Especial, Data de Publicação: 06/03/2024)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. ART. 4º DO DECRETO Nº 11.150/2022. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. EXCLUSÃO EXPRESSA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Inicialmente, importa consignar que a confissão de existência das dívidas ou o procedimento específico da ação de superendividamento não impedem a concessão da tutela de urgência no sentido da suspensão dos descontos até a realização da audiência de conciliação. 2. Analisando os autos, observo que o rendimento líquido do agravante observa o valor do mínimo existencial de R$600,00 previsto no Decreto nº 11.150/2022. 3. Ademais, o artigo 4º do mesmo Decreto dispõe que as dívidas decorrentes de operação de crédito consignado não implicam em comprometimento do mínimo existencial, de modo que, no caso em tela, todos os contratos não se enquadram no pedido de repactuação de dívidas. 4. Por fim, salienta-se que apesar de o Decreto nº 11.150/2022 estar sendo objeto de controle de constitucionalidade no bojo das ADPFs nº 1005 e 1006, ainda não houve exame da medida liminar, tampouco julgamento de mérito. 5. Recurso conhecido e desprovido.

(TJ-ES - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 50018567520248080000, Relator: MARIANNE JUDICE DE MATTOS, 1ª Câmara Cível)

Em síntese, o conceito de mínimo existencial visa garantir a subsistência digna do consumidor superendividado, e não manter um padrão de vida anterior à crise financeira.

A intenção da lei é assegurar as condições mínimas para uma existência digna, ajustando as expectativas em relação ao padrão de vida durante períodos de dificuldades financeiras.

1. Redução do Conceito de Mínimo Existencial

Ao estabelecer os parâmetros para o valor do mínimo existencial, os decretos negligenciam o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois o montante fixado não é compatível com a garantia de uma vida digna e com os direitos sociais assegurados constitucionalmente.

Historicamente, a doutrina identifica dois modelos clássicos de tratamento jurídico do superendividamento: o americano e o europeu.

O modelo americano, também conhecido como "fresh start", prevalente em países de common law, prevê o perdão das dívidas e a reintegração do devedor no mercado, desde que cumpridos alguns requisitos.

Esse modelo é caracterizado pela ideia de um "novo começo imediato", oferecendo ao devedor uma segunda chance para recomeçar sem o peso das dívidas passadas.

O principal objetivo do sistema americano é proporcionar ao devedor honesto o perdão imediato das dívidas remanescentes após a liquidação do patrimônio disponível para o pagamento dessas dívidas.

Em contraste, o modelo europeu, originário da França, é focado na reeducação do consumidor e na valorização do pagamento das dívidas, ao invés de seu perdão. Esse sistema se alinha mais com a filosofia dos planos de pagamento ou da responsabilização dos devedores por suas obrigações.

Na prática, ao invés de perdoar as dívidas ou quitá-las diretamente através da liquidação de bens, os devedores são obrigados a reembolsá-las através de um plano de pagamento que pode se estender por até dez anos, muito semelhante ao adotado no Brasil com suas particularidades.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme estabelecido no art. 1º, III, da Constituição Federal, e deve ser aplicado para proteger o consumidor superendividado, cuja situação foi regulada pela Lei nº 14.181/2021, recentemente atualizada no Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, a Constituição Federal eleva a defesa do consumidor ao status de garantia fundamental e princípio da ordem econômica, conforme disposto nos arts. 5º, XXXII e 170, V:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]

V - defesa do consumidor;

No dia 17 de agosto de 2021, a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) organizaram a I Jornada CDEA sobre Superendividamento e Proteção do Consumidor UFRGS-UFRJ.

Durante o evento, foram aprovados enunciados que abordam o conceito de mínimo existencial, os quais serão detalhados a seguir.

Enunciado 4: "A menção ao mínimo existencial, constante da Lei nº 14.181/2021, deve abranger a teoria do patrimônio mínimo, com todas as suas aplicações doutrinárias e jurisprudenciais", de autoria do professor doutor Flávio Tartuce.

Enunciado 5: "A falta de regulamentação do mínimo existencial, que tem origem constitucional, não impede o reconhecimento do superendividamento da pessoa natural e a sua determinação no caso concreto", de autoria da professora doutora Ana Carolina Zancher.

Enunciado 6: "Considera-se mínimo existencial, aos efeitos do disposto na Lei nº 14.181/2021, os rendimentos mínimos destinados aos gastos com a subsistência digna do superendividado e de sua família, que lhes permitam prover necessidades vitais e despesas cotidianas, especialmente com alimentação, habitação, vestuário, saúde e higiene."

Sobre o patrimônio mínimo, Ivan e Renata Pompeu afirmam:

"Este patrimônio essencial corresponde àquela parcela de bens imprescindíveis ao sustento do indivíduo e dos sujeitos sob sua 'guarda', vale dizer, sua família. Trata-se de um patrimônio mínimo indispensável a uma vida digna, do qual não se pode ser desapossado. Esta tese fundamenta-se no princípio constitucional da dignidade e em uma hermenêutica crítica e construtiva da codificação civil moderna. A noção de patrimônio mínimo, portanto, diz respeito à posse de bens materiais que garantam a existência da pessoa humana com um mínimo de dignidade."

A definição do mínimo existencial, entendido como um conjunto de direitos previamente estabelecidos, é tal que nem a administração pública nem os legisladores podem contrariá-lo.

Este conceito opera como um "limite aos limites" e, frequentemente, como um limite à reserva do possível: embora o Poder Público não possa ser obrigado a satisfazer todas as demandas relacionadas aos direitos sociais devido à escassez de recursos, ele também não pode, em hipótese alguma, deixar de atender ao núcleo essencial desses direitos, sob pena de comprometer a efetividade da Constituição. Portanto, é um conceito "em abstrato", desvinculado das circunstâncias concretas que possam surgir na análise judicial.

A falha em atender qualquer das obrigações que compõem o mínimo existencial conferiria ao indivíduo o direito subjetivo de buscá-las judicialmente, e o julgador seria compelido a garantir essas prestações.

Neste contexto, os decretos deveriam fortalecer e facilitar a proteção dos consumidores superendividados. Contudo, as normativas, ao regulamentarem o mínimo existencial, afastam-se dos princípios constitucionais, comprometendo a eficácia e o alcance da nova legislação.

A norma infralegal do Decreto nº 11.150/2022 reduz o conceito de mínimo existencial traçado pela lei consumerista, além de definir um patamar objetivo que coloca o consumidor abaixo da linha da pobreza.

Estabelecer uma quantia fixa de mínimo existencial equivale a tarifar a dignidade humana, fixando parâmetros monetários para uma análise essencialmente subjetiva sobre o respeito à dignidade da pessoa humana.

2. Extrapolação do Poder Regulamentar

O Decreto da Presidência da República extrapolou o poder regulamentar ao ampliar exceções que não estavam previstas no texto legal.

O Art. 4º do Decreto nº 11.150/2022, ao excluir uma vasta gama de dívidas da aferição do mínimo existencial, pode comprometer a eficácia das proteções legais previstas na Lei nº 14.181/2021.

A definição de mínimo existencial deveria considerar de forma mais abrangente todas as obrigações financeiras do consumidor, garantindo que sua dignidade e capacidade de subsistência não sejam comprometidas.

A regulamentação estabelecida pelo decreto parece desviar-se do espírito da legislação consumerista, que busca justamente proteger o consumidor de situações de superendividamento que comprometam sua existência digna.

Objetivo e Fundamentação Legal

O Artigo 1º do Decreto Presidencial nº 11.150/2022 regulamenta a preservação e o não comprometimento do mínimo existencial, visando a prevenção, tratamento e conciliação de situações de superendividamento em dívidas de consumo.

Esta regulamentação é realizada conforme os termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, também conhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Comentário:

Objetivo de Proteção ao Consumidor: O artigo destaca a intenção do decreto em proteger os consumidores superendividados, assegurando que uma parte mínima de sua renda seja preservada para garantir sua subsistência.

Esta medida visa prevenir que os consumidores fiquem sem recursos suficientes para atender às suas necessidades básicas e vitais enquanto negociam suas dívidas.

Prevenção e Tratamento: O decreto não apenas se foca na conciliação e resolução de dívidas já existentes, mas também na prevenção do superendividamento. Este enfoque preventivo é crucial, pois busca evitar que os consumidores cheguem a uma situação insustentável de endividamento.

Conciliação Administrativa e Judicial: O artigo menciona a conciliação tanto administrativa quanto judicial, refletindo uma abordagem abrangente para lidar com o superendividamento.

Isso significa que as soluções podem ser buscadas fora dos tribunais, por meio de negociações diretas com os credores, realizadas por órgãos como a Defensoria Pública, Associação dos Consumidores e o Procon, ou dentro do sistema judiciário, proporcionando múltiplas vias de resolução para os consumidores.

Base Legal no Código de Defesa do Consumidor (CDC): A referência ao CDC reforça a base legal e a legitimidade do decreto.

O CDC é uma legislação consolidada que protege os direitos dos consumidores no Brasil, e a menção ao mesmo sublinha que a regulamentação do superendividamento está alinhada com os princípios já estabelecidos de defesa do consumidor.

Considerações Adicionais:

Mínimo Existencial: A definição e preservação do mínimo existencial são fundamentais para garantir que os consumidores tenham condições dignas de sobrevivência.

Entretanto, a fixação deste valor em 25% do salário mínimo alterado pelo Decreto Presidencial nº 11.567/2023, como estabelecido em outros trechos do decreto, tem sido criticada por diversas entidades, incluindo a Procuradoria-Geral da República, Defensoria Pública e Câmara dos Deputados, por ser considerada insuficiente para garantir uma existência digna.

Impacto nas Negociações de Dívidas: A regulamentação pode influenciar diretamente as negociações entre consumidores e credores, ao estabelecer limites claros sobre o quanto da renda pode ser comprometida para o pagamento de dívidas, protegendo assim os consumidores de acordos que possam agravar ainda mais sua situação financeira.

Equilíbrio de Interesses: A implementação do decreto deve buscar um equilíbrio entre proteger os consumidores superendividados e não inviabilizar o mercado de crédito. É essencial que as regulamentações ofereçam proteção sem desestimular a oferta de crédito responsável.

Em resumo, o Artigo 1º do Decreto Presidencial nº 11.150/2022 estabelece uma base normativa para proteger os consumidores superendividados, garantindo que uma parte mínima de sua renda seja preservada para suas necessidades básicas, e promovendo a prevenção e resolução de situações de endividamento excessivo. Contudo, a efetividade desta proteção depende de como os valores e critérios definidos pelo decreto serão aplicados na prática.

Comentário sobre o Artigo 2º A do Decreto

O Art. 2º do Decreto estabelece que a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública deve organizar periodicamente mutirões para a repactuação de dívidas, visando a prevenção e o tratamento do superendividamento por dívidas de consumo.

O parágrafo único complementa que essa competência será exercida em articulação com os órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios.

Aspectos Positivos:

Ação Proativa na Proteção ao Consumidor: A organização de mutirões para a repactuação de dívidas demonstra uma abordagem proativa do governo na proteção dos consumidores. Essas ações facilitam o acesso dos consumidores aos mecanismos de renegociação de dívidas, promovendo soluções práticas e imediatas para o problema do superendividamento.

Articulação com Órgãos Regionais: A articulação com os órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor nos diversos entes federativos (Estados, Distrito Federal e Municípios, Defensoria Pública e Associações de Consumidores) é essencial para garantir a capilaridade e a efetividade das ações. Isso permite que as iniciativas cheguem a um número maior de consumidores, abrangendo diferentes regiões e contextos econômicos.

Fortalecimento da Rede de Defesa do Consumidor: A cooperação entre a Secretaria Nacional do Consumidor e os órgãos locais fortalece a rede de defesa do consumidor, promovendo uma atuação mais coordenada e eficiente. Essa integração pode levar a um compartilhamento de melhores práticas e a uma uniformização dos procedimentos de renegociação de dívidas.

Aspectos a Serem Considerados:

Capacidade Operacional: A organização periódica de mutirões exige uma capacidade operacional significativa. É crucial que a Secretaria Nacional do Consumidor e os órgãos locais estejam devidamente estruturados e preparados para lidar com a demanda, garantindo que os mutirões sejam efetivos e bem organizados.

Engajamento das Instituições Financeiras: Para que os mutirões sejam bem-sucedidos, é necessário o engajamento das instituições financeiras e credores. A colaboração dessas entidades é fundamental para a viabilização das renegociações de dívidas em condições favoráveis para os consumidores.

Educação Financeira: Além da repactuação de dívidas, é importante que os mutirões incluam ações de educação financeira. Isso pode ajudar os consumidores a entender melhor sua situação financeira, prevenir o superendividamento futuro e promover uma gestão financeira mais consciente e sustentável.

Monitoramento e Avaliação: Deve-se implementar um sistema de monitoramento e avaliação das iniciativas de mutirões. Isso permitirá medir a eficácia das ações, identificar áreas de melhoria e garantir que os objetivos de prevenção e tratamento do superendividamento estejam sendo alcançados.

Definição de Superendividamento

Texto: Art. 2º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial.

Parágrafo único. Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se dívidas de consumo os compromissos financeiros assumidos pelo consumidor pessoa natural para a aquisição ou a utilização de produto ou serviço como destinatário final.

Comentário: Este artigo define o superendividamento como a situação em que o consumidor, agindo de boa-fé, não consegue pagar todas as suas dívidas de consumo sem comprometer o mínimo existencial. A inclusão da boa-fé é crucial, pois exclui consumidores que deliberadamente se colocam em situação de inadimplência.

O parágrafo único esclarece que as dívidas de consumo abrangem compromissos financeiros para aquisição ou uso de produtos ou serviços, focando na proteção ao consumidor final e excluindo dívidas empresariais ou profissionais.

Entretanto, existe a possibilidade da aplicação do rito estabelecido pela Lei n.º 14.181/21 na repactuação de dívidas do empresário individual, pois, o empresário individual que é a própria pessoa física ou natural, inclusive vem adotando este entendimento, alguns Tribunais Pátrios:

Revisional. Contrato bancário. Lei do superendividamento. Sentença de improcedência. Apelação da autora. Possibilidade da aplicação do rito estabelecido pela Lei n.º 14.181/21 na repactuação de dívidas do empresário individual. Empresário individual que é a própria pessoa física ou natural. Mitigação da teoria finalista. Empréstimo tomado visando subsidiar a profissão. Precedentes do STJ. Inteligência dos artigos 54-A, §§ 1º e 2º e 104-A do CDC. Necessidade de instauração de processo de repactuação no Juízo de origem. Sentença anulada. Recurso provido.

(TJ-SP - Apelação Cível: 1004750-72.2022.8.26.0320 Limeira, Relator: Virgilio de Oliveira Junior, Data de Julgamento: 14/02/2023, 23ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/02/2023)

Revisional. Contrato bancário. Lei do superendividamento. Sentença de improcedência. Apelação da autora. Possibilidade da aplicação do rito estabelecido pela Lei n.º 14.181/21 na repactuação de dívidas do empresário individual. Empresário individual que é a própria pessoa física ou natural. Mitigação da teoria finalista. Empréstimo tomado visando subsidiar a profissão. Precedentes do STJ. Inteligência dos artigos 54-A, §§ 1º e 2º e 104-A do CDC. Necessidade de instauração de processo de repactuação no Juízo de origem. Sentença anulada. Recurso provido.

(TJ-SP - AC: 10047507220228260320 SP 1004750-72.2022.8.26.0320, Relator: Virgilio de Oliveira Junior, Data de Julgamento: 14/02/2023, 23ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/02/2023)

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDA - (I) LEGITIMIDADE ATIVA - PESSOA JURÍDICA - EMPRESÁRIO INDIVIDUAL - DISCUSSÃO EM NOME DA PESSOA FÍSICA - POSSIBILIDADE. - "A jurisprudência do STJ já fixou o entendimento de que"a empresa individual é mera ficção jurídica que permite à pessoa natural atuar no mercado com vantagens próprias da pessoa jurídica, sem que a titularidade implique distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa natural titular da firma individual"(REsp 1.355.000/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 20/10/2016, DJe 10/11/2016) e de que"o empresário individual responde pelas obrigações adquiridas pela pessoa jurídica, de modo que não há distinção entre pessoa física e jurídica, para os fins de direito, inclusive no tange ao patrimônio de ambos"(AREsp 508.190, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 4/5/2017)". (AgInt no AREsp n. 1.669.328/PR) - Ainda que se trate de dívida de pessoa jurídica, o Colendo Superior Tribunal de Justiça entende que é possível a aplicação da Teoria Finalista Mitigada, em razão da patente situação de vulnerabilidade técnica, financeira, econômica e jurídica do empresário individual em face da instituição financeira, atraindo, portanto, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor(TJ-MG - Agravo de Instrumento: 2882001-35.2023.8.13.0000, Relator: Des.(a) José Eustáquio Lucas Pereira, Data de Julgamento: 07/02/2024, 21ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 16/02/2024)

Art. 3º: Definição do Mínimo Existencial

Texto Original: Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário mínimo vigente na data de publicação deste Decreto.

Texto Alterado pelo Decreto nº 11.567, de 2023: Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a R$ 600,00 (seiscentos reais).

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A menção ao mínimo existencial, presente na Lei 14.181/2021, deve incluir a teoria do patrimônio mínimo em todas as suas aplicações doutrinárias e jurisprudenciais.

Isto abrange os rendimentos mínimos necessários para garantir a subsistência digna do superendividado e de sua família, permitindo-lhes cobrir necessidades vitais e despesas cotidianas, especialmente com alimentação, habitação, vestuário, saúde e higiene.

A definição inicial do mínimo existencial como 25% do salário mínimo foi alterada para um valor fixo de R$ 600,00 (seiscentos reais) pelo Decreto nº 11.567/2023.

Essa mudança provavelmente visa estabelecer um parâmetro mais claro e estável, facilitando a aplicação prática do decreto.

Nesse sentido, o Enunciado 650 das Jornadas de Direito Civil do CJF propõe que o conceito de pessoa superendividada, conforme disposto no art. 54-A, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, deve incluir não apenas as dívidas de consumo, mas também outras dívidas em geral. Isso visa avaliar de forma mais precisa o grau de comprometimento do patrimônio mínimo necessário para uma existência digna

A fixação em um valor nominal desatrela o mínimo existencial das variações do salário mínimo ou dos índices de atualização econômica, podendo refletir uma tentativa de adaptar-se a uma realidade econômica específica.

A Constituição Federal de 1988, em seu capítulo sobre os Direitos Sociais, estabelece que o salário mínimo deve ser suficiente para cobrir todas as necessidades básicas do trabalhador e de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, além de ser reajustado periodicamente para manter seu poder aquisitivo, sem]ao vejamos:

“Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; (...)”

Neste compasso, essa alteração não parece ser a mais acertada. O salário mínimo é o principal indexador da economia brasileira, servindo como base para uma série de ajustes e correções econômicas. Estabelecer um valor fixo para o mínimo existencial, sem vinculá-lo ao salário mínimo, pode ser prejudicial por diversas razões:

Perda de Atualização Automática: A principal vantagem de usar um percentual do salário mínimo é a atualização automática do mínimo existencial conforme as variações do salário mínimo. Isso garante que o mínimo existencial se mantenha ajustado às mudanças econômicas, refletindo o custo de vida e a inflação.

Desatualização Econômica: Um valor fixo de R$ 600,00 (seiscentos reais) pode rapidamente se tornar desatualizado em um cenário de inflação ou aumento significativo do custo de vida, comprometendo a capacidade do valor de garantir a preservação da dignidade do consumidor superendividado.

Impacto na Proteção do Consumidor: A fixação de um valor nominal desconsidera as diferenças regionais e as variações no custo de vida, potencialmente comprometendo a eficácia das medidas de proteção ao consumidor previstas na Lei 14.181/2021.

Desalinhamento com a Política de Salário Mínimo: A desconexão entre o mínimo existencial e o salário mínimo pode criar um desalinhamento com outras políticas econômicas e sociais, dificultando a coordenação de medidas de proteção social e econômica.

Portanto, manter o mínimo existencial atrelado a um percentual do salário mínimo seria mais adequado para assegurar uma proteção efetiva e dinâmica dos consumidores superendividados, alinhando-se com a realidade econômica e as variações da econômica.

Comentário sobre o § 1º do Artigo 4º do Decreto

O § 1º do Artigo 4º estabelece que a apuração da preservação ou do não comprometimento do mínimo existencial será realizada com base mensal, contrapondo-se a renda total mensal do consumidor com as parcelas das suas dívidas vencidas e a vencer no mesmo mês.

Exemplo prático

Pedro é um trabalhador autônomo que, devido a uma série de dificuldades financeiras, acumulou várias dívidas ao longo dos anos. Ele possui um rendimento mensal variável, mas geralmente está abaixo de três vezes o valor do mínimo existencial estabelecido pelo Decreto nº 11.567/2023, que é de R$ 600,00 (seiscentos reais).

Aplicação do Dispositivo Legal:

Determinação do Mínimo Existencial: Segundo o Decreto, o mínimo existencial para João é de R$ 600,00 (seiscentos reais). Isso significa que qualquer operação de crédito ou renegociação de dívidas deve respeitar esse valor como um limite mínimo para garantir que João tenha recursos suficientes para suas necessidades básicas.

Análise da Capacidade de Pagamento: Ao avaliar a capacidade de pagamento de João, os órgãos responsáveis considerarão sua renda mensal variável. Eles compararão essa renda com as parcelas das dívidas que João precisa pagar no mesmo período para determinar se há comprometimento do mínimo existencial.

Preservação do Mínimo Existencial: Mesmo com sua renda variável, João consegue pagar suas dívidas mensais e ainda tem um valor disponível para cobrir suas despesas essenciais, como moradia, alimentação e saúde. Isso garante que ele não fique sem recursos para suas necessidades básicas, entretanto como dito acima esse método não é o mais aceitável, pois, existem outras variantes que devem ser consideradas não somente uma simples referência.

Análise e Implicações:

Critério de Avaliação Mensal: Ao determinar que a apuração seja feita mensalmente, o parágrafo garante uma avaliação contínua e atualizada da situação financeira do consumidor. Isso é essencial para uma análise precisa e dinâmica do comprometimento do mínimo existencial, ajustando-se às variações mensais na renda e nas despesas.

Contraposição da Renda e Dívidas: A contraposição entre a renda total mensal e as parcelas das dívidas vencidas e a vencer proporciona uma visão clara do impacto das obrigações financeiras no orçamento do consumidor. Esse método permite identificar, com precisão, o quanto da renda está sendo direcionado para o pagamento de dívidas e se está comprometendo o mínimo existencial.

Proteção da Dignidade Humana: A medida visa proteger a dignidade humana do consumidor, assegurando que, após o pagamento das dívidas, reste uma quantia suficiente para cobrir suas necessidades básicas. Isso está alinhado com os princípios de proteção ao consumidor e de prevenção ao superendividamento, que buscam evitar que o pagamento de dívidas comprometa a subsistência do devedor.

Facilidade de Monitoramento: A avaliação mensal facilita o monitoramento por parte dos órgãos de defesa do consumidor e das instituições financeiras. Essa periodicidade permite intervenções rápidas em caso de necessidade, promovendo ajustes e renegociações mais ágeis e efetivas.

Desafios Práticos: Embora a avaliação mensal seja benéfica, pode apresentar desafios práticos. O consumidor deve estar ciente e organizado para fornecer informações precisas e atualizadas sobre sua renda e dívidas. Além disso, os credores e as instituições financeiras precisam cooperar, disponibilizando dados claros e transparentes sobre as obrigações financeiras dos consumidores.

Implicações Legais: Este método de apuração deve estar em conformidade com os princípios legais e regulatórios estabelecidos na legislação consumerista, especialmente aqueles que tratam da proteção do mínimo existencial. É crucial que a aplicação desse parágrafo seja feita de forma que respeite os direitos do consumidor e não permita práticas abusivas por parte dos credores.

Considerações Finais:

O § 1º do Artigo 4º do Decreto é uma medida importante para garantir a proteção do mínimo existencial do consumidor, preservando sua dignidade e assegurando que suas necessidades básicas sejam atendidas.

A avaliação mensal proporciona uma análise precisa e atualizada, permitindo intervenções rápidas e eficazes. No entanto, para que essa medida seja efetiva, é necessário que haja cooperação entre consumidores, credores e órgãos de defesa do consumidor, além de um monitoramento rigoroso para assegurar o cumprimento das normas e a proteção dos direitos dos consumidores.

Comentário sobre o § 3º do Artigo 4º do Decreto

O § 3º do Artigo 4º do Decreto estabelece que compete ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a atualização do valor de que trata o caput.

O Conselho Monetário Nacional (CMN) é o órgão superior do Sistema Financeiro Nacional e tem a responsabilidade de formular a política da moeda e do crédito, objetivando a estabilidade da moeda e o desenvolvimento econômico e social do País.

Os membros do CMN reúnem-se uma vez por mês para deliberar sobre assuntos como orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras; propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos financeiros; zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras; e coordenar as políticas monetária, creditícia, orçamentária e da dívida pública interna e externa.

Este parágrafo delega ao CMN a responsabilidade de atualizar o valor do mínimo existencial.

Análise e Crítica:

Delegação ao Conselho Monetário Nacional:

A delegação da atualização do valor do mínimo existencial ao CMN é uma escolha que visa centralizar essa competência em um órgão técnico, que possui expertise em questões econômicas e financeiras. O CMN tem a capacidade de considerar o contexto econômico mais amplo ao tomar decisões sobre atualizações de valores.

Ausência de Critérios e Metodologias:

Um ponto crítico do § 3º é a ausência de critérios e metodologias claras para a atualização do valor do mínimo existencial. O decreto não disciplina como o CMN deve proceder com essas atualizações, deixando uma lacuna importante na regulamentação.

A falta de critérios pode resultar em atualizações inadequadas ou desajustadas às necessidades reais dos consumidores.

Impacto da Falta de Transparência:

Sem diretrizes claras, as decisões do CMN podem parecer arbitrárias e suscetíveis a pressões externas, comprometendo a transparência e a confiança no processo.

A ausência de um método definido pode levar a atualizações que não refletem adequadamente as flutuações econômicas e as necessidades dos consumidores superendividados.

Vantagens do Salário Mínimo como Indexador:

Adotar o salário mínimo como indexador para o valor do mínimo existencial poderia ser uma alternativa mais apropriada.

O salário mínimo é um indicador amplamente utilizado e ajustado regularmente para refletir o custo de vida, sendo um parâmetro mais estável e previsível. Isso garantiria que o valor do mínimo existencial estivesse sempre alinhado com as necessidades básicas dos consumidores.

Necessidade de Revisão Legislativa:

Para aprimorar o parágrafo, seria recomendável que a legislação especificasse critérios objetivos para a atualização do valor do mínimo existencial.

Isso poderia incluir a vinculação ao salário mínimo ou a outros indicadores econômicos relevantes, como o índice de preços ao consumidor (IPC). A inclusão de tais critérios ajudaria a garantir que as atualizações sejam feitas de maneira justa e transparente.

Considerações Finais:

O § 3º do Artigo 4º do Decreto, ao delegar ao Conselho Monetário Nacional a atualização do valor do mínimo existencial, busca utilizar a expertise do CMN em questões econômicas. No entanto, a ausência de critérios claros e metodologias para essa atualização é uma falha significativa.

A adoção de parâmetros como o salário mínimo poderia fornecer uma base mais justa e previsível para a atualização do valor, alinhando-se melhor às necessidades reais dos consumidores superendividados.

Uma revisão legislativa para incluir tais critérios é essencial para garantir a eficácia e a justiça na aplicação dessa norma.

Art. 4º: Exclusões na Aferição do Mínimo Existencial

Texto: Art. 4º Não serão computados na aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial as dívidas e os limites de créditos não afetos ao consumo.

Parágrafo único. Excluem-se ainda da aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial:

I - as parcelas das dívidas:

a) relativas a financiamento e refinanciamento imobiliário;

b) decorrentes de empréstimos e financiamentos com garantias reais;

c) decorrentes de contratos de crédito garantidos por meio de fiança ou com aval;

d) decorrentes de operações de crédito rural;

e) contratadas para o financiamento da atividade empreendedora ou produtiva, inclusive aquelas subsidiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES;

f) anteriormente renegociadas na forma do disposto no Capítulo V do Título III da Lei nº 8.078, de 1990;

g) de tributos e despesas condominiais vinculadas a imóveis e móveis de propriedade do consumidor;

h) decorrentes de operação de crédito consignado regido por lei específica; e

i) decorrentes de operações de crédito com antecipação, desconto e cessão, inclusive fiduciária, de saldos financeiros, de créditos e de direitos constituídos ou a constituir, inclusive por meio de endosso ou empenho de títulos ou outros instrumentos representativos;

II - os limites de crédito não utilizados associados a conta de pagamento pós-paga; e

III - os limites disponíveis não utilizados de cheque especial e de linhas de crédito pré-aprovadas.

O Art. 4º do Decreto 11.150/2022 estabelece uma série de exclusões que não serão computadas na aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial do consumidor.

Este dispositivo legal traz preocupações significativas quanto à proteção dos direitos dos consumidores superendividados, conforme previsto na Lei 14.181/2021.

Exemplo Prático do Artigo 4º do Decreto 11.150/2022

Situação:

Paulo é um consumidor que possui diversas dívidas e está em processo de análise para tratamento de superendividamento. Ele trabalha como funcionário público e sua renda mensal é suficiente para cobrir suas despesas básicas, mas as dívidas acumuladas ao longo do tempo estão comprometendo sua capacidade de pagamento.

Aplicação do Dispositivo Legal:

Exclusões de Dívidas não Afetos ao Consumo:

Paulo possui as seguintes dívidas que não serão computadas na aferição do mínimo existencial, conforme o Artigo 4º do Decreto 11.150/2022:

Um financiamento imobiliário para sua residência;

Um empréstimo pessoal com garantia real, utilizado para a compra de um veículo;

Essas dívidas não são consideradas na avaliação do mínimo existencial de Paulo, pois estão relacionadas a bens duráveis (imóvel e veículo).

Exclusões Específicas:

Além das dívidas mencionadas acima, Paulo anteriormente renegociou outras dívidas conforme o Capítulo V da Lei nº 8.078/1990. Essas dívidas também são excluídas da avaliação do mínimo existencial, o que significa que as condições dessas renegociações não afetarão diretamente a análise de suas condições atuais.

Limites de Crédito não Utilizados:

Paulo possui um limite de crédito não utilizado associado à sua conta de pagamento pós-paga de R$ 1.000,00. Além disso, ele tem um limite disponível não utilizado de R$ 2.000,00 no cheque especial. Conforme o Artigo 4º, esses limites não são considerados na aferição do mínimo existencial. Isso significa que, embora Paulo tenha esses limites disponíveis, eles não são contabilizados como parte de suas dívidas ao calcular se sua renda é suficiente para suas despesas básicas.

1. Exclusões das Dívidas e Limites de Créditos não Afetos ao Consumo

Caput: O caput do artigo exclui da aferição do mínimo existencial as dívidas e limites de crédito não afetos ao consumo. Esta exclusão desconsidera a realidade financeira dos consumidores, uma vez que muitas dívidas não diretamente ligadas ao consumo, como as despesas de financiamento imobiliário e garantias reais, impactam severamente a capacidade financeira do consumidor.

2. Exclusões Específicas

Parágrafo único: O parágrafo único especifica as parcelas de dívidas que também serão excluídas na aferição do mínimo existencial. As exclusões listadas abrangem uma ampla gama de dívidas, incluindo:

a) Financiamento e refinanciamento imobiliário; b) Empréstimos e financiamentos com garantias reais; c) Contratos de crédito garantidos por fiança ou aval; d) Operações de crédito rural; e) Financiamento da atividade empreendedora ou produtiva, incluindo aqueles subsidiados pelo BNDES; f) Dívidas renegociadas conforme o Capítulo V do Título III da Lei nº 8.078, de 1990; g) Tributos e despesas condominiais vinculadas a imóveis e móveis de propriedade do consumidor; h) Operações de crédito consignado regido por lei específica; i) Operações de crédito com antecipação, desconto e cessão, inclusive fiduciária, de saldos financeiros, créditos e direitos constituídos ou a constituir, inclusive por meio de endosso ou empenho de títulos ou outros instrumentos representativos.

Essas exclusões levantam questões sérias, pois muitas dessas dívidas, embora não sejam diretamente de consumo, afetam profundamente a capacidade financeira do consumidor. A exclusão dessas dívidas pode levar a uma avaliação irrealista da situação financeira do consumidor, dificultando a proteção efetiva contra o superendividamento.

Frise-se que há entendimento no sentido de excluir das dívidas aquelas decorrentes de empréstimo consignado, senão vejamos:

AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO COM BASE NA LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO. PEDIDO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO. EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS. CONSTATAÇÃO DE QUE NÃO A AUTORA NÃO COMPROVOU QUE OS EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS INDICADOS NA INICIAL SUPERAM AS MARGENS LEGAIS PERMITIDAS. O DECRETO 11.150/2022, QUE REGULAMENTA A LEI 141.181/2021, EXCLUI DO PROCESSO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS AQUELAS DECORRENTES DE OPERAÇÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO REGIDO POR LEI ESPECÍFICA, COMO É O CASO EM APREÇO (ART. 4º, I, H): SENTENÇA QUE DEVE SER MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.(TJ-SP - AC: 10265050820228260562 Santos, Relator: Alberto Gosson, Data de Julgamento: 07/07/2023, Câmara Especial de Presidentes, Data de Publicação: 07/07/2023)

APELAÇÃO CÍVEL. Ação de repactuação de dívidas. Superendividamento. Sentença de improcedência. Insurgência do requerente. PRELIMINAR, em contrarrazões, de violação ao princípio da dialeticidade recursal. Não ocorrência. Requerente suficientemente indica a razões de fato e de direito que, no abstrato, sustém a pretensão recursal. Atendimento o disposto no art. 1.010, III, do Código de Processo Civil. MÉRITO. Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial. Art. 54-A, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor. Não se sopesam, para fins de análise de violação ao mínimo existencial, as parcelas das dívidas decorrentes de operação de crédito consignado regido por lei específica, nos termos do art. 4º, parágrafo único, I, h, do Decreto nº 11.150/2022. A contraprestação mensal a que se submeteu o requerente, descontada do benefício previdenciário percebido por aquele, sem que considerados os descontos consignados, resulta em rendimento mensal superior ao mínimo existencial previsto na legislação de regência, a saber, R$600,00, conforme art. 3º do Decreto nº 11.150/2022. Não despontante, por razão da contratação de consumo controvertida, violação ao mínimo existencial. Sentença mantida. Recurso desprovido.(TJ-SP - Apelação Cível: 1002180-23.2022.8.26.0156 Cruzeiro, Relator: Márcio Teixeira Laranjo, Data de Julgamento: 08/02/2024, 13ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/02/2024)

3. Limites de Crédito Não Utilizados

Os itens II e III do parágrafo único do Artigo 4º do Decreto tratam dos limites de crédito não utilizados em duas situações específicas: conta de pagamento pós-paga e cheque especial/linhas de crédito pré-aprovadas. Vamos explicar cada um deles separadamente:

II - Limites de crédito não utilizados associados a conta de pagamento pós-paga:

Nessa disposição, o Decreto estabelece que os limites de crédito não utilizados em uma conta de pagamento pós-paga não serão considerados na avaliação da preservação ou comprometimento do mínimo existencial.

Caso prático

Conta de pagamento pós-paga é uma modalidade na qual o consumidor realiza as transações e os valores são debitados posteriormente, geralmente de forma automática. Os limites de crédito não utilizados referem-se ao montante máximo de crédito que o consumidor tem disponível, mas que não foi utilizado. Ou seja, se o consumidor possui um limite de crédito de R$ 1.000,00 em sua conta pós-paga e não utiliza esse limite, esse valor não será considerado como parte de suas dívidas ao calcular a preservação do mínimo existencial.

III - Limites disponíveis não utilizados de cheque especial e de linhas de crédito pré-aprovadas:

Neste ponto, o Decreto estabelece que os limites disponíveis e não utilizados de cheque especial e linhas de crédito pré-aprovadas também não serão levados em conta na avaliação do mínimo existencial. O cheque especial é uma linha de crédito disponibilizada pelo banco em que o consumidor pode movimentar recursos além do saldo disponível em sua conta corrente, até o limite pré-aprovado. Linhas de crédito pré-aprovadas são similares, são créditos concedidos antecipadamente pelo banco, sujeitos a utilização pelo consumidor conforme sua necessidade.

Se esses limites não forem utilizados pelo consumidor, ou seja, se ele não usar o cheque especial ou não recorrer às linhas de crédito pré-aprovadas, esses valores também não serão considerados como parte de suas dívidas no cálculo do mínimo existencial.

Essas disposições visam a não considerar como dívida os valores de crédito que o consumidor tem disponíveis, mas não utiliza efetivamente, preservando assim parte de sua capacidade financeira e evitando que sejam considerados na avaliação de sua situação de superendividamento.

Art. 5º: Substituição de Operações de Crédito

Art. 5º A preservação ou o não comprometimento do mínimo existencial de que trata o caput do art. 3º não será considerado impedimento para a concessão de operação de crédito que tenha como objetivo substituir outra operação ou operações anteriormente contratadas, desde que se preste a melhorar as condições do consumidor.

§ 1º O disposto no caput se aplica à substituição das operações contratadas:

I - na mesma instituição financeira; ou

II - em outras instituições financeiras.

§ 2º As contratações em outras instituições financeiras de que trata o inciso II do § 1º ocorrerão exclusivamente por meio da sistemática da portabilidade de crédito regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional.

Comentário sobre o Artigo 5º do Decreto:

O Artigo 5º do Decreto aborda a questão da preservação ou não comprometimento do mínimo existencial e sua relação com a concessão de operações de crédito que visam substituir outras operações já contratadas pelo consumidor. Vamos analisar cada ponto:

Substituição de Operações de Crédito: O artigo estabelece que a preservação ou não comprometimento do mínimo existencial não será um impedimento para a concessão de operações de crédito que tenham como objetivo substituir outras operações anteriormente contratadas pelo consumidor.

Isso significa que, mesmo que o consumidor esteja superendividado, ele ainda pode obter uma nova operação de crédito, desde que essa nova operação tenha o propósito de substituir operações anteriores e oferecer condições mais vantajosas para o consumidor.

Aplicação à Substituição de Operações Contratadas em Outras Instituições:

O parágrafo primeiro esclarece que essa permissão se aplica tanto à substituição de operações contratadas na mesma instituição financeira quanto em outras instituições. Ou seja, o consumidor pode substituir suas dívidas não apenas dentro do mesmo banco, mas também em diferentes instituições financeiras.

Portabilidade de Crédito:

O parágrafo segundo especifica que as contratações em outras instituições financeiras, conforme mencionado no parágrafo primeiro, devem ocorrer exclusivamente por meio da sistemática da portabilidade de crédito regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Isso significa que a substituição de dívidas em instituições diferentes deve seguir as regras estabelecidas pelo CMN para garantir a portabilidade do crédito de forma eficiente e transparente para o consumidor.

Exemplo prático: Suponha que um consumidor tenha contraído diversas operações de crédito em diferentes instituições financeiras para cobrir despesas emergenciais e manter o sustento de sua família. No entanto, devido às altas taxas de juros e encargos elevados dessas operações, o consumidor está lutando para manter o mínimo existencial, ou seja, garantir recursos suficientes para necessidades básicas como moradia, alimentação, saúde e educação.

De acordo com o artigo 5º da legislação citada, o consumidor poderia buscar uma operação de crédito que substitua essas operações anteriores, desde que esta nova operação proporcione melhores condições financeiras. Isso significa que a nova operação de crédito deve oferecer taxas de juros mais baixas, prazos de pagamento mais favoráveis ou condições gerais que reduzam o peso das prestações mensais sobre o orçamento familiar.

Exemplo Prático do Artigo 5º do Decreto 11.150/2022

Situação:

Maria é uma consumidora que possui um histórico de operações de crédito diversas, incluindo um empréstimo pessoal e um financiamento para um veículo, ambos contratados em diferentes instituições financeiras. Ela está enfrentando dificuldades financeiras devido ao alto custo das parcelas mensais dessas operações.

Aplicação do Dispositivo Legal:

Substituição de Operações de Crédito:

Maria busca melhorar suas condições financeiras substituindo suas operações de crédito atuais por uma nova operação que ofereça melhores termos e condições. Segundo o Artigo 5º do Decreto 11.150/2022, a preservação ou o não comprometimento do mínimo existencial não impede a concessão de uma nova operação de crédito, desde que essa substituição beneficie a Maria, ou seja, melhore suas condições financeiras gerais.

Aplicação na Mesma ou em Outra Instituição Financeira:

Maria tem a opção de substituir suas operações de crédito na mesma instituição financeira ou em outra instituição. Isso significa que ela pode buscar ofertas de refinanciamento ou consolidação de dívidas tanto na instituição onde possui as operações atuais quanto em outras instituições financeiras.

Portabilidade de Crédito:

Se Maria optar por substituir suas operações de crédito em outra instituição financeira (conforme o item II do § 1º), ela deve utilizar a sistemática da portabilidade de crédito regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional.

Isso garante que o processo de transferência de suas dívidas seja feito de maneira transparente e vantajosa para Maria, respeitando as condições estabelecidas pelo órgão regulador.

Considerações Finais:

O Artigo 5º do Decreto busca equilibrar a proteção ao consumidor superendividado com a possibilidade de acesso ao crédito para melhoria de suas condições financeiras. Ao permitir a substituição de operações de crédito anteriores por novas operações, desde que ofereçam benefícios ao consumidor, o decreto visa proporcionar oportunidades de reestruturação financeira.

No entanto, a aplicação dessas disposições deve ser acompanhada de perto para garantir que não haja abusos por parte das instituições financeiras e que o consumidor seja protegido de forma adequada.

Art. 6º: Repactuação de Dívidas

Texto: Art. 6º No âmbito da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento em dívidas de consumo, a repactuação preservará as garantias e as formas de pagamento originariamente pactuadas, nos termos do disposto no caput do art. 104-A da Lei nº 8.078, de 1990.

Parágrafo único. Excluem-se do processo de repactuação de que trata o caput:

I - as dívidas oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, ainda que decorrentes de relações de consumo; e

II - as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural.

Comentário sobre o Artigo 6º do Decreto:

O Artigo 6º do Decreto aborda especificamente a questão da repactuação das dívidas de consumo no contexto do superendividamento, tanto em âmbito administrativo quanto judicial. Vamos analisar detalhadamente cada ponto:

Preservação das Garantias e Formas de Pagamento:

O artigo estabelece que, durante o processo de repactuação das dívidas de consumo em situações de superendividamento, as garantias e formas de pagamento originalmente pactuadas devem ser preservadas.

Isso significa que as condições acordadas inicialmente entre o consumidor e o credor devem ser mantidas, conforme o disposto no artigo 104-A da Lei nº 8.078/1990, que trata do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Exemplo Prático do Artigo 6º do Decreto 11.150/2022

Situação:

João é um consumidor que enfrenta superendividamento devido a várias dívidas de consumo, incluindo cartões de crédito e financiamentos pessoais. Ele está buscando uma solução através da conciliação administrativa para reestruturar suas dívidas e evitar processos judiciais.

Aplicação do Dispositivo Legal:

Conciliação Administrativa:

João decide participar de um processo de conciliação administrativa oferecido por uma entidade de defesa do consumidor. O objetivo é chegar a um acordo com seus credores para repactuar suas dívidas de consumo de maneira que ele consiga honrar os compromissos financeiros dentro de suas possibilidades.

Repactuação Preservando Garantias e Formas de Pagamento:

Durante o processo de conciliação, é estabelecido que a repactuação das dívidas de João preservará as garantias e as formas de pagamento originalmente acordadas. Isso significa que os termos e condições dos contratos de crédito, como prazos, taxas de juros e garantias (se houver), serão mantidos na medida do possível.

Aplicação do Artigo 104-A da Lei nº 8.078/1990:

O Artigo 104-A da Lei nº 8.078/1990, mencionado no Artigo 6º do Decreto 11.150/2022, estabelece que a repactuação das dívidas deve respeitar as condições originais acordadas entre as partes. Essa medida visa assegurar que João não seja prejudicado no processo de conciliação e que as alterações nos contratos sejam feitas de forma justa e transparente.

Conclusão:

João se beneficia do Artigo 6º do Decreto 11.150/2022 ao participar da conciliação administrativa para superendividamento. A repactuação de suas dívidas preserva as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas, conforme estipulado pela legislação consumerista. Isso proporciona a João uma oportunidade de reorganizar suas finanças de maneira sustentável e evitar medidas mais drásticas como ações judiciais, promovendo uma solução eficaz para suas dificuldades financeiras.

Exclusões do Processo de Repactuação:

O parágrafo único do artigo especifica duas situações que estão excluídas do processo de repactuação mencionado no caput:

a) Dívidas Celebradas Dolosamente: São excluídas do processo de repactuação as dívidas oriundas de contratos celebrados dolosamente, ou seja, de forma fraudulenta ou com má-fé por parte do devedor. Mesmo que essas dívidas estejam relacionadas a relações de consumo, não serão consideradas no processo de repactuação, evidenciando a importância da boa-fé nas transações financeiras.

b) Dívidas com Garantia Real, Financiamentos Imobiliários e Crédito Rural: Também estão excluídas do processo de repactuação as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, financiamentos imobiliários e crédito rural. Essas modalidades de crédito possuem características específicas e são regidas por legislações distintas, o que justifica sua exclusão do processo de repactuação voltado para dívidas de consumo

Exemplo Prático das Exclusões do Processo de Repactuação

Situação:

Ana é uma consumidora que está enfrentando superendividamento devido a diversas dívidas de consumo, como cartões de crédito e empréstimos pessoais. Ela busca uma solução através do processo de repactuação oferecido por uma instituição de conciliação de dívidas.

Aplicação do Dispositivo Legal:

Exclusão de Dívidas Celebradas Dolosamente:

Durante a análise das dívidas de Ana, é identificado que uma delas foi contraída de forma dolosa. Esta dívida em específico foi resultado de um contrato celebrado com má-fé por parte de Ana, o que significa que ela agiu de maneira fraudulenta ou desonesta na contratação.

Por conta disso, esta dívida não poderá ser incluída no processo de repactuação. Mesmo que se trate de uma dívida de consumo, a exclusão é justificada pela importância da boa-fé nas relações contratuais e pela necessidade de proteger a integridade do processo de repactuação para casos genuinamente necessitados.

Exclusão de Dívidas com Garantia Real, Financiamentos Imobiliários e Crédito Rural:

Além da dívida dolosa, Ana possui outras dívidas que estão excluídas do processo de repactuação de acordo com o parágrafo único do artigo. Isso inclui dívidas que têm garantia real, como um financiamento imobiliário e um crédito rural destinado a sua propriedade agrícola.

Essas modalidades de crédito possuem características específicas e estão sujeitas a legislações diferentes das dívidas de consumo comuns. Portanto, mesmo que Ana esteja buscando resolver suas dívidas, estas específicas não podem ser incluídas no processo de repactuação destinado às dívidas de consumo.

Art. 7º: Aplicabilidade

Texto: Art. 7º O disposto neste Decreto não se aplica para fins de concessão de benefícios da assistência social.

Comentário: Este artigo esclarece que as disposições do decreto não se aplicam para a concessão de benefícios de assistência social. Essa exclusão é importante para evitar confusões entre políticas de crédito e políticas de assistência social, que têm objetivos diferentes e são regulamentadas por legislações específicas. O foco do decreto é a proteção do consumidor endividado no mercado de crédito, não abrangendo benefícios assistenciais

Conclusão:

Diante do exposto, é possível concluir que o Decreto Presidencial nº 11.150/2022 representa um importante avanço na regulamentação da Lei do Superendividamento, ao estabelecer diretrizes e procedimentos para prevenir e tratar situações de endividamento excessivo.

No entanto, sua eficácia e adequação aos princípios do ordenamento jurídico brasileiro ainda estão sujeitas a questionamentos e debates, especialmente no que diz respeito à proteção dos direitos dos consumidores e à garantia de segurança jurídica para os credores.

As principais críticas referem-se ao valor fixo estabelecido para o mínimo existencial, à atualização desse valor sem critérios claros, e à exclusão de diversas despesas na aferição do mínimo existencial, o que, em muitos casos, torna inviável a situação do superendividado.

Diante disso, é fundamental que haja um acompanhamento contínuo da aplicação do decreto, bem como um diálogo constante entre os diversos atores envolvidos, incluindo órgãos governamentais, entidades de defesa do consumidor, instituições financeiras e o Poder Judiciário, visando garantir uma abordagem equilibrada e justa para enfrentar o desafio do superendividamento no Brasil.

Referências Bibliográficas:

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Sobre o autor
Rodrigo Almeida Chaves

Defensor Público do Estado do Acre, desde o ano de 2007 atualmente lotado no Subnúcleo do Superendividamento e Ações do Consumidor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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